Enfermagem escolar e sua especialização: uma nova ou antiga atividade
INTRODUÇÃO
A experiência no exercício da Enfermagem Escolarpermitiu compreender a
relevância desta atividade na enfermagem. Descrever as atividades inerentes a
esta função e os resultados obtidos pelo planejamento das atividades
pedagógicas, elaboradas de forma conjunta entre enfermeiro e professores
inseridos no cotidiano escolar e não apenas em ações pontuais, representa a
relevância deste relato de experiência.
Objetivamos refletir sobre nossa experiência de trabalho, a origem do termo
enfermeiro escolar e sua trajetória na história da enfermagem brasileira. Não
pretendemos discutir acerca dos motivos que levam enfermeiros a atuar
preferencialmente em outras especialidades qão a Enfermagem Escolar, mas
destacar as principais atividades do enfermeiro no ambiente escolar. Baseados
em nossa experiência profissional e em levantamento bibliográfico, apontam-se
possíveis caminhos no atendimento às necessidades de escolares e sua comunidade
no que se refere à saúde.
No modelo da educação em saúde radical ao invés de trabalhar com os indivíduos,
considerados alvos isolados, busca-se atingir objetivos trabalhando grupos.
Partimos de uma premissa mais recente de abordagem em educação, utilizando a
metodologia de grupo, onde ocorrem trocas de ideias e experiências
potencializando o resultado de mudanças de comportamento em grupo, além de
abrir espaços para discussão do ambiente e das ações de toda a comunidade
escolar(1).
Assim, o enfermeiro escolar é colocado como desencadeador das ações em saúde,
proporcionando a criação de espaços de educação em saúde na escola ressaltando
os princípios norteadores da promoção e seus valores éticos como: a vida, a
solidariedade, a equidade e a cidadania e uma série de estratégias que visam
concretizar a cooperação e as parcerias(2).
A realidade brasileira de ensino reforça um discurso hegemônico acerca da
relevância do trabalho desenvolvido por enfermeiros escolares, tanto para
profissionais da saúde como para a sociedade em geral, mas a prática, na atual
realidade educacional, contraria tal discurso. Questiona-se a situação do
Brasil em relação a outros países quanto à presença do enfermeiro como
integrante do serviço escolar e quais os motivos para a reduzida busca por este
espaço de trabalho por esses profissionais mesmo reforçado pelo discurso de que
o espaço escolar também é um espaço responsável pelo "cuidar em saúde"(3).
Para o Ministério da Saúde a escola é um cenário importante para a construção
de uma nova cultura de saúde, fortalecendo as capacidades individuais e da
comunidade e a criação de ambientes saudáveis. Ratifica a condição do
enfermeiro como elemento que "cuida" para prevenção, manutenção e
restabelecimento da saúde(4).
A ESPECIALIZAÇÃO EM ENFERMAGEM ESCOLAR
As principais atribuições do enfermeiro escolar e sua especialização têm seu
relato encontrado no Brasil na década de 1930:
[...] O primeiro objectivo da enfermeira escolar, é de assegurar o
maximo de saude e de cooperação intelligente por parte do escolar.
Trabalhando neste sentido, a sua actividade vae pôl-a em contacto com
os paes, com os professores, com os medicos e com as associações de
assistencia, extendendo-se o seu interesse à familia inteira, e não
sómente ao escolar[...](5)
Entende-se que estas atribuições foram elaboradas seguindo o modelo americano
de atuação do enfermeiro escolar, mas é indiscutível destacar a importância
destas medidas para a melhoria das condições de saúde dos escolares da época.
Passíveis de algumas alterações e adaptações, as medidas planejadas por Edith
de Magalhães Fraenkel poderiam ser adotadas hoje. Afora esta condição esta
publicação marcou o início da Enfermagem Escolar no Brasil.
A saúde escolar deste período caracterizou-se por políticas públicas de saúde
fiscalizadoras, impositivas e dominadoras e a carência de profissionais de
enfermagem com formação acadêmica. Coube, desta forma, ao Serviço de Saúde
Escolar "fiscalizar a saúde do escolar" que, ao exemplo da Polícia Médica
Alemã, revela o pensamento dos sanitaristas em 1920(6)em seu desejo de trabalho
para a "educação em saúde" na escola, quando da criação do Instituto de
Hygiene, da atual Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo:
[...] Eliminar atitudes viciosas e inculcar hábitos salutares, desde
a mais tenra idade. Criar um sistema fundamental de hábitos
higiênicos, capaz de dominar, inconscientemente, toda a existência
das crianças. Modelar, enfim, a natureza infantil pela aquisição de
hábitos que resguardassem a infância da debilidade e das moléstias
(6).
O reduzido número de profissionais enfermeiros levou a formação da "educadora
sanitária" que tinha uma função preventiva em saúde na escola. A criação do
Curso de Formação dos Educadores Sanitários buscava, através da formação de uma
nova categoria profissional, atender a carência de enfermeiros escolares e a
uma demanda profissional no setor da educação. Assim em 1972 foi apresentada no
VI Congresso Internacional de Higiene e Medicina Escolares o Curso de
Especialização em Educação que já vinha formando especialistas em educação para
saúde desde 1967. Neste contexto o profissional enfermeiro afasta-se deste
cenário que passava a ser ocupado por outras áreas com formação específica para
a atividade escolar(7).
A ESCOLA COMO CAMPO DE AÇÃO DO ENFERMEIRO
Em nossa atuação profissional como enfermeiro escolar, buscamos a construção de
uma proposta de trabalho conjunta baseada em discussões acerca do tema saúde na
escola com profissionais da educação, professores, direção e orientação
escolar. Utilizando uma linguagem e objetivos comuns para serem desenvolvidos
nos diversos setores, destacamos o texto do projeto de saúde que refere uma
intenção forte na busca de iniciativas de integração entre os diversos setores
escolares e seus profissionais para promoção da saúde "[...] a oportunidade de
promover saúde positiva, estreitando o relacionamento entre as diversas áreas
atuantes na escola, colocando em discussão e traçando objetivos na educação em
saúde [...]"(8).
O desenvolvimento de um projeto de estruturação de um "Centro de Saúde Escolar"
caracterizou, tanto para a instituição como para os profissionais de saúde e
educação, um serviço "novo" em que a presença do enfermeiro na escola, com
propostas de atividade conjunta com o serviço pedagógico, representaria um
desafio para todos os segmentos no sentido de integração e conhecimento mútuos
sobre as áreas de atuação e possibilidades de atividades.
A atuação do enfermeiro seguindo as determinações da direção escolar objetivava
o atendimento ambulatorial, priorizava-se o atendimento nos acidentes escolares
e o controle de doenças infecto contagiosas, as ações da educação em saúde não
eram entendidas enquanto responsabilidade do enfermeiro, assim como sua
relevância dentro da proposta curricular.
A atividade do enfermeiro não compreendia a preocupação com os cuidados na
preservação e manutenção da saúde de escolares e funcionários. Coube a nós,
enquanto enfermeira escolar, destacar nossas observações em relação ao papel
ampliado de nossas tarefas, somando a proposições de novas atividades, além das
iniciais sugeridas pela direção escolar. O exemplo do cuidado com a qualidade
da água servida nos bebedouros e a orientação para higienização destes, ou a
observação da estrutura física dos prédios e mobiliários, quanto à adequação às
necessidades físicas dos alunos, não eram vistas como responsabilidade do
enfermeiro, nem mesmo sua participação no controle de qualidade destes
mobiliários. Participar no cuidado em todos os aspectos que se relacionam a
prevenção em saúde na escola constitui-se tarefa do enfermeiro e destaca sua
participação na atividade escolar.
Em uma proposta institucional de Formação Continuada para funcionários
organizamos ações de educação em saúde através de Seminários. Em seu
desenvolvimento os temas foram escolhidos a partir das propostas dos
participantes, que eram funcionários da escola, lotados nos serviços de
limpeza, segurança e apoio, em suas observações da rotina e o cotidiano
escolar. A problematização da realidade levava o grupo a questionar condutas de
trabalho e observar aspectos preventivos no cuidado com sua saúde e no cuidado
do ambiente escolar, como destacamos, "[...] a proposta do encontro foi buscar
o envolvimento de todos os segmentos e pessoas que nele atuam e convivem, uma
vez que se acredita que toda a comunidade escolar é responsável pela manutenção
de um ambiente saudável"(9).
Nesta visão os Seminários buscaram a valorização e a qualificação profissional
para realização de escolhas em saúde, investindo na autonomia dos funcionários
e na troca destes com toda comunidade escolar "[...] a educação em saúde já não
se destina apenas a prevenir doenças, mas preparar o indivíduo para a luta por
uma vida mais saudável"(2). A presença do enfermeiro na escola possibilitava
que a comunidade escolar encontrasse um espaço de acolhimento e "troca" de
informações sobre os mais diversos assuntos. Cuidados curativos e preventivos
em saúde eram desenvolvidos pela consulta de enfermagem, em conversas informais
e em atividades pedagógicas em sala de aula, também pela preparação de
conteúdos e aulas dadas nas disciplinas de ciências e biologia, em parceria com
seus professores.
Este processo era desenvolvido permeado por discussões e impasses, mas as
tensões surgidas permitiam através do diálogo a busca de pontos em comum e a
valorização dos diversos saberes, sem classificá-los como saber menos ou mais
importante, mas detentor de significância na sua área de domínio e execução,
tanto para saúde como para educação. Ao enfermeiro escolar cabia a tarefa de
estimular e desencadear os momentos de estudo e busca de estratégias de ação
fortalecendo seu espaço de atuação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O "novo espaço" aqui destacado, por suas características, representa um desafio
profissional, no sentido do reconhecimento das atividades e habilidades
desenvolvidas pelos profissionais da enfermagem no ambiente escolar. Encontra,
na educação em saúde, espaço de relevância e destaque profissional pela
demonstração da capacidade técnica para desenvolvimento de atividades
específicas e inerentes ao enfermeiro, justificada pela sua formação educativa.
A presença do enfermeiro na escola torna possível e é determinante para a
atenção aos processos de promoção em saúde ao desencadear ações, promover
discussões, estimular debates técnicos e apresentar sua perspectiva em relação
aos processos de saúde e doença, além de fortificar as relações sociais entre
os profissionais da educação e da saúde. O enfermeiro torna-se responsável pelo
cuidado e observação da rotina escolar, atentando para os problemas encontrados
e suas possíveis soluções.
A experiência do trabalho como enfermeiro escolar nos permitiu o entendimento
de que a escola representa um campo de atuação para o profissional de
enfermagem e acreditamos que pelo exercício da Enfermagem Escolar seja possível
o resgate desta especialização e espaço de atuação do enfermeiro, destacando
sua relevância para as atuais propostas de saúde em uma perspectiva de promoção
da saúde e principalmente engajado na ação comprometida com o bem estar e o
envolvimento de todos os segmentos da escola.
O texto que atende ao Decreto nº 6.286, de dezembro de 2007, no âmbito dos
Ministérios da Educação e Saúde e implanta o Programa Saúde na Escola (PSE)(10)
com a finalidade de contribuir para a formação integral dos estudantes da rede
pública de ensino por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde em
parcerias entre os dois ministérios, normatiza a parceria entre profissionais
da saúde e educação e insere o enfermeiro da Estratégia Saúde da Família (ESF)
no ambiente escolar. Estar atento às novas Políticas Nacionais de Saúde e
engajado em suas propostas constitui-se tarefa de profissionais comprometidos e
atentos ao seu papel social.