Acolhimento em um serviço de emergência: percepção dos usuários
INTRODUÇÃO
Mudanças na lógica de atendimento dos serviços para melhorar a qualidade da
assistência prestada são cada vez mais necessárias, especialmente nos serviços
de urgência e emergência, cujas especificidades induzem os trabalhadores a se
posicionar de maneira impessoal, com dificuldade de atuação de forma
humanizada, em virtude de deficiências estruturais do sistema de saúde como um
todo, alta demanda de atendimento, fragmentação do cuidado e ausência de
filosofia de trabalho voltada para a humanização da assistência à saúde. Essa é
uma demanda atual e crescente no contexto brasileiro que emerge da realidade em
que usuários dos serviços de saúde queixam-se da qualidade do atendimento e,
inclusive, de maus tratos(1).
Para reorganizar os processos de trabalho em saúde e promover maior
resolutividade das ações de saúde é necessário que as pessoas que buscam
atendimento sejam acolhidas. Acolher ultrapassa a perspectiva de acesso ao
serviço de saúde; é mais que uma ação de porta de entrada e recepção do
usuário. É um processo contínuo que envolve sensibilidade e conhecimento
técnico-científico dos profissionais para identificar necessidades de saúde
derivadas de processos sociais, físico-biológicos, mentais e ambientais. É a
responsabilização interessada e ativa pela condição de saúde do usuário que
resulta em adequação do serviço de saúde ao perfil da população atendida.
O acolhimento é um modo de operar os processos de trabalho em saúde de forma a
atender a todos que procuram pelos serviços de saúde, ouvir os pedidos dos
pacientes e assumir uma postura capaz de escutar e identificar necessidades e
pactuar respostas mais adequadas aos usuários. É uma tecnologia a ser
estabelecida nos serviços de saúde em todos os níveis de complexidade. Implica
prestar um atendimento com resolutividade e responsabilização, orientando,
quando necessário, o paciente e sua família em relação a outros serviços de
saúde para a continuidade da assistência, estabelecendo articulações para
garantir a eficácia desses encaminhamentos(2).
O acolhimento é uma ação tecno-assistencial que pressupõe a mudança da relação
profissional/usuário e sua rede social, pautada em parâmetros técnicos, éticos,
humanitários e de solidariedade, reconhecendo o usuário como sujeito e
participante ativo no processo de produção da saúde(2). Além do empoderamento
do usuário pela produção de sua saúde, envolve a responsabilização do
profissional pelo estado de saúde do usuário, um dos elementos essenciais para
o efetivo acolhimento. Além disso, desperta no usuário um sentimento de
confiança em relação ao profissional que presta assistência(3).
O acolhimento significa a humanização do atendimento e pressupõe a garantia de
acesso a todas as pessoas. Diz respeito ainda à escuta qualificada de problemas
de saúde do usuário, visando fornecer sempre uma resposta positiva e
responsabilizando-se pela resolução de seu problema. Em consequência, deve
garantir a resolubilidade, objetivo final do trabalho em saúde, e solucionar
efetivamente o problema do usuário(4). É mais que uma triagem qualificada ou
uma escuta interessada. Pressupõe um conjunto formado por atividades de escuta,
identificação de problemas e intervenções resolutivas para seu enfrentamento,
ampliando a capacidade de a equipe de saúde responder às demandas dos usuários,
reduzindo a centralidade das consultas médicas e utilizando o potencial dos
demais profissionais(4).
Percebe-se que o acolhimento colabora para a garantia de um atendimento de
qualidade e humanizado, facilita a promoção da assistência integral, de forma
que cada profissional possua uma visão holística do ser humano a ser atendido.
Contudo, essa colaboração somente poderá existir se o acolhimento for entendido
como um processo de corresponsabilidade de todos os profissionais pela saúde
dos usuários, por meio do trabalho em equipe multiprofissional, qualificada e
capacitada para tal, da postura acolhedora de todos e da liberdade para que se
estabeleça o vínculo dos clientes com o serviço(5).
Porém, o que se visualiza é que, tradicionalmente, a noção de acolhimento no
campo da saúde tem sido identificada ora com uma dimensão espacial, que se
traduz em recepção ágil e ambiente confortável, ora em uma ação administrativa
de triagem e repasse de encaminhamentos para serviços especializados que, na
maior parte das vezes, revela-se uma prática de exclusão social, na medida em
que "escolhe" quem deve ser atendido(2).
Essa lógica tem produzido desestímulo dos profissionais, menor qualidade da
capacitação técnica, pela falta inserção do conjunto de profissionais ligados à
assistência, e a exclusão dos saberes que os usuários têm sobre sua saúde, seu
corpo e seu grau de sofrimento, contradizendo todos os princípios estabelecidos
para a realização efetiva do acolhimento(2).
Serviços de urgência e emergência são permeados por condições complexas
inerentes ao próprio ambiente e aos seres humanos que cuidam e são cuidados,
que experienciam e vivenciam relações humanas também complexas no processo de
cuidar/cuidado em um sistema organizacional hospitalar(6,7). Assim, maior
enfoque deve ser dado ao desenvolvimento das ações no acolhimento,
compreendendo em que situações estão sendo desenvolvidos e de que forma os
usuários visualizam a atuação dos profissionais de saúde nessa atividade,
especialmente a equipe de enfermagem.
Esta, por seu papel atuante nas ações do acolhimento, deve se responsabilizar
ativamente pela escuta ao usuário, compreendendo como deve posicionar suas
ações nessa atividade para garantir a integralidade e universalidade,
princípios defendidos pelo Sistema Único de Saúde.
Considera-se que o cuidado de enfermagem deve ir além da visão biológica e
biomédica, de modo a integrar as diversas unidades e a multiplicidades dos
seres. As ações do profissional de enfermagem em uma unidade de emergência
precisam ser eficientes e eficazes; contudo, também precisam valorizar a
subjetividade do ser humano(6).
Protocolos têm sido utilizados para realização da classificação de risco,
visando otimizar a decisão dos profissionais de saúde na priorização de
atendimento dos usuários nos serviços de urgência e emergência, sendo um dos
mais amplamente utilizados o Sistema de Triagem de Manchester (STM) que
estabelece uma classificação de risco em cinco categorias. A partir da
identificação da queixa principal do usuário pelo enfermeiro, um fluxograma
orientado por discriminadores classifica o risco do paciente utilizando um
sistema de cores: emergente (vermelho), muito urgente (laranja), urgente
(amarelo), pouco urgente (verde) e não urgente (azul)(8-9).
Estudos apontam a importância da utilização de protocolos como este para
mudanças no trabalho da atenção e produção da saúde, porém é importante
enfatizar que outros aspectos devem ser considerados na realização do
acolhimento nesses serviços, entre eles a percepção dos usuários quanto a essa
ação tecnoassistencial(7-8,10).
Tendo em vista a complexidade envolvida nos processos de trabalho da equipe de
enfermagem na realização do acolhimento nos serviços de emergência, este estudo
buscou compreender como os usuários de um serviço de emergência percebem a
atuação da enfermagem na realização do acolhimento.
MÉTODO
Realizou-se estudo descritivo, do tipo transversal, que envolve a coleta de
dados em um ponto do tempo(11), em unidade da emergência de um hospital de
atenção secundária localizado em Fortaleza-CE.
Na ocasião, a capital do Ceará era dividida em seis secretarias regionais de
saúde e a instituição cenário da pesquisa localizava-se na área administrativa
da Secretaria Executiva Regional IV, que abrangia 19 bairros, com uma população
estimada em 280 mil habitantes. Situada no bairro mais populoso da Regional IV,
com aproximadamente 30 mil habitantes, era a segunda maior emergência do Estado
do Ceará, com serviços de clínica médica, traumatologia e cirurgia, além de
realizar exames laboratoriais complementares, eletrocardiograma (ECG) e raios X
(12).
A pesquisa recebeu parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Estadual do Ceará, sob protocolo nº 07381232-0 e também foi
autorizada pela direção da unidade de saúde. Foi integrada por 382 usuários do
serviço que aceitaram participar voluntariamente do estudo após a explanação de
todos os aspectos a serem abordados. Foram assegurados os aspectos de
confidencialidade, autonomia e não maleficência, garantindo aos usuários que o
atendimento não seria prejudicado em nenhum momento. Os que concordaram em
participar do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
que abordava todos esses aspectos para fins de registro legal, tanto para o
usuário como para os pesquisadores.
A escolha dos sujeitos ocorreu de maneira aleatória, abordando aqueles que já
haviam sido avaliados no acolhimento e encaminhados ao setor de emergência.
Pacientes muito graves, que apresentavam perda do nível de consciência, dor de
moderada a grave e distúrbios neurológicos em geral não foram convidados a
participar a pesquisa pela impossibilidade de responder à entrevista.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas realizadas de outubro de 2008
a março de 2009, por pesquisadores capacitados. Foram guiadas por formulário
com questões objetivas e subjetivas que compuseram 13 itens, sendo seis
relacionados à caracterização sociodemográfica da amostra e outras sete a
respeito do atendimento, com os seguintes questionamentos: tempo para
realização do acolhimento; orientação recebida na chegada ao serviço; quem
realizou essa orientação, se houve atendimento pela enfermagem e resolução dos
problemas que o levaram ao serviço. Solicitou-se ainda ao usuário a atribuição
de um conceito ao atendimento de enfermagem que lhe foi prestado e que
informasse como gostaria de ser atendido na próxima vez que procurasse pelo
serviço.
O tempo médio para aplicação dos instrumentos foi de 10 a 15 minutos,
dependendo da possibilidade e da disponibilidade do usuário. Em nenhum momento
o atendimento foi interrompido em decorrência da realização da entrevista.
Na análise dos dados, foi utilizada a estatística descritiva para as perguntas
objetivas. Para as perguntas abertas, após leitura exaustiva das respostas,
utilizou-se a técnica da análise temática, que consiste em identificar os
núcleos de sentido que compõem a comunicação, procurando identificar seu
significado para o estudo(13). Foram identificadas as seguintes temáticas:
agilidade e critérios de atendimento; profissionais mais preocupados com a
condição da pessoa; informações da Enfermagem sobre o fluxo de atendimento;
ampliação da equipe para reduzir tempo de espera e respeito pelas pessoas,
independentemente da condição social. As temáticas foram enriquecidas com os
recortes mais marcantes dos discursos, para a compreensão do processo.
RESULTADOS
A caracterização sociodemográfica da amostra pesquisada foi reunida na tabela
1, com as respectivas frequências e percentuais.
![](/img/revistas/reben/v66n1/a05tab01.jpg)
Na tabela_2apresentam-se as características do atendimento e do acolhimento
realizado na emergência do hospital, considerando aspectos da atuação da
enfermagem.
[/img/revistas/reben/v66n1/a05tab02.jpg]
Em face das opiniões e percepções dos pesquisados quanto ao acolhimento e às
ações de enfermagem na emergência, as seguintes temáticas puderam ser
organizadas e apresentadas com recortes dos discursos dos participantes da
pesquisa.
A. Agilidade e critérios de atendimento
Nesta temática, os discursos dos usuários, em sua maioria, demonstraram o
acolhimento como ferramenta principal para agilizar o atendimento e realizar
uma avaliação inicial do risco e da gravidade dos pacientes que recorrem ao
serviço. O acolhimento não atingiu ao objetivo organização das prioridades de
assistência, visto que a grande maioria das queixas dos usuários se referiu a
esse aspecto:
Deveria ser logo atendido os casos de emergência, com um serviço de
triagem eficiente.
Consulta mais detalhada, melhor organização na fila e mais agilidade
nos serviços.
Sabe-se que quando acometidas por dor ou mal-estar súbito, as pessoas sentem-se
fragilizadas e consideram-se as mais necessitadas de atenção, em desacordo com
o que preconiza a avaliação por risco.
B. Profissionais mais preocupados com a condição da pessoa
Em se tratando de uma ferramenta de práticas relacionais entre usuários e
profissionais de saúde, as falas dos usuários agrupadas nesta temática
permitiram perceber que existiam barreiras a serem vencidas quanto à
humanização no atendimento dos serviços de emergência.
A grande demanda e a necessidade de agilidade no atendimento não permitem que
ocorra um atendimento diferenciado, voltado para a totalidade do indivíduo e
que, além de identificar processos fisiopatológicos, busque acolher o usuário,
identificando as necessidades implícitas. As queixas de maus tratos,
desrespeito e falta de humanidade foram as mais frequentes na avaliação dos
discursos:
Que tivesse profissionais que trabalhassem mais preocupados com a dor
e o sofrimento do outro.
Qualidade e quantidade de médicos, pois eles estão altamente
robotizados e mecanizados... não dão um boa tarde...
Que tivesse profissionais que trabalhassem não pelo dinheiro, mas por
amor à profissão.
O pessoal daqui precisa ser mais educado, de 1 a 100, 70% são
ignorantes.
C. Informações da Enfermagem sobre o fluxo do atendimento
Tendo em vista a responsabilização pela continuidade do cuidado a que se
propõe, o acolhimento, característico, mas não exclusivo das portas de entrada
dos serviços, é responsável por direcionar para setores especializados os
usuários que chegam ao serviço, de acordo com suas necessidades de saúde Os
usuários que foram acolhidos pela equipe de enfermagem enumeraram algumas ações
que lhes agradaram e outras que deveriam ser melhoradas. Reconheceram a
contribuição dos enfermeiros no acolhimento humanizado, porém as falas também
fizeram referência a falhas na orientação do fluxo do atendimento, para
melhorar sua qualidade:
Fui recebido pela enfermeira, ela tirou minha pressão disse que
estava alta e me mandou para o consultório do médico.
Que sempre chegasse alguém para olhar, para não ficar esperando sem
saber o que vão fazer e se vão resolver o problema, como a enfermagem
fez com um senhor.
Uma pessoa na portaria que informasse com certeza para onde a gente
deveria ir.
Se sempre tivesse a enfermeira, nós não 'ficava' sem saber o que
fazer.
D. Ampliação da equipe para reduzir tempo de espera
A grande demanda nos serviços de emergência, motivada pela busca de resolução
imediata dos problemas de saúde, alguns dos quais poderiam ser resolvidos na
rede de Atenção Básica, resulta em superlotação e filas intermináveis, o que
compromete a qualidade do atendimento aos usuários, que atribuem o problema à
carência de profissionais.
A Enfermagem foi mencionada em muitas falas como a principal responsável pela
organização e agilidade do atendimento, porém a figura do médico prevaleceu
como necessária para maior agilidade na prestação da assistência, como
percebido nas falas:
Mais profissionais que auxiliem o médico na organização do
atendimento.
Mais rápido, mais enfermeiros no primeiro atendimento, pois demorou
muito.
Gostaria que tivesse mais médicos e ser atendido com mais atenção,
pois sou um senhor idoso de 76 anos e tenho que enfrentar uma fila
imensa, sem prioridade no atendimento.
E. Respeito pelas pessoas, independentemente de sua condição social
A qualidade do atendimento nos serviços públicos de saúde foi sempre
considerada inferior a dos serviços particulares. Os pacientes argumentavam
que, por sua condição financeira, tinham como possibilidade de atendimento
apenas os hospitais públicos, onde eram submetidos a uma assistência desumana,
carente de respeito e atenção pelos profissionais. Percebeu-se nas falas dos
usuários um sentimento de autodepreciação por sua condição socioeconômica e uma
justificativa ao descaso sofrido devido a essa condição:
Esse descaso é por que sou pobre, se eu fosse rica a coisa era
diferente.
Ter mais atenção com o paciente, pois a gente parece bicho, nem
olham...
Queria ser tratada como gente, pois pago meus impostos.
DISCUSSÃO
O conhecimento da clientela atendida em serviços de saúde, especialmente os de
urgência e emergência, é fundamental para o estabelecimento de prioridades e
para o planejamento de ação dos gestores(14), o que torna fundamental conhecer
e descrever o perfil de usuários atendidos nos diferentes serviços de saúde.
As características do grupo amostral mantiveram estreita relação com a de
estudos realizados em serviços de emergência e urgência(14).Verificou-se a
predominância de pacientes do sexo feminino (55,8%), solteiros (44,5%), com
idade entre 21 e 40 anos (45,5%), com até 10 anos de estudo (46,1%) e renda
familiar abaixo de três salários mínimos (85,9%). Trata-se de uma população que
caracteristicamente tende a procurar mais os serviços de saúde e que se
encontra na faixa etária produtiva, com baixa escolaridade e condição
socioeconômica precária.
Quanto às características do atendimento, observou-se que o tempo de espera foi
breve após a chegada ao hospital, visto que 214 (56%) pessoas foram atendidas
em até uma hora e, dessas, 35 (16,4%) o foram imediatamente após a chegada ao
serviço. Entretanto, chamou atenção o fato de que 36 usuários passaram mais de
5 horas até receber atendimento, evidenciando dificuldades no atendimento
frente à grande demanda do serviço. Estudos comprovam que a questão do acesso
funcional é uma das principais dificuldades citadas pelos usuários e que pode
resultar em uma avaliação negativa da qualidade do acolhimento nos serviços(3).
A maioria dos usuários (50,8%) referiu não ter recebido nenhuma orientação na
chegada à emergência e queixaram-se da qualidade do acolhimento. As falas
ressaltaram o papel do enfermeiro como direcionador e orientador no serviço,
contribuindo para maior agilidade nos atendimentos e diminuição das grandes
filas de espera.
A orientação fornecida ao usuário envolve a realização da escuta interessada,
na qual o acolhimento deixa de ser apenas uma triagem de casos por gravidade e
passa a ser a tomada de postura ética, que não pressupõe hora ou profissional
específico para fazê-lo e implica compartilhamento de saberes, necessidades,
possibilidades, angústias e invenções(2).
Apesar do número expressivo de usuários que foram orientados ao chegar ao
serviço (188), percebeu-se ainda uma atuação deficitária da equipe de
enfermagem nesta ação, demonstrada pelo pequeno número de pacientes (65) que
referiu ter recebido orientações de um profissional da equipe de enfermagem.
Quando questionados sobre o atendimento prestado pela equipe de enfermagem, 331
usuários afirmaram ter recebido atendimento por algum profissional da equipe,
tendo a maior parte (32,1%) atribuído conceito excelente ao atendimento
recebido.
Ao atuar em uma unidade crítica de saúde, o profissional de enfermagem deve
demonstrar destreza, agilidade, habilidade, bem como capacidade para
estabelecer prioridades e intervir de forma consciente e segura no atendimento
ao ser humano, sem esquecer que, mesmo na condição de emergência, o cuidado é o
elo de interação/integração/relação entre o profissional e o usuário(6).
No contexto da clínica ampliada, considera-se que o mais indicado seria
articular o melhor da clínica à captação subjetividade por meio da escuta do
sujeito envolvido na relação terapêutica no contexto social, o que poderia
modificar a percepção dos usuários quanto à qualidade do serviço prestado(15).
A resolubilidade do atendimento prestado foi confirmada por 65,4% das pessoas,
o que revela que grande parte deixou o serviço sem que sua queixa fosse
atendida. O fato contradiz um dos principais princípios do acolhimento, ou
seja, a postura de escuta e o compromisso de fornecer respostas às necessidades
de saúde trazidas pelo usuário(2).
Os usuários mencionaram ainda dificuldades sentidas em inúmeros outros serviços
de saúde, como demora ou até mesmo atendimento inadequado por parte dos
profissionais de saúde, área física inadequada, falta de material descartável,
equipamentos e recursos humanos, o que causa indignação e descontentamento aos
usuários, como aos profissionais de saúde(1).
Porém, o mais marcante nos relatos referiu-se à falta de humanização no
atendimento prestado pelos profissionais de saúde, destacando o respeito pelos
indivíduos a despeito da condição social e da necessidade de profissionais mais
preocupados com a pessoa. Isto demonstrou um grande entrave na realização de um
acolhimento efetivo, baseado principalmente no vínculo que deveria ser
estabelecido entre profissional e usuário.
Mesmo com todos os benefícios e as facilidades aos quais a tecnologia se
propõe, muitos estudos demonstram que em algumas instituições o acolhimento
tornou-se apenas mais um entrave entre o usuário e o trabalhador de saúde, uma
barreira a mais a ser vencida em busca do atendimento(16). Salienta-se que
essas dificuldades não são sentidas apenas pelos usuários, mas também por
profissionais que realizam o acolhimento(17).
Pesquisa realizada avaliando o acolhimento em serviço de atenção secundária em
Fortaleza-CE, segundo a percepção de enfermeiras, encontrou que a alta demanda
desorganiza a estrutura de funcionamento do serviço, dificultando a acolhida, o
vínculo e a comunicação entre os níveis da atenção(17).
A centralidade da figura do médico também foi marcante nas falas que fizeram
referência à necessidade de maior número de profissionais para prestar um
atendimento adequado, o que refletiu a falha de compreensão de que nenhum
profissional da saúde tem papel central no acolhimento, pois todos devem se
responsabilizar pelas necessidades do usuário, o que torna os profissionais
mais aptos para identificar os caminhos necessários à resolução dos problemas
(18).
A percepção limitada de que o acolhimento constitui apenas o processo de
triagem de casos, selecionando os mais graves para o atendimento emergencial,
pode ser caracterizada como um dos principais entraves para a implantação desta
tecnologia nos serviços de saúde, dificultando ainda mais sua aceitação pela
população, o que justifica a realização de estudos que visem a analisar, na
visão do usuário, como o acolhimento está sendo desenvolvido em diferentes
realidades, especialmente nos serviços de emergência.
Torna-se fundamental a compreensão, não apenas por parte dos profissionais de
saúde, mas também da população assistida, que o acolhimento implica prestar
atendimento com resolubilidade e responsabilização, envolvendo além da
avaliação da prioridade clínica, aspectos humanísticos e organizacionais
fundamentais para produção de saúde nesses contextos(17).
A escuta ao usuário é considerada a maneira mais fiel de se analisar um
programa e as respectivas ações nos espaços de saúde, visto que a melhoria da
qualidade dos serviços é o foco principal do desenvolvimento dessas ações. A
avaliação dos usuários permite ouvir sua opinião sobre os serviços em função de
suas necessidades e expectativas e é uma das atividades que pode assegurar a
qualidade dos serviços de saúde(4).
Empoderar a Enfermagem, levando-a a refletir sobre seu papel crucial na
realização do acolhimento efetivo dos usuários de um serviço é fundamental para
a valorização da equipe, tanto pelos próprios profissionais, quanto pelos
usuários dos serviços. As falas demonstraram o quão importante é a atuação da
equipe de enfermagem na realização do acolhimento, apesar do pequeno número de
profissionais que foram referidos participando de algumas atividades, como a
orientação na chegada ao serviço.
O acolhimento produz profundas mudanças no processo de trabalho dos
profissionais não médicos. Assim, a enfermagem tem importante contribuição
nesse novo modo de atendimento à demanda espontânea, devendo fortalecer sua
atuação na consolidação do acolhimento como prática de transformação do
processo de trabalho em saúde(19). Os profissionais de enfermagem, assim como
toda a equipe de saúde, devem estar sensibilizados, amparados e assistidos,
para que as ações de acolhimento estejam presentes em toda a atenção prestada,
e não apenas em um local específico, como se pertencessem a uma área física do
serviço(6).
O acolhimento, compreendido como uma tecnologia leve fundamentada nas relações,
contempla a existência de um objeto de trabalho dinâmico, em contínuo
movimento, não mais estático, passivo ou reduzido a um corpo físico. Esse
objeto exige dos profissionais da saúde, especialmente do enfermeiro, uma
capacidade diferenciada no olhar a ele concedido, a fim de que percebam a
dinamicidade e a pluralidade de ações que desafiam os sujeitos à criatividade,
à escuta, à flexibilidade e ao sensível(20).
É fundamental a compreensão, tanto por profissionais como por usuários, que
mais que a realização de procedimentos e técnicas, a qualidade do cuidado
baseia-se nas relações que são desenvolvidas e fortalecidas entre profissionais
e usuários, verdadeiros parceiros na busca pela promoção da saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo permitiu reconhecer as dificuldades sentidas pelos usuários no
atendimento em serviços de emergência, já amplamente descritas na literatura, e
que denunciaram as condições desumanas a que são submetidos os usuários do
Sistema Único de Saúde.
A visão do acolhimento realizado no serviço apresentou-se deturpada por antigos
conceitos, como os de triagem, seleção, organização de filas, algo que deve ser
melhor trabalhado pelos profissionais que realizam tais ações ainda de maneira
isolada, o que desconfigura a real função do acolhimento como nova forma de
organização das demandas nos serviços de saúde.
A centralidade da figura do médico, apesar de ainda marcante em algumas falas,
perde força à medida que se estabelece o papel do enfermeiro como orientador e
facilitador no desenvolvimento de atividades do acolhimento, o que pôde ser
constatado em algumas opiniões dos usuários.
Apesar das inúmeras deficiências estruturais encontradas nas emergências do
país, inclusive na que constituiu o cenário desta pesquisa. As dificuldades
mais relatadas foram carência de: atenção, humanização, respeito ao paciente e,
muitas vezes, educação dos profissionais, demonstrando que a mudança de postura
profissional, por meio de um simples olhar, toque, palavra de apoio e de
orientação, é muito mais importante do que o remédio e o exame.
Portanto, transpor-se para o lugar do outro pode ser a grande resposta para o
problema enfrentado por milhares de usuários dos serviços de saúde. Para isto,
não são necessários grandes recursos, apenas conscientização e
responsabilização para com o ser humano.