Acidente com material biológico no atendimento pré-hospitalar móvel: realidade
para trabalhadores da saúde e não saúde
INTRODUÇÃO
O serviço de APH na cidade de Goiânia-GO, localizada na região Centro-Oeste do
Brasil, assim como no restante do país, tem um histórico vinculado à
instituição militar. Em Goiânia, a partir de 2000 o Corpo de Bombeiros Militar
do Estado de Goiás (CBMGO) foi estruturado para o Atendimento Pré-Hospitalar
(APH), por meio do Grupo de Resgate Pré-hospitalar (GRPH), e no mesmo ano,
houve a implantação de outro modelo de APH, o Sistema Integrado de Atendimento
ao Trauma e Emergência (SIATE).
Em 2004, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), também integrante
do APH no país, começou a atuar no município de Goiânia-GO e em 2011, Goiás faz
parte dos dois únicos Estados que possuem 100% de seus territórios atendidos
pelo SAMU, no Brasil, além de Sergipe(1).
Atualmente existem dois serviços de APH, públicos, no município de Goiânia-GO:
o SIATE (órgão da Secretaria Estadual de Saúde que atua em convênio com o
Grupamento de Salvamento e Emergência (GSE) do CBMGO) e o SAMU, na esfera
municipal.
A equipe do APH inclui profissionais oriundos da área da saúde: médicos,
enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem; e não oriundos da área da
saúde: telefonista, rádio-operador, condutor de veículos de urgência, bombeiros
militares, profissionais responsáveis pela segurança (como policiais militares
e rodoviários) e outros(2).
No caso de bombeiros militares, especificamente, a legislação brasileira
permite a realização de suporte básico de vida, com ações, consideradas não
invasivas, sob supervisão médica direta ou à distância, obedecendo aos padrões
de capacitação e atuação previstos em normativas nacionais(2).
Os trabalhadores dos serviços de APH realizam atendimentos de urgência, que
podem ser caracterizados como diretos (por profissionais oriundos da área da
saúde) e indiretos (por profissionais não oriundos da área da saúde).
Rotineiramente, esse trabalho envolve procedimentos que são realizados sob
condições de estresse, com alto risco de morte das vítimas, em condições
frágeis de estrutura física, o que, particularmente, torna os profissionais do
APH mais susceptíveis a acidentes envolvendo material biológico (MB)(3).
Estudos apresentam taxas elevadas de acidentes com MB entre esses trabalhadores
(4-10).
Embora os profissionais oriundos da área da saúde apresentem maior risco de
acidentes envolvendo MB, haja vista a natureza dos procedimentos que executam,
os demais também participam de situações que envolvem o risco biológico (RB),
entretanto, a discussão da comunidade científica predomina o enfoque aos
primeiros.
Diante disso, e por considerar que as urgências não se constituem especialidade
médica ou de enfermagem e ainda, por julgar que atenção a esta área ainda é
insuficiente nos cursos de graduação, o Ministério da Saúde implantou os
Núcleos de Educação em Urgências com a finalidade de qualificar os
profissionais (oriundos e não da área de saúde) para atuarem em Serviços de APH
Móvel(2). Essa qualificação inclui noções de medidas de prevenção e controle de
infecção para todos os profissionais da área da saúde e para aqueles não
oriundos desta área, limita-se aos profissionais da área de segurança,
bombeiros e condutores de veículos de urgência (tipo B, C e D).
Sabe-se que as medidas de Precaução Padrão (PP)(11) tem como essência
considerar o risco como universal. De acordo com essas medidas, qualquer
indivíduo é um potencial portador de microrganismos infecciosos e, portanto,
medidas preventivas, como a adoção de equipamentos de proteção e a prática de
higienização das mãos, devem ser adotadas, independente do diagnóstico,
conhecido ou presumível, do paciente.
Nos serviços de APH onde o risco de acidentes com MB é potencializado pelas
peculiaridades que envolvem cada atendimento as medidas de PP deveriam ser
incorporadas por todos os profissionais e, portanto, integrar a pauta de
educação permanente deste grupo.
Diante dos escassos estudos que abordam o RB da equipe de profissionais,
oriundos e não oriundos da área da saúde do APH móvel e a inexistência de dados
relacionados com esta população na região Centro-Oeste é que este estudo faz-se
necessário.
Identificar a prevalência e caracterizar os acidentes com material biológico
entre os trabalhadores do Atendimento Pré-hospitalar em Goiânia, Goiás e
comparar os comportamentos de risco adotados entre os grupos saúde e não saúde
que podem influenciar na ocorrência e na gravidade destes acidentes.
MÉTODOS
Estudo transversal, analítico realizado nos serviços públicos de atendimento de
urgência e emergência pré-hospitalar do município de Goiânia-GO. Esses serviços
são formados pelo SIATE e SAMU.
A população foi constituída por todos os profissionais que atuavam nos serviços
do SIATE e SAMU de Goiânia-GO. Foram incluídos médicos, enfermeiros, técnicos
em enfermagem, condutores e socorristas que participavam de forma ativa no
atendimento de urgência e emergência. Foram excluídos, os profissionais que
desempenhavam serviços administrativos e aqueles em férias ou licença médica,
no período da coleta de dados.
Considerou-se como variável de desfecho a ocorrência de acidente com MB durante
o tempo de trabalho nesses serviços e variáveis de predição sexo, idade,
categoria profissional, tempo de atuação no APH, carga horária semanal, tempo
de experiência e adesão a algumas medidas de biossegurança como: uso de
equipamentos de proteção (luvas, máscara e óculos protetores), descarte de
perfurocortantes em local adequado, não reencape de agulhas, uso do uniforme
completo (com as mangas até o punho) e imunização para hepatite B e tétano.
Os dados foram obtidos mediante aplicação de um questionário estruturado, auto-
aplicável, constituído por questões objetivas. O instrumento foi avaliado por
três especialistas em controle de infecção e submetido a teste piloto em um
serviço de APH de outro município.
A coleta dos dados ocorreu no período de julho a agosto de 2006, no momento da
troca de plantão dos profissionais. Os instrumentos eram devolvidos ao
pesquisador logo após a sua aplicação.
Para o processamento e análise dos dados, utilizou-se o programa Epi-Info,
versão 3.3 e o pacote estatístico SPSS/IBM, versão 10.0 for Windows.
Prevalências foram calculadas com intervalo de confiança de 95%. Realizou-se a
análise univariada e multivariada O teste de qui-quadrado e exato de Fisher
foram utilizados para testar a significância de diferenças entre as proporções.
Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Para fins de análise, os trabalhadores foram agrupados em profissionais dos
grupos saúde (enfermeiros, médicos e técnicos em enfermagem) e não saúde
(condutores e socorristas - bombeiros militares).
O estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (protocolo de
aprovação número 001-006). Os sujeitos foram informados sobre objetivos e
aspecto voluntário da participação, com preservação do anonimato e direito de
se retirarem do estudo, em qualquer momento, sem sofrerem prejuízos. No caso de
aceite, o profissional assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
O total de trabalhadores elegíveis para o estudo era de 202, nove estavam em
férias, quatro em licença médica e 12 recusaram. Participaram 177 indivíduos
representando 87,6% da população pretendida. Dentre eles, 101 integravam o
grupo saúde e 76 o não saúde. A Tabela_1 apresenta a caracterização dos
sujeitos.
As variáveis que apresentaram diferenças estatísticas com as demais foram o
sexo masculino e o tempo de atuação superior a cinco anos (p<0,05).
A prevalência global desses acidentes foi de 41,2% (73/177) entre os
profissionais do APH. Considerando os grupos saúde e não saúde, a prevalência
de acidentes foi de 58,4% (59/101) e 18,4% (14/76) , respectivamente.
Dentre os 73 acidentes, a maioria envolveu profissionais enfermeiros (28,7%;
21/44) seguidos por médicos (26,1%; 19/26), técnicos em enfermagem7 (26,1%; 19/
31), socorristas (15,0%; 11/34) e condutores (4,1%; 3/42). Os acidentes foram
caracterizados em graves (45/73; 61,7%) e não graves (28/73; 38,3%), conforme
as características da exposição ao MB.
Os acidentes graves foram: ferimentos com material previamente inserido em
acesso vascular (15; 20,5%), ferimento profundo com material contaminado com
sangue (13; 17,9%), exposição a grande quantidade de sangue (07; 9,6%),
exposição a MB em pele ou mucosa não íntegra do profissional (05; 6,8%),
tamanho da área de exposição ao MB (03; 4,1%), elevado tempo de exposição ao MB
(01; 1,4%) e envolvimento de MB proveniente de paciente portador do Vírus da
Imunodeficiência Humana fora de tratamento (01; 1,4%).
Os acidentes considerados não graves foram: contatos rápidos com MB em pele
íntegra (24; 32,9%), ferimentos superficiais com agulha de sutura (02; 2,7%) e
arranhões superficiais com material perfurocortante (02; 2,7%).
A maioria dos acidentes envolveu sangue (63; 86,3%), saliva (06; 8,3%), líquido
pleural (02; 2,7%) e secreção gástrica (02; 2,7%).
O envolvimento com perfurocortantes ocasionou 32 (43,8%) acidentes, sendo:
ferimento com material previamente utilizado em acesso vascular (15; 20,5%),
ferimento profundo com sangue no material causador do ferimento (13; 17,8%),
ferimento superficial com agulha de sutura (02; 2,7) e arranhões superficiais
provocados por perfurocortantes sem sangue ou outros fluidos visíveis (02;
2,7%).
Dentre as causas referidas de ocorrência dos acidentes, destacaram o descuido
da equipe com o material contaminado (16; 22,0%), o não uso de EP (14; 19,2%),
a viatura/veículo estar em movimento (14; 19,2%), o espaço físico reduzido (12;
16,4%), o local inadequado para a limpeza dos artigos (05; 6,8%), a ausência de
recipiente para descarte de perfurocortante (04; 5,5%), a falta de experiência
(04; 5,5%), recipientes para descarte de perfurocortante cheios (02; 2,7%) e
inadequados/improvisados (02; 2,7%).
A maioria dos acidentes aconteceu durante a realização de procedimentos (47/73;
64,4%). Durante a execução de procedimentos considerados invasivos (37/47,
78,7%), como acesso vascular, aspiração de vias aéreas, administração de
medicamentos, realização de sutura, de flebotomia, instalação de dreno torácico
e intubação orotraqueal e durante aqueles considerados não invasivos (10/47;
21,3%), como imobilização, remoção e exposição das vítimas.
Nas ocasiões pós-realização de procedimentos, os acidentes (04/73; 5,5%)
ocorreram durante a retirada do acesso vascular (02/4; 50,0%) e o transporte
das vítimas (02/4; 50,0%). Também houve acidentes durante o manuseio de
artigos, fora do momento do atendimento, propriamente dito (22/73; 30,1%), após
o uso desses (21/22; 95,4%) e durante o manejo de resíduos da assistência (01/
22; 4,6%).
Identificou-se que as medidas pós-exposição adotadas pela maioria dos sujeitos
limitou-se aos cuidados locais com água e sabão (39/73; 53,4%), enquanto que
46,5% (34/73) acrescentaram a notificação do acidente e a investigação
sorológica do paciente fonte.
Todos os sujeitos referiram inexistência de um serviço especializado de
orientação e/ou encaminhamento dos acidentados e 12,9% (23/177) relataram nunca
ter recebido orientações sobre medidas de biossegurança. As Tabelas_2 e 3
apresentam as variáveis de comportamento de risco dos sujeitos que podem
influenciar na ocorrência e na gravidade dos acidentes, comparando as
proporções e a significância estatística entre os grupos saúde e não saúde.
Realizou-se análise univariada das variáveis de comportamento de risco
identificadas entre os profissionais do APH, segundo os grupos saúde e não
saúde. Enquanto a totalidade do grupo saúde que referiu reencapar agulhas e não
usar máscara, nem óculos protetores e nem uniforme completo sofreram acidente
com MB, a proporção daqueles que adotaram todas essas práticas e que referiram
acidente com MB foi de 49,4%, 35,4%, 43,2%, 56,7%, respectivamente, e essa
diferença foi estatisticamente significativa.
Enquanto 88,1% do grupo saúde que não descartaram os perfurocortantes
apropriadamente referiram acidente, nenhum que descartou corretamente se
acidentou (p<0,05). No grupo não saúde, 18,4% referiram acidentes, sendo que
nenhum relatou uso de máscara, óculos protetores, uniforme completo e descarte
adequado de perfurocortante. Em relação ao uso de luvas, 26,1% daqueles que não
utilizaram sofreram acidentes (p=0,067).
Dentre aqueles que referiram esquema completo (três doses) contra hepatite B,
14,6% (19/130) afirmaram a realização do anti-HBs. O esquema incompleto (com
uma ou duas doses) foi referido por 47 (61,8%) indivíduos.
Verificou-se diferença nas proporções entre os vacinados e não-vacinados contra
hepatite B (3,4% e 27,7%), sendo que os últimos apresentaram 10,7 (IC 1,3 '
86,9) vezes mais chances de terem sido acidentados quando comparados aos
vacinados. Em relação à vacina contra tétano, embora a proporção de acidentes
tenha sido maior entre os não-vacinados a diferença não foi estatisticamente
significante.
DISCUSSÃO
O perfil dos profissionais do serviço de APH no município de Goiânia-GO
assemelha-se ao de serviços de outras regiões do país(6,11-12), quanto à
predominância do sexo masculino e tempo de atuação entre 1 a 5 anos, a
diferença restringe-se à idade dos profissionais(6,11-12).
Conforme os dados de caracterização dos sujeitos e a ocorrência de acidentes,
somente a variável tempo de atuação, > cinco anos foi associada a acidentes
entre os profissionais do grupo saúde, enquanto no grupo não saúde, a variável
carga horária > 44 horas mostrou essa associação. A idade, superior a 30 anos,
mostrou-se como um fator de proteção para acidentes no grupo não saúde. Pode-se
inferir, que o fator idade relaciona-se ao alcance de uma maturidade pessoal
podendo influenciar na postura profissional. Já o tempo de atuação, associado à
ocorrência de acidentes, pode interferir na adesão a medidas preventivas(3,13).
O fato de a maioria dos sujeitos trabalhar mais de 44 horas semanais e possuir
mais de um emprego, caracterizando uma sobrecarga e acúmulo de jornadas de
trabalho, já foi identificado como fator de risco para a ocorrência de
acidentes com MB em serviços de urgência e emergência fixos(14) e recentemente,
investigado em um serviço de APH(5), dado que não pode ser ignorado,
principalmente, ao considerar as peculiaridades desses serviços.
A prevalência global de acidentes com MB encontrada (41,2%) permanece na média,
quando comparada a outras pesquisas com profissionais de serviços de APH, 19,8%
(9); 20,6%(3-4); 27,3%(13); 68,3%(5) e 72,5%(12). Esses índices mostram a
necessidade de implementação de medidas preventivas específicas para esse
grupo.
Os enfermeiros (28,7%), os médicos (26,0%) e técnicos em enfermagem (26,0%)
foram os profissionais que mais se acidentaram com MB corroborando dados da
literatura nacional e internacional sobre serviços de APH(3-9). A alta
prevalência de acidentes com esses profissionais em serviços de APH, pode estar
relacionada à maior exposição durante um atendimento, à realização de
procedimentos invasivos, à submissão a grande carga de estresse e à cobrança
por resultados rápidos e eficazes(4-5,13,15).
Entretanto merece destaque os acidentes com MB envolvendo o grupo não saúde
(18,4%). Estudos que analisaram estes acidentes entre a equipe
multiprofissional do APH, identificaram, entre profissionais do referido grupo
(não saúde) índices de acidentes que variavam de 7,3%(5), 16,7%(4) até 24,0%
(9). Dados que precisam ser considerados nas políticas de segurança para os
trabalhadores de APH.
Do total de acidentes, categorizados como graves (n=45) e não graves (n=28), a
maioria (86,3%) envolveu sangue, o mesmo foi identificado em estudos tanto
entre profissionais de Estabelecimentos Assistenciais de Saúde(16) quanto em
serviços de APH(6,15).
O "descuido da equipe com o material contaminado" foi a causa mais referida
para a ocorrência dos acidentes envolvendo MB. Esse tema tem importância
abrangente ao considerar que o não cuidado com o resíduo contaminado pode ter
conseqüências tanto para o profissional que o gerou como para o restante da
equipe. Assim vale recorrer à legislação que responsabiliza o profissional que
gerou o resíduo pelo seu descarte(17). Porém, no contexto dos serviços de APH,
não é possível afirmar que o descuido seja de responsabilidade direta apenas do
profissional do APH, pois se relacionam a essa condição situações referidas
pelos próprios trabalhadores, como o não uso de equipamentos de proteção
(19,2%), a ausência (5,5%) ou a superlotação (5,4%) de recipiente para descarte
de perfurocortante ou sua utilização inadequada (5,4%), que somadas
representaria a maioria das causas dos acidentes neste estudo.
Esses dados levam ao questionamento da relação do "descuido" com o trabalho no
APH. Será que o fato de configurar-se como serviço de emergência levaria a essa
postura por parte dos profissionais, no sentido de priorizar o atendimento e
transporte do paciente? Estudos complementares se fazem necessários para
aprofundamento nessa questão. Entretanto, ressalta-se que esses serviços
precisam, também, oferecer segurança para todos os seus profissionais, fato que
vai além da responsabilidade individual.
Outras causas referidas pelos próprios profissionais para acidentes com MB
estão relacionadas ao material perfuro-cortante (10,9%), causador de 32 (43,8%)
acidentes. Essa temática precisa receber intervenções imediatas e pautadas na
legislação vigente(17), considerando que 46,8% dos sujeitos afirmaram não
descartar, frequentemente, de modo apropriado esses resíduos, denotando um
risco individual e coletivo. Além do mais, essa variável apresentou associação
com a ocorrência de acidentes envolvendo MB. Acredita-se que a implantação de
dispositivos de segurança, obrigatória no país(18), pode contribuir para
reduzir os acidentes com perfurocortantes, como já verificado nos Estados
Unidos(5).
Taxas de 28,6%(6), 39,1%(9), 40,8%(4), 72,5%(12) de acidentes envolvendo
materiais perfurocortantes entre profissionais do APH já foram encontradas.
Entretanto, estes índices se assemelham aos encontrados entre profissionais da
área da saúde de serviços de urgência e emergência fixos. O que chama a atenção
é a ocorrência de acidentes entre profissionais, ditos do grupo não saúde que,
teoricamente, não se envolvem com materiais perfurocortantes durante suas
atividades laborais e isso instiga reflexões e questionamentos. Estudo mostrou
que, dentre 16,7% dos acidentes entre profissionais do grupo não saúde
(condutores), 72,7% envolveram perfurocortantes(4); e outro, onde a taxa de
acidentes entre condutores foi de 24,0%, 66,7% envolveram perfurocortantes(9).
Evidências apontam que este fato acontece(4); porém, as pesquisas parecem
negligenciar esta discussão.
Outro risco no manuseio dos resíduos é o hábito de reencapar agulhas, relatado
por todos os profissionais do grupo saúde, demonstrando que essa conduta de
risco, proibida pela legislação(17)faz parte da rotina de profissionais tanto
em EAS(16)e em serviços de APH(8,13).
A adesão aos equipamentos de proteção foi baixa, como em outros estudos
(3,15,19) com a mesma população. Fato intrigante é que os sujeitos
identificaram essa prática como causa para de acidentes com MB.
Verificou-se que o grupo não saúde tem se exposto a fluidos orgânicos nas
atividades laborais no APH e apresentaram baixa adesão aos EP, aumentando o
risco de acidentes com MB, embora a adesão aos EP do grupo saúde ainda esteja
abaixo do esperado. Esses dados sinalizam para a necessidade do estabelecimento
de uma política de medidas preventivas para ambos os grupos no que diz respeito
a esclarecimentos e treinamentos relacionados à biossegurança para o RB, pois
ambos estão expostos(4,19). Destaca-se que o uso de diferentes estratégias de
prevenção de acidentes neste grupo ainda não foi investigado.
Pesquisa com o objetivo de avaliar a adesão às PP verificou que profissionais
do APH não alcançaram adequação das atitudes e conhecimentos para uso de
máscara, óculos e os demais EP, e os condutores relataram atitude inadequada
para todos os itens(3). Outro estudo, realizado com enfermeiros do APH, mostrou
que, apesar de perceberem a importância do uso dos EP e terem conhecimento da
sua exposição ao RB, houve negligência no uso de máscara e óculos de proteção
nos atendimentos; os autores concluíram que a percepção não foi suficiente para
o emprego dos EP na prática(15).
Além da "não adesão aos EP", os aspectos "viatura em movimento", não encontrado
em outras pesquisas que envolvem APH, "espaço físico reduzido" e "falta de
local adequado para a limpeza de materiais" foram apontados pelos profissionais
como fatores causais de acidentes com MB. Há que se considerar que esses
fatores dificultam a realização de procedimentos e potencializam o risco de
ocorrência de acidentes, particularidades que devem ser consideradas ao
analisar os comportamentos dos profissionais e planejar ações, em conjunto, de
educação permanente, as quais deveriam contemplar também a "inexperiência no
trabalho de APH" (5,5%) referida como causa de acidentes envolvendo MB.
Uma medida de proteção, individual e coletiva, implícita nas PP é a imunização
dos profissionais(10), que foi referida pela maioria dos sujeitos, tanto para
hepatite B (73,4%) como para tétano (87,6%). Destaca-se que para a hepatite B o
índice foi maior que o encontrada em estudo na mesma região com profissionais
do APH (38,6%)(13). Em contrapartida, índices superiores já foram descritos na
literatura com a mesma população 69,1%(19).
O conjunto de medidas pós-exposição recomendado(20) foi negligenciado pela
maioria daqueles que relataram acidentes com MB. Sabe-se que no caso deste tipo
de acidente, a imunização aliada a condutas pós-exposição, incluindo
notificação dos casos, atua como fatores protetores à saúde do trabalhador.
A normativa brasileira(20) que trata das orientações em caso de exposição a MB
considera como trabalhadores da área de saúde todos os profissionais do setor
saúde que atuam, direta ou indiretamente, em atividades em que há risco de
exposição a sangue e a outros MB o que inclui os integrantes do APH.
Os índices de notificação de acidentes com profissionais do APH ainda são pouco
conhecidos, mas aqueles já identificados mostram o extremo descaso com essa
conduta, 18,4%(4), 8,7%(9) até mesmo, nulo(13). A subnotificação identificada
no presente estudo (53,4%) pode estar relacionada à falta de um serviço
especializado para o atendimento às vítimas de acidentes e notificação dos
casos e à falta de informação desses trabalhadores, dificultando a tomada das
condutas pós-exposição, de onde se pode inferir maior vulnerabilidade desse
grupo.
CONCLUSÃO
Verificou-se alta prevalência (44,2%; 73/177) de acidentes envolvendo MB entre
os profissionais do APH, apesar de ter sido maior no grupo saúde (58,4%), um
índice de 18,4% de acidentes entre o grupo, dito como não saúde merece grande
atenção. Este achado pode revelar uma nova tendência e necessidade de enfoque
de investigações na área de RB em interface com os serviços de APH.
Os acidentes caracterizados como graves foram os mais expressivos assim como
aqueles envolvendo sangue. A maioria aconteceu durante a realização de um
procedimento e cuja causa principal relatada foi o descuido com material
contaminado.
Medidas protetoras frente ao RB foram negligenciadas por ambos os grupos, como
a adesão aos EP, o descarte adequado de perfurocortantes e a vacinação completa
contra hepatite B e a realização do anti-HBs. Medidas pós-exposição foram
parcialmente aplicadas na maioria dos casos.
As variáveis de comportamento de risco para ocorrência de acidentes como o não
uso de luvas, máscara e óculos protetor, o descarte inapropriado de material
perfurocortante, o uso da vestimenta incompleta, o re-encape de agulhas e a não
imunização contra hepatite B foram estatisticamente significativas (p<0,05)
para a ocorrência de acidente com MB para ambos os grupos.
Os dados evidenciaram a importância da adesão às medidas preventivas por todos
os profissionais - grupo saúde e não saúde - e a necessidade de estruturação e
implementação de um sistema de vigilância e controle dos acidentes, envolvendo
MB, voltado para o grupo específico de profissionais do APH. Essas ações
possibilitarão conhecer as especificidades dos acidentes com esse grupo e o
acompanhamento do profissional, além de fornecer subsídios para programas de
educação permanentes para essa população.
Devem ser realizados novos estudos direcionados ao serviço e aos profissionais,
de forma conjunta -grupo saúde e não saúde - que atuam em APH, com vistas a
elaborar, aplicar e avaliar estratégias preventivas que atendam suas
especificidades.