A sucção não nutritiva do recém-nascido prematuro como uma tecnologia de
enfermagem
INTRODUÇÃO
Até o final do século XIX, as elevadas taxas de mortalidade entre os recém-
nascidos de baixo peso ainda eram inevitáveis. Após a segunda metade do século
XX, o avanço tecnológico ligado ao cuidado perinatal, foi responsável por um
decréscimo significativo na mortalidade neonatal, particularmente do recém-
nascido prematuro (RNPT)(1).
Desse modo, a sobrevida neonatal, está diretamente ligada ao avanço das
tecnologias, entre elas, aquelas relacionadas à assistência ventilatória, que
oferece suporte à principal vulnerabilidade desta clientela, que é a
imaturidade pulmonar, a partir da qual vários dispositivos foram construídos
com o objetivo, não somente de simular os movimentos respiratórios, como
também, de melhorar a função pulmonar, e consequentemente, a redução de
apneias.
Atualmente, entre os dispositivos mais utilizados na assistência ventilatória
do RNPT, disponíveis nas unidades de tratamento intensivo neonatal (UTIN)
estão, o oxihood, a pressão positiva contínua nas vias aéreas e a ventilação
mecânica.
O oxihood é um dispositivo em forma de capacete que administra oxigênio e ar
comprimido, umidificados e aquecidos, sendo indicado para os recém-nascidos
(RNs) que respiram espontaneamente, mas que precisam de uma concentração de
oxigênio inferior a 60%. Nos casos dos RNs que necessitam de oxigênio em maior
concentração, e que têm um desconforto respiratório associado a essa
necessidade, a utilização da pressão positiva contínua nas vias aéreas é
indicada. Porém, se o problema do RN estiver relacionado à inabilidade dos seus
pulmões em manter uma ventilação adequada, será indicada a ventilação mecânica
através da intubação endotraqueal(2).
Entre os dispositivos tecnológicos acima mencionados, destacamos o CPAP nasal
(Continuous Positive Airway Pressure), cuja tradução quer dizer pressão
positiva contínua nas vias aéreas, sendo frequentemente utilizado no tratamento
de RNs com doenças que cursam com a capacidade residual funcional diminuída,
tais como a doença da membrana hialina, a taquipneia transitória do RN e a
displasia broncopulmonar.
A utilização da ventilação de pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP)
via endotraqueal como tratamento da angústia respiratória da prematuridade, foi
satisfatoriamente utilizada em 1973(3), ressaltando-se que essa modalidade
ventilatória proporciona efeitos fisiológicos nos recém-nascidos, sobretudo nos
prematuros, tendo em vista consistir na manutenção de uma pressão supra-
atmosférica durante a expiração em um paciente que respira espontaneamente,
favorecendo ao recrutamento dos alvéolos, além de permitir que os alvéolos
colapsados sejam inflados.
Porém, a melhoria na oxigenação diminui a vasoconstrição no leito vascular,
contribuindo para a queda da resistência vascular pulmonar, permitindo um
aumento no fluxo pulmonar com consequente aumento da pressão parcial de
oxigênio (paO2). Além de favorecer não somente a redução de apneias
obstrutivas, já que estabiliza o diafragma, o CPAP nasal promove um ritmo
respiratório regular pela estabilização da parede torácica.
A modalidade ventilatória em foco ainda contribui para a liberação do
surfactante, substância armazenada nos alvéolos, que permite o aumento da
complacência pulmonar, sendo imprescindível para que os alvéolos se mantenham
adequadamente inflados e com menor gasto energético do organismo(2).
O CPAP nasal é indicado essencialmente em RNPT com respiração espontânea,
portadores da doença de Membrana Hialina (deficiência de surfactante) branda ou
moderada; na apneia da prematuridade e nos casos de retirada do tubo
orotraqueal, ao término da sua indicação clínica(4).
Este estudo tem como foco, não só, as tecnologias que são utilizadas
diuturnamente pela equipe de enfermagem no cuidado ao RNPT, como também, a
proposta de considerar como tecnologias, os procedimentos técnicos de
enfermagem que são utilizados durante essa mesma assistência.
Neste sentido, podemos dizer que as medidas não farmacológicas utilizadas para
prevenir ou reduzir a intensidade de um processo doloroso deve ser considerada
como tecnologia. Desta forma, ao utilizar a tecnologia da sucção não nutritiva
durante a instalação do artefato CPAP nasal, a enfermagem neonatal estará se
apropriando de uma tecnologia do cuidado que proporcionará o alívio da dor no
recém-nascido prematuro, e consequentemente, a melhora de sua sobrevida.
É importante ressaltar que o cuidado de enfermagem está intimamente interligado
à tecnologia, tendo em vista que os profissionais de enfermagem estão
comprometidos com princípios, leis e teorias e a tecnologia representa esse
conhecimento científico e sua própria transformação(5).
Face ao exposto, cumpre citar que o uso das tecnologias na área da saúde,
necessita ser expandido, não significando apenas a incorporação de equipamentos
no cuidado(6).
Considerando que a observância dos aspectos científicos que permeiam o cuidado
de enfermagem permitem distingui-la como uma profissão cujo menor cuidado deve
ser provido da maior atenção, tendo em vista a dignidade da criança que está
sendo alvo do nosso cuidado(7), e que, ao praticá-lo os profissionais de
enfermagem tem a possibilidade, através da observação, de detectar sinais
impressos no corpo, que indicam sintomas muitas vezes não referidos(8), este
estudo teve como objetivos: demonstrar que o uso da sucção não nutritiva, pela
equipe de enfermagem, é efetiva no manejo da dor durante a instalação do CPAP
nasal em recém-nascidos prematuros (RNPT); demonstrar que o uso da sucção não
nutritiva, concomitantemente à instalação do CPAP nasal, pode ser considerado
uma tecnologia de enfermagem.
METODOLOGIA
Estudo experimental com abordagem quantitativa, que tem, entre outras
características, a manipulação de um determinado fator, (que para efeito desse
estudo, será a sucção não nutritiva), e que, a critério do pesquisador, gerará
um determinado resultado em um outro fator (manifestação de dor do RNPT durante
a instalação do CPAP nasal). Este outro fator é a chamada variável dependente,
que sofrerá, ou não, um efeito da manipulação da variável independente, sendo
medido o seu resultado para determinar a validade do experimento(9).
A população alvo foi composta por 20 RNPT, durante a instalação ou reinstalação
do CPAP nasal, num total de 30 procedimentos, que foram distribuídos em grupo
controle (sob sucção não nutritiva), ou experimental (sem sucção não
nutritiva).
A cada procedimento, a distribuição aleatória era feita, sendo essa
randomização realizada após o lançamento de uma moeda, a partir da face
apresentada.
Desta forma, foram observados 30 procedimentos de instalação do CPAP nasal,
realizados em 20 RNPTs, com as mesmas características de elegibilidade. O
quadro_1 mostra o número de instalação e reinstalação do CPAP nasal a que cada
RNPT foi submetido.
![](/img/revistas/reben/v66n5/04q01.jpg)
De acordo com o quadro acima, podemos perceber que os prematuros I, L, M e N,
necessitaram reinstalar o CPAP nasal pela piora do seu desconforto
respiratório, sendo que os RNPTs I e L foram submetidos cinco vezes a este
estímulo doloroso e estressante, enquanto que os RNPTs M e N foram submetidos a
ele por duas vezes.
A observação sistemática e não participativa foi feita a partir de variáveis
comportamentais (expressão facial, choro, movimentação de braços e pernas) e
fisiológicas (padrão respiratório) que compõem a escala de NIPS, e que foram
apresentadas pelo RNPT durante a instalação do CPAP nasal.
Segundo a escala em referência, ao final da sua aplicação é realizado o
somatório dos pontos que podem estar compreendidos entre 0 e 7, sendo que o
score igual ou superior a 4 é indicativo de dor.
A realização da sucção não nutritiva foi estabelecida através da introdução do
dedo mínimo enluvado na cavidade oral do recém-nascido prematuro,
concomitantemente à instalação do CPAP nasal, não sem antes retirar-se o
excesso de talco com água destilada, que, porventura, pudesse causar algum
malefício para RNPT.
A observação e a instalação do CPAP nasal foram realizadas pelas residentes de
enfermagem em neonatologia no segundo ano de residência (totalizando três
enfermeiras). A fim de minimizar a ameaça à validade interna do estudo através
do fator instrumentação, as residentes foram orientadas e treinadas com relação
aos seguintes aspectos: modo de aplicação da escala de NIPS, maneira de
proceder à observação, ao preenchimento do instrumento de coleta de dados e à
forma de instalar o CPAP nasal com a utilização ou não da sucção não nutritiva.
No que tange à instalação do CPAP nasal, o procedimento seguiu os seguintes
passos:
1º passo: Organização do material necessário para a instalação do CPAP nasal
2º passo: A lavagem das mãos tem que ser precedida ao cuidado com o recém-
nascido, principalmente os RNPTs, já que apresentam maior deficiência da
resposta imunológica, sendo mais propensos à infecção.
Deve ser realizada até os antebraços, com água e sabão, durante 15 segundos;
sendo necessário retirar todos os acessórios que estejam nas mãos e pulsos,
tais como: relógio, pulseiras e anéis(10).
3º passo: Separa-se a pronga que se adequa à narina do recém-nascido (que
deveria ser de acordo com o diâmetro da narina do RN, mas é de acordo com o seu
peso); a touca necessária para estabilizar as traqueias na cabeça do bebê; as
traqueias de hudson (são duas) e, o hidrocolóide cortado no formato da narina a
fim de proteger a mucosa e atenuar o escape de ar nas narinas.
4º passo: Posicionar adequadamente o recém-nascido prematuro, mantendo os
membros fletidos e aproximados, o máximo possível, à linha média do corpo, com
a cabeça elevada aproximadamente 30 graus, entendendo que o posicionamento
adequado favorece a auto-organização, minimiza a situação do estresse e ajuda a
manter o prematuro estável durante a execução deste procedimento, causador de
desagradáveis estímulos(11).
[/img/revistas/reben/v66n5/04x01.jpg]
5º passo: Colocar a touca no recém-nascido prematuro; acoplar as duas traqueias
às laterais da pronga, posicionando-a, cuidadosamente, na narina dele, onde já
está fixado o hidrocolóide.
Vale ressaltar que este procedimento deverá ser realizado por dois
profissionais, pois enquanto um profissional instala a pronga nasal, o outro
estará oferecendo oxigênio inalatório (até 3L/ min) enquanto a pronga nasal é,
cuidadosamente, introduzida, o mínimo possível, para gerar a pressão positiva.
Paralelamente à introdução da pronga, faz-se necessário que as traqueias em sua
porção distal sejam acopladas ao respirador e, na porção proximal, fixadas
paralelamente à touca do recém-nascido com fitas adesivas ou de esparadrapo.
É válido enfatizar que a mobilidade excessiva da pronga em relação às narinas
poderá ocasionar trauma na epiderme e/ou mucosa, e, contribuir para flutuações
na oferta de oxigênio e pressão positiva ao RNPT. Desta forma, este
procedimento somente finaliza quando ocorre a perfeita adequação do RNPT à
modalidade ventilatória, sendo talvez o momento mais delicado de todo o
procedimento, pois requer paciência e um cuidado diferenciado e
individualizado.
O mesmo recém-nascido prematuro foi submetido ao grupo controle e ao grupo
experimental em momentos diferentes, uma vez que, se houve necessidade de
retornar para o CPAP nasal, um novo sorteio foi realizado para determinar a
utilização ou não da sucção não nutritiva. As observações foram restringidas ao
momento de instalação do dispositivo nasal.
O projeto do qual derivou este estudo, foi aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos do Instituto Fernandes Figueira (CEP-IFF), através
do protocolo nº 0044/08 de 27/03/2009.
RESULTADOS
A observação do procedimento de instalação ou reinstalação do CPAP nasal foi
realizada nos grupos experimental e controle, sendo que 11 foram feitas no
grupo experimental e 19 no grupo controle, totalizando 30 observações.
Considerando a pontuação da escala de NIPS, conforme o quadro demonstrativo 2,
a observação do procedimento em foco, demonstrou que o score prevalente no
grupo controle foi 6 em 47,4% (9) das observações, seguido pelo score 7 com
31,6% (6) e 5 em 21% (4). Em contrapartida, no grupo experimental o score
máximo alcançado foi 3 em 9% (1), sendo o score igual a 1 prevalente em 82% (9)
das observações.
Estes resultados indicam que, ao instalar o CPAP nasal, 100% dos RNPTs sentem
dor. No entanto, quando lhes é oferecida a sucção não nutritiva, eles reagem ao
estímulo sem atingir uma pontuação indicativa de dor.
Podemos perceber que, no grupo experimental, a pontuação 1 foi prevalente em
82% das observações. Este fato ocorre porque o corpo humano é projetado física
e mentalmente para reagir a qualquer estímulo externo ou interno, e uma mudança
na sua harmonia pode levar a respostas comportamentais ou fisiológicas que
culmina em um estado de conforto ou desconforto(11).
Neste caso, quando se trata do estímulo em foco, a experiência mostrou que a
instalação ou reinstalação do CPAP nasal associada a uma intervenção não
farmacológica (sucção não nutritiva), levou a respostas comportamentais ou
fisiológicas que culminaram em um estado de conforto, quando ocorre uma
completa harmonia do RNPT.
Diversos estudos randomizados têm evidenciado que a sucção não nutritiva é um
fator minimizador da dor do neonato durante a realização de procedimentos
dolorosos(12-13), corroborado pelo resultado de estudo que evidenciou a
preocupação da equipe de enfermagem com o bem-estar dos RNPT internados em uma
UTIN(14).
CONCLUSÃO
Aliviar a dor dos RNPTs tem sido um grande desafio para a equipe de enfermagem,
tendo em vista, não só a vulnerabilidade dessa clientela, como também, a
sensibilidade do observador, em detectar através da observação apurada, sinais
indicativos de sentimentos impressos no seu corpo diminuto.
Contudo, ao observarmos as necessidades que são inerentes ao RNPT, podemos
inferir que não são poucos os procedimentos tecnológicos aos quais eles estão
expostos, uma vez que, à medida que a ciência avança, novos recursos são
disponibilizados no vasto mercado da assistência à saúde, quase sempre,
demandando uma sensação dolorosa durante a sua utilização.
[/img/revistas/reben/v66n5/04q02.jpg]
Esse estudo demonstrou que a instalação do CPAP nasal é um procedimento
doloroso, e que a sucção não nutritiva é eficaz no manejo dessa sensação,
durante a sua instalação.
Face ao exposto, cumpre citar que a oferta da sucção não nutritiva pela equipe
de enfermagem, durante a instalação do CPAP nasal, deve ser considerada como
uma tecnologia de enfermagem, tendo em vista que o cuidado de enfermagem e a
tecnologia estão interligados, especialmente em situações críticas da vida,
onde o adequado desenvolvimento neurológico de um prematuro é o maior objetivo
da equipe neonatal.