Juventude e saúde: análise do discurso sobre oferta e acesso aos equipamentos e
serviços públicos
INTRODUÇÃO
A juventude é uma etapa muito importante da vida e desta-ca-se nas discussões
no meio científico e social devido à singularidade que adquiriu na
contemporaneidade. A juventude não pode ser caracterizada apenas por uma
definição de faixa etária, contudo a adoção de um critério cronológico faz-se
necessária para a identificação de requisitos que orientem a investigação do
tipo epidemiológica e a elaboração de estratégias e políticas de saúde pública
(1). A classificação etária serve apenas como um parâmetro social para o
reconhecimento político da fase juvenil, servindo como uma referência
imprescindível e genérica para a elaboração de políticas públicas(2).
A Política Nacional da Juventude caracteriza a juventude como uma condição
social, parametrizada por uma faixa etária, que no Brasil congrega cidadãos e
cidadãs com idade compreendida entre os 15 e os 29 anos. Sendo tema de
interesse público, a condição juvenil deve ser tratada sem estereótipos e a
consagração dos direitos dos/das jovens precisa partir da própria diversidade
que caracteriza a(s) juventude(s)(2).
Já a adolescência pode ser definida como a etapa da vida que é compreendida
entre a infância e a fase adulta, marcada por um complexo processo de
crescimento e desenvolvimento biopsicossocial. A Organização Mundial da Saúde
caracteriza a adolescência como a segunda década de vida, entre o período de 10
a 19 anos de idade. Já a Lei nº 8.069/90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), diz que adolescente é a pessoa entre 12 e 18 anos de
idade(2).
Em 2009, o Brasil tinha um total de quase 80 milhões de crianças, adolescentes
e jovens até 24 anos (cerca de 42% do total da população). As famílias que
tinham pelo menos um membro na faixa etária de 0 a 24 anos representavam, em
2009, 2/3 das famílias brasileiras. No estado da Bahia 18,5% das famílias
possuem adolescentes de 10 a 19 anos de idade. Nesse número, o percentual de
famílias consideradas pobres (com rendimento mensal per capita de até ½ salário
mínimo) era de aproximadamente 40,%(³). Esses dados refletem a necessidade de
políticas públicas de saúde voltadas para os adolescentes, uma vez que suas
famílias, marcadas pela vulnerabilidade socioeconômica, buscam nos serviços
públicos a atenção e o atendimento a sua saúde.
Os jovens e adolescentes somam uma parcela importante da população brasileira,
mas, no que se refere especificamente à saúde, foi somente em 1989 que o
Ministério da Saúde criou um programa de saúde que mais se aproximava desse
grupo, o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD)(4). As ações do PROSAD
baseiam-se na promoção à saúde, na identificação de grupos vulneráveis, na
detecção precoce de doenças e agravos, no tratamento adequado, na reabilitação
e inserção social(5).
Em relação a políticas públicas para a juventude, somente em 2005 foram
fortalecidas as discussões sobre uma Política Nacional da Juventude, com a
Criação do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), orientado pela Lei nº
11.129/2005 e regulamentado pelo Decreto Presidencial nº 5.490 de 14 de julho
de 2005. O Conjuve tem seu trabalho pautado e direcionado à proposição e
avaliação das políticas públicas de juventude, especialmente as executadas pelo
Executivo Federal. No ano seguinte, em 2006, foi publicada no Brasil a Política
Nacional da Juventude, que vem contribuindo para a inserção da temática
juventude nas discussões e proposição de políticas públicas direcionadas aos
jovens(2).
O município de Vitória da Conquista, localizado no sudoeste da Bahia, possui
aproximadamente 306.866 habitantes(6), dos quais 55.136 estão entre 10 a 19
anos de idade. O Município conta com 29 escolas de ensino médio, das quais 18
são escolas públicas estaduais, uma é pública federal e 10 são estabelecimentos
de ensino privados(7). Em 2009, dos 13.759 estudantes de Vitória da Conquista
matriculados nas escolas de ensino médio, 11.816 estavam em escolas públicas
estaduais, 369 em escola pública federal e 1.574 em escolas particulares(6).
Tais números comprovam a predominância de escolares adolescentes nas
instituições de ensino públicas.
Diante da importância da aplicação de políticas públicas de saúde voltadas para
os jovens e de conhecer como estes têm vivenciado essas políticas, o presente
estudo tem por objetivo analisar o discurso de jovens e adolescentes estudantes
da rede pública de ensino de Vitória da Conquista, das zonas rural e urbana,
sobre as condições de acesso aos equipamentos públicos e de saúde.
METODOLOGIA
Estudo exploratório, descritivo, de abordagem qualitativa, que, segundo Minayo
(2007), é o método que se aplica ao estudo da história, das relações, das
representações, das crenças, das percepções e das opiniões que os seres humanos
fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem
e pensam(8).
Integra o projeto "Perfil identitário da juventude de Vitória da Conquista
(Sudoeste da Bahia): estudo comparativo da rede pública de ensino", registrado
no Instituto Multidisciplinar de Saúde - Campus Anísio Teixeira da Universidade
Federal da Bahia. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Secretaria de
Saúde do Estado da Bahia, sob o protocolo CAAE 0120.0.053.000-08, como previsto
na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta as pesquisas
com seres humanos.
Como parte do projeto mencionado foram preenchidos formulários semiestruturados
com informações sociodemográficas que apontavam características do grupo, tais
como idade, sexo, hábitos alimentares, meios de acesso a saúde e comunicação.
Tais dados auxiliaram na compreensão do contexto do grupo e de produção dos
discursos. Foram entrevistados 143 estudantes, 93 do sexo feminino e 50 do
masculino; 73 viviam na área urbana e 70 na área rural. Com relação à idade, 79
tinham18 anos, 46 entre 18 e 24 anos, e 15 dos residentes na área rural estavam
com idade acima de 25 anos. Todos estudavam num mesmo complexo escolar, com
estruturas de funcionamento descentralizadas na área rural e urbana. O número
de entrevistados não é representativo dos estudantes em geral, residentes em
Vitória da Conquista/BA, já que se trata de uma amostra por conveniência. Tais
números foram analisados estatisticamente e auxiliaram na construção do roteiro
de entrevista e dos grupos de discussão, bem como direcionaram o olhar das
pesquisadoras para os equipamentos públicos mais acessados pelos estudantes.
Na etapa qualitativa, foram selecionados previamente adolescentes que em geral
estavam com idade entre 12 e 18 anos, como estabelecido no ECA, estudantes de
escolas públicas localizadas nas zonas rural e urbana do município de Vitória
da Conquista, no estado da Bahia. Entretanto, na pesquisa nem sempre foi
possível manter o critério de idade estabelecido nos documentos oficiais, em
razão de haver descompasso entre idade escolar e idade biológica.
Foram realizados dois grupos de discussão com os jovens e adolescentes da rede
pública de ensino de Vitória da Conquista, um em uma escola da zona urbana do
município e outro na zona rural. O grupo realizado na zona urbana contou com 17
participantes, predominantemente do sexo feminino, do terceiro ano do ensino
médio. O grupo realizado na zona rural 20 vinte participantes de ambos os
sexos, estudantes do segundo ano do ensino médio.
Os grupos foram orientados por um roteiro de discussão. Essa estratégia de
pesquisa privilegia as interações e proporciona uma maior inserção do
pesquisador no universo dos sujeitos(9). Foram realizados dois grupos de
discussão e entrevistas com representantes do corpo estudantil de cada grupo.
As entrevistas foram gravadas com a devida autorização e posteriormente
transcritas para análise. Após a realização dos grupos de discussão e das
entrevistas, seguiu-se a organização e sistematização da análise dos dados
obtidos(10,8).
A partir de informações do grupo foi realizada etnografia dos lugares de saúde
mencionados pelos participantes, buscou-se estabelecer uma interlocução com os
espaços públicos utilizados com mais frequência e citados pelos estudantes. A
etnografia foi a melhor forma de conhecer esses espaços. Por meio da observação
etnográfica foi possível visualizar e compreender com mais profundidade
situações mencionadas pelos entrevistados, compreender as diferentes dimensões
da questão. A etnografia é uma prática fundamentalmente antropológica e visa
obter informações a partir da interação direta no campo de estudo. E nosso
caso, o período de observação durou em média uma semana (RAP- Rapid assement
procedures)(11).
Após a sistematização e análise dos discursos foi possível a elaboração da
etapa de análise com a construção de categorias específicas, categorias gerais
e núcleos estruturadores dos significados dos discursos(8,10).
RESULTADOS
A. Significados para a experiência escolar: "entre a vida escolar e
as demandas da vida" (estudantes das áreas urbana e rural)
Em relação à percepção dos jovens estudantes sobre a vida escolar, foi possível
perceber que a escola é vista como um local de interação entre os jovens e que
para alguns é um ambiente de superação de dificuldades. A falta de
infraestrutura na escola, além de ser um fator que preocupa os adolescentes,
prejudica o desenvolvimento do escolar.
Quando eu cheguei aqui já tinha começado no ano passado, já tinha
começado o ano letivo, já tinha terminado a primeira unidade, e...ai
eu cheguei já pegando praticamente o bonde andando, tive dificuldades
em alguma matéria, mais graças a Deus o primeiro ano foi superado
(estudante - zona urbana de VC).
As condições do espaço não são muito agradáveis, o piso. (...)
colocaria uns banquinhos no pátio (estudante - zona rural de VC).
No espaço urbano revelam-se discursos marcados pela superação de dificuldades e
adaptação às demandas da vida para a conquista da escolaridade almejada. Nesse
contexto, o descompasso entre a idade biológica/cronológica e a idade escolar é
um problema concreto com o qual os/as estudantes tem que lidar.
B. Significados para a vida em comunidade: "viver em lugares onde
tudo é ausência" (urbano) e "viver em um lugar tranqüilo, porém com
dificuldade de acesso aos serviços básicos" (rural)
Para os participantes dos grupos estudados a comunidade onde residem apresenta
muitas carências de infraestrutura e a violência é algo próximo aos jovens.
Essa proximidade dos adolescentes com situações de violência foi apontada em
outro estudo(12), o qual traz a informação que dentre os jovens pesquisados,
30% já haviam visto alguém morrer de forma violenta, 15 % já haviam sido
assaltados e 70% já tivera contato com arma de fogo alguma vez na vida.
Não moro perto. Moro no Xx... lá é muito ruim...cheio de buracos, só
tem poeira lá (estudante - zona urbana de VC).
Só tem ladrão lá. (estudante - zona urbana de VC).
Não vou dizer que não é perigoso, mas lá também tem muita gente
honesta. (estudante - zona urbana de VC).
A proximidade de situações de violência foi mais enfatizada nas áreas urbanas.
A zona rural ainda se apresenta como um local mais seguro para os jovens.
Eu também moro em um bairro afastado (...), é um bairro tranquilo,
porque na verdade nem sei se é considerado bairro ainda, ele é um
povoado, com algumas famílias, um assentamento. (estudante - zona
rural de VC).
Aqui é um lugar tranqüilo, sossegado, você pode ficar a vontade sem
medo (estudante - zona rural de VC).
A violência que atinge crianças e adolescentes na realidade brasileira é muito
importante e deve mobilizar todos os setores da sociedade, sendo reconhecida
como problema relevante de saúde pública(13), sendo objeto de reflexão por
parte de várias áreas do saber, entre elas a Saúde Pública, pelo papel que
assume diante da morbi-mortalidade, vitimizando crianças, jovens, adultos e
idosos indiscriminadamente(14).
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PenSE) de 2007, a proporção de
escolares que deixam de ir à escola por não se sentirem seguros no caminho de
casa para a escola ou da escola para casa foi de 6,4%, no total das capitais
brasileiras e no Distrito Federal(15). Isso indica que a violência vivenciada
pelos jovens e adolescentes tem prejudicado a convivência na comunidade, a
construção de laços de amizades e a relação entre amigos, vizinhos e colegas de
escola, que são relações imprescindíveis do cotidiano das pessoas. A
identificação e o estudo da violência é um dos passos necessários ao
entendimento social e uma etapa na luta para diminuir o peso desta problemática
na sociedade(16).
A ausência de espaços de interação faz da escola um lugar privilegiado para
encontrar amigos, notadamente no espaço rural. Ao serem questionados sobre os
lugares de "paquera", poucos adolescentes mencionaram locais de encontro e o
único local citado foi a praça.
[ silêncio] Eu gosto do domingo (...) a gente se conhece, namora
(...) na praça. (estudante - zona rural de VC).
C. Significados para a gravidez no ambiente escolar: "entre a
incompreensão das estruturas institucionais escolares e o apoio dos
amigos" (urbano) e "dificuldade em expressar opinião em um ambiente
que deveria exercitar a liberdade de expressão" (rural)
A juventude é um período da vida em que ocorrem muitas mudanças, o crescimento
rápido, em que o surgimento das características sexuais secundárias, a
conscientização da sexualidade, a estruturação da personalidade e a adaptação
ambiental e integração social são as principais mudanças(17). Tema recorrente e
importante quando se fala em mudanças e sexualidade na adolescência, a gravidez
na adolescência é considerada em alguns países um problema de saúde pública,
pois pode implicar complicações obstétricas, bem como problemas psicossociais e
econômicos.
Nos grupos de discussão realizados a gravidez na adolescência e sua relação com
o ambiente escolar foi descrita como uma etapa de dificuldade, principalmente
pelo despreparo de professores e funcionários da escola em conduzir tal
situação.
No caso de roupa mesmo, não podia vir de roupa de cor (...) não podia
ser calça de malha, um dia eu vim com uma calça florada de malha, a
diretora falou que eu não podia vir assim na escola, nem de
sandália... ai depois de discutir liberaram. (estudante - zona urbana
de VC).
Liberou porque criticaram muito, pois uma gestante incha, né? Fica
sensível e tudo e estava ocorrendo assim, as meninas estavam ficando
chateadas na sala por conta de serem barradas e não poderem entrar de
chinelo. (estudante zona urbana de VC).
X. mesmo foi barrada uma época porque estava de chinelo, com o pé
inchado. Não estavam olhando o lado da situação do aluno, do aluno
querer estudar e encontrar essas barreiras. (estudante - zona urbana
de VC).
(...) com o passar do tempo foram aceitando, mesmo por que se não
aceitar ia ocorrer o quê? Agente ia... as meninas iam acabar
desistindo do curso... estava com o que? com quatro grávidas na sala,
não foi? Né... de quatro uma desistiu. (estudante - zona urbana de
VC).
Percebe-se nessas falas que existe uma incompreensão em relação à gravidez por
parte dos funcionários da escola e que isso ocasiona desânimo das estudantes em
continuar os estudos durante a gravidez. Já a reação com colegas de escola é
diferente, as estudantes relatam que existe apoio dos colegas e que se sentem
bem com eles.
Eu adorava quando vinha pra escola, porque em casa estava aquele
clima meio pesado, assim, minha mãe ela na hora brigou comigo, mas
ela ficou chateada, porque ela conversava comigo sobre essas coisas
(sexualidade e gravidez), mas aqui na escola não. (estudante da zona
urbana).
É possível identificar no discurso dos estudantes da zona rural uma dificuldade
em expressar opinião sobre a sexualidade ou sobre gravidez. Quando questionados
sobre esses temas as respostas foram sempre curtas ou predominou o silêncio.
Pergunta: E aqui na escola já teve alguma situação de
gravidez...alguma menina grávida na escola?
Resposta: Silêncio.
Pergunta: Se aparece uma menina grávida aqui na escola... tem alguma
problema?
Resposta: Nenhum...
Apesar da gravidez na adolescência não constituir um fenômeno novo no cenário
brasileiro ou mundial, a mesma vem assumindo, sobretudo nas últimas décadas, o
"status" de problema social e de saúde, para o qual deve ser direcionada a
atenção dos poderes públicos e da sociedade civil(18).
D. Significados para acesso a equipamentos de saúde: "ausência de
acolhimento e conforto humano" (urbano) e "ausência de qualidade de
vida e acesso à saúde" (rural)
A atenção à criança e ao adolescente é alvo de maior atenção desde a criação do
ECA. No campo da saúde, 1989 foi o ano em que o Ministério da Saúde elaborou o
Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD), que tem como objetivo promover a
saúde integral desse público, com abordagem multiprofissional, favorecendo o
processo geral de seu crescimento e desenvolvimento, buscando reduzir a
morbimortalidade e os desajustes individuais e sociais(4-5).
A partir dos grupos de discussão foi possível identificar que, no contexto de
análise, ainda existe muita dificuldade de acesso aos serviços de saúde pelos
jovens e adolescentes, associada principalmente à ausência de atividades
voltadas para esse grupo nos serviços de saúde e pela cultura de que os
adolescentes não adoecem ou não são prioridade nos serviços.
Então os postos de saúde no modelo do papel é muito bom, o governo
tem um projeto muito bom, porém não é colocado em prática (estudante
- zona urbana de VC).
Lá no Y onde eu moro, tem que agendar pra você ser atendido, não
importa se você está muito doente ou não, agora para as mulheres
grávidas lá é bom, têm exames, palestras. (estudante - zona urbana de
VC).
Tem o planejamento familiar uma semana antes para quem vai se casar
(estudante - zona rural de VC).
As ações propostas pelo PROSAD são de extrema importância para que seja
alcançada no Brasil uma atenção/ assistência à saúde de qualidade e específica
para os o público jovem, devido à singularidade desse grupo, e para que seja
também garantida a equidade no acesso aos serviços de saúde, preconizado pelo
SUS. No discurso dos jovens estudantes, os problemas de infraestrutura dos
serviços são marcantes. que se apresentam.
E. Significados para família e filhos: "a importância de constituir
família" (estudantes da área urbana e rural)
A formação familiar é mais comum entre os jovens com nível de escolaridade mais
baixo: enquanto apenas 10% dos jovens com nível superior são casados, 43% dos
jovens que tem até a 4ª série do ensino fundamental já constituíram uma nova
unidade familiar(12). Para os participantes do estudo a educação é prioridade
nessa etapa da vida, os filhos e a constituição de família são planos para o
futuro.
Casar até que vai, mas filho por agora não (estudante - zona urbana
de VC).
Eu planejo assim, primeiro os estudos, penso em terminar o magistério
e fazer faculdade de psicologia, e depois pensar em família, né.
(estudante - zona urbana de VC).
A relação com a família foi relatada como boa e importante para os jovens.
Outros estudos mostram que a família é a instituição em que os jovens mais
confiam: 98% dizem que confiam e 83% que confiam totalmente na família(12).
F. Significados para emprego: "cobrança da sociedade e dificuldade em
conseguir o primeiro emprego"(urbano)
A dificuldade para conseguir o primeiro emprego é identificada claramente na
fala dos estudantes e quando algum estudante relatou que possuía algum tipo de
trabalho, referia-se a um trabalho informal.
A gente procura, mais não consegue nada. (estudante - zona urbana de
VC).
Bem, eu não trabalho, moro com meu pai e a minha mãe. (estudante -
zona rural de VC).
Eu trabalho durante o dia, estudo de noite (...) sou autônomo,
trabalho com transporte de estudantes dos povoados. (estudante - zona
rural de VC).
Eles sempre pedem experiência, aí tem gente com experiência, só
querem as pessoas que tem experiência. É bastante difícil, é quase
impossível (estudante - zona urbana de VC).
O problema dos jovens em conseguir emprego é tema recorrente. Em estudo
recente, 40%, encontravam-se desempregados e, entre os que relataram alguma
atividade de trabalho, 30%, estavam na informalidade, o que indica condições
desfavoráveis de trabalho, com baixa remuneração e ausência de garantia de
direitos trabalhistas, devido quase a totalidade desses jovens estarem na
informalidade(12).
G. Significados para discriminação: "processos de construção de
identidades deterioradas" (estudantes da área urbana e rural)
Os jovens estudantes destacaram a discriminação por parte dos colegas como algo
muito desagradável, que dificulta a interação social e o desenvolvimento
escolar. Essa dificuldade não é enfrentada apenas pelos participantes do
estudo, dados de pesquisas nacionais demonstram que 31,8% dos adolescentes já
sofreu bullying ou algum tipo de discriminação(15).
Eu já sofri, mais não foi aqui na escola não, pela minha voz (...)
porque meus colegas ficavam rindo da minha cara, eu acho (...) ano
passado eu passei por isso aqui na escola, aí...eu nasci assim e eu
não tenho culpa, né. (estudante - zona urbana de VC).
Aqui na escola não, quando eu tinha oito anos de idade eu tive uma
doença, eu engordei muito e eu fiquei careca, aí na escola quando eu
cheguei meus colegas me chamavam de gordinha, baleia, essas coisas,
eu tive hidrocefalia [sic]. Isso não deixava de afetar um pouco...
(estudante - zona urbana de VC).
Eu cheguei em uma loja pra comprar uma roupa, a moça não me atendeu,
mal me atendeu, aí eu saí. Eu ia comprar, mas ela não me atendeu.
(estudante - zona rural de VC).
ANÁLISE E DISCUSSÃO
Durante os trabalhos em grupo, foram feitas menções relativas à estratégia de
Saúde da Família. A estratégia de Saúde da Família deve responder a uma nova
concepção de saúde não mais centrada somente na assistência à doença, mas,
sobretudo, na promoção da qualidade de vida e intervenção nos fatores que a
colocam em risco, pela incorporação das ações programáticas de uma forma mais
abrangente e do desenvolvimento de ações intersetoriais, com foco na família
(19).
Com as observações feitas, foi possível identificar que não existe uma
programação específica para jovens e adolescentes nas Unidades de Saúde da
Família. Os jovens e adolescentes aparentemente não são o público prioritário
para ações de saúde. No período de observação dos serviços percebeu-se que os
atendimentos realizados pelos jovens nas unidades de saúde são voltados não
para a promoção da saúde, mas para consultas esporádicas, consulta pré-natal ou
vacinação em campanhas. Nas unidades mencionadas pelos estudantes, não foram
identificados grupos de educação em saúde para os esse público ou outras
atividades de educação.
Ao questionar a um profissional de saúde o porquê dessa situação, o mesmo a
justifica pela dificuldade em atrair para a unidade os adolescentes,
demonstrando que os jovens não vêem a unidade de saúde como ambiente próprio
para eles e que os profissionais não constroem estratégias para modificar essa
realidade, o que reflete a atual formação do profissional de saúde, em cursos
que ainda possuem currículos acadêmicos que não abordam ou abordam pouco a
saúde do adolescente.
Faz-se necessário a implementação de ações que busquem a reorientação do
processo de formação voltado para o desenvolvimento de competências e
habilidades para o exercício de práticas e saberes capazes de dar respostas aos
princípios propostos pela Reforma Sanitária e do SUS(20). Para isso, os
profissionais e as instituições de saúde precisam criar alternativas para
garantir a atenção para diferentes públicos.
Excetuando a condição específica de gravidez, as adolescentes pouco utilizam os
serviços de saúde, e quando o fazem, buscam apenas serviços curativos e não de
prevenção(21). Por outro lado, existem poucos serviços no Brasil disponíveis
para atender especificamente as necessidades próprias dos adolescentes. Isso
foi evidenciado durante os grupos de discussão com os adolescentes ao dialogar
sobre filhos, família e gravidez. Os jovens e adolescentes mostraram que essa
não é uma preocupação para o presente e que é necessário primeiro estudar e
construir uma carreira no trabalho. Sentem que com a gravidez, os filhos e a
família nesse momento da vida estarão deixando de aproveitar as oportunidades
que o mundo lhes oferece, em especial em termos de escolarização e trabalho.
No caso das meninas, a perda de oportunidades atribui à gravidez grande
importância simbólica por aumentar ainda mais as dificuldades de acesso a
outros bens sociais, tais como educação, trabalho, remuneração e prestígio(22).
Isso revela que eles têm suas próprias demandas de saúde e que a oferta dos
serviços de saúde não tem sido condizentes a elas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mudança do perfil de morbimortalidade da população, os hábitos não saudáveis
na infância e juventude e suas implicações na vida adulta e o crescente número
de morte de adolescentes e jovens por causas externas tem despertado a
necessidade da criação de programas que sejam capazes de atender às demandas
específicas dos adolescentes.
Construir alternativas para atrair os adolescentes e jovens aos serviços de
saúde tem se revelado um grande desafio nas práticas de saúde devido às
necessidades e expectativas particulares desse grupo. E apesar da comprovada
relevância, a relação desse grupo com os serviços de saúde é pouco investigada
no Brasil, mesmo sendo de extrema importância para orientar as ações de saúde
voltadas para esse grupo populacional.
Nos resultados desta pesquisa fica patente que os jovens e adolescentes almejam
um serviço de saúde onde eles se "encaixem", sintam-se parte do serviço e
percebam que tal ambiente é voltado também para eles.
Em ambos os grupos de discussão realizados nesse estudo, nas áreas urbana e
rural na cidade de Vitória da Conquista, foi possível identificar tanto a
ausência do exercício efetivo da cidadania como evidências de que os jovens não
tem tido o acesso pleno aos equipamentos sociais públicos e de saúde, o que se
revela tanto no descompasso entre a idade escolar e biológica, na ausência de
apoio institucional para os casos de gravidez ou mesmo no acesso a informação
de qualidade. Percebe-se também um tom queixoso por parte dos estudantes,
desejosos de melhores condições de vida. Como se constata na literatura, há
políticas públicas elaboradas, idéias a serem desenvolvidas, mas os estudantes
não as percebem no mundo de necessidades reais.
As respostas institucionais dadas às questões como gravidez, primeiro emprego
ou na vida em comunidade nem sempre estiveram presentes ou foram adequadas.
Percebe-se que há evidências e ausências do exercício efetivo de direitos e
cidadania, tal qual preconizado no ECA e no PROSAD. É necessário que na
elaboração de políticas públicas seja destacado que garantir acesso aos
equipamentos de saúde é requisito básico para uma assistência eficiente e
eficaz.
Além de elaborar programas é necessário que sejam criadas estratégias de
inserção do adolescente no serviço para que de fato a política de assistência e
promoção à saúde do adolescente, como proposto pelo PROSAD, seja integral em
Vitória da Conquista no Sudoeste da Bahia.