Oficinas de estimulação cognitiva adaptadas para idosos analfabetos com
transtorno cognitivo leve
INTRODUÇÃO
Entre os idosos brasileiros encontra-se alto índice de analfabetismo, atingindo
5,1 milhões de habitantes, acrescidos dos analfabetos funcionais que são
aqueles com menos de quatro anos de estudo(1).
Com o envelhecimento, pode ocorrer deterioração em diferentes áreas da cognição
dependente de processos fisiológicos que se alteram com a idade, gerando
declínio cognitivo de início e progressão variáveis. Este declínio pode-se
relacionar aos fatores educacionais, de saúde, bem como ao nível intelectual
global e às capacidades mentais específicas do indivíduo(2). Estas perturbações
são percebidas pelos idosos, especialmente quando comparam seu desempenho atual
com o apresentado no passado. Além das dificuldades em armazenar informações e
resgatá-las, referem ainda prejuízo ocupacional e social. Diante dessas
mudanças decorrentes da idade, especialmente entre os idosos analfabetos,
ocorrem autoabandono, perda da autoestima, isolamento da sociedade e até do
ambiente familiar(3).
Transtorno Cognitivo Leve (TCL) é definido como o estado transitório entre
envelhecimento normal e demência, refletindo situação clínica na qual a pessoa
apresenta queixas de memória e evidências de alterações cognitivas que resultam
em dificuldade para recordar nomes, número de telefones e objetos guardados,
porém não satisfazendo os critérios para possível ou provável doença de
Alzheimer(4). Para ser caracterizado como portador de TCL, o indivíduo deve
preencher os critérios de queixa de memória confirmada por informante ou
familiar, ter funções cognitivas gerais preservadas e manter as atividades de
vida diária (AVD). O diagnóstico de TCL é tarefa complexa e ainda não bem
sistematizado nos idosos(5). Consequentemente há crescente interesse em
intervenções que possibilitem a manutenção da capacidade cerebral desta
população.
A pesquisa atual teve como objetivo verificar a autopercepção da memória em
indivíduos idosos analfabetos com TCL, antes e após a realização de oficinas de
jogos e brincadeiras de estimulação cognitiva, adaptadas para analfabetos
(OECA).
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada na Unidade Mista de Saúde de
Taguatinga, da Secretaria do Estado de Saúde do Distrito Federal (UMST-DF),
serviço de referência para atendimento aos indivíduos idosos. Foi aprovada pelo
Comitê de Ética da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS),
do Distrito Federal, sob o Parecer nº 080/09 em 11/05/2009.
Foram critérios de inclusão na amostra: idade igual ou superior a 60 anos;
analfabetismo; diagnóstico de TCL; e acompanhamento clínico com médico geriatra
da UMST-DF.
Os critérios de exclusão foram: diagnóstico de demência (possível/provável
demência de Alzheimer, de Parkinson e outros tipos); acompanhamento
psiquiátrico; uso de medicação controlada que pudesse interferir na cognição e
nas respostas ao instrumento de coleta de dados; e diagnóstico de possível
depressão, ou uso de medicações antidepressivas. Para se concluir sobre
possível depressão, foi aplicada a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage e
Brink(6), versão resumida com 15 itens.
O diagnóstico de TCL foi estabelecido por médico geriatra da UMST-DF, seguindo
os critérios de Petersen(7). Os idosos incluídos foram orientados para informar
ao pesquisador caso iniciassem nova medicação, a fim de se excluir possível
interferência desta na cognição.
Os idosos analfabetos com TCL foram inseridos, seguindo a ordem de atendimento
no Serviço, formando-se três grupos: os primeiros 22 idosos foram englobados no
grupo experimental (GE); os 21seguintes compuseram o grupo controle 1 (GC1); e
os próximos 20 formaram o grupo controle 2 (GC2), totalizando 63 idosos.
Aqueles inseridos no GE participaram de 10 OECA; os do GC1 assistiram 10
palestras com temática sobre o cuidado com a saúde na velhice, proferidas por
membros da equipe multiprofissional da UMST-DF; e os do GC2, não receberam
nenhum tipo de estimulação. Tanto nas OECA quanto nas palestras foi exigida
frequência mínima de 70%.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas antes das intervenções,
coletando-se dados socioeconômico-demográficos. As mesmas foram feitas naqueles
participantes do GC2 no mesmo período de tempo. Na segunda parte das
entrevistas, efetuaram-se três perguntas: 1. Como estava sua memória há um ano
em relação à sua memória atual? 2. Como está sua memória hoje? Comente (parte
subjetiva). 3. Você acredita que sua memória é pior do que a dos outros? As
duas últimas perguntas foram aplicadas aos participantes dos GE e GC1, nas pré
e pós-oficinas e nas palestras, respectivamente. A avaliação da autopercepção
da memória atual foi feita através da análise de conteúdo temática de Bardin
(8). Na análise dos comentários sobre o estado mnemônico no pós-teste,
agruparam-se os relatos em categorias e subcategorias. Tal proposição destinou-
se à compreensão das comunicações, significado das falas e entendimento das
vivências dos idosos.
Aos participantes dos GE e GC1 foram oferecidas atividades uma vez por semana,
com duração de duas horas. As OECA aplicadas no GE foram divididas em dois
módulos, oferecidos na seguinte ordem: estimulação da memória de longo prazo e
estimulação da memória de curto prazo. Justifica-se essa divisão devido à maior
facilidade dos idosos recordarem acontecimentos distantes (memória de longo
prazo) em relação aos recentes (memória de curto prazo) e, também, como forma
de estimular o aprendizado, deixando-os mais confiantes e motivados para
prosseguir até o término das oficinas, assim como permitir aos mesmos ter
acesso a maior número de atividades e a diferentes tipos de jogos e
brincadeiras.
A primeira oficina foi composta por jogos de apresentação e integração, com a
intenção de incorporar o pesquisador ao grupo. Na última oficina utilizaram-se
jogos de finalização, que forneceram oportunidade para avaliação do conjunto de
oficinas. No início de cada oficina, foram recordados os temas dos encontros
anteriores através de cartazes ilustrativos e perguntas direcionadas aos
idosos, que podiam ajudar-se mutuamente no resgate de lembranças. Após esta
atividade, era realizada apresentação teórica sobre o tema da oficina do dia,
com duração de 10 minutos. Ao final de cada encontro, era proposta estratégia
de estimulação cognitiva - tarefa de casa, em forma de exercício a ser
realizado diariamente no domicílio, a fim de proporcionar contínua estimulação
cognitiva durante aquela semana. Cada oficina foi composta por quatro tipos de
jogos e/ ou brincadeiras específicas com a temática específica da oficina do
dia. O último jogo ou brincadeira de cada encontro foi utilizado como plano de
contingência, caso houvesse tempo livre, desmotivação ou qualquer outra
intercorrência que fizesse necessária a substituição ou o acréscimo de
atividades.
RESULTADOS
Os dados socioeconômicos e demográficos da amostra mostraram-se homogêneos
entre os três grupos. A idade média foi de 72,86 ± 7,16 anos. Os indivíduos
muito idosos (>80 anos) constituíram 22% da amostra. Entre os idosos
pesquisados, 58 (92%) eram do sexo feminino. Não houve diferença significativa
entre os três grupos quanto à faixa etária e sexo (p=0,9).
Também não houve diferença significativa entre os três grupos (p=0,07) quanto à
situação conjugal, predominando os viúvos com 49,2% (31 idosos), sendo apenas
um deles do sexo masculino. Os idosos casados perfizeram 38,1% (24 idosos) da
amostra e 12,7% (8 idosos) eram solteiros ou divorciados.
A renda econômica foi semelhante nos três grupos, sem diferença significativa
(p=0,61). Entre eles, 74,6% (47 idosos) recebiam um salário mínimo e 15,9% (10
idosos) não tinham renda alguma. A renda média foi de 0,97, isto é, menos de um
salário mínimo.
Com relação às aposentadorias e pensões, também não houve diferença
significativa entre os três grupos (p=0,54). A aposentadoria foi citada em
36,5% (23 idosos) da amostra, sendo 15,9% (10 idosos) dela constituída de não
aposentados. Ao se somar o número de idosos que recebiam pensão dos cônjuges
falecidos com aqueles que recebiam benefício da prestação continuada,
totalizou-se 47,8% (30 idosos) da amostra, valor que superou as aposentadorias
por tempo de serviço/idade. No sexo feminino, as aposentadorias não eram das
próprias mulheres sendo benefício indireto dos maridos, por as mesmas não terem
sido inseridas no mercado de trabalho, não possuindo, portanto, renda própria.
Quanto à profissão/ocupação, também não houve diferença significativa entre os
grupos (p=0,64). Referindo-se os dados ao exercício anterior à aposentadoria,
82,5% (52 idosos) eram trabalhadores do lar e 17,5% (11 idosos) tinham outras
profissões (autônomo, comerciário, diarista, lavrador e serviços gerais).
Quanto à moradia e ao arranjo familiar, também não houve diferença
significativa entre os grupos (p=0,64). Moravam acompanhados 86% da amostra,
com a média de 2,33±1,55 pessoas por domicílio.
A análise da segunda parte das entrevistas, na qual foi pesquisada a
autopercepção dos idosos sobre sua memória através de três perguntas, é
descrita a seguir.
No pré-teste, as respostas à pergunta "Como estava sua memória há um ano em
relação à sua memória atual?" forneceram os seguintes dados: no GE, 82%
relataram que a memória estava melhor que a atual, 9% pior e 9% inalterada; no
GC1, 81% referiram que a memória estava melhor que a atual, 9,5% pior e 9,5%
inalterada; e no GC2, 85% informaram que a memória estava melhor que a atual,
5% pior e 10% inalterada. A maioria dos idosos (82%) teve a percepção de que
sua memória estava melhor há um ano do que atualmente, ou seja, que houve piora
desta durante o último ano (Gráfico_1).
![](/img/revistas/reben/v65n6/a12grf01.jpg)
As respostas à pergunta "Como está sua memória hoje?", feita no pré e pós-
oficinas, mostraram diferença significativa (p=0,03) no GE. Neste grupo, a
maioria (63%) dos idosos relatou que no pré-teste sua memória era regular,
passando no pós-teste a ser percebida como boa (68%). Verificou-se que 73% dos
idosos apresentaram percepção positiva da memória (boa e excelente) após a
realização das OECA, sendo que 41% deles mudaram de opinião, de memória ruim ou
regular para boa. A resposta excelente permaneceu inalterada em 5% deles
(Gráfico_2).
[/img/revistas/reben/v65n6/a12grf02.jpg]
No GC1, a análise das respostas à mesma pergunta feita no pré e pós-palestras
também mostrou diferença significativa (p=0,01). No pré-teste, 5% dos idosos
deste grupo relataram que a memória era ruim, sendo esta percebida no pós-teste
como regular por todos eles. Portanto, houve redução da resposta ruim e aumento
da resposta regular, passando esta última a ocorrer em 76%. da amostra. As
respostas boa e excelente permaneceram inalteradas, com 19% e 5%,
respectivamente (Gráfico_2).
No GC2, ao se comparar a percepção da memória atual, surgiu diferença
significativa (p=0,01) com tendência negativa. No pré-teste, 45% dos idosos
deste grupo relataram que a memória era regular, diminuindo para 40% este grau
de percepção no pós-teste, enquanto a percepção da memória como ruim aumentou
de 20% para 25% do pré para o pós-teste, evidenciando aumento da autopercepção
negativa da memória (Gráfico_2).
Nos três grupos surgiu alteração das respostas do primeiro para o segundo teste
quanto à memória atual ser ruim, regular e boa, exceto quanto a ser excelente.
Todos os resultados foram significativos intragrupos. Ao se compararem
intergrupos quanto à memória atual, a percepção dos idosos mudou de forma
positiva após a participação nas oficinas e palestras (GE e GC1,
respectivamente), o que não ocorreu com o GC2 (sem intervenção), no qual
predominou a percepção negativa da memória. O GE teve 41% de aumento na
resposta "memória boa" no pós-teste, o que conseqüentemente reduziu a
freqüência das respostas ruim e regular. O GC1 teve 5% de aumento na emissão da
resposta "memória regular", diminuindo a freqüência da resposta ruim. O GC2
aumentou a resposta "memória ruim", diminuindo a freqüência da resposta
regular, ou seja, houve aumento da percepção negativa da memória atual nesse
grupo.
As respostas à terceira pergunta "Você acredita que sua memória é pior do que a
dos outros?", feita aos participantes do GE no pré e pós-oficinas, mostrou que
a autopercepção da memória mostrou-se significativamente diferente (p=0,01)
nestes dois momentos. No pré-teste, 41% dos idosos desse grupo relataram que a
memória era pior do que a dos outros, enquanto no pós-teste somente 23% deles
fizeram esse mesmo relato. No GE, surgiu diferença de 18% na resposta de que a
memória não era pior do que a dos outros, portanto, aumentando a percepção
positiva no segundo momento (pós-intervenção) (Gráfico_3).
[/img/revistas/reben/v65n6/a12grf03.jpg]
Esta mesma pergunta feita aos participantes do GC1 mostrou que a percepção da
memória em relação aos outros se revelou significativamente diferente (p=0,01)
no pré e pós-palestras. No pré-teste, 43% dos idosos relataram que sua memória
era pior do que a dos outros, enquanto no pós-teste esta resposta foi dada por
38% deles (Gráfico_3).
No GC2, a percepção da memória em relação aos outros demonstrou diferença
significativa (p=0,01) nos dois momentos estudados. No pré-teste, 50% dos
idosos relataram que a memória era pior do que a dos outros, sendo este grau de
percepção reduzido para 45% no pós-teste (Gráfico_3).
Quanto aos comentários dos idosos sobre a autopercepção da memória no primeiro
momento (pré-intervenção), os relatos nos três grupos foram realizados de forma
simplista, usando poucas expressões e apresentando percepção pessimista da
memória.
A análise dos comentários sobre o estado mnemônico no segundo momento (pós-
intervenção) mostrou no GE: 1. melhora da cognição, da memória, atenção,
pensamento e raciocínio; 2. socialização e integração, com convivência no
grupo, redução da solidão e comunicação; 3. mudança nas AVD, sejam atividades
domésticas ou as da vida social; 4. satisfação com as oficinas, com melhora do
humor e contentamento. No GC1: 1. relatos dos mesmos esquecimentos, com
dificuldades de lembrar e esquecimentos das AVD; 2. socialização e integração,
conhecendo novas pessoas e participando de atividades na comunidade; 3.
satisfação com as palestras, cuidando melhor da saúde. No GC2: 1. relatos dos
mesmos esquecimentos, com desorientação no tempo e no espaço e esquecimentos
nas AVD.
No GE, após as OECA, os idosos transformaram suas suposições iniciais em
prática vivenciada, baseada no que sentiram, resignificando sua percepção
mnemônica de forma positiva, que ficou mais expressiva e detalhada, com mais
palavras, acrescentando adjetivos, relembrando e utilizando-se de exemplos da
vida prática, apontando as melhoras e analisando de forma clara a percepção
sobre sua memória.
No GC1 ficou evidente a manutenção dos mesmos esquecimentos, principalmente
relacionados às AVD. Ressaltam-se aqui, a satisfação com as palestras por meio
da subcategoria cuidar melhor da saúde, a ênfase dada à socialização com o
conhecimento de novas pessoas, e o destaque à motivação em participar de
atividades na comunidade.
No GC2, não foi evidenciada melhora na área da cognição, sendo mencionados
pelos idosos os mesmos esquecimentos nas AVD e desorientação no tempo e no
espaço. Estes idosos restringiram-se aos mesmos vocabulários, de forma resumida
e com poucas palavras.
Os participantes do GE sobressaíram em relação aos GC1 e GC2, com referências
de percepções positivas da memória em vários aspectos. Na análise deste grupo,
observou-se o agrupamento de ideias e relatos em quatro categorias, havendo
melhora na cognição, socialização/integração, mudança nas AVD e satisfação com
as oficinas.
Nas habilidades cognitivas, como memória, atenção, pensamento e raciocínio, os
idosos do GE relataram mudanças positivas, evidenciadas nas expressões de
facilidade de lembrar e memorizar e na segurança com os afazeres e atividades
cotidianas. No entanto, apesar destes idosos referirem melhora do déficit
cognitivo, a dificuldade mnemônica melhorou, mas ainda persistiu.
DISCUSSÃO
A memória não envelhece em idosos saudáveis. O que ocorre com frequência é que
ela passa a ser menos exigida, piorando pela falta de uso. Para que ela seja
conservada deve ser exercitada, assim como é importante fazer exercícios
físicos e manter-se ativo. Exercitar a memória, assim como movimentar o corpo,
devem ser atividades proporcionadas aos indivíduos idosos(9, 10), o que foi
feito na pesquisa atual com os participantes do GE.
Nesta pesquisa, 82% dos idosos analfabetos com TCL, quando questionados sobre
como estava à memória há um ano em relação à atual, relataram piora da mesma ao
longo do ano. Reforça-se, assim, a importância de identificação precoce de
idosos com TCL, bem como a estimulação cognitiva aplicada nestes idosos.
Quanto se interrogou sobre o estado da memória atual, a percepção dos idosos
mudou de forma positiva após sua participação nas oficinas e palestras (GE e
GC1), o que não ocorreu com aqueles que não tiveram intervenção (GC2), nos
quais houve até aumento da percepção negativa da memória. No GE, houve 41% de
aumento na resposta "memória boa" no pós-teste, o que reduziu o número de
respostas ruim e regular; no GC1, ocorreu 5% de aumento na emissão da resposta
regular, diminuindo a freqüência da resposta ruim; entretanto, no GC2, aumentou
a resposta "memória ruim", diminuindo a afluência da resposta regular, ou seja,
houve aumento da percepção negativa da memória atual.
O mito de que o idoso não aprende está relacionado ao preconceito social contra
essa faixa etária, à baixa autoestima do idoso e à falta de estimulação mental
(10-14). Percebe-se que o brincar, utilizando jogos e brincadeiras como
atividades, facilita a aprendizagem e a prática de comportamentos específicos.
Nas OECA oferecidas aos participantes do GE, foram incentivados: atenção,
percepção, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento, linguagem e memória.
Estes quesitos levaram à diminuição dos distúrbios cognitivos nesses idosos
analfabetos com TCL. As OECA ajudaram estes idosos, mas provavelmente não
resolveram definitivamente seus distúrbios mnemônicos. Há necessidade de
processo longo e continuado de estimulação em vários aspectos da cognição para
que se mantenham os benefícios deste tipo de treinamento(15-16).
Quando se analisaram as respostas à pergunta "Você acredita que sua memória é
pior do que a dos outros?", verificou-se que os resultados foram positivos
intragrupos. Na comparação intergrupos, surgiu maior alteração de resposta no
GE em relação aos GC1 e GC2, reduzindo em 18% a resposta de que a memória era
pior do que a dos outros (41% para 23%). No entanto, os participantes do GC1 e
GC2 também tiveram percepção reduzida de 5% de que sua memória era pior do que
a dos outros (43% para 38% e 50% para 45%, respectivamente).
Os idosos do GE foram unânimes no relato de satisfação com as OECA. Esperava-se
que surgissem benefícios produzidos pelas oficinas, visto terem sido utilizados
jogos e brincadeiras que geram, além de aprendizagem e socialização, a
satisfação que foi demonstrada através de gargalhadas, risos e sorrisos
constantes durante a execução das mesmas. Todos os idosos do GE expressaram
frases de contentamento, evidenciando melhora no estado de humor e emitiram
expressões sentimentais, manifestadas como felicidade, alegria, bem-estar e
animação.
Outro aspecto percebido por eles foi o despertar da diversão como parte
integrante desta fase de suas vidas. O elemento lúdico das OECA lhe é inerente,
redefinindo os níveis qualitativos existenciais. Planejar vivências lúdicas
significativas e intervir a partir do lúdico sinaliza a (re) humanização do
homem e da própria educação(17). Estas alterações percebidas pelos idosos
representam forte indício de que tais experiências podem ser capazes de
resignificar, não apenas as vivências no âmbito do lazer, mas, também,
proporcionar novo dimensionamento nos aspectos da vida em geral.
A satisfação com as lembranças do passado, através de canções, jogos e
brincadeiras geraram, além da aprendizagem, a socialização, satisfação, bom
humor e alegria, marcados durante as oficinas com a presença de gargalhadas,
risos e sorrisos. Destaca-se, portanto, a importância em se trabalhar memória
de longo prazo nas OECA.
Pesquisa realizada em 19 idosos, indagados sobre a importância de participar de
programa de ação educativa voltado para idosos, todos responderam
afirmativamente. Das alegações afirmativas figuraram, entre outros, registros
de que nele adquiriram diversos aprendizados e sentiram-se importantes,
valorizados, incentivados e animados. Além disso, afirmaram que nele puderam
fazer novas amizades e conhecer mais pessoas. Além de se divertirem,
distraíram-se e se sentiram bem, acreditando ser este um jeito novo de aprender
a viver e que, mesmo depois de velhos, sempre estarão abertos a aprender(18).
Quanto aos comentários dos idosos sobre a autopercepção da memória, no pré-
teste os relatos dos participantes dos três grupos foram feitos de forma
simples e pessimista. No pós-teste, os grupos controles mantiveram os mesmos
esquecimentos, mas no GC1 (com palestras) foi dada ênfase à socialização e à
motivação para participar de atividades na comunidade. O GE sobressaiu-se em
relação aos demais grupos, destacando-se em quatro categorias: melhora na
cognição, socialização/ integração, melhoria nas AVD e unânime satisfação com
as OECA. Nas habilidades cognitivas, como memória, atenção, pensamento e
raciocínio, os idosos do GE perceberam que obtiveram mudanças positivas,
evidenciadas nas expressões de facilidade de lembrar e memorizar, assim como na
segurança ao executar os afazeres e atividades.
Ênfase na socialização e na integração geraram relatos expressivos dos idosos
participantes do GE, que identificaram nesses encontros um ambiente favorável
ao convívio social, interação e lazer, com perspectivas de mudanças no futuro,
criando incentivo e motivação para vivências mais felizes e participativas. Nas
oficinas, os idosos puderam não só ouvir, mas principalmente se comunicar,
falar e expressar o que sentiam, de se mostrarem desinibidos e à vontade dentro
do grupo e no convívio social. Demonstraram expressivamente redução da solidão
e a importância em suas vidas de fazerem novas amizades. Assim, o ganho pessoal
e social da participação nas OECA foi percebido como importante por estes
idosos.
A satisfação gerada nas OECA pode estar também relacionada com fatos do passado
desses idosos, pois estes os fazem relembrar situações vividas, através das
canções e músicas de sua infância. Foi no passado, afinal, que eles
estruturaram sua personalidade. Recordar vivências passadas é importante, pois
a melhor maneira de não esquecer é lembrar, ou seja, quanto mais lembrar, mais
o idoso vai vivenciar os fatos, melhor vai elaborá-los e, assim, melhor vai se
sentir mesmo que não saiba explicar o motivo(19). Trabalhando-se o passado,
juntamente com o presente, pode-se fazer com que os idosos analfabetos sintam-
se mais ajustados e com mais condições de encontrar satisfação. Destaca-se,
portanto, a importância em se estimular a memória de longo e de curto prazo
nessas OECA.
É relevante a disponibilização na rede pública de saúde de estratégias de
estimulação cognitiva para idosos com TCL e, em particular, dos idosos
analfabetos. No entanto para oferecer ao idoso com TCL uma atenção adequada,
segura, ética e com qualidade, faz-se necessária a efetivação de políticas
públicas que atendam as reais necessidades desta população, além da capa-
citação dos profissionais de enfermagem para o seu cuidado(20).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O envelhecimento populacional tem levado a que os profissionais enfermeiros
implementem cuidados aos sujeitos idosos visando melhorar sua qualidade de
vida. Isto tem incentivado a realização de estudos que caracterizem melhor as
deficiências dos idosos e investiguem as intervenções de enfermagem que mais se
apliquem às situações clinicas desta população.
O presente estudo alcançou os objetivos, visto que evidenciou a autopercepção
da memória em idosos analfabetos com TCL, antes e após a realização de OECA.
Verificou-se que essas oficinas melhoraram a cognição, socialização/integração
e as AVD dos idosos, fato de fundamental importância para a manutenção de sua
funcionalidade em tarefas simples, como: lembrar-se de tomar os remédios, não
deixar as panelas queimar, não esquecer o fogo acesso e lâmpadas ligadas, saber
o que quer fazer ou pegar, pagar contas, fazer compras, etc. As atividades
desenvolvidas nas OECA geraram atitudes contribuintes para manter a
independência, diminuindo o risco da institucionalização. Os resultados são
relevantes e positivos, pois demonstram que esse tipo de intervenção contribui
para a promoção da saúde, autonomia e melhoria da qualidade de vida de sujeitos
idosos analfabetos com TCL.
Essa pesquisa confirma a importância da estimulação cognitiva e destaca a
lacuna deixada quanto à necessidade de realização de posteriores pesquisas, a
fim de mensurar o tempo no qual perduram os benefícios adquiridos, bem como a
continuidade de avaliação da percepção dos idosos por tempo mais prolongado
após a realização das Oficinas de Estimulação Cognitiva para idosos
analfabetos.
Enfatiza-se a necessidade de criação de espaços de vivência, objetivando a
construção de uma cultura voltada para a melhoria da qualidade de vida desta da
população idosa. Dessa forma, os profissionais responsáveis pela assistência
prestadas a essa população devem estar orientados sobre a importância do
cuidado integral e interdisciplinar.
Este trabalho vem a contribuir para a enfermagem no estímulo para o
desenvolvimento de práticas alternativas de saúde para os idosos, bem como,
para o incentivo à capacitação destes profissionais, que é de fundamental
importância para o atendimento desta parcela considerável da população. Pauta-
se também a colaboração para a enfermagem nos aspecto das pesquisas na área da
cognição, envelhecimento e velhice.