Baixa autoestima situacional em gestantes: uma análise de acurácia
INTRODUÇÃO
A gestação é um período do ciclo vital que repercute significativamente sobre a
autopercepção feminina e sobre sua relação com o mundo. As diversas
modificações físicas e funcionais decorrentes da gravidez, sobretudo a partir
do segundo trimestre, representam motivos de satisfação ou de insatisfação, de
acordo com a concepção de cada gestante(1).
De uma maneira geral, os sentimentos negativos costumam aumentar com o avanço
da gestação. Além disso, a instabilidade emocional resultante das mudanças
hormonais pode repercutir em uma situação geradora de estresse. Para uma melhor
adaptação da mulher a essas transformações e ao novo papel de mãe é necessária
a aceitação do status de gestante, um fenômeno presente entre mulheres com
autoestima elevada(2). Por outro lado, alterações psicopatológicas podem
desencadear alterações fisiológicas(3).
A consulta de pré-natal é um momento oportuno para a avaliação da autoestima e
do autoconceito da gestante, pois nela podem ser abordados problemas reais e
potenciais associados ao período gestacional. Entretanto, a investigação destes
aspectos junto a gestantes tem sido deficiente, e um dos motivos talvez seja a
subjetividade das respostas psicológicas que dificulta o desenvolvimento de
planos de cuidados específicos.
Uma abordagem específica da Enfermagem relacionada à autoestima é a avaliação
da presença do diagnóstico de enfermagem Baixa autoestima situacional,
contemplado pela Taxonomia II da NANDA Internacional (NANDA-I). A Baixa auto-
estima situacional e o Risco de baixa autoestima situacional reportam-se a
sentimentos negativos sobre si e suas próprias capacidades em resposta a uma
situação atual(4).
Alguns estudos com foco em diagnósticos de enfermagem em gestantes têm sido
desenvolvidos(5-6). Contudo, ainda há uma carência de estudos que retratem as
respostas psicológicas da mulher frente às alterações decorrentes da gestação.
Estudos voltados para a acurácia de características definidoras contribuem para
o desenvolvimento de uma melhor inferência diagnóstica podendo repercutir
diretamente na qualidade da assistência.
Não foi encontrada na literatura uma tecnologia para avaliar as características
definidoras do diagnóstico citado, demonstrando a escassez de pesquisas na
enfermagem relacionadas à autoestima e aos seus respectivos diagnósticos. No
entanto, a Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES) foi considerada pertinente para
este propósito, pois se trata de um dos instrumentos mais utilizados para a
avaliação da autoestima global(7).
A RSES é uma escala do tipo Likert, composta por dez afirmativas com quatro
opções de resposta: concordo totalmente, concordo, discordo e discordo
totalmente. Sua finalidade é classificar o nível e autoestima a partir de uma
autoavaliação do indivíduo acerca dos sentimentos negativos e positivos a
respeito de si mesmo, ressaltando questões de satisfação pessoal,
autodepreciação, percepção de qualidades, competência, orgulho por si,
autovalorização, respeito e sentimento de fracasso(8). A pontuação total da
escala pode oscilar entre 10 e 40, de maneira que quanto maior a pontuação,
maior a autoestima.
Desta forma, este estudo teve como objetivo identificar a acurácia das
características definidoras do diagnóstico de enfermagem Baixa autoestima
situacional e verificar a sensibilidade e especificidade da RSES para a
identificação do mesmo em gestantes.
MÉTODOS
Estudo transversal desenvolvido junto a gestantes acompanhadas em um centro de
atendimento familiar, pertencente a uma universidade federal. Este serviço
oferece acompanhamento pré-natal e prevenção ginecológica às mulheres da área
adstrita realizados por enfermeiros.
Para o cálculo do tamanho amostral utilizou-se a fórmula para populações
finitas, partindo de uma população de 208 gestantes cadastradas na unidade de
saúde (número levantado mediante consulta aos registros). Atribuíram-se
coeficiente de confiança de 90%, erro amostral de 10% e prevalência do evento
de 50% devido à impossibilidade de se definir a quantidade de pessoas com o
diagnóstico em estudo. Obteve-se um número de 52 gestantes na amostra,
selecionadas de forma consecutiva à medida que buscavam atendimento no centro
onde o estudo foi desenvolvido e atendiam aos critérios de seleção.
O estudo utilizou como critérios de inclusão o cadastro da gestante no centro e
período gestacional a partir do segundo trimestre. Os critérios de exclusão
foram: desorientação ou sequelas neurológicas e a história de depressão
autorrelatada. A anuência ao estudo foi concedida, após o esclarecimento dos
objetivos da pesquisa, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição
responsável pela pesquisa, sob o protocolo 168/09.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista em sala privativa.
Utilizou-se um instrumento desenvolvido com base na NANDA-I(4) e na RSES(9).
Vale ressaltar que esta escala já foi submetida à adaptação transcultural(8) e
possui confiabilidade comprovada em estudos para a avaliação da autoestima de
gestantes(10-11).
Utilizou-se a RSES para a identificação das características definidoras
propostas pela NANDA-I, correlacionando-se cada característica a uma afirmativa
da escala, com exceção de "Comportamento indeciso" e "Expressões de desamparo",
que foram analisadas isoladamente. Das dez afirmativas presentes na RSES, foram
selecionadas cinco, que tinham maior correlação com as características
definidas pela NANDA-I para o diagnóstico de interesse (Tabela_1).
Considerou-se que as características definidoras estavam presentes quando a
entrevistada concordava ou concordava totalmente com a respectiva afirmativa na
escala de Rosenberg, com exceção de "Relata verbalmente desafio situacional
atual ao seu próprio valor", que foi categorizada como presente nos casos de
discordância ou discordância total em relação à afirmativa correspondente na
escala.
A avaliação da característica "Comportamento indeciso" foi executada por meio
da pergunta: "Você tem dificuldade para tomar decisões ultimamente?", enquanto
"Expressões de desamparo" foi avaliada perguntando-se: "Você se sente
desamparada ou sem alguém para te apoiar nas dificuldades?". Ambas as
características foram consideradas presentes quando a resposta era "sim" ou "às
vezes".
Além da aplicação da RSES, o instrumento contemplou dados de identificação e
dados obstétricos. Com base nas recomendações para análise da acurácia
diagnóstica(12-13), os resultados da coleta foram analisados pelos autores do
estudo, cumprindo as etapas de raciocínio diagnóstico para a definição da
presença do diagnóstico de interesse bem como de suas características
definidoras.
Os dados foram analisados com apoio do software R versão 2.12. Dados sócio-
demográficos, obstétricos e as respostas referentes às características
definidoras de interesse foram considerados variáveis independentes, enquanto o
diagnóstico de enfermagem em estudo foi considerado variável desfecho, a partir
dos dados relacionados à pontuação final da escala e pela avaliação do
especialista.
Procedeu-se à apresentação dos resultados em tabelas, sendo utilizado o teste
de Kolmogorov'Smirnov para verificação da normalidade. Realizou-se análise
descritiva com a apresentação de percentuais, medidas de tendência central e de
dispersão. Na análise inferencial foram aplicados os testes de Qui-quadrado,
para verificar a associação entre as variáveis, ou o teste de Fisher, quando as
frequências esperadas eram menores que cinco. Para estimativa da magnitude do
efeito foram calculadas as razões de prevalência e seus intervalos de confiança
de 95%. As análises de diferença de média e mediana foram realizadas
utilizando-se o teste t e o teste de Mann-Whitney, respectivamente. Medidas de
sensibilidade, especificidade, valor preditivo, razão de verossimilhança, odds
ratio diagnóstica, acurácia e área sob a curva ROC das características
definidoras do diagnóstico de interesse foram analisados para a investigação da
acurácia, sendo definido o ponto de corte de 80%. O nível de significância para
as inferências estatísticas foi estabelecido em 0,05.
RESULTADOS
A média de idade das mulheres avaliadas foi de 22,21 anos (DP = 4,88), sendo
que 28,8% delas eram adolescentes. Em relação ao estado civil, 88,5% eram
casadas ou moravam com o companheiro. Quanto à escolaridade, foi obtida uma
mediana de 10 anos de estudo, contados a partir do primeiro ano do ensino
fundamental, correspondente a ensino médio incompleto. A renda per capita média
foi de R$186,02 (DP = 119,29) e 82,7% das gestantes estavam desempregadas.
Em relação aos dados obstétricos, a maioria das mulheres (53,8%) tinha menos de
26 semanas de gestação, sendo a média de 25,9 semanas. A altura uterina média
foi de 25,7 cm. A gravidez foi referida como não planejada em 63,5% dos casos.
Do total, 46,1% eram primigestas e 63,4% fizeram pelo menos duas consultas de
pré-natal (mediana de duas consultas). O número de multigestas correspondeu a
53,85% das mulheres e o de nulíparas a 51,9%. Sete gestantes (13,4%) referiram
aborto anterior sendo, um destes, induzido (14,2%).
Tabela_2
As características definidoras com frequência superior a 40% foram:
"Comportamento indeciso" (55,8%) e "Expressões de desamparo" (40,4%). A análise
estatística evidenciou que gestantes que apresentavam a característica
definidora "Comportamento não assertivo" também apresentavam idade gestacional
média maior (p = 0,009), altura uterina também maior (p = 0,023) e
comparecimento a um maior número de consultas de pré-natal (p = 0,023). Estas
duas últimas diferenças de médias estão diretamente relacionadas à idade
gestacional. Com relação à característica "Relata verbalmente desafio
situacional ao seu próprio valor" observou-se que sua presença estava
relacionada a uma renda per capita média menor (p = 0,041). Gestantes que
apresentavam a característica "Verbalizações autonegativas" apresentavam tempo
médio de escolaridade (p = 0,034). As demais variáveis não apresentaram
significância estatística. Para uma investigação mais aprofundada, procedeu-se
a análise da associação entre o diagnóstico de interesse e cada característica
definidora (Tabela_3).
Todas as características definidoras apresentaram associação estatisticamente
significante com o diagnóstico de enfermagem (p < 0,05), exceto "Relata
verbalmente desafio situacional ao seu próprio valor" (Tabela_3). A razão de
prevalência mostra que gestantes com "Comportamento indeciso" e "Comportamento
não assertivo" apresentaram uma probabilidade três vezes maior de desenvolver
Baixa autoestima situacional. Já a característica definidora "Verbalizações
autonegativas" esteve associada a um aumento em quatro vezes da prevalência do
diagnóstico. As características "Expressões de desamparo" e "Expressões de
sentimento de inutilidade" se relacionaram a um aumento de seis e oito vezes,
respectivamente, da probabilidade da presença do diagnóstico.
Com relação à análise da acurácia das características definidoras do
diagnóstico de interesse, os melhores índices de sensibilidade foram obtidos
pelas características "Comportamento indeciso" e "Expressões de desamparo",
ambas com 82,35%. Estas também apresentaram bom poder preditivo negativo. As
características com maior especificidade foram "Expressões de sentimento de
inutilidade" e "Relata verbalmente desafio situacional atual ao seu próprio
valor", ambas com 94,29%. O melhor poder de predição para a presença do
diagnóstico (VPP) foi da característica "Expressões de sentimento de
inutilidade" (86,67%). Esta, também, foi a única que apresentou valores
preditivos positivo e negativo elevados, área sob a curva ROC acima de 80%
eodds ratiodiagnóstica mais elevada (44,39). Já as características
"Comportamento indeciso", "Comportamento não assertivo", "Expressões de
desamparo" e "Verbalizações autonegativas" se destacaram com valores negativos
altos.
Tabela_4
DISCUSSÃO
O perfil sócio-demográfico da amostra estudada, composta por 52 gestantes,
evidencia uma maior concentração de mulheres jovens, adolescentes, vivendo com
companheiro, desempregadas, com escolaridade equivalente ao ensino médio
incompleto e possuindo renda média de R$186,02. Este perfil é típico das
populações que habitam bairros da periferia das cidades brasileiras, onde se
concentram famílias com baixo poder aquisitivo. Estima-se que, atualmente,
22,4% das gestantes cadastradas no Sistema de Informação da Atenção Básica
(SIAB) são adolescentes, em concordância com o presente estudo(14).
Os achados referentes ao desemprego e à baixa renda podem ser correlacionados à
idade das avaliadas, tendo em vista que prevaleceram adolescentes que eram
estudantes. Estudos mostram que jovens, com menos de quatro anos de estudo,
tendem a engravidar mais cedo e que o abandono dos estudos é frequente nestes
casos(15). Nestas situações, é comum que haja uma preocupação e uma mobilização
dos familiares para resolver as adversidades, sobretudo quando o companheiro
não tem disponibilidade para tal(16).
Das gestantes avaliadas, 46,1% eram primigestas e 51,9% eram nulíparas. Estes
resultados são representativos da redução da média do número de filhos por
mulher na idade reprodutiva (taxa de fecundidade), fenômeno que vem ocorrendo
no Brasil(14).
O diagnóstico de enfermagem Baixa autoestima situacional esteve presente em
32,7% das gestantes. É notória a escassez de pesquisas na enfermagem
relacionadas a este diagnóstico, de maneira que não foram encontrados estudos
que identificassem a prevalência deste, nem de suas características
definidoras.
O comportamento assertivo é uma característica relacionada à afirmação social e
à capacidade de defender os próprios direitos e de expressar as ideias de
maneira honesta(17). Autores correlacionam o comportamento assertivo com uma
alta autoestima(18), o que vai ao encontro dos achados do presente estudo,
visto que as gestantes que tinham a característica "Comportamento não
assertivo" apresentaram uma probabilidade três vezes maior de desenvolver Baixa
autoestima situacional.
A característica definidora citada anteriormente também mostrou relação com
idade gestacional avançada, aumento da altura uterina e maior comparecimento às
consultas de pré-natal. Este achado é explicável tendo em vista que são
elementos que caracterizam um estágio mais avançado da gravidez, marcado por
mudanças mais visíveis que podem repercutir negativamente na autoestima. Outros
estudos apontam, de maneira similar, uma pior autoestima entre mulheres com 28
semanas de gestação ou mais(10,19).
O valor próprio se baseia na percepção a respeito das próprias habilidades,
realizações, posição social, recursos financeiros ou atributos físicos(17).
Esse conceito se relaciona com os resultados do presente estudo, visto que as
mulheres que apresentaram a característica definidora "Relata verbalmente
desafio situacional atual ao seu próprio valor" demonstraram menor renda per
capita. Ademais, essa característica apresentou uma elevada especificidade.
Conforme apresentado nos resultados, a característica "Expressões de sentimento
de inutilidade" apresentou os melhores valores entre os vários índices
estudados. Esta característica deve ser considerada como uma das que melhor
podem auxiliar o enfermeiro na detecção de baixa autoestima em gestantes.
As "Verbalizações autonegativas" se destacaram entre as gestantes com menor
escolaridade e representaram um aumento em quatro vezes da prevalência de Baixa
autoestima situacional. A baixa escolaridade é considerada um dos principais
fatores de risco para a depressão gestacional, por estar relacionada, na
maioria das vezes, a um cenário de pobreza, falta de apoio, despreparo e
abandono por parte do parceiro, acarretando problemas de ordem psicológica,
afetiva e social(20). Neste ponto, a característica definidora "Expressões de
desamparo" apresentou elevada sensibilidade e valor preditivo negativo alto,
além de aumentar em seis vezes a probabilidade do desenvolvimento do
diagnóstico estudado.
A característica definidora "Comportamento indeciso" foi a mais prevalente,
fato que chamou atenção, tendo em vista que 88,5% das gestantes apresentavam um
relacionamento estável, contrariando o que a literatura aponta, isto é, que
relacionamentos instáveis aumentam a indecisão das gestantes(21). É importante
salientar que esta característica demonstrou alta sensibilidade e representou
um aumento em três vezes da probabilidade do desenvolvimento de Baixa
autoestima situacional.
Por fim, a literatura aponta que mulheres com baixa autoestima têm 39 vezes
mais chances de apresentar sintomas depressivos quando comparadas a mulheres
com alta autoestima(22). Portanto, pesquisas que avaliem a autoestima em
gestantes são de suma importância, como medidas de prevenção da depressão pós-
parto.
Neste ponto, vale ressaltar a importância do enfermeiro, enquanto membro da
equipe de saúde da família, na identificação das situações de baixa autoestima
e na oferta de suporte às gestantes com esta problemática. É inerente à
consulta de enfermagem a investigação das respostas do organismo materno à
gestação e dos problemas reais ou potenciais, ações que são potencializadas
quando há boa interação, confiança e credibilidade durante a assistência(23).
CONCLUSÃO
O estudo possibilitou identificar a prevalência do diagnóstico de enfermagem
Baixa autoestima situacional em gestantes e a acurácia das características
definidoras deste (mediante a avaliação da sensibilidade e da especificidade);
e subsidiou a avaliação do uso da escala de Rosenberg como ferramenta para a
identificação do referido diagnóstico.
Os resultados podem contribuir com a identificação de problemas psicossociais
durante o pré-natal. Considerando-se que o estudo foi realizado apenas com
gestantes, as informações encontradas devem ser vistas com parcimônia. Além
disso, ainda é pouco conhecida a real influência de muitas características
definidoras como preditores deste diagnóstico.
As gestantes adolescentes e com menor nível econômico são, notadamente,
susceptíveis a complicações psicológicas como a Baixa autoestima situacional.
Este fato mostra que pesquisas sobre intervenções de enfermagem direcionadas a
este diagnóstico são particularmente importantes. A identificação de
características definidoras acuradas é fundamental para uma sistematização
eficaz da assistência, visto que contribui para tornar os diagnósticos da
Taxonomia NANDA-I mais claros, facilitando o uso destes pelos enfermeiros.