Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

BrBRCVHe0034-71672012000500015

BrBRCVHe0034-71672012000500015

National varietyBr
Year2012
SourceScielo

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Formação acadêmica e atuação profissional no contexto de um Colegiado de Gestão Regional

INTRODUÇÃO O Pacto pela Saúde foi instituído em 2006 após ampla discussão e negociação entre os representantes dos gestores municipais, estaduais e federal, e traz como dispositivo estratégico para consolidação do processo de regionalização, o Colegiado de Gestão Regional, COGERE*, o qual é composto pelo conjunto dos gestores de saúde municipais e estadual de determinada região sanitária. Tem na sua concepção a pretensão de ser um espaço de pactuação entre os sujeitos que o compõe, de tal sorte que se constitua como o lócus privilegiado de construção e gestão solidária das políticas de saúde, que contemplem a realidade e as especificidades locorregionais(1).

Embora não tenha como objeto específico o cuidado direto aos usuários do sistema de saúde, o Colegiado atua na formulação, na pactuação, no monitoramento e na avaliação de políticas que incidem sobre o sistema de serviços de saúde e, portanto, sobre as práticas de cuidado. Além disso, suas ações têm efeitos também sobre os demais aspectos do sistema de saúde como um todo, como a atuação profissional, a organização do trabalho, entre outros.

Efetuando-se um recorte das profissões da saúde, e tratando especificamente da participação dos enfermeiros, observa-se que esses profissionais estão presentes nas reuniões do COGERE acompanhando os gestores dos municípios e/ou na condição de representantes da gestão municipal e regional, o que pode significar a possibilidade de exercerem um papel privilegiado no âmbito de discussão e implementação das políticas públicas de saúde(2).

Salienta-se que o fato de haver um núcleo de conhecimento e práticas de gestão no processo de formação dos enfermeiros deveria representar na prática um trânsito mais ágil por espaços de gestão de saúde, como é o caso do COGERE.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Enfermagem recomendam que o profissional desenvolva, ao longo da sua formação, competências apoiadas em uma base sólida de conhecimentos dos saberes da administração, tais como: as teorias administrativas, as ferramentas específicas da gerência, o processo de trabalho, o gerenciamento de pessoas, o conhecimento sobre cultura e poder organizacional, o gerenciamento de recursos materiais, o sistema de informação e o processo decisório(3). Entretanto, a prática gerencial dos enfermeiros concentra-se ainda na dimensão técnica e assistencialista, com ênfase nas atividades normativas e pontuais do coordenar, supervisionar e controlar o cuidado em saúde(4).

Sendo assim, a responsabilidade técnica, social e política e o compromisso ético dos autores com o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), somados à relevância do papel das instituições acadêmicas em pesquisar temas ligados a questões que afetam segmentos importantes da sociedade, foram aspectos considerados relevantes ao trazer à reflexão a relação da formação desses profissionais frente aos desafios atuais da gestão em saúde.

Outro fator determinante para realização do estudo tem relação com a contemporaneidade do assunto. Buscas realizadas nos bancos de dados bibliográficos da enfermagem sinalizam uma lacuna na construção de conhecimento científico da enfermagem que contemple o protagonismo dos enfermeiros em espaços com potência para consolidar o SUS e implantar políticas regionais de saúde, como é o caso desse fórum que integra o pacto pela saúde.

A partir do exposto, surgiu o interesse em estudar e refletir sobre o papel que os enfermeiros efetivamente têm desempenhado no âmbito da gestão em saúde.

Assim, este estudo teve como objetivos analisar o protagonismo exercido pelos enfermeiros no COGERE a partir de sua formação acadêmica para o exercício da gestão, considerando o olhar dos gestores da região sanitária e compreender as tecnologias utilizadas por eles no seu processo de trabalho.

Para análise das tecnologias utilizadas no trabalho em saúde, utilizamos como base a tipologia que as classifica em diferentes naturezas, ou seja, tecnologias duras, leve-duras e leves. As normas e equipamentos (tecnologias duras), os conhecimentos estruturados (tecnologias leve-duras) e as relações entre os sujeitos (tecnologias leves). A expressão "tecnologias" refere-se aos nexos entre o conhecimento sistematizado e o mundo do trabalho(5).

As contribuições deste estudo para Enfermagem relacionam-se ao compromisso com pesquisas que aproximem a profissão com o sistema público de saúde e da natureza do trabalho que o mesmo requer, possibilitando o desencadeamento de processos de mudanças capazes de qualificar o SUS. Também contribui para discussão da formação dos enfermeiros não como protótipos serializados, mas como sujeitos criativos com capacidade de aprender com o mundo do trabalho em saúde e enfermagem.

METODOLOGIA A investigação caracterizou-se como um estudo de caso qualitativo, que "investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especificamente, quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos"(6). O fenômeno em estudo se desenvolveu em uma instância decisória do Sistema Único de Saúde, o Colegiado de Gestão Regional ' COGERE, da Região Sanitária do Rio Grande do Sul, fórum composto por 39 integrantes, sendo que destes 31 são secretários de saúde dos municípios da região centro do Estado do RS (população em torno de 520.000 pessoas) e oito representam a gestão estadual. A periodicidade das reuniões é mensal. O COGERE representa uma instância estratégica de gestão do SUS, criada recentemente (2006) e com escassa produção de conhecimentos.

A técnica utilizada para coleta dos dados foi entrevista semiestruturada. As questões disparadoras da entrevista continham perguntas que versaram sobre o funcionamento do COGERE, os processos de tomada de decisão e os recursos tecnológicos utilizados no processo, temas da agenda e problemas e necessidades da região.

Os sujeitos da pesquisa foram selecionados intencionalmente dentre os integrantes do COGERE, ou seja, os Secretários Municipais de Saúde e os representantes da Secretaria Estadual de Saúde, por meio da técnica chamada de "bola de neve", onde o primeiro entrevistado indicava o seguinte e assim sucessivamente. O número de participantes da pesquisa foi definido com base no critério de saturação, ou seja, a coleta de dados foi interrompida quando os participantes passaram a não acrescentar novos fatos para compreensão do objeto de estudo(7), o que ocorreu após a 12ª entrevista realizada.

Dos doze sujeitos entrevistados, oito possuíam titulação de nível superior e destes, seis alguma especialização, os demais a formação era de ensino médio.

As profissões dos entrevistados estavam assim distribuídas: dois farmacêuticos, dois enfermeiros, um fonoaudiólogo, um veterinário, um administrador, dois técnicos de contabilidade, um técnico agropecuário, um pastor e um acadêmico de psicologia. Em relação ao tempo no cargo de gestor, cinco ocupavam a função menos de um ano, sete deles estava mais dois anos, sendo que cinco eram secretários de saúde por mais de quatro anos. Uma das características dos entrevistados está relacionada à atividade que exerciam anteriormente, onde mais de 50% atuavam em outra área que não a da saúde.

O período de coleta de dados ocorreu entre fevereiro a setembro de 2009. Para análise dos dados das entrevistas foi utilizada a modalidade de análise temática, em que os dados são analisados tendo o tema como núcleo de sentido.

Após o cumprimento dessa fase, foi construído o seguinte eixo temático: "A relação do COGERE com a Enfermagem: formação acadêmica e gestão".

Ressalta-se que seguindo os preceitos éticos e a Resolução 196/96 do CNS, a pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria (CAAE 0270.0.243.000-08) e os participantes da pesquisa foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo e assinaram um Termo de Consentimento em que firmaram sua concordância em integrar a investigação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO O COGERE foi institucionalizado como fórum de participação dos sujeitos em situação de governo, porém os enfermeiros que participam das reuniões, sem estarem exercendo o cargo de gestor, estão na condição de assessores desses. É importante destacar que a enfermagem está entre as profissões que, com grande frequência, exerce a função de gestor de redes e sistemas de saúde, assim como tem reivindicada a capacidade de operar com habilidades de gestão quando coordena equipes e serviços e também quando gerencia o cuidado de indivíduos e coletivos.

Entretanto, as lacunas na formação do enfermeiro, no que tange ao aspecto sociopolítico do campo da gestão pública, que o habilite a exercer o papel de articulador e negociador, habilidades consideradas fundamentais para o exercício da gestão em saúde são reconhecidas pelos entrevistados.

Eu noto que tem dois grupos de profissionais. Tem aqueles muito técnicos, muito rigorosos e em decorrência disto têm dificuldade de jogo de cintura, porque, para os principais cargos de gerência, tem que ter maleabilidade, por isso precisamos ter a nosso lado bons assessores técnicos, para que o gestor possa exercer o papel político. [...] porque o gestor tem que negociar e o executor tem que executar [...] (E5).

Parece evidente que o modelo de atuação dos enfermeiros reproduz nas suas relações cotidianas, a herança do estilo tradicional de gerência, ou seja, relações autoritárias, hierárquicas e assimétricas. O depoente classifica os enfermeiros no grupo dos profissionais que exercem suas atividades com excesso de formalismo, exagerado apego aos instrumentos normativos, com rigidez comportamental e hierárquica valorizando sobremaneira as estruturas, regras e normas institucionais, com pouca perspectiva de mudança frente ao instituído.

Tal realidade traduz uma contradição entre as premissas do SUS e as práticas dos serviços. É necessário que a atividade gerencial adquira um caráter articulador e integrativo, sendo determinada e determinante no processo de organização de serviços e efetivação de políticas e práticas inovadoras em saúde com vistas a (re)significar os projetos de cuidado da enfermagem à luz das necessidades em saúde da população(8).

Talvez isso explique o posicionamento pouco expressivo e convincente deste entrevistado, quando questionado sobre a atuação política do enfermeiro no exercício do cargo de gestor da saúde, que estes passam quase despercebidos, tendo pouca visibilidade e destaque no cenário regional: Eles são os melhores assessores que tem no mundo. Eu conheci alguns gestores de enfermagem, aqui mesmo no CRS e no COGERE, mas não posso dizer se isto influencia ou não. Alguns sim, a gente sabe que eram bem sucedidos, mas outros a gente não sabe se eram, mas na política tu sabes como é [...] (E5).

Esse depoimento registra, em relação à enfermagem, uma dicotomia que é significativa para a análise: as dimensões técnica e política do trabalho na gestão. A dimensão técnica é referente às normas e à organização formal do processo de trabalho. Uma dimensão predominantemente instrumental, que estaria associada ao trabalho do enfermeiro, porque relacionada à aplicação, no cotidiano, de disposições anteriores ao mesmo.

Em oposição, porque pertencendo a outro pólo, mas também em complementação, estaria a dimensão política, referida como o âmbito das negociações e do "jogo de cintura". Essa dicotomia, que parece fazer apenas sentido analítico, aprisiona as competências do profissional de enfermagem em um núcleo externo à gestão. E, no que refere ao plano micropolítico, coloca esse profissional como operador de saberes estruturados, de caráter técnico-normativos, cuja presença expressiva no COGERE corrobora os achados de que predomina nesse espaço o uso das tecnologias duras e leve-duras.

É considerado importante o conhecimento técnico sobre o SUS, evidenciando a relevância que os gestores têm dado às tecnologias bem estruturadas, inclusive na análise sobre a enfermagem e sua relação na gestão: Eu acho que ser Secretário de Saúde fortalece alguém ser da área da saúde. Entretanto, a visão desse profissional sobre o sistema de saúde é que faz a diferença, porque podes ser a melhor enfermeira, mas, se tu não tens conhecimento técnico e político do SUS, de gestão, da hierarquia do sistema, de toda essa complexidade, tu não consegue ser secretária [...] (E3).

O depoimento acima corrobora parcialmente achados de um estudo realizado com enfermeiras gestoras de saúde, no qual os conhecimentos técnicos e as atividades específicas do núcleo da enfermagem são reconhecidos e ressaltados como fundamentais(9).

De aparência paradoxal, essa mesma gestora considera importante, para o gestor desempenhar bem sua função, que, além do conhecimento administrativo, também tenha inserção política, explicitando que, no campo administrativo, o enfermeiro consegue circular com certa facilidade, fato que o leva a exercer função técnica de assessoria: [...] para mim um Secretário Municipal de Saúde é um agente político.

Ele tem que entender de política porque é um agente político e isso não vamos mudar. Quem assessora esse agente político? é o enfermeiro.

[...] (E3).

Por meio dessa manifestação, o papel reservado aos enfermeiros parece ser aquele em que não é necessária maior aproximação com os aspectos políticos, aprisionando-os à aplicação da técnica e reforçando o papel coadjuvante que historicamente os enfermeiros vêm exercendo. Esse fato parece ter relação com a formação acadêmica, a qual se depara com um limite que desafia a inovação, numa tensão com o paradigma biomédico ainda hegemônico e na transição para além dele. Ou seja, técnica e política, no trabalho em geral. Mas também, especificamente, no trabalho de gestão em saúde, não podem dissociar-se, principalmente se a dimensão política for compreendida num sentido ampliado, que é de natureza eminentemente relacional. Assim, vale pontuar que a gerência de serviços que a academia tem reservado para formação dos enfermeiros parece contribuir com o desempenho tecnoburocrático do enfermeiro, pois prioriza, muitas vezes, dimensão técnica da gerência, com ênfase nas atividades de coordenação, supervisão e controle e à luz dos preceitos das teorias clássicas da administração(10).

Ainda relacionado à formação acadêmica, a gestora afirma que a enfermagem tem em seu currículo a disciplina de administração, o que é relevante, porém insuficiente diante da complexidade e diversidade das demandas da sociedade. A abordagem predominante da academia tem se restringido ao núcleo de conhecimentos da enfermagem, necessitando ampliar a sua abrangência para o campo da saúde coletiva: [...] A disciplina de administração do Curso de Enfermagem trata do núcleo da enfermagem, não do campo político. O conhecimento técnico do enfermeiro suporte para gerenciar a enfermagem, não numa complexidade que o SUS exige. Isso a academia não . Por mais que ela fale de SUS [...] (E3).

Esse depoimento ilustra claramente as deficiências da formação acadêmica diante do desafio de construção do SUS. As teorias da administração não têm subsidiado os enfermeiros para construir novas relações de trabalho na saúde, que permitam refletir acerca de sua prática, ampliando e politizando a sua compreensão sobre saúde, associando a formação e a gestão do ensino ao sistema de saúde e a realidade local, num esforço político de integração entre educação e Saúde.

Nessa perspectiva, aponta-se a importância da formação do enfermeiro transitar entre as dimensões cuidadora, gerencial, educadora e de investigação científica do processo de trabalho da enfermagem. Dessa forma, ele poderá assumir seu papel de articulador no sistema, nos serviços e na assistência à saúde para, sob a perspectiva da integralidade e integração ensino e serviço, atender às demandas da população e contribuir com a operacionalização do SUS(11).

Outro aspecto identificado pelos gestores é o de que os enfermeiros desempenham um papel fundamental nos serviços de saúde dos municípios. Referem-se a eles como sendo profissionais de muita responsabilidade e compromisso com os serviços de saúde. Essa valorização parece estar vinculada à sua disponibilidade em assumir inúmeras atividades, como se o fato de "ser enfermeiro" fosse uma missão. A vinculação à origem do trabalho da enfermagem, como assistência caritativa e religiosa refletida em sua trajetória histórica de submissão, ainda está presente no imaginário da população: [...] enfermeira é uma profissional fundamental, acredito que 90% da secretaria de saúde se resume nas ações das enfermeiras, porque não sei se é sacerdócio, mas vocês não medem tempo, nem horário, nem chateação. A grande maioria, ou seja, 99% fazem isso. para contar com as enfermeiras, pois existe um comprometimento sério desse profissional que tu não encontras em nenhuma das outras profissões [...] (E5).

Esse depoimento vem corroborar em parte que os aspectos sociais e religiosos do ideal profissional da Enfermagem estão incorporados ainda pelos enfermeiros e materializam-se na figura abnegada e docilizada do anjo de branco(12), centrando sua valorização profissional na ideia de vocação ou de missão, sendo protagonistas de uma concepção e orientação ideológica humanitária da profissão (13). Além disso, a atuação do enfermeiro no contexto da organização do trabalho dos serviços de saúde visa à previsão e provisão dos insumos necessários para a realização do cuidado e funcionamento do serviço como um todo e zelar pela continuidade e cumprimento das orientações/prescrições médicas para atender às necessidades dos pacientes(14).

Dessa feita, observa-se ainda que o ensino reforça o modelo biomédico que prioriza a assistência hospitalar, vinculada aos procedimentos técnicos, à fragmentação das ações e à dimensão técnica da gerência, bem como na organização dos serviços, causando baixo impacto na mobilização ética e política que teriam potência para transformar as práticas concretas do cotidiano dos serviços. Segundo um narrador, esse modelo continua despertando maior atenção dos alunos. Essa lógica constitui uma lacuna na formação dos enfermeiros, colocando-os como coadjuvantes nos processos políticos de gestão: [...] tenho dificuldade com os alunos do semestre da enfermagem para que desenvolvam atividades acadêmicas na área da gestão, pois querem fazer sua formação na assistência, nas políticas de saúde da mulher, saúde da criança, ou no hospital. Tendo alertado para necessidade de realizarem estágio em setores que tratem de gestão, para poderem assessorar os secretários, pois entendo que o papel fundamental dos enfermeiros seja o de ser adjunto de secretário.

Porque o secretário é um agente político, cargo de confiança do prefeito. Eventualmente nós vamos ter enfermeiros como secretários de saúde, mas acho que temos que fortalecer o cargo assesssoria com função gratificada (E3).

Esse depoimento evidencia o reconhecimento do núcleo da enfermagem como potente no uso de tecnologias dura e leve-dura, e insuficiente para as tecnologias leves da negociação, articulação, relação e vínculo, características essas consideradas fundamentais para os gestores, e, portanto, como limite para a enfermagem exercer essa função.

O grande desafio na formação dos estudantes para atuarem no SUS passa pela tomada de consciência por parte dos docentes, sobre a necessidade de instrumentalizar técnica, científica e politicamente os futuros profissionais diante das questões sociais e políticas do país(15). Entretanto, o que se observa na formação profissional é uma apropriação tênue do Sistema Único de Saúde, vigorando um imaginário de saúde construído e embasado em interesses corporativos e particulares, onde prevalece a saúde como prestação de serviços de alta tecnologia, o processo saúde doença constituído por história natural, tendo o hospital no topo da hierarquia de qualidade de trabalho e cuidado(16), o que não tem colaborado para o desenvolvimento de processos inventivos potentes para qualificação do SUS. Assim, destaca-se a importância da aprendizagem de novos conhecimentos gerenciais e a mudança na forma de pensar e agir dos sujeitos. A gestão participativa, por exemplo, como recurso estratégico, é capaz de permitir a adaptação ao novo panorama do trabalho em saúde e enfermagem no contexto do SUS(17).

A limitação política dos enfermeiros decorre da falta de conhecimento mais abrangente sobre política, principalmente política de saúde e de gestão do SUS (9). Fato este corroborado pelos achados deste estudo, em que os profissionais de enfermagem se fazem presentes no espaço do COGERE, que é aprisionado pela norma, hierarquia, conhecimento estruturado e técnico, ao mesmo tempo em que a sua presença reproduz e reforça essa característica do fórum.

Esta fragilidade política dos enfermeiros é experenciada pela gestora entrevistada, que manifesta as dificuldades que tem enfrentado no desempenho da função de gestora municipal de saúde. Atribui a dificuldade à sua formação acadêmica ter se dado fundamentalmente no campo das tecnologias duras(5) dos equipamentos, das normas e dos conhecimentos estruturados (tecnologia leve- dura) e da capacidade de operar com base neles.

A graduação, na verdade não tem abordado muito as políticas públicas.

Tu vês mais a atenção hospitalar de alta complexidade, mas a parte de saúde pública é restrita, acho que teria que melhorar na graduação.

Para eu assumir o cargo de Secretária de Saúde foi difícil, pois tudo era novidade [...] a formação é restrita à área hospitalar ou unidade básica, mas, gestão, isso a academia não tratou significativamente (E12) Na fala apresentada identifica-se a referência à necessidade das universidades contribuírem para formação de enfermeiros com potencialidade para assumirem funções técnicas, administrativas e políticas. De forma semelhante, estudo sobre as competências e seu uso na Enfermagem pontua a importância das instituições formadoras oportunizarem aos estudantes de enfermagem o desenvolvimento de habilidades para além da dimensão técnica do trabalho de enfermagem, incorporando mais fortemente habilidades de relacionamento interpessoal que são fundamentais para a gestão e articulação de pessoas e processos(18).

Para tanto, a teoria conectada à prática e aos serviços de saúde, contemplando as diversidades e especificidades do SUS é uma demanda apresentada: Em minha opinião, a academia deveria trabalhar mais as políticas públicas, gestão e gerência, e ter um campo de estágio nas secretarias municipais de saúde. [...], porque na academia não tem como saber o funcionamento da secretaria de saúde e a maioria dos enfermeiros quando saem da faculdade, querem atuar no serviço público, que é bem diferente do privado, [...] além do que a intenção, da maioria dos municípios, é priorizar a atenção básica não média e alta complexidade (E12).

Essa gestora tem vivenciado na prática as fragilidades da formação e parece nos dizer que o aprendizado dos profissionais tem representado uma probabilidade menor de protagonizar processos propositivos de políticas públicas, em especial de produção de saúde. Nesse sentido, ressalta-se que a mudança de paradigma na atenção à saúde e, consequentemente, na formação dos enfermeiros envolve a formulação de novos modelos conceituais, criação de novas instituições e implementação de novas políticas. Embora existam tentativas de adequação a esses parâmetros no processo de formação do enfermeiro, a atuação do enfermeiro ainda está distante de alinhamento com as exigências dos cenários de atuação profissional. A formação de indivíduos críticos, questionadores e reflexivos é necessária para a mudança da atual situação da enfermagem(19) e um maior engajamento social e político dos enfermeiros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo possibilitou a reflexão sobre a percepção dos gestores em relação ao papel que vem sendo desempenhado por enfermeiros na gestão do SUS. Os resultados demonstram uma formação insuficiente para enfrentar os desafios, a complexidade e a diversidade das demandas da sociedade. Evidenciou-se uma dicotomia entre a dimensão técnica e política do trabalho do enfermeiro, com potencialidade maior para ele operar por meio dos saberes estruturados, de caráter técnico-normativo, portanto no âmbito das tecnologias leve-duras e duras, dissociado da dimensão política, que é de natureza eminentemente relacional, e da utilização das tecnologias leves.

Conclui-se que, majoritariamente, a formação do enfermeiro ainda se vincula ao modelo biomédico, hierárquico, fragmentado, cujo núcleo de conhecimento é potencialmente capaz de utilizar as tecnologias duras e leve-duras, porém insuficiente para as tecnologias leves, que necessitam de negociação, articulação, características apontadas ao longo do estudo como fundamentais para o exercício das funções de gestão.

Diante disso, inferiu-se que o processo de formação e o papel social dos profissionais de saúde, entre eles os enfermeiros, contribuem para que os espaços de gestão sejam predominantemente do exercício da tecnologia dura, onde os profissionais sentem-se competentes, porque preparados pela academia para atuar em fóruns que sejam caracterizados pela técnica e pelo conhecimento estruturado, sendo o COGERE um exemplo disso.

O caráter tecnicista e extremamente rigoroso são características presentes no cotidiano do trabalho dos enfermeiros, com predomínio dos saberes das tecnologias leve-duras e duras. Os saberes da tecnologia leve-dura destinam-se a organizar a atuação em saúde, utilizando-se dos conhecimentos estruturados, no qual se inclui o saber específico da enfermagem, para fins de elaboração de protocolos, estabelecendo normas e rotinas de atuação profissional. Ao mesmo tempo em que a tecnologia dura, que abrange a parcela de trabalho morto em saúde, é utilizada na enfermagem como saber tecnológico, tendo nos manuais, organogramas e regulamentos, e nos equipamentos e materiais as principais contribuições para que os espaços de gestão em que atuem usem predominantemente esse tipo de tecnologia.

Entretanto, a sociedade espera como resultado da formação, um sujeito com capacidade criativa e de protagonismo para atuar em diversos cenários do sistema de saúde, produzindo conhecimento útil e capaz de produzir mudanças no cotidiano da vida das pessoas. Portanto, trata-se do desafio de constituir nas práticas acadêmicas a noção de corresponsabilidade, com implicação recíproca entre ensino, gestão, atenção e participação social ao longo da formação profissional.

Os limites deste estudo estão relacionados ao pequeno número de enfermeiros na condição de gestores municipais e ou estaduais entrevistados, e da metodologia não ter previsto entrevista com os demais enfermeiros participantes das reuniões do COGERE. Dessa forma, sugere-se a continuidade e aprofundamento dos estudos, incluindo além dos gestores os demais profissionais que participam das reuniões do colegiado.


Download text