Uso de alteplase no tratamento do acidente vascular encefálico isquêmico agudo:
o que sabem os enfermeiros?
INTRODUÇÃO
As doenças cerebrovasculares têm grande impacto sobre a saúde da população,
tendo relevância o acidente vascular encefálico (AVE), o qual atualmente é uma
das principais causas de mortalidade e morbidade em todo o mundo. No Brasil, o
AVE situa-se, conforme o ano e o estado da federação, entre a primeira e a
terceira causa de mortalidade, e representa a principal causa de incapacidade
em adultos. Estima-se que aproximadamente 85% dos casos sejam de origem
isquêmica e 15% hemorrágicos(1,2).
O AVE é definido como uma síndrome clínica de desenvolvimento súbito,
caracterizada por sintomas focais ou globais, que podem levar ao coma,
resultante da alteração da função cerebral de origem vascular por período
superior a 24 horas. Algumas vezes, o termo "ataque cerebral" é utilizado como
sinônimo, para designar um evento neurovascular de aparecimento rápido(3).
Em função da elevada taxa de mortalidade e baixa capacidade de intervenção na
fase aguda, não havia grandes investimentos em pesquisas e tratamento
hospitalar dos doentes com AVE. Este se limitava, na maioria dos casos, à
reabilitação dos pacientes com sequelas neurológicas. No entanto, a partir dos
anos 90, verificaram-se mudanças no cenário do tratamento de doenças
cerebrovasculares ao se adotar a estratégia de considerar o AVE uma emergência
médica, semelhantemente ao infarto agudo do miocárdio, adotando-se o lema
"tempo é cérebro"(4).
Tais mudanças começaram a ocorrer quando foi aprovado o uso do agente
trombolítico Alteplase, ou ativador do plasminogênio tecidual recombinante (rt-
PA), pelo Food and Drugs Administration (FDA), nos Estados Unidos, em julho de
1996, no tratamento da doença. A droga foi desenvolvida para uso em pacientes
com AVE isquêmico, por via endovenosa, em até três horas do início dos sintomas
(1).
A aprovação da droga foi motivada pelos resultados favoráveis do estudo
realizado pelo National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS),
que comprovou o benefício do uso do rt-PA na melhora ou resolução completa e
precoce dos sintomas neurológicos, bem como na boa recuperação funcional dos
pacientes três meses após a administração da droga. Estes achados foram
corroborados por metanálises, que analisaram resultados de estudos
randomizados, duplo-cegos e multicêntricos completos que versavam sobre a
utilização do rt-PA na fase aguda do AVE isquêmico, como o estudo desenvolvido
pela European Cooperative Acute Stroke Studies (ECASS), fases I e II, e o
estudo Alteplase Thrombolysis for Acute Neurointerventional Therapy in Ischemic
Stroke (ATLANTIS). Diante disso, constatou-se que o uso da medicação Alteplase
é eficaz no tratamento de pacientes com AVE isquêmico agudo(5).
Apesar da eficácia comprovada, o tratamento com Alteplase ainda apresenta
diversas dificuldades na sua implementação, e poucos são os pacientes com AVE
que se beneficiam desta terapêutica. Um dos principais fatores limitantes do
tratamento é o tempo, a pontualidade com que o doente é medicado. A droga é
eficaz se for administrada nas primeiras três horas do início dos sintomas de
AVE, e, quanto menor o intervalo de tempo entre o início dos sintomas e a
infusão da medicação, maior será a chance de um bom prognóstico(6). No entanto,
cerca de 96% dos pacientes procuram atendimento hospitalar somente após três
horas do início dos sintomas(7), ou seja, fora da "janela terapêutica", que é o
momento propício para intervir e reduzir os efeitos da isquemia cerebral. Outro
entrave ao uso do rt-PA(8) que tem desencorajado neurologistas a utilizá-lo é o
risco de hemorragia intracraniana, que, de acordo com estudo do NINDS, foi
registrado em 6% dos pacientes.
Associado a esses fatores, para se obter resultados satisfatórios, a terapia
com trombolítico requer uma adequação da infraestrutura dos serviços
hospitalares para atendimento emergencial do paciente com AVE agudo, exigindo
disponibilidade de recursos tecnológicos, como tomografia computadorizada e/ou
ressonância magnética de crânio, bem como de profissionais de saúde preparados
para o cuidado do paciente afetado pela doença e que se submeterá ao tratamento
com Alteplase(9).
No Brasil, o tratamento do AVE agudo com o uso do Alteplase vem ocorrendo em
quantidade crescente, desde que foi aprovado pelo Ministério da Saúde, em 2001.
No entanto, existem apenas treze hospitais públicos no país estruturados como
Unidades de AVE (Stroke Units) habilitados para realização de trombólise, o que
limita o acesso da população(10).
Assim, torna-se necessário divulgar para a população, por meio de campanhas
educativas, que o AVE representa uma situação ameaçadora à vida e que
atualmente há tratamento disponível. Igualmente, os profissionais de saúde
precisam ser sensibilizados quanto ao reconhecimento rápido e manejo adequado
dos pacientes com AVE agudo, no contexto pré-hospitalar e hospitalar(9).
No tocante à atuação da Enfermagem junto ao paciente com AVE agudo submetido à
trombólise, percebe-se a necessidade de gerenciamento de cuidado pautado num
corpo de conhecimentos especializados, haja vista a especificidade do
tratamento, para o qual é requerido do enfermeiro competências e habilidades
para prestar assistência de forma individualizada e integral. Em contrapartida,
verifica-se uma quantidade limitada de oferta de cursos de especialização e/ou
aperfeiçoamento no campo da neurologia que possam contribuir para a formação de
profissionais de enfermagem que atuam no tratamento de tais pacientes.
O interesse pelo tema em questão surgiu a partir da vivência como enfermeira
assistencial em uma Unidade de Acidente Vascular Encefálico, especializada no
atendimento a pacientes com AVE agudo e habilitada para realização de
trombólise. Tendo em vista a especificidade do tema para a Enfermagem e a
necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre esta terapêutica, considerada
a única até o momento indicada para o tratamento do AVE isquêmico agudo, o
presente estudo justifica-se por configurar subsídio científico para a prática
clínica do enfermeiro, haja vista a escassez de publicações sobre a temática no
âmbito da Enfermagem. Para tanto, a pergunta que emerge é a seguinte: Qual o
conhecimento dos enfermeiros sobre o uso do Alteplase em pacientes afetados
pelo AVE isquêmico agudo?
Portanto, o objetivo do estudo consistiu em analisar o conhecimento de
enfermeiros acerca do uso do Alteplase no tratamento do AVE isquêmico agudo.
METODOLOGIA
Trata-se de estudo descritivo-exploratório, que é utilizado por investigadores
quando buscam informações precisas sobre situações de um fenômeno,
particularmente quando se sabe pouco sobre o fenômeno. Os tipos de variáveis
podem ser classificados como opiniões, atitudes ou fatos(11).
A pesquisa foi realizada em uma Unidade de Acidente Vascular Encefálico de um
hospital terciário do Sistema Único de Saúde (SUS), referência em procedimentos
de alta complexidade, situado na cidade Fortaleza-CE. O local pesquisado é
considerado uma Unidade de AVE (Stroke Unit) aguda. Existem três modelos
básicos de unidades de AVE(12): 1) aguda: geralmente associada a serviços
neurointervencionistas, apresentando duração média de internação de 5 a 8 dias;
2) tardia: também chamada de unidade de reabilitação, admitindo pacientes após
a fase aguda, caracterizada por um período de internação prolongado, de semanas
a meses; 3) mista: admite pacientes da fase aguda, possuindo um enfoque
reabilitador, em geral com internação média de 14 dias.
O setor possui capacidade de 20 leitos, 02 destes exclusivamente destinados a
pacientes que farão tratamento com agente trombolítico intravenoso. Desde que a
unidade foi inaugurada, foram realizadas 36 trombólises com Alteplase. O
atendimento médio é de aproximadamente 80 pacientes/mês. A unidade conta com
uma equipe multidisciplinar, composta por médicos neurologistas e clínicos,
enfermeiros, fisioterapêutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, além de
nutricionistas e assistentes sociais que atendem aos demais setores
hospitalares.
Participaram do estudo 10 enfermeiros que trabalham na unidade de AVE
selecionados por amostragem intencional(13), na qual o que há de mais
significativo não é o quantitativo dos elementos, mas a representatividade e
qualidade das informações obtidas deles, tendo em vista o alcance dos objetivos
propostos. Para manter o anonimato, os entrevistados foram designados pela
letra E, referente a "enfermeiro", seguido de número arábico indicando a ordem
das entrevistas.
A coleta de dados ocorreu durante o mês de outubro de 2010, por meio de
entrevista semiestruturada, e foi realizada nos momento de maior conveniência
para os enfermeiros. O roteiro da entrevista foi composto por dados de
identificação, tempo que exercia a atividade no setor, formação e qualificação,
bem como questões referentes ao objeto de estudo: Quais os benefícios do uso do
Alteplase para o paciente com AVE? Quais os requisitos necessários para
realizar o tratamento trombolítico com segurança? Quais são os fatores
impeditivos para o uso do Alteplase com maior frequência em pacientes com AVE
agudo? Em sua opinião, quais estratégias poderiam ser utilizadas para expandir
a utilização do Alteplase?
O material coletado foi organizado e analisado segundo a técnica de análise
categorial temática(14), a qual seguiu os passos recomendados a seguir.
Efetuou-se a transcrição de todas as entrevistas na íntegra, seguida de leitura
flutuante, constituindo o corpusdo trabalho. Em seguida, ocorreram leituras
sucessivas, possibilitando a exploração do material obtido com o recorte em
unidades de registro, que forneceram subsídios para agregar informações nas
categorias temáticas que vão de encontro ao objetivo proposto. As categorias
foram as seguintes: Benefícios do uso do Alteplase, Limitações ao uso do
Alteplase e Estratégias para expandir o uso do Alteplase. A análise dos
conteúdos foi respalda em literatura pertinente ao tema.
O estudo faz parte de um projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvida no
contexto hospitalar acerca do cuidado clínico da enfermagem em situações de
adoecimento por hipertensão arterial. Foram respeitados os preceitos éticos e
legais em pesquisa com seres humanos, na qual foram obedecidas as exigências da
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(15). O projeto de pesquisa foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual do
Ceará (UECE) sob o parecer de nº 05050534-3, obtendo também aprovação na
instituição pesquisada sob o registro 140601/07.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Apresentando o local e os participantes da pesquisa
A unidade foi inaugurada em outubro de 2009, destinando-se a atender somente
pacientes com AVE agudo. Contudo, anteriormente, prestava atendimento a
pacientes com outras patologias neurológicas, configurando-se uma unidade de
neurologia do setor de emergência do hospital. Atualmente, desenvolve suas
atividades de forma articulada e integrada em três ambientes distintos: no
setor de emergência, onde se realiza o Acolhimento com Classificação de Risco
(ACCR), captando todos os pacientes com suspeita de AVE que buscam atendimento;
na própria unidade de AVE, prestando assistência a pacientes com diagnóstico
médico de AVE que estão internados; e no ambulatório de AVE, realizando
acompanhamento em pacientes que receberam alta hospitalar da unidade de AVE,
por um período mínimo de três meses.
A equipe de enfermagem, que é composta por 30 enfermeiros e 26 técnicos de
enfermagem, apresenta-se distribuída em duas escalas de trabalho: uma relativa
aos trabalhadores que prestam assistência de enfermagem aos pacientes
hospitalizados, e outra referente aos enfermeiros e técnicos de enfermagem do
ACCR. No ambulatório de AVE, a assistência de enfermagem, instituída
recentemente, vem ocorrendo paulatinamente: apenas duas enfermeiras realizam a
consulta de enfermagem, uma vez por semana e também trabalham junto aos
pacientes hospitalizados.
A equipe de enfermagem do ACCR conta com dois enfermeiros e dois técnicos de
enfermagem durante o dia, e um enfermeiro e um técnico de enfermagem no período
noturno. Essa equipe responde pelos procedimentos iniciais no momento da
entrada do paciente na emergência, tais como: avaliação neurológica do paciente
por meio da aplicação de escala de LAPSS (Los Angeles Prehospital Stroke
Screen), método utilizado internacionalmente no reconhecimento de pacientes com
AVE, e da escala de coma de Glasgow; verificação dos sinais vitais e glicemia
capilar; procedimentos de coleta de exames laboratoriais e cateterismo venoso
periférico, com instalação de soro fisiológico; e encaminhamento do paciente ao
médico clínico da emergência. Em seguida, a equipe de enfermagem encaminha
todos os pacientes para o setor de imagem para realização de tomografia
computadorizada de crânio para que, por fim, estes sejam avaliados por um
médico neurologista. Uma vez confirmado o diagnóstico de AVE, os pacientes são
internados na unidade de AVE ou no setor de emergência até que haja
disponibilidade de leito.
Vale ressaltar que os pacientes que chegam ao serviço com sinais e sintomas
sugestivos de AVE com início inferior a três horas são candidatos em potencial
a utilizar Alteplase, e requerem maior agilidade nos passos iniciais. Assim,
após a confirmação do diagnóstico de AVE isquêmico, da história clínica e do
resultado dos exames realizados, o paciente é encaminho para a unidade e
submete-se à administração da droga, mediante assinatura de termo de
consentimento por familiar responsável.
Dos enfermeiros que participaram do estudo, seis exerciam suas atividades na
unidade de AVE junto aos pacientes internados, três deles no ACCR e um,
acompanhava os pacientes no Ambulatório e na unidade de internação.
Apresentavam idade média de 25 anos e trabalhavam no setor há aproximadamente
um ano, e, na maioria, estavam no primeiro emprego. Os entrevistados não
possuíam vínculo empregatício e prestavam serviço ao hospital por meio de uma
cooperativa, o que explica a grande rotatividade de enfermeiros e técnicos de
enfermagem, representando um verdadeiro desafio para chefias de setor em termos
de capacitação.
Tratava-se de enfermeiros jovens na profissão, a maioria com qualificação, uma
vez que sete deles estavam finalizando o curso de Especialização de Enfermagem
em Terapia Intensiva. Uma enfermeira já era especialista em terapia intensiva,
outra cursava pós-graduação Stricto sensu e uma terceira possuía apenas
graduação. A falta de curso de especialização ou aperfeiçoamento em neurologia
no Estado é o que motivou a escolha desta modalidade de pós-graduação Lato
sensu, pois as atividades desenvolvidas no setor assemelham-se a uma unidade de
cuidados semi-intensivos(16), que se caracteriza como um conjunto de elementos
funcionalmente agrupados, destinado ao atendimento de pacientes que requerem
cuidados de enfermagem intensivos e observação contínua, sob supervisão e
acompanhamento médico, este último não necessariamente contínuo, porém linear.
Benefícios do uso do Alteplase
Com relação aos benefícios do uso do Alteplase no paciente com AVE isquêmico
agudo, alguns foram citados pelas enfermeiras como responsáveis pela melhora de
déficits neurológicos, como também de incapacidades físicas residuais
decorrentes do AVE, o que facilitariam o retorno mais rápido ao domicílio por
promover maior autonomia para desempenhar atividades da vida diária. As falas a
seguir exemplificam isso:
Regressão dos déficits neurológico e motor do AVE... Restabelece a
função motora, facilitando o retorno às atividades de vida diária...
(E1)
Melhora do déficit motor e das demais sequelas... (E2, E4, E5, E10)
É a reversão da isquemia favorecendo a melhoria da qualidade de vida
do paciente... Ele entra com um déficit e sai bem melhor... Vai para
casa logo...(E6)
A literatura aponta os benefícios do Alteplase, apresentando-o como tratamento
de primeira linha para a fase aguda do AVE agudo isquêmico, na dose de 0,9 mg/
kg, administrado em até três horas do início dos sintomas(1,7,10).
Contudo, um ensaio clínico randomizado, ECASS III, demonstrou novamente os
benefícios do Alteplase na expansão da janela terapêutica de 3 até 4,5 horas
após o início dos sintomas, com diminuição das sequelas em 90 dias, sem alterar
a mortalidade, representando importante avanço no tratamento do AVE isquêmico
agudo(7).
O foco do tratamento trombolítico é restabelecer o fluxo sanguíneo para a área
isquêmica cerebral pela dissolução do trombo, preservando a zona de penumbra,
que é a região que se forma ao redor do tecido densamente isquêmico, sem dano
neurológico, cujo fluxo sanguíneo está no limiar. Ou seja, é uma área viável,
contudo, é tempo-dependente(20).
A área de penumbra é ressaltada por duas enfermeiras, destacando a compreensão
dos aspectos fisiopatológicos do tratamento:
No AVE tem a área de penumbra e a área isquêmica... A droga vai
tentar proteger a área de penumbra e reverter a isquemia... Porque
vai desfazer o trombo...(E3)
O paciente melhora porque ocorre o retorno sanguíneo à área de
penumbra... por isso o tempo é tão importante (E8)
A problemática de ser o tratamento tempo-dependente é abordada pela enfermeira
(E8). O tempo necessário para que a área de penumbra se transforme em área de
infarto, caso o fluxo normal não seja restabelecido, situa-se em torno de 2 a 3
horas. Salvar a área de penumbra isquêmica configura-se como o objetivo
primordial do tratamento do AVE isquêmico agudo(7). Nesse sentido, o uso de rt-
PA representa o maior avanço e eficácia no tratamento do AVE até então obtido.
Para se beneficiar do uso do Alteplase, os pacientes com AVE agudo isquêmico
devem se enquadrar em uma extensa lista de critérios de inclusão e exclusão, ou
seja, precisam ser adequadamente selecionados. A seleção adequada dos pacientes
incide diretamente no perfil de segurança do tratamento(21), pois quando há
violações das diretrizes, os riscos passam a suplantar os benefícios.
Os critérios de inclusão para uso do Alteplase são: a) AVE isquêmico em
qualquer território encefálico; b) Possibilidade de se iniciar a infusão do rt-
PA dentro de 3 horas do início dos sintomas (para isso, o horário do início dos
sintomas deve ser precisamente estabelecido. Caso os sintomas forem observados
ao acordar, deve-se considerar o último horário no qual o paciente foi
observado normal); c) Tomografia computadorizada do crânio ou ressonância
magnética sem evidência de hemorragia; d) Idade superior a 18 anos(1,19).
Os critérios de exclusão são extensos e compreendem: a) Uso de anticoagulantes
orais com tempo de protrombina (TP) >15s, (Relação Normatizada Internacional -
RNI >1,5); b) Uso de heparina nas últimas 48 horas com Tempo de tromboplastina
parcial ativada (TTPa) elevado; c) AVE isquêmico ou traumatismo crânio-
encefálico grave nos últimos 3 meses; d) História pregressa de hemorragia
intracraniana ou de má-formação vascular cerebral; e) TC de crânio com
hipodensidade precoce > 1/3 do território da artéria cerebral média (ACM); f)
Pressão arterial (PA) sistólica >185 mmHg ou diastólica >110 mmHg (em 3
ocasiões, com 10 minutos de intervalo) refratária ao tratamento anti-
hipertensivo; g) Melhora rápida e completa dos sinais e sintomas no período
anterior ao início da trombólise; h) Déficits neurológicos leves (sem
repercussão funcional significativa); i) Cirurgia de grande porte ou
procedimento invasivo nos últimos 14 dias; j) Hemorragia geniturinária ou
gastrointestinal nos últimos 21 dias, ou história de varizes esofagianas; k)
Punção arterial em local não compressível na última semana; l) Coagulopatia com
TP prolongado (RNI>1,5), TTPa elevado, ou plaquetas <100000/mm3 ; m) Glicemia <
50 mg/dl com reversão dos sintomas após a correção; n) Evidência de endocardite
ou êmbolo séptico, gravidez; o) Infarto do miocárdio recente (3 meses); p)
Suspeita clínica de hemorragia subaracnóide ou dissecção aguda de aorta(1,19).
Para os pacientes candidatos à trombólise no período de 3 a 4,5 horas após o
íctus da doença (janela estendida), são seguidos todos os critérios respeitados
anteriormente, acrescidos dos seguintes de exclusão: pacientes com idade
superior a 80 anos; com AVE extenso; maior que um terço do território da ACM,
definido por meio da escala do NIHSS > 25; tomando anticoagulantes; e com
combinação de AVE prévio e diabetes(7).
As enfermeiras entrevistadas citaram alguns desses critérios como um dos
requisitos necessários para se realizar tratamento trombolítico com segurança.
Percebe-se a preocupação com complicações hemorrágicas por meio da avaliação de
exames iniciais de coagulação sanguínea e do controle da pressão arterial.
Primeiro ver se está na janela terapêutica... (E4)
Não ter outro tipo de sangramento... Não ter realizado cirurgia nos
últimos três meses, TAP/TTPa dentro da normalidade, tem que ter
controle da pressão ... (E5))
O paciente não pode ter nenhum tipo de sangramento; não pode ser AVE
hemorrágico, exames laboratoriais dentro da normalidade, TAP/TTPA,
controle da coagulação... não pode...hipertensão sem controle, acima
de 180/110, cirurgias recentes não pode... (E1, E3, E6, E9)
O controle rigoroso da pressão arterial (PA) apresenta-se como um critério de
elegibilidade para uso do Alteplase que vem sendo abordado na literatura,
principalmente por meio de anti-hipertensivos administrados antes da infusão de
rt-PA e nas seguintes 24 horas após a infusão. Pacientes com AVE isquêmico
agudo comumente têm PA elevada, mesmo aqueles normotensos ou hipertensos que
fazem uso de anti-hipertensivos, configurando-se um fator impeditivo para o
tratamento trombolítico(22,23). Internacionalmente, recomenda-se o uso de
nicardipina, labetolol ou pasta de nitroglicerina para reduzir a PA. Porém
esses medicamentos estão indisponíveis no Brasil(22). Quanto à realidade
nacional, o uso de nitroprussiato de sódio mostrou-se seguro e aplicável na
redução da PA de pacientes candidatos à trombólise em um hospital do Rio Grande
do Sul(23).
Outro requisito necessário mencionado pelos enfermeiros para que os pacientes
com AVE agudo possam se beneficiar do tratamento de forma segura foi a presença
de equipe multiprofissional, com profissionais devidamente capacitados no
cuidado dessa clientela, como mostram as falas a seguir:
Equipe multiprofissional, com profissionais que sejam aptos para
realizar o tratamento...(E2, E3)
É preciso profissionais treinados para assistir os pacientes (E6, E8,
E9, E10)
Em virtude da especificidade do uso do Alteplase, o enfermeiro, como membro da
equipe multidisciplinar, necessita de conhecimento e preparo técnico, ética e
responsabilidade profissional. Além de tais aspectos, é fundamental a constante
atualização(24) por parte dos profissionais que cuidam dos pacientes
neurológicos, uma vez que o avanço tecnológico é contínuo, com novas técnicas e
procedimentos que promovem a reversão de distúrbios que põem em risco a vida do
paciente.
Percebe-se que o tratamento com agente trombolítico Alteplase demanda cuidados
especializados por parte da equipe de enfermagem, principalmente do enfermeiro,
responsável por seu preparo e administração, em virtude das particularidades da
prática clínica. Dessa forma, a exemplo dos demais medicamentos, é
indispensável(25)a este profissional possuir conhecimento e competência para
desempenho da atividade desde o conhecimento relacionado à farmacologia da
droga como mecanismo de ação, excreção e atuação nos sistemas orgânicos, até
conhecimentos de semiologia e semiotécnica, e avaliação clínica do estado de
saúde do paciente.
Esses aspectos cotidianos na administração de medicamentos apresentam elevada
relevância na assistência da enfermagem ao paciente submetido à trombólise,
pois confere segurança, prevenção na ocorrência de erros e permite a
identificação de reações adversas e complicações potenciais às quais o paciente
está exposto.
Limitações ao uso do Alteplase
Os principais fatores que prejudicam o uso do Alteplase apontados pelas
enfermeiras são o fato de os pacientes chegarem fora da janela terapêutica;
falta de esclarecimento por parte dos pacientes, familiares e socorristas dos
serviços de atendimento móvel sobre os sinais e sintomas de AVE e da existência
de tratamento disponível no hospital.
A primeira coisa: os pacientes que chegam fora da janela
terapêutica... Até 4,5 horas do início dos sintomas... (E1, E3, E5,
E7)
O não esclarecimento da população do serviço existente aqui no
hospital... e que chegam fora da janela... As equipes de atendimento
do SAMU, que desconhecem, não sei se os sintomas ou o serviço aqui do
hospital e levam o pacientes para outros hospitais... (E2, E4, E6,
E8, E9, E10)
Outra dificuldade que se apresentou marcante na fala das enfermeiras foi a
organização hospitalar que prejudicava na realização dos exames preliminares,
como tomografia computadorizada de crânio e exames laboratoriais, procedimentos
indispensáveis à implementação do tratamento. Isso porque se trata de um
hospital terciário, que possui elevada demanda de pacientes da capital e do
interior do Estado, motivo pelo qual sempre se apresenta lotado e, desta forma,
congestiona os fluxos intra-hospitalares. Aliado a isso, observa-se que os
funcionários da instituição têm dificuldade de entender que, no tratamento do
AVE, o tempo é um elemento valioso, o que dificulta uma agilidade de socorro
aos doentes, conforme se observa nas falas:
Não se consegue realizar todos os exames dentro do tempo hábil... os
profissionais do hospital precisam entender a importância do
tratamento para facilitar a realização dos exames... esses são os
grandes problemas da gente...(E1)
Às vezes não faz o trombolítico porque tem atraso, dificuldade em
fazer os exames de laboratório e a TCC a tempo... (E3)
O hospital tem problemas para realizar os exames... como em realizar
a TCC dentro do tempo...(E5)
O Alteplase tem eficácia comprovada há mais de 10 anos. Contudo o tratamento
segue enfrentando dificuldades para ser implementado na prática clínica
rotineira, de modo que uma pequena proporção de doentes, aproximadamente de 2 a
4%, é tratada atualmente com rt-PA(18).
Entre os principais entraves encontrados na literatura para o uso desta
medicação estão: a estreita janela de tempo terapêutico; complicações
decorrentes do uso, como hemorragia intracraniana e angioedema orolingual;
custo elevado do tratamento; ausência ou quantidade limitada de unidades
especializadas no tratamento de pacientes com AVE (Stroke Unit); dependência de
infraestrutura e tecnologia nos serviços de saúde para tratamento adequado;
despreparo dos profissionais de saúde na implementação da terapêutica; e
desconhecimento da população dos sinais de reconhecimento de um AVE(9,18-20).
Desse modo, uma das entrevistadas se referiu ao custo elevado da medicação, que
se contrapõe com a redução do período de internação. Estudos mostram que os
custos relativos à hospitalização podem ser maiores por conta da aquisição da
droga, contudo tem-se uma diminuição significativa dos custos com reabilitação
(17).
A medicação é cara, mas tem redução de custos porque o paciente sai
mais rápido, deixando leito vago... e pode beneficiar outro
paciente...reduzir as comorbidades... e melhora nas atividades de
vida diária como comer, vestir-se, andar...(E5)
Percebe-se que os aspectos apontados pelos enfermeiros do estudo vão de
encontro ao que mostra a literatura, demonstrando que essas dificuldades não se
restringem apenas à realidade brasileira, mas representam uma problemática
internacional.
Estratégias para expandir o uso do Alteplase
A principal estratégia sugerida pelos enfermeiros é da divulgação, para o
público em geral, da doença, seus sinais e sintomas, tratamento disponível e
período de tempo em que o mesmo pode ser administrado para melhores resultados.
A população precisa ser orientada sobre os sintomas de AVE e a
procurar o hospital rapidamente... (E1,E2, E3)
Propaganda... mídia escrita, jornais, televisão... divulgação do AVE
na comunidade para alertar a população sobre os sintomas...e do
tratamento...(E4,E8, E9)
A divulgação da medicação que pode ser utilizada nesse período da
fase aguda... do tempo para ser administrado o alteplase... (E5, E10)
Apontou-se a necessidade da existência de um maior número de unidades
especializadas no tratamento de pacientes com AVE, como explicitado na seguinte
fala: Existem poucas unidades especializadas para tratar só AVE...poderiam ser
em número maior... porque o número de pacientes com AVE cresce a cada dia...
(E3, E6).
A importância de todos os pacientes com AVE, tratados ou não com Alteplase,
serem atendidos em unidades especializadas em AVE é ressaltada em uma
metanálise realizada em 30 ensaios clínicos randomizados, em 2007, em
diferentes centros na Europa, América do Norte, América do Sul e Austrália.
Estudos demonstraram que os pacientes que receberam atendimento nas unidades de
AVE apresentaram maior chance de sobreviver, retornar ao seu domicílio e obter
maior índice de independência para as atividades da vida diária(12).
Outra opção sugerida foi a realização do tratamento no setor de emergência,
como estratégia a ser utilizada quando não houver disponibilidade de leito na
unidade de AVE ou para se economizar tempo:
Outra coisa seria poder realizar o tratamento na própria emergência
para se ganhar tempo...e a gente sabe que quanto mais rápido melhor
para o paciente... (E5).
Foi declarada a importância de se realizar o tratamento nos hospitais regionais
do interior do Estado, de modo a beneficiar as pessoas que residem em outras
cidades, pois a distância inviabiliza a realização do tratamento em decorrência
da curta janela terapêutica.
Os pacientes do interior não têm acesso por causa da distância...
então, poderia se descentralizar o atendimento para os hospitais
regionais, aqueles que recebem os pacientes mais graves e têm
condições de atender... (E7)
As sugestões apresentadas pelas enfermeiras E5 e E7 condizem com estudo
realizado na Itália(26), que propõe a implementação do tratamento em unidade de
emergência de primeiro nível de hospitais periféricos com o suporte de uma
equipe de AVE de hospitais terciários, por meio de videoconferência. O estudo
justifica essa experiência em decorrência do número pequeno e desigualmente
distribuído de unidades de AVE, de modo que o transporte do paciente até a
unidade mais próxima atrasaria o tratamento e reduziria ainda mais o
quantitativo de candidatos; e também pela redução de custos.
Percebe-se que as estratégias sugeridas pelos enfermeiros no sentido de ampliar
o tratamento do AVE agudo com Alteplase refletem suas vivências cotidianas no
manejo desta clientela e expressam, principalmente, o desejo de orientar a
população a respeito do tratamento que é disponibilizado pelo Sistema Único de
Saúde, para que todos os pacientes com AVE isquêmico agudo tenham a
oportunidade de submeter-se à terapêutica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo permitiu apreender o conhecimento que os enfermeiros que trabalham em
uma unidade especializada em AVE têm sobre o uso do Alteplase no tratamento do
AVE isquêmico agudo. Os benefícios da medicação são apresentados em
justaposição com as limitações do uso. Em função disso, poucos são os pacientes
que a utilizam. Contudo, o tratamento trombolítico representa mudança no
atendimento ao paciente com AVE, que atualmente é visto como uma emergência
médica.
O tratamento com Alteplase destina-se a restabelecer a perfusão do fluxo
sanguíneo cerebral e, assim, minimizar os déficits neurológicos residuais. Para
fazer uso da medicação, os critérios de elegibilidade dos pacientes devem ser
respeitados.
As principais dificuldades para implementação da terapêutica referida pelas
entrevistadas foram: o curto período de janela terapêutica, o desconhecimento
da população sobre o AVE, e problemas na realização dos exames em tempo hábil.
As estratégias apresentadas visam contornar as dificuldades de atendimento e
ampliar o uso do Alteplase, como a divulgação de informações à população sobre
a doença e tratamento, descentralização do atendimento em hospitais regionais
do interior do Estado e realização do tratamento em unidades de emergência. A
importância da utilização de estratégias para se expandir o uso da medicação é
uma forma de tornar acessível o tratamento aos pacientes com AVE agudo, e não
apenas para poucos que tiveram a oportunidade de serem admitidos em um centro
especializado terciário, ou seja, uma maneira de evitar que o tratamento seja
realizado para poucos.
Acredita-se que o conhecimento da realidade investigada venha a contribuir na
construção do saber da enfermagem, de modo a auxiliar o enfermeiro do campo da
neurologia que presta assistência direta ao paciente que se submete a este
tratamento. Nesse sentido, torna-se imperiosa a necessidade de aprofundar
conhecimentos acerca dessa terapêutica, que é considerada a única, até o
momento, para o tratamento do AVE isquêmico agudo, com o objetivo de adquirir
autonomia e melhorar sua prática clínica. Da mesma forma, faz-se necessária a
constante atualização acerca das inovações terapêuticas no tratamento do AVE,
uma vez que os estudos sobre trombólise avançam rapidamente.