Ajustamento familiar após o surgimento da esquizofrenia
INTRODUÇÃO
A esquizofrenia é um dos principais problemas de saúde pública da atualidade,
exigindo considerável investimento do sistema de saúde e causando grande
sofrimento para o doente e sua família. É um transtorno de longa duração, com
períodos de crise e remissão que causam uma deterioração do funcionamento e
perdas nas habilidades para o doente e sua família(1-2). Apenas 5% dos
pacientes apresentam um único surto durante toda vida, a maioria apresenta
vários surtos, grande parte nos primeiros anos da doença(3).
O impacto da esquizofrenia sobre a família tem sido comparado ao trauma vivido
por vítimas de catástrofes(4-6). Quando ocorre o primeiro episódio, geralmente
no final da adolescência ou início da vida adulta, a família vive uma situação
de estresse que desorganiza todo o grupo. A vida familiar é interrompida e a
trajetória de vida pode ser modificada(4-5). Após o impacto inicial, a família
inicia um processo de ajustamento visando manter um equilíbrio que propicie
vantagens para a sobrevivência de todo o grupo.
Pesquisas(7-11)que descrevem o processo de ajustamento familiar após o início
da doença indicam que, inicialmente, a família experimenta um período de crise
e de instabilidade frente ao diagnóstico da esquizofrenia. Com o tempo ela se
movimenta em busca do retorno à estabilidade, acompanhado pelo início de um
processo de crescimento e defesa do grupo, visando à manutenção da estabilidade
familiar(7-11).
A família vivencia constantemente momentos de sofrimento como: a incerteza com
o futuro; preocupação quando o doente sai sozinho e demora a voltar para casa;
dificuldades enfrentadas em âmbito social e financeiro, entre outros. Mas, ao
mesmo tempo em que experimenta limitações e perdas, aprende sobre
possibilidades e esperanças, isto é, novas aberturas, mudanças positivas e
criativas que aliviam o sofrimento e permitem viver o presente(7-10).
Na literatura brasileira(11-14), as pesquisas focalizam a experiência de
familiares para o cuidado com o doente mental, porém pouca atenção tem sido
dada ao processo de ajustamento familiar. Nos estudos de língua inglesa(7-10),
analisados até o momento, esse processo é estudado a partir da perspectiva de
famílias que estão em diferentes estágios do desenvolvimento, tanto em relação
ao ciclo de vida familiar quanto à evolução da doença. Assim, estas pesquisas
não permitem verificar se determinados comportamentos ou modelos de interação
da família ocorrem desde o início da doença ou em qual momento eles ocorrem.
Considerando que existe o elemento tempo cronológico e cultural determinando
momentos de mudanças na vida das famílias, é de se supor que estes ajustamentos
ocorram através de um processo de arranjos e desarranjos ao longo do tempo.
Seguindo este raciocínio, a pergunta desta pesquisa foi: Quais são os
ajustamentos familiares no processo do adoecimento mental nos cinco primeiros
anos após o diagnóstico de esquizofrenia em um familiar?
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho foi conhecer o processo de ajustamento familiar nos
cinco primeiros anos após o diagnostico de esquizofrenia.
MÉTODO
Referencial teórico metodológico
Os princípios do Interacionismo Simbólico fundamentaram a coleta e análise de
dados. Na perspectiva deste referencial teórico, os indivíduos atribuem
significados às suas ações, e a partir destes, estruturam o seu relacionamento
com as pessoas e com o ambiente no qual está inserido, construindo, de um modo
dinâmico, suas vidas. Isto é, ele focaliza a conexão entre os símbolos (e
significados) e a interação social do indivíduo ou grupo, através da maneira
como definem os eventos ou a realidade e como agem em relação às suas crenças
(4,15-17).
Esse referencial é selecionado como um guia estrutural desta pesquisa, pois
define família como um grupo social que desenvolve conceitos e identidade
própria através da interação entre si e com os indivíduos que se relacionam,
dentro do âmbito social em que vive. A família atribui significados a essas
experiências, as quais resultam de suas interações. Dessa maneira, esse
referencial pode ajudar a enfermagem a trabalhar mais efetivamente com
famílias, pois possibilita a compreensão da existência de um significado
estabelecido pelo grupo familiar, o qual é mais amplo do que a soma dos
significados de cada um dos seus indivíduos(4,15-17).
Local do estudo e participantes
As famílias foram selecionadas através da lista de pacientes atendidos no
Núcleo de Saúde Mental do Centro de Saúde Escola e do Ambulatório de
Esquizofrenia Precoce do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, ambos da
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os
critérios de inclusão/exclusão dos familiares foram: ter um membro portador de
esquizofrenia (idade não superior a 25 anos e com diagnóstico estabelecido no
período máximo de cinco anos) e ter vivido com o doente na época do
adoecimento, mesmo que não morasse na mesma casa. Participaram do estudo 23
familiares de 21 famílias de portadores de esquizofrenia, sendo seis mães, um
pai e os demais eram irmãs dos doentes. As idades dos participantes variaram de
26 a 63 anos e todos moravam com o doente.
Coleta de dados
Foi realizada uma entrevista semiestruturada com cada família participante.
Apenas duas entrevistas contaram com a participação de dois familiares, as
demais, apenas um. Solicitou-se que o familiar participante relatasse a
experiência da família desde o início do adoecimento até o momento atual. As
entrevistas foram conduzidas no local onde era realizado o atendimento médico,
em salas adequadas, e gravadas em fita cassete com o consentimento dos
participantes.
Questões éticas
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo, processo HCRP nº 9800/2007. Os participantes foram esclarecidos quanto
ao objetivo do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Análise dos dados
As entrevistas foram transcritas e preparadas para análise. Após a obtenção dos
textos, o investigador examinou linha por linha e recortou as unidades de
análise que se referiam ao processo de ajustamento familiar. Cada unidade de
análise foi nomeada com uma palavra ou sentença que refletissem o entendimento
do pesquisador sobre o processo de ajustamento familiar e identificada através
da linha do tempo. Isto é, quando o texto fazia referência à infância, ao
início do adoecimento, ao período do diagnóstico ou ao período atual.(17-19).
Em seguida, as unidades de análise foram agrupadas segundo o momento do
adoecimento a que se referiam. Paralelamente a esta etapa, foram elaborados os
memorandos, que pretendiam formular um entendimento sobre as categorias criadas
(17-19).
RESULTADOS
As famílias participantes do estudo são constituídas em média por cinco
membros, sendo pais e filhos, uma média de dois a três filhos por família. Das
21 famílias, apenas duas moram em casa de aluguel e outras duas dividem o
quintal com outras famílias, sendo que uma divide com a família da irmã. A
renda mensal fixa variou de um a sete salários mínimos, sendo que apenas duas
famílias tinham a renda mensal acima de sete salários mínimos.
Fases de ajustamento
A análise das entrevistas permitiu descrever três momentos do processo de
ajustamento nos primeiros cinco anos de aparecimento da doença: "Percebendo a
mudança", "Diagnóstico e início do tratamento" e "Seguindo em frente".
Percebendo a mudança
Esta fase teve início quando os jovens começaram a apresentar mudanças de
humor, comportamentos e pensamentos, tais como: deixar de realizar atividades
sociais, isolar-se, ter atitudes infantis, pensamentos persecutórios, a
interrupção dos estudos e comportamentos agressivos.
As famílias explicaram, inicialmente, que a mudança observada nos jovens era um
comportamento desafiador ou um conflito da adolescência. Outras explicações
variavam entre problema espiritual, uso de drogas e características desde a
infância.
Aparentemente tava apenas passando por todos aqueles conflitos da
adolescência, minha irmã tava, ela tinha, 15 anos, né;
A gente achava que era da idade, que ia sumir, era normal e um só
pesadelo que íamos passar;
Porque eu num sabia se ele fingia, se ele tava assim por causa da
droga, se ele tava doente mesmo, sabe, a gente num sabia certo, né.
Aí eu falava assim, ah, se ele parar de usar a droga ele fica normal,
quem sabe ele tá assim porque ele usa droga, né. Ou ele tá fingindo
[...].
Somente com a intensificação e não resolução dos sintomas, as famílias
começaram a discutir se aquela mudança não seria uma doença e, se a procura de
um serviço de saúde não seria pertinente. Procurados por algumas famílias,
todos os profissionais de saúde ou de saúde mental neste momento, não falaram
em esquizofrenia; falaram em depressão, ansiedade ou mesmo características da
adolescência.
[...] mas só que não chegou assim a ter esse diagnóstico. Começou com
um quadro depressivo. [...] O primeiro psiquiatra dele é, tratou dele
como uma depressão mesmo. Uma depressão forte, tal, pra você ter
ideia [...];
Aí o Dr. falou que era, num sei, parece que era ansiedade. Isso,
ansiedade, num sei falar direito [...];
Mas o médico marcou a consulta dele lá pra lonjão, achou que era uma
frescurite, uma depressãozinha à toa, 18 anos, achou que era bobeira.
Com o passar do tempo, as mudanças de comportamento evoluíram para um surto
psicótico. As famílias reconheceram que já não tinham condições de lidarem
sozinhas com o problema e procuraram ou foram encaminhadas para um serviço
especializado. Neste momento teve início a segunda fase da trajetória familiar
no adoecimento. Trata-se do momento em que é dado um nome para todas aquelas
mudanças percebidas nos familiares adoecidos e é proposto um tratamento.
Diagnóstico e início do tratamento
Com os jovens familiares em quadro agudo, as famílias vivenciaram um período
intenso marcado por idas frequentes ao serviço de saúde, culminando com as
primeiras internações, em sua maioria, involuntárias. É nesse contexto, de
procura médica e internações, que elas receberam o diagnóstico de esquizofrenia
e uma proposta de tratamento.
Ele voltou, mas já começaram,já tava as crises nele. Aí logo que ele
veio pra cá, já começou a dar aquelas crises dele ficar, assim, igual
bicho, olho vermelho, como uma brasa. Começou a ficar pelado, queria
sair pelado na rua. Aí nós chamamos a ambulância, aí começou vir aqui
no postinho. Aí vinha né, dava uma injeção nele, um remédio, voltava
pra casa. Aí por fim nós, a semana toda chamando a ambulância,
falamos, nós não temos a condição de ficar com o meu filho em casa
desse jeito. Aí voltou de novo no posto de saúde, aí levou para um
pronto atendimento e deste levou para o hospital psiquiátrico, já
todo amarrado [...];
Aí o médico pegou e falou que ele tinha esquizofrenia. Aí eles começaram o
tratamento nele.
Os familiares relataram um grande impacto ao receberem o diagnóstico de
esquizofrenia. Palavras como susto e choque foram usadas para descrever este
impacto. A ideia do adoecimento do ente querido e de uma doença psiquiátrica,
bem como o não conhecimento desta, geraram sentimentos intensos de desespero,
culpa e medo em todos os familiares.
E aí, na hora eu levei um choque, mas tipo, eu aceitei. Acho que tem
que passar, vamos passar, né? Um choque muito grande[...] Ela não
fica só nisso daí, tipo assim, você lembra logo que louco, que antes
era assim, né? Ou era louco, ou era doido. [...] É porque você traz a
imagem de um louco. Aí ela traz muita coisa dentro de casa que
associa;
Foi um choque pra todo mundo, porque ele sempre foi um rapaz bem
saudável, trabalhava. Então, foi um choque terrível pra família. Todo
mundo ficou assustado, entendeu? Outros choravam. Mas em geral todo
mundo ficou bem espantado.
Seguindo em frente
Após o início do tratamento, os doentes começaram a apresentar alguma melhora
no seu comportamento geral. Segundo os familiares, esta melhora ocorreu como
resultado do ajuste medicamentoso, da aceitação do tratamento pelos familiares
doentes e ao apoio das famílias.
Com o início da estabilização do quadro agudo da doença, o retorno à
normalidade começou a parecer mais plausível e, portanto, mais esperado. Com o
sentimento de esperança, as famílias começaram a estimular os seus jovens a
retomarem a independência que tinham antes do adoecimento. Eles passaram a ser
estimulados a realizarem algumas atividades rotineiras sozinhos, saídas de casa
como idas à Igreja, participação em eventos familiares, realização de cursos,
retorno ao trabalho, restabelecimento de grupos de amigos e mesmo manter-se
sozinho em casa.
Queremos que ela saia, tenho a esperança que ela se sinta cada vez
mais forte, por que volte a ser normal. Essa é a esperança que sempre
temos, pedimos sempre a Deus, e nós vamos alcançar porque eu tenho
fé.
Embora ocorra uma melhora no comportamento geral do doente, suas ideias e seu
humor nem sempre estão estáveis. Esta constatação faz com que os familiares
experimentem sentimentos de medo relacionados a uma nova crise e/ou uma
recaída. Estes sentimentos fazem com que estes permaneçam em constante estado
de alerta para qualquer alteração de comportamento dos doentes, supervisionem
ou administrem seus medicamentos e não os deixem sozinhos.
Medo de que ela tenha uma recaída e que ela não consiga voltar como ela é hoje.
[...] A gente tem medo que ela tenha uma recaída e não consiga voltar ao que
ela é hoje;
Porque essa esquizofrenia tem que continuar o tratamento, não pode
parar de tomar o remédio, então eu dou o remédio na mão dele antes de
dormir [...];
Agora ele tá melhor. Mas, precisa acompanhar ele, não pode deixar ele
sozinho [...].
Assim, as famílias vão dando sequência à sua trajetória, com a esperança da
melhora dos familiares doentes e com o medo de uma nova crise. Tentando se
equilibrar nestas duas posições, as famílias seguem em frente após os primeiros
cinco anos de adoecimento.
DISCUSSÃO
A perspectiva de que a vida é construída desde o nascimento até a velhice,
desenhando uma trajetória de experiências, conhecimentos e mudanças,
fundamentou a análise e a discussão dos dados obtidos neste trabalho. O
surgimento da esquizofrenia desorganiza todo o sistema familiar obrigando o
grupo a buscar ajustamentos para a nova realidade que estão vivenciando. Assim,
esta pesquisa delineou três momentos de ajustamento familiar durante os
primeiros cinco anos de diagnóstico.
Como identificado nos relatos dos familiares que participaram desta pesquisa e
em outras pesquisas já existentes, o primeiro episódio da esquizofrenia ocorreu
no final da adolescência(5). A adolescência é uma fase de transição da infância
para a vida adulta, caracterizada por mudanças biológicas, emocionais e
socioculturais rápidas no jovem, e que necessitam de uma reorganização
familiar. A família se organiza para se ajustar a esse novo evento,
estabelecendo um relacionamento caracterizado pela diminuição da supervisão dos
pais e aumento da autonomia e independência do jovem. Os pais passam de
protetores a preparadores, ajudando seus filhos na maturação de questões
sociais e sexuais(20-21).
Na trajetória de vida das famílias que estão convivendo com o adoecimento
mental descrita nesta pesquisa, o adoecimento começou a ser percebido durante a
adolescência. Os jovens começaram a apresentar mudanças de comportamento, humor
ou pensamento. Para muitos entrevistados, a mudança foi considerada como um
problema da adolescência e deveria ser tolerada porque poderia ser passageiro.
Outros estudos com o objetivo de descrever o ajustamento familiar após o
adoecimento(20-23), também obtiveram relatos de pais de doentes mentais que
informavam que no início eles não reconheceram a mudança de comportamento de
seus filhos adolescentes como um possível adoecimento. Acreditavam que os seus
adolescentes não estavam conseguindo lidar socialmente com a liberdade e
independência concedidas pela família. Viam como atitudes rebeldes, infantis e
deterioradas, extrapolando os limites que ainda lhes eram dados. A família
acabava por tolerar os comportamentos do filho adoecido, acreditando que eram
típicos do período de amadurecimento(20-23).
Na adolescência, a perspectiva dos pais é que seus filhos se tornem cada vez
mais independentes e autônomos, terminem os estudos, adquiram independência
financeira, assumam novos relacionamentos e constituam uma nova família. E, é
essa expectativa que justifica a mudança de comportamento do adolescente ser
entendida como um desafio, tanto para os pais como para os seus jovens. Isto é,
uma atitude do adolescente que exige tolerância dos pais como forma de promover
o amadurecimento do jovem(20-21).
Os pais se baseiam nos sonhos e nas aspirações que suas crianças demonstraram
durante seu crescimento, comportamentos anteriores e personalidades. Portanto,
pode-se dizer que pais de adolescentes e jovens adultos estão antecipando a
liberdade de seus jovens, quando toleram os desafios da adolescência. Suportar
as mudanças de humor, de comportamento e de pensamento observadas geralmente
nesta fase, parece a melhor opção da família. Pois, se for um evento típico da
adolescência, deve terminar quando o familiar chegar à idade adulta(20-21).
Com o passar do tempo, o adoecimento evoluiu para um surto psicótico. A família
reconheceu então que já não tinha condições de lidar sozinha com o problema e
procurou ou foi encaminhada para serviço especializado. Nesse momento teve
início a próxima fase identificada neste estudo, a fase de diagnóstico e início
do tratamento. Esta fase foi descrita pelos entrevistados desta pesquisa como
um período muito sofrido e de muito cansaço. Envolveram várias visita a
serviços de urgência, pronto atendimento e internação involuntária. A
informação sobre o diagnóstico foi um choque e desencadeou sentimentos de
culpa, perda, dúvidas, medo e desespero.
Para as famílias entrevistadas em outras pesquisas, a decisão pela procura de
ajuda e os sentimentos gerados pelo diagnóstico também constituiu uma fase
marcada por sentimentos de culpa, medo e cansaço(8,20,22-25). A decisão de
levar o jovem adoecido ao serviço de saúde é difícil para a família(23). Até
esse momento, ela tentou manter o cuidado de seu familiar sem a necessidade de
ajuda especializada. A decisão de procurar ajuda envolveu muitos sentimentos de
perdas, dúvidas e confusão para todo o grupo. Agora, sem alternativa, a família
entrou no sistema de saúde(8,20,22-25).
Em outro estudo, as famílias descreveram o momento do diagnóstico como se suas
vidas tivessem sido divididas em dois períodos, antes e após o diagnóstico da
doença mental(22). Há também o relato de familiares que descrevem este momento
cheio de sentimentos negativos e de perda, como se o seu familiar que existia
antes do adoecimento tivesse morrido(8,24). Para outras famílias, o
estabelecimento de um diagnóstico foi visto como um alívio, pois trouxe
respostas aos comportamentos do doente e criou novas expectativas(23-24).
Assim, como os resultados apresentados nesta pesquisa, as palavras choque e
susto também foram usadas pela maioria dos participantes destes estudos. Em
todos estes, essas palavras vêm acompanhadas pelos sentimentos de perdas,
tristeza, confusão, raiva e desespero em saberem que seu familiar sofre de
doença mental. Os sentimentos antes existentes foram substituídos. Isto é, até
o diagnóstico existiam sentimentos ríspidos frente às atitudes do doente,
cheios de julgamento e desprezo. Após o diagnóstico, sentimentos de compaixão,
esperança e compreensão são relatados(20,22-23,25).
Quando os medicamentos foram ajustados e os jovens passaram a aceitar melhor
seu adoecimento, ocorreu uma melhora geral do quadro. As famílias se sentiram
mais confiantes na esperança que não ocorresse mais o quadro agudo da fase
anterior, e que tudo voltasse a ser como era antes. Ao mesmo tempo, sentiam
medo da possibilidade de uma nova crise.
Na experiência com a primeira crise, os familiares sentiram muito medo em
relação à segurança física dos doentes e dos demais familiares, por esta razão
temem uma nova crise. Esta é a fase intitulada "Seguindo em Frente", na qual se
encontravam todos os entrevistados nas pesquisas. Após cinco anos de tratamento
de seus jovens adoecidos, as famílias seguem em frente com esperança e medo em
relação ao futuro.
Assim, as famílias participantes deste estudo, após o diagnóstico, passaram a
inserir em suas vidas a vivência com o adoecimento crônico. Estudos realizados
defendem que, assim como estas, as famílias que convivem com o adoecimento
crônico vivem um paradoxo entre a esperança e o desespero, a necessidade e a
possibilidade. Um paradoxo porque esses pares se negam e se afirmam
reciprocamente. Este é o paradoxo existencial do adoecimento crônico(10).
Viver o paradoxo significa que aqueles envolvidos com o adoecimento crônico
confrontam-se simultaneamente com limitações e perdas e, ao mesmo tempo, com
possibilidades, esperanças e novas aberturas(10). Assim, a esperança motiva a
família para a reabilitação do seu doente, enquanto o medo faz com que ela
sofra limitações e necessidades, pois é preciso se manter vigilante em relação
ao comportamento do familiar adoecido.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura nos mostra que a família, ao vivenciar o adoecimento de seu jovem,
inicia um processo de arranjos e desarranjos, visando manter a integridade do
grupo. Porém, eles apontam que este processo de mudança na família varia de
acordo com a experiência familiar, o tempo de diagnóstico, o tempo de convívio
com o doente, o conhecimento acerca da doença e o quadro clínico em que o
doente se encontra. Assim, a proposta deste estudo foi conhecer o processo de
ajustamento familiar nos cinco primeiros anos após o diagnóstico de
esquizofrenia. Três momentos foram identificados: "Percebendo a mudança",
"Diagnóstico e início do tratamento" e "Seguindo em frente".
A metodologia utilizada possibilitou coletar, a partir dos relatos dos
familiares, dados ricos de informações sobre a experiência das famílias nestes
primeiros anos de adoecimento de seus jovens. Os resultados apresentados neste
estudo são semelhantes aos encontrados na literatura e indicam que a família
inicia um processo de ajustamento após o diagnóstico da doença, e que ele é
construído por vários momentos diferentes. Isto é, os três momentos
identificados nos cinco primeiros anos de diagnóstico são diferentes e com
particularidades. Para cada momento, a família apresenta significados,
necessidades, sentimentos, modos de enfrentamento e redes de apoio específico.
Alguns sentimentos permeiam por todos os momentos, mas o seu significado e
intensidade variam de acordo com cada fase do processo de ajustamento. Todas as
fases do processo de ajustamento familiar apresentadas neste projeto são ricas
e podem ser mais exploradas.
Nos relatos das famílias também percebemos pouca referência ao sistema de saúde
como uma rede de apoio para a família. Ele é procurado apenas quando o doente
necessita de internação ou para o acompanhamento médico. As famílias não
mencionam o estabelecimento de um vínculo com o sistema de saúde para a
assistência às necessidades do grupo familiar. A provável dificuldade de se
estabelecer um vínculo entre o grupo familiar e o sistema de saúde nos
primeiros cinco anos, pode fazer com que as famílias vivam exclusivamente para
os seus jovens doentes, experimentando dificuldades e sentimentos variados, que
causam um intenso sofrimento para ambos, nos primeiros anos do adoecimento.
O reconhecimento do processo de ajustamento e a identificação das
especificidades de cada fase vivenciada pela família pela enfermagem permite
desenvolver uma nova proposta de assistência, que vise não apenas o cuidado ao
doente, mas também à sua família. Identificar em qual momento cada família está
inserida e elaborar um plano de cuidados específico, incluindo apoio contínuo e
educativo desde o início do adoecimento pode minimizar o impacto do adoecimento
na família. Colaborando para que o grupo familiar consiga proporcionar um
ambiente de qualidade para seus membros e seu doente.