Maus-tratos a idosos: revisão integrativa da literatura
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o Brasil tem experimentado o aumento da expectativa de
vida em que a realidade do envelhecimento da população tornou-se um dos
principais desafios da modernidade(1). O cenário se torna mais agravante
quando, somado as desigualdades sociais, tem-se a falta de informações, o
preconceito e o desrespeito à pessoa idosa. A velhice carrega os estigmas da
incapacidade funcional e social do indivíduo, reduzindo o idoso, muitas vezes,
a um fardo para os seus responsáveis, concorrendo assim, à exclusão familiar e
social.
Aliados a esses fatores, o idoso carrega a bagagem da sua própria construção
sociocultural acerca do avançar da idade. Sentimentos como medo da morte,
inutilidade, solidão, desprezo e outros sofrimentos podem perpassar suas
emoções, tornando a trajetória ainda mais dolorosa. É preciso dar conta desta
incômoda realidade em que os próprios mitos do envelhecimento já conformam um
tipo de violência (a simbólica), pois retratam uma cobrança de eterna
juventude, além de preconceitos que impedem investimentos da sociedade para o
bem-estar na velhice.
Diante das possíveis dificuldades enfrentadas pelos idosos frente ao processo
de envelhecer, a violência tem se mantido no quadro de preocupação mundial como
um dos principais alertas à saúde pública, apontados em estudos que indicaram
uma elevada prevalência da violência contra os idosos, se comparado a outros
problemas de saúde com destaque epidemiológico(2-3).
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência contra o idoso como um
ato único ou repetitivo ou mesmo a omissão, podendo ser tanto intencional como
involuntária, que cause dano, sofrimento ou angústia(4). A mesma pode ser
praticada dentro ou fora do ambiente doméstico por algum membro da família ou
ainda por pessoas que exerçam uma relação de poder sobre a pessoa idosa.
A OMS, mediante o consenso internacional envolvendo todos os países
participantes da Rede Internacional de Prevenção contra Maus-Tratos em Idosos,
elencou sete tipos de violências: abuso físico ou maus-tratos físicos (reporta-
se ao uso de força física); abuso ou maus-tratos psicológicos (envolve
agressões verbais ou gestuais); a negligência (recusa, omissão ou fracasso por
parte do responsável no cuidado com a vítima); a autonegligência (negação ou
fracasso de prover a si mesma de cuidado adequado); o abandono (ausência, por
parte do responsável, de assistência necessária ao idoso, a quem caberia prover
custódia física e cuidado); abuso financeiro (exploração imprópria ou ilegal e/
ou uso não consentido dos recursos financeiros de um idoso), e o abuso sexual
(ato ou jogo sexual, destinado a estimular a vítima ou utilizá-la para obter
excitação sexual e práticas erótico-sexuais)(4).
Além dessa categorização dos atos de violência contra a pessoa idosa, observa-
se também uma classificação desses eventos em violência institucional ou
estrutural, doméstica (intrafamiliar/interpessoal) e simbólica. Desse modo, é
difícil identificar a violência exercida contra o idoso, uma vez que não se
trata apenas de agressão física - perceptível especialmente pelas marcas
corpóreas resultantes; mas, também, danos sociais, psicológicos e morais.
Independente do tipo de abuso, seguramente resultará em sofrimento
desnecessário, lesão ou dor, perda ou violação dos direitos humanos e redução
na qualidade de vida do idoso(5).
Apesar da violência contra a pessoa idosa constituir-se um importante problema
de saúde pública com visibilidade na contemporaneidade, o conhecimento
científico produzido relativo à temática, especialmente no Brasil, ainda é
escasso. Considerando esse fato, bem como a importância de se produzir novas
reflexões que auxiliem na luta contra os maus-tratos aos idosos em diferentes
dimensões, delimitou-se para este estudo a seguinte questão norteadora: Que
dimensões da violência são abordadas no conhecimento científico produzido no
Brasil no período de 2005 a 2009 no que concerne aos maus-tratos aos idosos?
Para responder tal questão, este estudo teve como objetivo o de identificar, a
partir de uma revisão integrativa da literatura, o conhecimento científico
produzido no Brasil entre 2005 e 2009 sobre maus-tratos contra idosos.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa em que se optou pelo método da
revisão integrativa para alcance do objetivo proposto. Este possibilita a
síntese do estado da arte do conhecimento de um determinado assunto, apontando
lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos
estudos como suporte à tomada de decisão e à melhoria da prática clínica, além
de permitir a realização de uma síntese de múltiplos estudos publicados,
viabilizando conclusões gerais a respeito de uma particular área de estudo(6-
7).
Uma revisão integrativa exige os mesmos padrões de rigor, clareza e replicação
utilizada nos estudos primários(8). Considerando isso, na operacionalização
dessa revisão, foram percorridas as seguintes etapas: delimitação da questão de
pesquisa (já apresentada); estabelecimento dos critérios de inclusão/exclusão
para a seleção dos estudos a serem analisados; definição das informações a
serem extraídas dos estudos selecionados; avaliação dos estudos incluídos na
revisão integrativa; análise dos dados, interpretação dos resultados e
apresentação da síntese da revisão(9-10).
O levantamento bibliográfico foi realizado pela Internet, por meio da
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas bases de dados LILACS (Literatura
Latino-Americana em Ciências de Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library
Online) e na BDENF (Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de
Enfermagem do Brasil). Para o levantamento dos artigos, utilizou-se o descritor
"maus-tratos ao idoso", combinado com os termos "enfermagem" e "enfermagem
geriátrica", utilizados para o refinamento da amostra.
Os critérios utilizados para a seleção da amostra foram: artigos que abordassem
a temática em questão, escritos na língua portuguesa, abrangendo as diferentes
áreas do conhecimento, publicados entre os anos de 2005 e 2009, em periódicos
indexados nas bases de dados LILACS, SciELO e BDENF que tinham o texto completo
disponibilizado on-line.
Considerando esses critérios, foram identificados oitenta artigos nas bases de
dados LILACS e SciELO. Na BDENF não havia nenhum estudo sobre a temática. Vale
ressaltar que, após a leitura aprofundada desses artigos, foram excluídos 64
deles, por não atenderem aos critérios de inclusão. Dessa forma, a amostra
final foi composta por dezesseis trabalhos científicos.
Para a obtenção das informações que respondiam a questão norteadora da pesquisa
elaborou-se um formulário que contemplava a identificação do artigo e dos
autores, fonte de localização, cenário geográfico em que foi desenvolvido,
objetivos, delineamento e características do estudo, resultados, conclusões e
recomendações. Para a análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva
seguida da interpretação dos achados, fundamentada na literatura pertinente.
RESULTADO
Na análise aqui empreendida, foram verificados os resultados apresentados nos
tópicos que se seguem, os quais compreendem as características dos estudos,
assim como os dados relacionados com os maus-tratos aos idosos contemplados nos
artigos analisados.
![](/img/revistas/reben/v66n1/a20tab01.jpg)
Quanto aos periódicos que mais publicaram sobre o assunto, destacaram-se o
Caderno de Saúde Pública (25%) e a Revista Eletrônica de Enfermagem (12,5%). No
concernente ao período de publicação, 2008 foi o ano em que houve maior número
de publicações sobre o tema (43,75%), seguido, consecutivamente, de 2007
(31,25%) e de 2006 (18,75%). Não foram verificados artigos publicados nos anos
2005 e 2009.
A maioria dos estudos foi desenvolvida na região Sudeste, com destaque para os
estados do Rio de Janeiro (31,25%) e São Paulo (25%). Faz-se necessário
refletir que esta região concentra a maior quantidade de Programas de Pós-
Graduação e de pesquisadores do nosso País, fato que justifica a maior
quantidade de produções. Entretanto, destaca-se a considerável quantidade de
produções da região Nordeste (25%), demonstrando o avanço dessa região na
pesquisa científica. Ressalta-se, ainda, a ausência de pesquisas realizadas na
região Norte do país.
Com relação ao tipo de estudo utilizado pelos pesquisadores para abordar a
temática, quatro estudos eram exploratório-descritivos; os demais tipos de
estudo, estão descritos na tabela_2.
[/img/revistas/reben/v66n1/a20tab02.jpg]
Quanto às formas de maus-tratos aos idosos expressas nos trabalhos analisados,
a violência física foi destacada mais frequentemente, tendo índices de
prevalência bastante variáveis, dentre eles: 2% a 10%(11); 3,2%(12); 10,1%(13)
16%(14); sendo o maior percentual de 31,8%(15). No tocante aos demais tipos de
violência, a de natureza psicológica, a exemplo da "falta de respeito"(16),
agressões verbais, insultos e outros rituais; assim como a negligência e o
abuso financeiro também foram analisadas pelos autores de forma significativa
(14-15,17-18). Chama a atenção também a violência implícita que acomete os
idosos de maneira velada, quando estes são desestimulados a realizar ações para
as quais têm capacidade cognitiva e emocional apropriadas(16).
Os textos apresentam consenso quanto ao cenário físico, ou lócus da violência.
Nesse sentido, o domicílio é apresentado pelas pesquisas como o ambiente onde
mais frequentemente ocorrem as diferentes formas de agressão aos idosos(12-
13,15). Salienta-se que, nas famílias, os idosos podem ter, segundo o grau de
parentesco, até sete agressores (cônjuges, filhos, netos, genros, noras,
irmãos, sobrinhos)(12,14-15,19).
Quanto ao perfil do idoso agredido, um estudo de revisão sistemática(20)
identificou várias pesquisas que salientaram diferenças na prevalência de maus-
tratos entre os sexos, apontando que as mulheres foram mais agredidas que os
homens(5,15), especialmente aquelas com oitenta e mais anos, deprimidas,
confusas ou extremamente fragilizadas.
Dos dezesseis artigos que atenderam aos critérios adotados para este estudo,
três (18,75%) tinham como objetivos realizarem adaptação de instrumentos de
rastreamento e avaliação de violência no idoso(21-22-23); destes, dois estudos
descreviam as fases de adaptação transcultural para o português de instrumentos
utilizados em outros países para a identificação de risco de violência
doméstica em idosos(21) e para suspeição de violência contra o idoso(22), e um
estudo que fez a revisão dos instrumentos de rastreamento e avaliação de
violência no idoso(23).
DISCUSSÃO
Na análise dos resultados ora descritos, verificou-se que, apesar da existência
de periódicos específicos sobre a temática, a exemplo da Revista Brasileira de
Geriatria e Gerontologia, a maioria dos artigos foi publicada em periódicos
gerais, o que dificulta a rápida atualização do conhecimento. Além disso, a
inexistência de um periódico de enfermagem no Brasil voltado para a
Gerontologia desfavorece a produção de pesquisas na área e, de algum modo,
dificulta diretamente a divulgação do conhecimento produzido pelos enfermeiros.
Sendo a BDENF a base que publica estudos da área de Enfermagem, é preocupante o
fato de a mesma não apresentar referências relativas a um tema tão relevante
como maus-tratos à pessoa idosa. Alguns dos estudos localizados em outras bases
de dados são divulgados por meio de periódicos da Enfermagem. Tal realidade
suscita o seguinte questionamento: Por que a base de dados BDENF apresenta
lacuna de informações no tocante à temática em análise? Torna-se imperativo a
busca de resposta para esta questão.
Outro ponto importante a ser refletido é o sistema de busca do banco de dados
SciELO, uma vez que na pesquisa realizada só foram identificadas sete
referências. Entretanto, a mesma pesquisa, feita por outros meios, tais como o
site Google, identificou um número maior de referências disponíveis na referida
base de dados.
Dentro do intervalo de tempo delimitado para a amostra, observa-se um aumento
progressivo do número de publicações entre os anos de 2005 a 2008, com
significativo decréscimo no ano de 2009. Assim sendo, questiona-se: esse
decréscimo acentuado estaria relacionado à diminuição do interesse dos
pesquisadores pela temática ou à dificuldade de publicar artigos de revisão na
área? Ressalta-se, portanto, a necessidade de maiores investimentos em
pesquisas nesse campo a fim de impedir que o grande contingente de idosos
continue sofrendo de violência de forma silenciosa.
Apesar da problemática dos maus-tratos aos idosos ser antiga, observa-se que a
questão da violência contra os idosos ainda é pouco considerada pela sociedade
em geral(24). É imprescindível, então, que os saberes produzidos levem a
população a se sensibilizar frente aos diferentes tipos de violências na
própria comunidade e a intervir nessas ocorrências denunciando imediatamente
aos órgãos jurídicos competentes para as providências cabíveis.
A temática da violência não envolve só o idoso penalizado pelos maus-tratos,
mas, também, seus familiares e a comunidade de abrangência. No âmbito social,
deve haver uma participação expressiva dos profissionais de saúde no cuidado à
vítima, de forma articulada e interdisciplinar com outros setores sociais, a
fim de proteger a pessoa idosa e punir os responsáveis. Neste sentido, também é
competência do sistema de saúde contribuir para a reversão dos elevados níveis
de mortalidade provenientes desse agravo e suas consequências: medo, alienação,
estresse pós-traumático ou mesmo a depressão, na vigilância e na criação de
condições para que esse tipo de violência não aconteça.
Entre outros sentimentos que podem, inevitavelmente, ser expressos pelos
idosos, ainda se destacam o temor da retaliação ou represália especialmente no
âmbito familiar; a culpa de gerar um conflito; a vergonha da situação; e o medo
de ser internado em um asilo. A vivência com os agressores, por sua vez, pode
não só afetar a saúde do idoso, como constituir um dos grandes empecilhos para
que a vítima denuncie.
Logo, ressalta-se que tanto os profissionais que atuam na rede básica de saúde,
quanto àqueles que prestam ações nos serviços de emergência precisam de
capacitação específica para que possam identificar e avaliar casos de
violência. Durante a assistência, devem observar os sinais e as marcas deixadas
por lesões e traumas em idosos que comparecem aos serviços e não conseguem mais
sair com vida(25).
Dados da OMS e do INPEA- International Network for the Prevention of Elder
Abuse(4) indicam que a ocorrência de violência contra os idosos no Brasil, a
partir de relatos fornecidos sobre o processo de envelhecer, relaciona-se ao
sentimento de "fossilização" que vivenciam quando são privados da participação
social, inutilizados pela aposentadoria e marginalizados pelos seus familiares.
Além da desvalorização moral, outros tipos de maus-tratos são apontados nas
demais investigações realizadas como: a negligência, o abandono, a violência
psicológica por meio de insultos e ameaças, apropriação indevida de bens
materiais e agressões de ordem física(5,11,13,17,26). Observa-se ainda a falta
de indicadores pertinentes ao abuso sexual como forma de violência contra os
idosos.
Os principais perpetradores de maus-tratos contra os idosos, por sua vez, são
os próprios familiares da vítima, levando-se em consideração o grau de
dependência que se estabelece. Depender de outra pessoa significa estar em
poder dela, tornando a oportunidade de coerção ainda maior. Vale ressaltar que
o risco de abuso ou violência física é maior para os idosos que vivem com
familiares devido à maior oportunidade de contato interpessoal, gerando
conflitos e tensões(11). Além disso, as características socioculturais da
população idosa brasileira apontam o risco de situações de sobrecarga dos
familiares de idosos dependentes como um importante determinante para situações
de abusos, negligência e maus-tratos, caracterizados como elementos
constitutivos da violência intrafamiliar.
Doenças crônicas não transmissíveis, limitações motoras, deficiências
cognitivas ou perda do cônjuge são situações que podem fazer com que o idoso
dependa de um membro da família. A mudança para uma nova residência acaba
alterando a dinâmica da estrutura familiar que, em muitos casos, não consegue
se adaptar às demandas de cuidado que uma pessoa idosa apresenta.
Essa dificuldade em adequar-se à figura de cuidador, que exige do familiar uma
transformação no estilo de vida, aliada ao baixo recurso financeiro,
intolerância, incompreensão e indisposição, pode gerar conflitos difíceis de
serem administrados. Assim, o limite entre a dificuldade de cuidar do idoso e a
violência é tênue, principalmente se forem considerados os maus-tratos
psicológicos e a negligência(26).
Além do exposto, ressalta-se que é no cenário da família onde mais
veementemente os valores "arcaicos", condicionados historicamente e
cristalizados pelas pessoas mais velhas, são questionados pelos mais jovens,
ameaçando assim as relações de poder outrora estabelecidas e, consequentemente,
gerando conflitos intergeracionais.
Quanto ao sexo, verifica-se maior vulnerabilidade da mulher idosa à violência,
em especial, aquelas que já sofriam violência doméstica em idade adulta(27).
Esse dado, de algum modo, relaciona-se à violência de gênero, que revela uma
cultura de discriminação contra a mulher(26). Apesar da maior expectativa de
vida representar maior risco de incapacidade e, por sua vez, de violência para
as mulheres, o fato de a idosa ter sido agredida quando jovem parece exercer
maior influência na ocorrência de maus-tratos.
Em relação à detecção de casos de maus-tratos, há considerável número de
estudos (15%) sobre adaptação de instrumentos de rastreamento e avaliação de
violência no idoso, demonstrando a preocupação dos pesquisadores em ter meios
fidedignos para rastrear, identificar, avaliar e, principalmente, intervir em
situações de maus-tratos aos idosos. Entre estes instrumentos destacaram-se o
Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (H-S/EAST) e o Caregiver Abuse
Screen (CASE)(22-23). Estudo realizado no Brasil(21)fez a revisão de
instrumentos de rastreamento e avaliação de violência no idoso e apontou
lacunas importantes nos processos de concepção, validação e adaptação desses
instrumentos, ficando visível a necessidade de aprofundamento de pesquisas na
área, especialmente aquelas voltadas à análise criteriosa do conceito, o que
inclui os atributos definidores do problema.
Do mesmo modo, o amparo jurídico a esses idosos foi um aspecto destacado.
Embora passível de análise e de aperfeiçoamento, a criação do Estatuto do Idoso
foi uma das mais importantes conquistas desse grupo, tendo a finalidade de
assegurar os direitos às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos,
dever não apenas do Estado, mas, também, da sociedade e da família(28).
Apesar da elaboração de leis que garantem a defesa da dignidade e do bem-estar
na velhice, muitos esforços ainda precisarão ser desenvolvidos contra a
violência à pessoa idosa, tendo em vista que, na maioria dos casos, o agressor
é um familiar que se configura como a única pessoa que pode desempenhar o papel
de cuidador, sendo angustiante e preocupante para o idoso denunciá-lo, bem como
para os demais membros familiares, que não querem/podem se responsabilizar pelo
idoso(26).
Faz-se, portanto, indispensável repensar os vínculos familiares na perspectiva
de tornar a sociedade apta a acolher seus idosos, de forma que tenham
consciência de que o seu futuro também reservará as vicissitudes da velhice.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os achados do estudo em questão apontam significativa prevalência de maus-
tratos aos idosos, ressaltando-se, também, que essa prevalência não expressa a
magnitude do problema. Observa-se elevada subnotificação, em virtude do caráter
velado dessa forma de violência, especialmente dos casos ocorridos no cenário
familiar, contexto em que se verificam os maiores conflitos intergeracionais. A
maior parte dos cuidadores informais de idosos fragilizados ou incapacitados
física e cognitivamente vivenciam situação de sobrecarga do cuidado, importante
fator de risco de violência doméstica que pode envolver esses idosos.
Quanto aos tipos de maus-tratos, verificaram-se os de natureza psicológica,
seguido da negligência. No entanto, chama-se atenção da sua inter-relação com
outros tipos de violência, pois, em sua maioria, se sobrepõem. No tocante às
características do idoso envolvido mais frequentemente na experiência em
questão, destacaram-se as mulheres, particularmente as de maior faixa etária e
mais fragilizadas. O agressor constitui, em especial, as pessoas que têm
vínculo consanguíneo ou coabitam com o idoso.
Embora este estudo apresente limitações do ponto de vista do número de artigos
analisados e do período (2005 a 2009) em que estes foram produzidos, seus
achados asseguram que os maus-tratos a idosos são mais comuns do que se imagina
e a problemática exige que se saia do campo imaginário para intervir no real,
tanto no meio clínico como no contexto social. Isso requer políticas públicas e
ações de saúde que expressem um compromisso maior com a ética e a defesa aos
direitos humanos, contemplando todas as faixas etárias, sem desmerecer as
marginalizadas pela sociedade.
Considerando essa perspectiva salienta-se que o setor saúde tem papel
preponderante nesta missão. Cabe aos profissionais da área o empenho em
prevenir, identificar, diagnosticar e oferecer os cuidados necessários aos
idosos vítimas de violência, independente da natureza, bem como informar as
autoridades competentes, a fim do desenrolar das medidas cabíveis para que o
idoso não necessite voltar ao lócus da violência, reiniciando um novo ciclo.
Dada a importância da prevenção como parte resolutiva do problema da violência
contra os idosos, ressalta-se a relevância da conscientização e da capacitação
da sociedade civil, especialmente da população mais jovem, no sentido de romper
com os preconceitos e respeitar a dignidade do cidadão idoso. Por fim,
ressalta-se que ignorar a violência contra os idosos resulta num lamentável
futuro para o envelhecimento mundial, considerando, em especial, a perspectiva
da dignidade da vida humana.