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BrBRCVHe0034-71672012000300006

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National varietyBr
Year2012
SourceScielo

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Nudez do paciente sob a óptica de estudantes da área de Enfermagem Fundamental

INTRODUÇÃO O presente estudo, vinculado ao Grupo de Estudos D. Isabel Macintyre - GEDIM, tem como objeto a nudez do paciente sob a óptica de estudantes da área de Enfermagem Fundamental e seu objetivo é analisar a visão de estudantes sobre o desnudamento do corpo para cuidar. A motivação para abordar esta temática se deu a partir das aulas da disciplina de Métodos e Processos de Intervenção de Enfermagem do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas - UFAL, pois foi percebido, no decorrer das aulas práticas, que no momento de despir o cliente, alguns estudantes demonstravam constrangimento, enquanto outros desenvolviam a técnica sem pensar na inibição que, na maioria das vezes o cliente apresenta, restringindo-se ao procedimento em si, não dando a devida atenção à sua nudez.

É durante esta fase do curso que o estudante de enfermagem vivencia o primeiro momento em que desnuda o cliente e é neste ato que surge, por parte dos estudantes, as primeiras dificuldades de lidar com a nudez, as quais se manifestam através de sentimentos como vergonha e constrangimento. Com isso, surgiu o questionamento sobre como um grupo de estudantes se vêem diante de um corpo que eles desnudaram, ajudaram a desnudar ou cuidaram quando estava desnudo.

É notório que, em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações(1). Isso pode ser visto quando se observa que a vergonha da nudez é um sentimento resultante da operação de defesa do desejo exibicionista, uma vez que a criança gosta de se mostrar nua; para ela está tudo bem! O social diz "é feio", "é pecado", reprime-a e ela esquece que gostava de aparecer nua e de exibir-se, passando a viver o nu como algo vergonhoso(2).

Assim, quando se fala de poder não é apenas de um poder alienado, dominador, mas dos jogos de poderes que existem nas falas das pessoas ao se relacionarem.

E é nessa relação que cada grupo ou pessoa ao ver (observar) desenvolve relações de poder. O ato de ver - que envolve o que selecionamos para ver e como vemos - produz efeitos sobre os sujeitos, produz relações de poder, muitas vezes, de forma sutil e sedutora(3). Neste contexto, diante do que se tem sobre cuidar, é razoável acreditar que o ato de cuidar é propício ao exercício de poder, acatando-se a premissa foucaultiana que falar em poder é muito mais (grifo nosso) que uma relação onde alguém impõe ao outro a mensagem que deseja transmitir e que implica muitas vezes no uso da hierarquia. Quando esta posição de poder é vista como "natural", é onde o poder mais se revela(1).

A escola tem um papel fundamental nessa ação transformadora do leigo que é o estudante de enfermagem em enfermeiro, trabalhando os conhecimentos, habilidades e atitudes necessários ao desenvolvimento do estudante, sendo através do ensino e da reflexão que ocorrem as mudanças almejadas, o que levou a traçar um paralelo entre o ensino de enfermagem e a prática diária do cuidado para tornar sensível a prestação do cuidado oferecido a nossa clientela(4).

METODOLOGIA Para alcançar os objetivos propostos foi realizado um estudo do tipo qualitativo descritivo, pois este tipo de pesquisa é apropriado quando da abordagem de um aspecto muito delicado que envolve sentimentos e emoções, como é o ato de desnudar o corpo do outro para nele desenvolver os cuidados de enfermagem. A pesquisa foi realizada em três, das nove instituições de ensino universitário que oferecem cursos de Graduação em Enfermagem da cidade de Maceió-AL, com a participação dos estudantes que estavam cursando as disciplinas que envolvem cuidados onde a nudez é necessária para o seu desenvolvimento, tido como critério de inclusão. No entanto, foi possível encontrar estudantes nesta condição em todas as instituições de ensino dos cursos de Graduação em Enfermagem, pois, existem instituições em que o curso de Enfermagem foi instalado recentemente, não sendo ainda ministradas essas disciplinas. Outra Universidade ainda não teve o curso de Graduação em Enfermagem autorizado, não podendo participar do estudo.

Os sujeitos foram 21 estudantes dos cursos selecionados e as informações levantadas dessas vinte e uma entrevistas se encontravam saturadas, por este motivo cessamos a coleta de dados. É importante lembrar que o estudo qualitativo não busca analisar relações quantitativas de dados, mas a interpretação em profundidade das falas dos sujeitos. Por esta razão, os sujeitos entrevistados produziram informações suficientes para uma discussão sustentável. Foram critérios de inclusão: que estivesse matriculado em uma disciplina teórico-prática da área de Enfermagem Fundamental; que tivesse vivenciado a situação de desnudar uma pessoa, ou de ter cuidado de uma pessoa desnudada; que tivesse idade igual ou maior que 18 anos e que aceitasse participar da pesquisa.

Para produzir as informações foi inicialmente enviado um ofício juntamente com uma cópia do projeto de pesquisa para a coordenação de cada curso selecionado solicitando permissão para a coleta de dados. Em seguida iniciou-se um processo de aproximação com os sujeitos para inserir o tema a ser estudado, preparando- os para as entrevistas, escolhida como a técnica mais adequada para colher as informações, no período de março/junho-2010. O instrumento foi um roteiro semiestruturado, que buscou orientar a discussão, relacionando os seus comentários com o foco da pesquisa. As discussões foram gravadas e transcritas em sua íntegra.

Na construção deste estudo foram enfatizados os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos de acordo com a Resolução 196/96 do CNS/ MS(5). Foi mantido o anonimato dos sujeitos do estudo, os mesmos tiveram conhecimento de sua participação, sendo devidamente esclarecidos sobre o objetivo do estudo e que os dados obtidos seriam usados para fins científicos; os participantes foram informados a respeito de sua autonomia diante da pesquisa, podendo recusar-se a participar ou retirar seu consentimento.

Assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFAL conforme Processo n.º025789/2009-98.

A análise das informações foi iniciada pela organização dos dados produzidos.

Com o apoio da Análise de Conteúdo, na modalidade temática, foram extraídos núcleos de sentido que possibilitaram a descoberta dos temas. Para interpretação e discussão dos achados, buscou-se o apoio do pensamento de Michel Foucault, principalmente o seu conceito de poder, sendo o mesmo o referencial teórico do estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Antes de iniciar a análise e discussão dos resultados foi realizado um traçado rápido das características dos sujeitos, das faculdades onde estudam e das diversas denominações que recebem as disciplinas que abordam as situações de cuidado onde a nudez do paciente se faz necessária. Os 21 sujeitos foram paritários na distribuição entre as três escolas estudadas, cursando do ao período da Graduação em Enfermagem, dois deles, homens. A idade variou de 18 a 37 anos sendo mais numerosos os de 18 a 26 anos. Onze estudantes professavam a religião cristã católica, 8 eram cristãos protestantes, 1 espírita e 1 agnóstico. No que diz respeito ao início da abordagem teórico-prática acerca do objeto de estudo, foi visto que a maioria dos entrevistados iniciou o conteúdo que envolve o desnudamento do corpo entre o e o período. O material produzido por estes sujeitos mostrou saturação dos dados e sustentou a discussão com o referencial teórico adotado.

Das instituições de origem, uma era pública e as duas outras privadas. A denominação das disciplinas variou de Semiologia e Semiotécnica, uma das denominações clássicas, a Métodos de Intervenção de Enfermagem. Nessas disciplinas são abordados muitos conteúdos que exigem o desnudamento, como exame físico, banho no leito; higiene íntima; massagem de conforto; cateterismo vesical de demora e de alívio; lavagem intestinal, dentre outros, correspondendo aos cuidados relatados na literatura consultada como os que exigem o desnudamento para serem executados.

A observação do perfil dos estudantes, no que diz respeito à idade, faz pensar que pode haver interferência da natural imaturidade dos mais jovens, o seu modo de ver, aprender e lidar com a nudez dos pacientes; assim como na forma como analisam sua vivência da situação em estudo. Da mesma forma, é possível perceber a religião como uma variável que interferiu na relação do estudante com o paciente desnudado, considerando que os cristãos protestantes confessaram maior dificuldade nesta circunstância, pois alguns mencionam nunca ter visto uma genitália oposta à sua, o que não aconteceu no relato dos entrevistados da religião cristã católica, que abordavam o tema com mais naturalidade.

Após análise das falas, verificou-se aspectos relevantes nos discursos, como o fato de que todos se haviam relacionado com a nudez de algum paciente, assumindo que é um trabalho que exige uma postura ética, sendo necessário ter em mente que se lida com pessoas de crenças e culturas diferentes. Então, o ato de desnudar não pode ser visto como algo natural, visto que cada um tem suas particularidades.

Esta condição leva ao entendimento de que a formação do estudante, pela própria natureza do trabalho que irá desempenhar não pode estar desvinculada do exercício contínuo dos princípios éticos. O professor que se envolve com o cuidado direto prestado, por estudantes e por ele próprio, no exercício da docência, desenvolve um estado de vigilância quanto ao respeito a esses princípios, sob pena de estar sendo exemplo duvidoso, o que compromete o processo de aprendizagem e transforma o ensino do cuidar em treinamento puramente técnico(6).

Para analisar as informações foi importante resgatar como os estudantes encaram o ato de ter que desnudar para prestar assistência de enfermagem, e como a abordagem destes aspectos influencia na sua formação. A análise das falas transcritas dos discentes quando responderam a perguntas como essas permitiram capturar os seguintes temas: Cuidar do corpo nu implica observância do princípio bioético da autonomia Neste tema os sujeitos refletiram que não como lidar com o desnudamento de pessoas sem atentar para o fato de que esta ação implica o respeito ao princípio bioético da autonomia, deixando claro o conflito gerado entre a necessidade e a vontade de cada um. O tema acima mencionado foi relevante para o desenvolvimento da pesquisa, pois sabe-se que os profissionais da equipe de enfermagem têm competência para desenvolver procedimentos que envolvem a nudez, porém os mesmos podem ser executados após autorização do paciente. Dessa forma, se garante a observância do princípio ético muito importante o da "autonomia". Este princípio reside justamente nessa possibilidade do indivíduo fazer suas escolhas e a ele devemos dar esse direito(5).

O conceito de autonomia não pode ser restrito apenas a ser livre para agir como quiser, sem pensar nas conseqüências, mas a ele é inerente a responsabilidade em responder por suas decisões(7). Para tanto é necessário que o sujeito esteja esclarecido e apto a tomar decisões. O acadêmico deve ser orientado quanto aos princípios éticos que precisam ser obedecidos, dentre eles o da autonomia, para entender que não podem obrigar o cliente a se submeter a qualquer cuidado que ele não queira.

O cuidado voltado para as práticas de higiene foram os mais discutidos pelos sujeitos, podendo-se observar nas falas que os entrevistados recebem orientação para que respeitem a autonomia do paciente: A professora está sempre dizendo a gente para estimular a autonomia deles, porque é necessário que eles saibam que estão vivos (ISABELLA).

Porque os professores explicam a gente que se o paciente tiver autonomia de fazer a higiene íntima, a gente deve orientar e deixar que ele faça e nunca a gente fazer ou tomar a frente dele (SAANDE).

Eu percebi que ele puxava a mão e colocava eu disse: olhe eu vou iniciar o banho, mas quando for à parte íntima eu lhe dou uma buchinha e você lava (ESTRELA).

Ao agir desta forma os estudantes julgam estar respeitando o princípio da autonomia e preservando a dignidade da pessoa. Para eles, o conceito de dignidade apresenta-se como sendo de uma importância fulcral para a prática de enfermagem.

Outra questão a considerar é que o ato de cuidar de um corpo desnudo requer alguns cuidados com a privacidade do cliente, obedecendo assim aos princípios éticos. Isto permite refletir que a experiência educativa pela qual o estudante passa é crucial para sua formação e não deveria abordar apenas o interesse de capacitá-lo tecnicamente, isso seria reduzir o caráter educativo de uma formação ampla que aborde desde a vivência técnica específica até a de cunho ético(8). As falas mostraram como eles vêem isto: A pessoa tem que ter cuidado, respeito, ter uma postura que a pessoa veja que é bastante profissional (SAMILLE).

Eu tinha que respeitar, não ia chegar e puxar e falar quem tem que fazer isso é a gente (ESTRELA).

Essas falas levam ao entendimento de que o estudante de enfermagem reconhece que o respeito é a base de sua relação interpessoal nesta situação. Para tanto, ele necessita de educação ética mais abrangente, proporcionando uma reflexão a respeito dos valores, visando dessa forma o desenvolvimento da consciência ética dos estudantes. O respeito à situação do outro, à sua fragilidade é necessidade sentida para minimizar os efeitos do poder embutido no cuidar. A ética apontada na academia precisa ser pautada e exercida de acordo com as reais necessidades da sociedade. Esta reflexão é sustentada ao se dizer que a ética vista nas escolas de saúde aparece como um assunto de uma disciplina e acaba não sendo dada a ela a devida importância(9). Muito se valoriza o ensino na realização das técnicas e a parte ética fica alheia a esse ensino. Por ser uma profissão que valoriza a técnica acaba comprometendo o ensino da saúde e da Enfermagem direcionada para um focar ético(9).

Outro aspecto que aparece com muita força é a segurança que o estudante julga que precisa ter para lidar com a nudez do paciente. Muitas vezes, a insegurança diante do nu é "disfarçada" (grifo nosso) pela confiança demonstrada ao paciente de que ele sabe fazer o que está fazendo: Mas tentei passar para ele segurança no procedimento que eu iria fazer (...), para que ele confiasse mais no procedimento que eu iria realizar (BRUNA).

Com o passar dos dias eu fui me familiarizando com a técnica, eu fiquei mais confiante e passei mais confiança para o paciente (TACIANE).

Com essas falas os estudantes revelam como se apropriam e passam da condição teórica de respeito para o exercício prático do poder. Intrínseco a esse contexto observa-se toda uma hierarquização de relações sociais envolvendo o poder, um poder que se coloca de forma organizada, coordenada, piramidalizada (1). O eixo da hierarquização deste poder passa pelo saber, pela posição de ser estudante da área da saúde, a qual tem um poder social reconhecido. Daí se infere que o jogo de poder não está presente apenas no meio acadêmico, como em toda vida social.

Assim, desenvolve poder aquele que se colocar no centro das ações, mas isso não quer dizer que os componentes que se depositam à margem não desenvolvam poder, pois está presente em todos os lugares de diversas formas; ele se reproduz onde menos se imagina, inocentemente, tudo depende da forma como se apresenta a situação(3). Por exemplo, a competência científica que é dada ao professor lhe garante relações de poder científico sob os estudantes e pacientes, porém não se deve ver isto como uma regra, pois o inverso poderá acontecer, basta o paciente recusar-se, é o que chamamos de poder da autonomia. Ou, nos casos em que os estudantes rejeitam orientações ou condutas dos docentes, por não se sentirem seguros com as informações teórico/prático recebidas: Eu não gostei da aula de exame físico, para ser sincera, primeiro porque ela não passava segurança, firmeza, não passava conhecimento e quando a gente perguntava ela ficava olhando para outra professora, tipo assim, como se estivesse pedindo socorro(...) Eu acho que os professores precisam ter mais conhecimento e saber passar, porque às vezes não é a falta do conhecimento é como transmiti-lo e como orienta em aulas. (ANDREIA).

A conduta de alguns professores causava desconforto e certo incômodo aos discentes, mas geralmente o que acontece é que alguns desses estudantes sentem- se inibidos em se posicionar e assim se colocam em silêncio obedecendo a uma hierarquização atribuída pelo jogo de poderes existentes na sociedade(10). Mas, no fundo, se espantam! Neste tema, principalmente por desatenção, observa-se que nem sempre as pessoas percebem quando estão desenvolvendo poder sobre as outras pessoas, pois a sociedade ainda o poder como algo ruim, que vem para dominar, destruir, encobrindo o aspecto da sua afirmação pela naturalização das ações corriqueiras, como ensina Foucault(1) e esse caráter dificulta o reconhecimento de que se está exercendo poder.

A escola como reprodutora da relação de poder no ato de desnudar Este tema surgiu do fato de todos os sujeitos reconhecerem que é na escola que eles se deparam com a autoridade do enfermeiro para despir o outro e é nas disciplinas da área de Enfermagem Fundamental que eles aprendem conteúdos que exigem o desnudamento. Os estudantes entrevistados consideraram que durante a formação acadêmica o conteúdo acerca do desnudamento não é bem abordado, causando, dificuldade em lidar com um corpo desnudo: É uma abordagem que particularmente eu acho muito superficial, acho que eles deveriam abordar mais, falar mais de como encarar a situação não é, e eu acho que fica a desejar (ALEXSANDRO).

E ninguém me explicou como, de fato, devo fazer essa abordagem (...).

Abordaram, mas não como deveriam. No campo prático eles não davam a devida importância (CRISTINA).

Assim, fica claro que houve para este grupo déficit de abordagem formal, deixando claro que eles precisam primeiro lidar consigo mesmos, pois, não como lidar com o corpo do outro se não conhece a si próprio e a Enfermagem pouco tem abordado questões como nudez, pudor e o corpo do paciente que é cuidado, por talvez ser ainda um tabu enfrentado pela profissão(11).

Para mim eu acho que segurar..., era um homem tinha que segurar para passar e eu agoniada, extremamente vermelha, mas ele tranqüilo eu passando não podia ficar com medo porque poderia machucar, eu sei que ele me ajudou mais do que eu ajudei a ele (ISABELLE).

Na hora que foi para administrar o medicamento eu tremi de todas as formas possíveis porque eu iria pegar no glúteo, eu na hora a professora calada perto de mim fez assim um sinal de calma e eu administrei e para mim essa foi a pior parte.(...) Porque cada um entende o seu corpo de uma forma (ISABELLA).

Essas falas comprovam as dificuldades dos estudantes para tocar o outro, mormente em áreas íntimas, na genitália. O corpo com que a enfermagem se depara está entre o sagrado e o profano estabelecido por influências religiosas delimitando o acesso a áreas "não permitidas", por exemplo, os órgãos sexuais, mas está a dualidade entre o tocar para cuidar e todo o pudor que existe acerca do corpo(12). É observado que no momento de despir o outro, o silêncio paira no ar, isto mostra a dificuldade que os estudantes têm de lidar com o assunto, essa mesma dificuldade acontece por parte do paciente. As breves respostas ficavam por conta da timidez, reflexo de vivências permeada por valores morais e religiosos muito rígidos que impregnavam de medo e vergonha (13).

Assim, eu sou evangélica, eu não vou dizer que nunca vi um pênis, mas eu vi, mas eu não tenho atividade sexual ativa, então para mim é muito difícil eu chegar no paciente do sexo masculino despir ele e conseguir fazer o procedimento (ISABELLA).

O meu sentimento também foi vergonha, mas que assim eu tentei não demonstrar essa vergonha, mas eu fiquei com tanta vergonha que nem conseguia olhar para o rosto do paciente (BRUNA).

Os pacientes muitas vezes revelam uma vivência singular, pois, ao se entregar aos nossos cuidados perdem sua identidade única, isso acontece porque seu corpo nunca havia sido tocado por outra pessoa que não o mesmo(13). Estudantes sentem igual, pois algumas vezes, nunca tocaram o corpo de outra pessoa.

Assim, depois que o estudante tem domínio dos conhecimentos teóricos e práticos acerca da assistência de enfermagem, passa a adotar uma conduta de "saber" (poder científico) perante seu meio de trabalho, bem como perante o seu "objeto" de cuidado que é o "paciente". Se o estudante não ficar atento pode ver o corpo apenas como um instrumento de aprimoramento da sua técnica e acaba submetendo-o a ser objeto do saber e muitas vezes isso está intrínseco no seu comportamento(14). É o que acontece quando agem como aprenderam: com poder.

Assim, esses saberes ensinados aos estudantes fazem com que eles "esfriem" os corpos para poder manipulá-los como objetos de prospecção e de produção de novos saberes: como ainda não sabem de tudo, mas sabem que têm que cuidar, eles produzem uma identidade própria, que determina um "jeito" de lidar com os seus corpos e os dos pacientes sob seus cuidados(10).

Lidar com o nu do outro exige cuidados Os estudantes ao serem interrogados, sobre a sua relação com clientes em situação em que o desnudamento é visto como algo necessário para a prestação do cuidado de enfermagem, mencionaram que é de competência da Enfermagem prestar assistência ao paciente de forma qualificada, e nos casos em que o paciente fique nu, deve-se manter a privacidade do mesmo, sempre o protegendo.

É importante atentar para o fato de que nas instituições hospitalares o corpo do cliente está sobre os cuidados dos profissionais que ali se encontram desenvolvendo procedimentos que se fazem necessários e que exigem o desnudamento. Isso pode ser contemplado nas seguintes falas: [...] Vejo alguns cuidados como uma invasão de privacidade, mas que é uma coisa necessária, porque se você não fizer aquilo, aquela pessoa vai piorar, porque ela está ali, mas não está podendo se cuidar, então ela precisa de uma pessoa para cuidar dela, então você tem que fazer aquilo, embora seja uma coisa constrangedora para ambos, não é? (ANDRÉIA).

Eu acho que é necessário, que a enfermagem está ali para fazer procedimento para o bem do paciente (LORENA).

Neste contexto, se coloca o ato de tirar as roupas de uma pessoa, tomando contato direto com o corpo nu. É relevante saber que as vestes não servem para nos separar do contato direto dos corpos alheios, mas as separam do próprio corpo, pois muitas vezes a própria pessoa não se reconhece e na hora de tocar o outro para prestar assistência de enfermagem apresenta muita dificuldade em despir o cliente(15). É como diminuir a barreira entre o corpo do outro e o próprio corpo.

Nas falas dos estudantes também foi visto a divergência entre o conteúdo teórico e o que é visto na prática, sendo mencionado pelos mesmos que não consonância dos dois extremos. Foi também observado contradições entre o conteúdo teórico/prático. Isto fica bem evidente nas seguintes falas: Então, tem que preparar o aluno para o que ele vai ver , porque ele não tem noção, porque quando a gente está aqui, a gente não sabe quase nada da realidade de um hospital, então quando a gente é jogado no hospital a gente vai com a cara e a coragem (ANDRÉIA).

Tanto da parte prática como na parte psicológica, muitas vezes o estudante se depara com a realidade do hospital e leva um susto que quer mais é sair de correndo (SANDRA).

Nesse conjunto de falas pode-se perceber a insegurança destes acerca do assunto, onde o mesmo sente-se jogado no campo prático e tendo que aprender com os improvisos impostos por aquela situação caótica. Assim, fica claro que o estudante, antes do que se imagina, desenvolve poder sob o corpo do paciente, pois isto se deve ao fato de que os procedimentos que envolvem a nudez começam sendo desenvolvidos em cima de relações de poder, para que assim possam responder às exigências da produção do cuidado e do processo educativo. Não obstante, apesar das dificuldades encontradas pelos estudantes é possível verificar em algumas falas a preocupação em colocar-se no lugar do outro, como é visto a seguir: Eu não gostaria jamais que a pessoa tirasse minha roupa por completo sem uma comunicação, [...]alguém que eu não conheço, que eu estou vendo pela primeira vez (SANDRA).

No caso dela eu senti pena porque era muita gente em volta e me coloquei no lugar mesmo (LORENA).

Em meio a tanta dificuldade relatada pelos discentes acerca do tema abordado percebe-se que os mesmos executam alguns cuidados para proteger o paciente de qualquer exposição desnecessária, fazendo uso de biombo, fechando a porta, cobrindo com lençol.

Assim, o estudante na busca do conhecimento vive a dualidade entre o saber e o não saber; se devem ser questionadores ou se manterem em silêncio, passando a viver esse conflito em seu interior(16). Mas apenas eles decidirão o tipo de enfermeiro que desejam ser.

Cuidar do corpo nu "mexe" com aspectos da própria sexualidade Neste tema constatamos que os entrevistados sentiram o desnudar o outro como um fazer que "mexe" (grifo nosso) com seus sentimentos e despertam sensações ligadas à sua sexualidade. Sabe-se que indivíduos são socializados para a entrada na vida sexual por meio da cultura, crenças e religião, que dita roteiros e comportamentos que deverão ser desenvolvidos na sociedade e que são considerados aceitáveis para cada grupo social. No caso da prática hospitalar da enfermagem, a visualização do nu ou o desnudamento acontece fora das regras sociais para estes atos, mas não anula sua reverberação no imaginário de cada um.

Nas falas dos estudantes percebe-se constrangimento ao se deparar com situações que envolvem sexualidade, mesmo para cuidar as quais não devem ser vistas de forma isolada, pois a mesma faz parte de um processo contínuo que se inicia na percepção do indivíduo e que percorre por toda sua história de vida, recebendo influência direta e constante de múltiplos fatores, tais como o biológico, fisiológico, emocional, social e cultural.

Fui explicar ao meu avô e ele com vergonha de mim, e eu dele, eu nunca tinha visto, tinha visto o boneco do curso (ESTRELA).

No primeiro tive dificuldade com o homem, mesmo porque eu tinha receio dele ficar excitado... Então, eu não pedi para que ele tirasse a roupa, eu apenas perguntei como é que estava em relação à genitália (TACIANA).

Os estudantes deixam claro que existe certo receio em tocar o corpo do outro para desenvolver ações de enfermagem. Muitos mencionam que não estão preparados e quando se encontram naquela situação ficam com mais vergonha do que o próprio paciente. outros acham "normal", pois mencionam que desnudar faz parte do trabalho que compõe a profissão de Enfermagem.

Eu quando fui para o campo prático eu torcia muito para quando eu fosse dar banho no leito fosse uma mulher, porque eu não sabia o que eu ia fazer se fosse um homem. E hoje se fosse um homem eu não me sinto preparada, para mim é muito complicado (CRISTINA).

Eu acho uma coisa natural porque ali ele está em um tratamento [...].Apesar de alguns pacientes terem constrangimento por causa da religião de outras coisas também, timidez (ELIS).

Foi possível ver nas falas dos discentes, ao responder a questionamentos sobre a nudez do paciente que em algumas situações vivenciadas eles deixam transparecer dúvida, dificuldade, medo, insegurança e, quando não, fuga. Isso acontece porque a sexualidade é uma parte intrínseca do nosso ser. Ainda que a sociedade atual demonstre certa liberdade em relação a questões que envolvem a sexualidade, ainda existem muitos tabus a serem superados, pois por mais que a sociedade assuma uma posição de naturalização acerca de determinados temas como a sexualidade, por exemplo, existem muitas normas e princípios a que a mesma está presa.

Observou-se nas falas dos estudantes que as orientações acerca da sexualidade precisam ser trabalhadas de forma detalhada, pois os discentes não se sentem seguros para desenvolver os procedimentos que envolvem o desnudamento do corpo do outro, adotando condutas que não são apropriadas no incremento do cuidado ao paciente.

No caso de ereção eles usavam éter até sem comunicar o paciente, eles molhavam o algodão no éter e colocava no pênis e voltava ao normal e elas realizavam o procedimento sem falar nada com eles, assim totalmente como se nada tivesse acontecido (ISABELLA).

A situação da ereção (...). Eu não iria me assustar entendeu. Eu usaria o éter, explicaria a ele que estaria ali como profissional e tudo e usaria o éter também, não é? Para tudo se acalmar (MARIANA).

O éter tem a função de desmanchar a ereção, tornando o procedimento possível, como se fosse o controle sobre o corpo do outro que eliminasse os imprevistos e as indesejadas reações corporais fisiológicas. O éter cumpre a função de esfriar os corpos, tornando-os dóceis e ao mesmo tempo eliminando os sinais da sexualidade envolvida. É válido mencionar que quando um paciente é hospitalizado eles se sentem corpos frios por natureza, este sentimento aflora do despojamento de tudo aquilo que lhe confere uma determinada identidade e que, portanto, o encarna na história. Esta estratégia possibilita o acesso a este corpo tornando-o mais fácil de ser manipulado(10,17). Este comportamento de poder provoca reações que podem dificultar o agir do estudante.

Eu dava banho nele ele começou a chorar, ficou uma situação constrangedora porque eu não sabia se eu continuava dando banho nele ou se eu fingia que nada estava acontecendo, eu não sabia (SAANDE).

A última fala deixa nítido o sentido da preparação dos estudantes, quando assume que não sabia se continuava o procedimento, ou se fingia que nada estava acontecendo. Mesmo diante do choro do paciente, o discente deixou dúvidas com relação à conduta que deveria tomar. Será que o estudante ao iniciar a técnica pediu "licença" ou "autorização"? Ou teve o cuidado de perguntar se o paciente queria ou aceitaria o cuidado? Ou simplesmente explicou o que iria fazer, assegurando que sabe fazer, que tem "prática" de fazer e que ele pode "ficar à vontade"? (grifos nossos).

Dessa forma, ainda pode-se dizer que a sexualidade é um tópico muito reprimido pela sociedade e que existe uma repressão muito forte relacionada à educação sexual, a qual pode estar ligada a experiências desde a infância, acarretando assim sucessivos nós que vão se emaranhando e provocando esmagamento do nosso desenvolvimento e comportamento sexual. Tal situação exige, em geral, um longo tempo para ser absorvida e nem sempre se reverte espontaneamente e/ou liberta o indivíduo de sentimentos negativos, que foram incoerentemente introjetados na infância e que acompanha até a vida adulta(18).

As relações de poder com o corpo nu É inegável que desde o andamento acadêmico, os estudantes são indiretamente ensinados a exercer poder sobre o corpo do paciente e esse poder se manifesta de várias formas, pois o poder não existe apenas como algo unitário e pleno, mas o mesmo se coloca unicamente como formas dessemelhantes, heterogêneas, em constante transformação. O poder não é um componente natural, um episódio; é um tirocínio social e como tal, constituído historicamente(1).

A Enfermagem não pode ignorar que, ao cuidar do doente, toca-lhe o corpo e o expõe, muitas vezes sem pedir autorização, adotando uma postura de "poder" sobre o corpo de outrem(19). Com isso, fica evidente que a enfermagem desenvolve poder sobre os corpos hospitalizados ao utilizar as técnicas que envolvem o desnudamento do corpo com o objetivo de alcançar a cura(10).

Colocar o aluno para enfrentar aquela situação e tentar convencer o paciente que ali tem um profissional e não um homem ou uma mulher entendeu, que possa lhe causar nenhum tipo de constrangimento para o paciente (ALEXSANDRO).

Bom é falar de toda a etapa de você conquistar o cliente para que ele possa ficar nu para você (TACIANE).

Dessa forma, é perceptível que os estudantes na ânsia de aprender acabam por exercer poder sobre o outro e, sobre este aspecto, Foucault é bem claro quando diz que o conhecimento e o poder se aludem reciprocamente, assim não existe relação de poder sem compleição de um campo de saber, como também, vice-versa, dessa forma todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber(1).

Estes aspectos que estão catalogados diretamente com as relações de poder podem ser vistos nas falas dos estudantes, porém é importante que os mesmos sejam informados que o conhecimento científico que sustenta o poder de tocar os corpos nus deve estar entrelaçado aos aspectos éticos que podem se colocar na consciência dos profissionais, minimizando o efeito do poder que exerce sobre o outro. No campo da terapêutica e da ética profissional é importante que o corpo de enfermagem fique atento com a relação prática implicada em situações que envolvem poder, para que o corpo do cliente não seja visto como objeto para o desenvolvimento do cuidar(20). Assim, observando as falas a seguir é possível ver as relações de poder que se colocam nitidamente.

eu e uma colega fomos fazer a limpeza da sonda, menina que vergonha, que ele ficava morrendo de vergonha, virava o rosto e eu e a colega limpando ele dizia bem assim, perguntava se ele mesmo não poderia limpar; a professora bem desenrolada: não, é besteira...

Elas estão estudando para isso (MARIANA).

Porque é como se eu tivesse vendo o paciente assim, ele está um pouco mais fragilizado, está um pouco mais frágil, porque está nu se sente um pouco inferior porque aquela pessoa está te vendo nu e você está deitado e não pode fazer nada (ANA JÉSSICA).

Esse conjunto de relações é abordado na obra Microfísica do Poder, quando Foucault afirma que o poder não existe; o que existem são práticas ou relações de poder. O que implica dizer que o poder é algo que se cumpre, que se executa, que labora. E que funciona como uma máquina social não devendo estar em um lugar distinto ou privativo, mas deve se distribuir por toda a estrutura social. O poder está longe de ser um objeto, sendo assim um jogo de relações a qual o estudante está autorizado pelo projeto político pedagógico do curso que providencia este aprendizado e protegido por uma autorização social e legal conferida do enfermeiro professor, podendo tocar, manusear o outro, exercendo, assim, poder sobre seus corpos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de tudo que foi discutido acerca da nudez do paciente sob a óptica de estudantes da área de Enfermagem Fundamental, pode-se dizer que este estudo atingiu seus objetivos. Na fala dos discentes, foi observada uma insatisfação, pois os mesmos se sentem despreparados para desenvolver os cuidados com o corpo, principalmente em situações que a nudez se faz presente. A rigor, não estão aprendendo a desnudar, mas sim aprendendo como executar procedimentos invasivos ou de higiene e conforto que precisam ser aplicados no corpo nu.

No que diz respeito aos aspectos éticos e bioéticos é relevante mencionar que ficou nítido a preocupação dos discentes em comunicar os procedimentos a serem realizados buscando não tornar os mesmos, técnicas frias e rotinizadas, mas atentar para o estado do paciente, elucidando o que vai ser feito e como vai ser feito, achando que assim estão resguardando os princípios éticos.

Os discentes reconheceram que suas primeiras experiências ao desnudar os fragilizaram, relatando como foi complicado tocar, desnudar e cuidar do outro, quando na verdade nunca haviam tocado em seus próprios corpos. No entanto, afirmaram que procuram superar suas dificuldades pessoais com a nudez para que possam manter assim relações afáveis com os pacientes.

Embora alguns tenham relatado satisfação acerca do conteúdo recebido em sala, bem como o incentivo e segurança passado por alguns docentes, outros relataram não se sentir seguros quanto às orientações recebidas na academia, nem diante da insegurança de alguns professores a respeito da conduta a ser tomada, recomendando que os cursos de graduação abordem com mais profundidade os conteúdos que envolvem a nudez, pois ficou perceptível sua superficialidade.

Um dado significativo foi a revelação de que tocar e cuidar do corpo desnudado "mexe" (grifo nosso) com aspectos da sexualidade dos envolvidos, com manifestações de constrangimento por parte dos estudantes e dos pacientes cuidados, gerando conflito, insegurança, vergonha que se transformam em ações típicas do exercício de poder como naturalização do toque ao nu ou esfriamento do corpo.

Diante dos resultados, sugere-se que outro estudo acerca da nudez do paciente seja desenvolvido tendo os próprios pacientes como sujeitos para que seus sentimentos quando comunicados sejam respeitados. É relevante ressaltar a importância dos cursos de graduação em enfermagem promoverem seminários envolvendo professores e alunos ao enfocarem o cuidado com o corpo despido. Por fim, cabe refletir sobre a importância deste trabalho, considerando que o enfermeiro tem uma função educativa que contribui para a educação das pessoas e pode atuar de modo a contribuir para minimizar preconceitos e tabus direcionados para a sexualidade, diminuindo o impacto da hospitalização.


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