Fatores relacionados ao óbito pela Influenza Pandêmica A (H1N1) 2009 em
pacientes tratados com Oseltamivir
INTRODUÇÃO
Durante o ano de 2009, foram inúmeros os casos confirmados de infecção pelo
vírus da Influenza A (H1N1) pandêmico. Segundo dados da Organização Mundial da
Saúde, 208 países, territórios e comunidades reportaram casos confirmados
laboratorialmente da doença, incluindo 12.799 óbitos(1).
As áreas mais atingidas foram a Europa, África do Norte e o Sudeste da Ásia. No
Brasil, as regiões Sul e Sudeste foram as mais afetadas. Na região Sul, a taxa
de incidência de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por Influenza
Pandêmica A (H1N1) 2009 foi de 66,2 casos para cada 100 mil habitantes(2).
Para o tratamento da infecção, análises iniciais demonstraram que esta nova
cepa de Influenza A (H1N1) era sensível aos inibidores da neuraminidase. Dentre
os medicamentos dessa classe terapêutica está o Oseltamivir(3-7).
No Brasil, segundo o Protocolo de Manejo Clínico e Vigilância Epidemiológica da
Influenza na sua versão I, de 08 de julho de 2009, o tratamento com Oseltamivir
foi indicado a todos os indivíduos que apresentaram Síndrome Respiratória Aguda
Grave (SRAG) e fator de risco para agravamento, de acordo com a avaliação
médica. Além disso, o antiviral estava indicado para pacientes de grupos
específicos como os portadores de comorbidades e crianças com quadro clínico
sugestivo de síndrome gripal, independente da gravidade, da faixa etária e da
presença ou não de fatores de risco. Nos casos suspeitos, que preenchiam a
definição de caso de SRAG, o tratamento com o antiviral fosfato de Oseltamivir
deveria ser iniciado o mais breve possível e dentro das primeiras 48 horas após
o início dos sintomas, sendo mantido por um período de 5 dias(8).
Segundo informações do detentor do registro do medicamento, a exposição ao
Tamiflu® (Oseltamivir) foi estimada em pelo menos 21,1 milhões de pacientes
durante o período pandêmico de primeiro de maio a 31 de dezembro de 2009.
Segundo informe publicado pelo Ministério da Saúde, quase 900.000 tratamentos
com Oseltamivir foram distribuídos para todas as unidades federativas do
Brasil, até a semana epidemiológica 39(9).
Observa-se uma sobrevida estatisticamente significante em pacientes
diagnosticados com a Influenza A (H1N1) tratados com Oseltamivir. Os pacientes
tratados apresentaram reduções significativas na magnitude e na duração da
replicação viral, redução da severidade e duração dos sintomas, redução de
complicações e de hospitalizações de adultos, bem como a diminuição de
infecções respiratórias agudas e do período de transmissibilidade(10-12).
Entretanto, estudos têm reportado cerca de 15% de óbitos entre os pacientes
tratados com Oseltamivir(13).
Este estudo pretende identificar quais os fatores relacionados aos indivíduos e
à doença, que mesmo na utilização do tratamento, apresentaram relação direta
com o óbito, podendo sugerir redução da efetividade do antiviral, ou maior
gravidade na infecção.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo observacional e retrospectivo, utilizando como fonte de
informação o registro de casos de Influenza Pandêmica A(H1N1) 2009 do Sistema
de Informação oficial, Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação
(Sinan) do Ministério da Saúde (formulários de notificação). Os dados foram
coletados na Secretaria de Estado da Saúde do Paraná.
A população do estudo foi composta por pacientes que apresentaram a infecção
pelo vírus da Influenza Pandêmica A (H1N1) 2009, com diagnóstico realizado por
RT-PCR (Reverse transcription of polymerase chain reaction) e que foram
tratados com Oseltamivir.
Para o estudo dos fatores que apresentaram relação com o óbito foram incluídas
as seguintes variáveis: idade, presença de fator de risco conhecido para
agravamento da influenza destacados na ficha de investigação do Sinan (sim ou
não, separadamente), os principais sinais e sintomas, internação, e as datas do
início dos sintomas, do início do tratamento com Oseltamivir e do óbito (quando
falecidas).
Na análise estatística buscou-se comparar as taxas de cura e de óbito nos
pacientes tratados com Oseltamivir, categorizados de acordo com a presença ou
ausência de cada uma das variáveis pesquisadas. Essas comparações foram
realizadas pelos teste de qui-quadrado (variáveis nominais) e teste t de
Student (variáveis contínuas). A pesquisa dos fatores de risco para o óbito foi
realizada por regressão logística, utilizando-se como medida de associação a
Odds Ratio (OR), com Intervalo de Confiança de 95% (IC95%). A pesquisa da
proporção de distribuição das variáveis em cada grupo foi realizada pelo teste-
z. As análises estatísticas foram realizadas com o software SPSS 17.0,
considerando como significativos os valores de p < 0,05.
Este projeto cumpre os princípios contidos na Declaração de Helsinki, atende a
legislação específica do Brasil e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
institucional, sob o número de registro 938.063.10.06 e CAAE: 0038.0.091.000-
10.
RESULTADOS
Foram utilizados nesse estudo, dados de 1.827 pacientes, os quais foram
diagnosticados laboratorialmente e apresentavam informações declaradas acerca
do uso do Oseltamivir na Ficha Individual de Notificação. Dentre esses
pacientes, verificou-se que, 201 (11%) evoluíram ao desfecho óbito.
Sabendo-se que a presença de alguns fatores pode aumentar a predisposição ao
óbito pela Influenza, foram avaliadas as taxas de cura e óbito nos pacientes
que receberam o medicamento Oseltamivir, segundo características demográficas e
clínicas. Dessa forma, objetivou-se verificar quais as variáveis que
apresentaram relação significativa nos desfechos da doença, mesmo na vigência
do uso do fármaco. Os resultados encontrados estão representados nas tabelas_1
e 2.
![](/img/revistas/reben/v66n5/12t01.jpg)
Conforme observado na tabela_1, a idade média dos pacientes que usaram o
fármaco e morreram, foi maior do que a idade média dos pacientes tratados que
evoluíram para a cura. O gênero não apresentou significância na relação com os
desfechos. Os percentuais de óbito e cura foram estatisticamente semelhantes
nos grupos divididos segundo essa característica.
Em relação ao nível de escolaridade, os menores percentuais de óbito ocorreram
nos pacientes com mais de 12 anos de estudo e em crianças fora da idade
escolar. O resultado do teste-z confirmou que nesses grupos as proporções de
cura foram significativamente maiores que as de óbito.
Quanto à hospitalização, observamos que o maior percentual de óbitos ocorreu no
grupo de pacientes hospitalizados. Os casos graves apresentaram rápida
evolução, e apesar das intervenções clínicas recebidas durante o internamento,
foram verificados casos de óbito entre os pacientes internados. Em relação ao
tempo para iniciar o tratamento após o início dos sintomas, o intervalo foi
significativamente maior nos pacientes que evoluíram para o óbito.
Os dados da tabela_2 indicam que a taxa de óbito foi significativamente maior
nos pacientes que apresentavam outras comorbidades associadas à infecção pela
Influenza Pandêmica A(H1N1)2009, sendo que estes pacientes apresentaram maior
proporção de óbitos do que de cura, conforme resultado do teste-z. Em relação
ao número de comorbidades presentes e associadas à infecção, observamos que o
valor médio é significativamente superior nos pacientes que evoluíram ao
desfecho óbito. Quando as comorbidades são analisadas individualmente,
observamos que somente a pneumopatia não apresentou significância na relação
com os desfechos.
Já as comorbidades cardiopatias, nefropatias, imunodepressão, tabagismo,
diabetes e obesidade, influenciaram significativamente nos desfechos dos
pacientes tratados, aumentando as taxas de óbitos dos portadores dessas
comorbidades mesmo na vigência do uso do antiviral Oseltamivir.
Quanto aos sinais e sintomas da infecção, 89,6% dos pacientes tratados que
foram a óbito apresentaram febre, 94% tosse, 90% dispneia e 62,7% mialgia. Oito
pacientes apresentaram pneumonia e oito apresentaram hemoptise. Em ambos os
grupos, 5 (62,5%) pacientes foram a óbito. Outro sintoma que apresentou relação
com o aumento da taxa de óbito foi a dispneia - um dos principais sintomas na
definição de caso de SRAG, sendo que 18,4% dos pacientes que apresentaram este
sintoma foram a óbito.
Em relação à vacinação, 152 (8,3%) pacientes haviam sido vacinados contra a
Influenza. É importante salientar que a vacina não é disponibilizada para todos
os grupos, sendo elegíveis para receberem, as crianças com idade entre 6 meses
e 2 anos, as gestantes, os portadores de comorbidades, os idosos e os
profissionais da saúde. Dentre os pacientes vacinados, 3,3% evolui ao desfecho
óbito. Já no grupo de pacientes não vacinados, a taxa de letalidade foi de
10,8%. A diferença entre as taxas de letalidade em relação á vacinação, foi
significativa (p=0,004), indicando que a proporção de cura foi maior no grupo
que havia recebido a vacina contra a Influenza, enquanto que o óbito foi
superior no grupo que não havia sido vacinado.
A tabela_3 contém os resultados da análise univariada por regressão logística
com as variáveis que apresentaram relação significativa com as taxas de cura e
óbito. Esta análise buscou avaliar qual o impacto desses fatores na razão de
chances para a ocorrência do desfecho óbito.
[/img/revistas/reben/v66n5/12t03.jpg]
Com relação à idade, observou-se que a cada ano de vida, aumenta-se em 5,5% a
razão de chances para o óbito. Este resultado indica que a idade é um fator de
risco para o óbito. A figura_1 revela que a maior ocorrência de óbitos foi
observada nos pacientes com idade entre 20 e 59 anos.
[/img/revistas/reben/v66n5/12f01.jpg]
Em relação à escolaridade, verificou-se que pacientes sem nenhum nível de
escolaridade (analfabetos ou fora da idade escolar) apresentaram aumento de 2
vezes na razão de chances para o óbito. A figura_2 ilustra o percentual de
óbitos para os diferentes níveis de escolaridade, evidenciando que os
percentuais são decrescentes, conforme aumenta o nível de escolaridade do
indivíduo.
[/img/revistas/reben/v66n5/12f02.jpg]
O tempo médio para início do tratamento, após o inicio dos sintomas, foi de 2,5
dias. Conforme resultado da regressão logística, a cada dia de intervalo para
início do tratamento, aumenta-se em 40% a razão de chances para o óbito.
Pacientes com comorbidade apresentaram 2 vezes mais chances de óbito do que os
pacientes sadios (sem nenhuma comorbidade associada). Em relação ao número de
comorbidades associadas, cada comorbidade somada, aumenta em 60% a razão de
chances para o óbito. Em relação às comorbidades isoladas, a que mais
incrementou a razão de chances para o óbito foi o diabetes. A ausência de
comorbidades apresentou-se como fator de proteção ao óbito.
Os pacientes não vacinados apresentaram maior razão de chances para o óbito,
comparados aos pacientes vacinados. Além disso, a vacinação mostrou-se como um
fator de proteção ao óbito pela doença, ao reduzir 70% a razão de chances para
o óbito.
DISCUSSÃO
A idade já foi associada como fator de risco por outros estudos. Na Califórnia,
observou-se que a taxa de mortalidade foi maior nos pacientes com idade
superior a 50 anos(14). Outros estudos revelaram que na Alemanha, pacientes com
idade igual ou superior a 60 anos apresentaram as maiores taxas de mortalidade
(15), e a mediana da idade de pacientes internados em unidade de terapia
intensiva na Espanha foi de 40 anos (0-90)(16). Acredita-se que em parte,
pacientes adultos podem ter sido poupados devido à imunidade pré-existente pelo
contato prévio a cepas antigenicamente semelhantes a da pandemia. Entretanto,
uma vez infectados e hospitalizados, apresentaram elevadas proporções de
óbitos, especialmente naqueles com mais de 60 anos de idade(14). Indivíduos com
idade superior a 30 anos apresentam maior prevalência de comorbidades,
sugerindo maior acúmulo de fatores de risco para agravamento e óbito por
influenza.
A maior taxa de óbito observada entre os pacientes hospitalizados não indica
que a hospitalização tenha relação causal com o óbito, mas, sim, que os casos
mais graves foram hospitalizados. Dessa forma, a hospitalização sugere um falso
fator prognóstico para o óbito, pois os óbitos foram mais frequentes entre os
pacientes hospitalizados porque eram estes os que apresentavam maior gravidade
clínica, incluindo internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
A ausência de relação entre a pneumopatia e o óbito por influenza nos pacientes
desse estudo difere dos resultados publicados por outra pesquisa(15), podendo
ser explicada pela idade dos indivíduos pneumopatas. Uma análise do perfil dos
pacientes que apresentavam pneumopatias, revelou que a maior parte eram
crianças com idade entre 3 e 10 anos e, conforme discutido anteriormente, essa
faixa etária apresentou menor risco de óbito. Esse dado pode justificar a
exclusão da pneumopatia como fator de risco nessa população. Já a relação das
demais comorbidades como fatores de risco para agravamento e óbito pela
Influenza Pandêmica A(H1N1)2009 é confirmada pelos resultados de outros estudos
(15-16).
A relação entre o tempo para iniciar o tratamento a partir do início dos
sintomas confirma a importância do tratamento precoce para a cura do paciente,
conforme já relatado por outros estudos(15,17). O tratamento com Oseltamivir em
até dois dias após o início dos sintomas (tratamento precoce) foi associado à
redução em 42% na probabilidade de ocorrência de uma ou mais infecções
secundárias(18).
Em relação aos sintomas, observou-se que a manifestação de dispnéia, hemoptise
e pneumonia, aumentaram a razão de chances para o óbito e podem ser claramente
associados à maior gravidade clínica da infecção.
A diminuição dos casos de óbito em relação à vacinação contra a Influenza e a
revelação desta como fator de proteção ao óbito sugere impacto positivo do
procedimento na redução da gravidade da doença. Além disso, a diminuição do
número de óbitos nos pacientes com idade igual ou superior a 60 anos, conforme
evidenciado pela figura_1 sugere aquisição de um efeito protetor conferido pela
imunização a partir das vacinas, há anos administradas nesta camada da
população, conforme discutido por outro autor(19). Assim, esses pacientes,
anteriormente reconhecidos como de maior risco para o óbito por influenza,
possivelmente graças à imunidade cruzada, apresentaram neste evento pandêmico,
menor número de óbitos.
A caracterização dos casos graves tem sido a chave para identificar os fatores
de risco para complicações e óbitos por Influenza. Os resultados desse estudo
que avaliam os fatores de risco nos pacientes tratados com o antiviral
Oseltamivir, podem ser observados de duas maneiras distintas. Primeiro, os
achados confirmam os dados já publicados na literatura em relação aos fatores
de risco para agravamento e óbito pela infecção e ressalta a importância de
outros ainda não mencionados, como a escolaridade, a vacinação e o número de
comorbidades associadas. Segundo, sugere que apesar da eficácia do antiviral,
ocorreram óbitos principalmente entre os pacientes que apresentavam fatores de
risco e/ou foram tratados tardiamente. Essa última observação permite sugerir
que a cura esperada com o tratamento pode ser comprometida pela presença dos
fatores de risco ou pela dificuldade na assistência à saúde do paciente.
Durante uma pandemia, o elevado número de casos e a velocidade com que ocorrem,
sobrecarregam os serviços e geram escassez de recursos físicos e humanos,
dificultando a assistência ao paciente. Dessa forma, o conhecimento acerca dos
pontos estratégicos de cuidado ao paciente e em relação à intervenção a saúde
são de fundamental importância no sucesso terapêutico.
CONCLUSÕES
Os fatores relacionados ao óbito pela Influenza Pandêmica A(H1N1)2009 nos
pacientes tratados com Oseltamivir foram: a idade, a baixa escolaridade, o
tempo para iniciar o tratamento, a presença de outras comorbidades, tais como
as cardiopatias, nefropatias, imunodepressão, tabagismo, diabetes, hipertensão
arterial e obesidade, o número de comorbidades associadas e a não vacinação
contra a Influenza. Os pacientes apresentaram, significativamente, maiores
taxas de óbito quando expostos a esses fatores, os quais aumentam
significativamente as razões de chance para a ocorrência desse desfecho. Por
fim, as evidências permitem concluir que o tratamento precoce com Oseltamivir
(<48 horas após inicio dos sintomas) reduziu os casos de óbito.