Educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal: sentidos atribuídos por
puérperas
INTRODUÇÃO
A educação em saúde é uma importante ferramenta para o cuidado clínico de
enfermagem à mulher no ciclo gravídico-puerperal. A enfermagem apresenta na
ação educativa um de seus principais eixos norteadores nos vários espaços de
realização de sua prática, especialmente nos serviços de atenção primária à
saúde (APS). O profissional enfermeiro é habilitado e capacitado para cuidar do
usuário e da sua família, levando em consideração as necessidades curativas,
preventivas e educativas de cuidados em saúde(1).
Associar o cuidado com as ações educativas visa compartilhar práticas e saberes
em uma relação horizontalizada, em que o enfermeiro exerça seu papel de
cuidador e educador, agregando ao seu saber-fazer o saber-fazer popular. Nesta
perspectiva, o cuidado de enfermagem no campo obstétrico abre espaço para a
construção de saberes a partir das práticas educativas, indo ao encontro das
diretrizes da Política Nacional de Humanização e da Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Mulher(2).
Mulheres e companheiros que vivenciam este período apresentam necessidades de
cuidados os quais podem ser, prioritariamente, trabalhados através da educação
em saúde. Necessitam compartilhar reflexões sobre as mudanças vividas, trocar
experiências, bem como se preparar do ponto de vista corporal e emocional.
Estudos recentes revelam a preocupação de enfermeiros com a participação da
população como agente ativa no processo saúde-doença, percebendo as ações de
educação em saúde como oportunidade para desenvolver nas pessoas a consciência
acerca da importância da corresponsabilização de todos os envolvidos(2-5).
A abordagem educativa deve estar presente em todas as ações para promover a
saúde e prevenir as doenças, facilitando a incorporação de ideias e práticas ao
cotidiano das pessoas de forma a atender às suas reais necessidades. A educação
em saúde no ciclo gravídico-puerperal envolve as usuárias da atenção básica em
saúde com papel de destaque, por serem o centro do processo educativo,
possibilitando inferir a existência de representações nesse grupo. A forma de
expressão das puérperas no processo educativo fornece direcionamentos acerca da
educação em saúde na gestação e no próprio puerpério.
Neste sentido, a educação em saúde é entendida neste estudo sob o olhar social
dos significados, considerando os indivíduos como portadores de um saber
construído e partilhado socialmente pela interação(6). Neste intento, a
educação em saúde emerge como objeto de relevância para este grupo, passível de
suscitar representações sociais. As representações sociais norteiam os
indivíduos nas suas ações sobre a realidade, especificamente as usuárias frente
à educação em saúde no ciclo gravídico-puerperal, tendo como base um sistema de
valores definido sob a influência social.
Acessar as representações sociais das puérperas sobre a educação em saúde
implica em compreender suas interpretações e sentidos sobre este objeto, sob o
enfoque no saber construído no cotidiano dos grupos sociais - o conhecimento do
senso comum(7). As representações dão sentido, orientam e conduzem os grupos
sociais. Formam um saber prático tanto por estarem inseridas na experiência,
que envolve um contexto histórico, cultural e espacial, quanto por orientarem
as comunicações e condutas dos sujeitos(6).
Considerando estes aspectos, o estudo objetivou apreender os conteúdos das
representações sociais de puérperas sobre a prática da educação em saúde
durante o ciclo gravídico-puerperal na atenção básica de saúde. Destaca a
educação em saúde promovida pelos enfermeiros na rede básica de saúde, que
cerca a mulher e sua família durante o período gravídico-puerperal, a fim
ajudá-la para a condução desse momento de vida, minimizando as possíveis
dificuldades inerentes à ocasião vivenciada e concedendo autoconfiança
indispensável para o desempenho do papel materno.
REFERENCIAL TEÓRICO
O referencial teórico aplicado é o da Teoria das Representações Sociais (TRS).
As representações surgem da necessidade do homem de estar informado do mundo à
sua volta. Além de se ajustar ao mundo, o homem precisa saber como se
comportar, dominar o mundo física e intelectualmente, identificar e resolver os
problemas que se apresentam. As representações são criadas no decurso da
comunicação e da cooperação entre pessoas e grupos. E, uma vez criadas,
circulam, se encontram, se atraem, se repelem e dão oportunidade ao nascimento
de novas representações, enquanto velhas representações morrem(6-7).
O estudo das representações sociais embasa-se nas representações coletivas,
definidas por Durkheim como representações que conduzem os homens a pensar e
agir de maneira homogênea à medida que exercem uma coerção sobre cada
indivíduo. Durkheim defendia uma separação entre as representações individuais
e coletivas, sugerindo que as primeiras deveriam ser o campo da Psicologia,
enquanto as últimas formariam o objeto da Sociologia. Entretanto, Moscovici,
influenciado pela Psicologia Social, elaborou o conceito de representações
sociais por meio da interseção do individual e do coletivo, do sujeito e do
objeto. Entendeu as representações sociais como um conhecimento que não se
caracteriza por uma contraposição ao saber científico, mas aparece como o saber
do senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, tido como objeto de estudo tão
legítimo quanto o do conhecimento científico devido à sua importância na vida
social, por servir de orientação aos comportamentos das pessoas, e à elucidação
possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais(6-8).
As representações guiam os homens no modo de nomear e definir conjuntamente os
diferentes aspectos da realidade diária, no modo de interpretar esses aspectos,
tomar decisões e eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva.
Tratam de fenômenos observáveis diretamente ou reconstruídos por um trabalho
científico. Devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e
comunicar o que se sabe, abstrair sentido do mundo e introduzir nele ordem e
percepções que o reproduzam de uma forma significativa(6-7).
Além das funções de orientação das comunicações sociais e a formação de
condutas, as quais favorecem o posicionamento do sujeito a um objeto
confrontado e guiam suas atitudes, seus comportamentos e suas práticas, as
representações apresentam função identitária, que permite salvaguardar a imagem
positiva do grupo e sua especificidade, ou seja, definição das identidades
pessoais e sociais, e a função justificadora, que permite aos atores
expressarem, manterem ou reforçarem os comportamentos de diferenciação social,
nas relações entre grupos(9).
As representações sociais são elaboradas a partir dos processos de ancoragem, o
qual visa inserir o objeto desconhecido a um sistema de pensamentos pré-
existente, tornando-o familiar, incorporando-o ao social; e a objetivação, que
significa tornar concreto o que o sujeito considera ser abstrato, associando o
objeto a uma ideia não familiar transportada para a realidade(6-8).
A partir desses conceitos e proposições teóricas, entende-se que a inserção das
RS nas pesquisas sobre a educação em saúde, com foco no ciclo gravídico-
puerperal, possibilita um novo olhar do enfermeiro para as usuárias, atentando
para as suas necessidades e expectativas, na (re)significação da educação em
saúde como cuidado clínico de enfermagem.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo de abordagem qualitativa, norteado pela TRS(6-
7). O estudo foi desenvolvido em nove Centros de Saúde da Família (CSF) da
Secretaria Executiva Regional (SER) IV, do município de Fortaleza, Ceará.
Participaram da pesquisa 31 usuárias que atenderam aos seguintes critérios de
inclusão: serem cadastradas em um dos CSF da SER IV, estarem na fase do
puerpério tardio ou remoto, maiores de 18 anos, terem realizado no mínimo seis
consultas de pré-natal e uma consulta puerperal. O critério de exclusão
eliminou as mulheres que saíram da área de abrangência do CSF da SER IV (por
mudança de endereço) no período da coleta de dados.
A entrada nos locais de investigação foi efetivada após parecer de aprovação do
projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, com
Número de Parecer: 26905 e CAAE: 01261912.5.0000.5534 e autorização emitida
pelo Sistema Municipal de Saúde Escola e pelo Distrito de Saúde/Atenção Básica
da SER IV, de acordo com a resolução nº 196/96, que regulamenta a pesquisa com
seres humanos(10). Mediante autorização do estudo pela SER IV e aprovação no
comitê, a coleta de dados ocorreu entre os meses de maio a julho de 2012.
A entrevista semiestruturada foi eleita como técnica de coleta de dados, por se
tratar de um instrumento que favorece a entrevistada a possibilidade de
discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada pela
pesquisadora(11). Inicialmente, foi utilizado um instrumento de produção de
dados para traçar um perfil obstétrico e sócio familiar demográfico das
participantes e posteriormente o roteiro de entrevista que objetivava explorar
os sentidos atribuídos à educação em saúde, com perguntas sobre o conhecimento
das atividades educativas, a participação nessas atividades, os profissionais
envolvidos, os temas discutidos, entre outros.
No entanto, as entrevistas só eram realizadas após o aceite das participantes e
a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Estas aconteceram
no CSF ou no domicílio das usuárias, atendendo a privacidade e a
disponibilidade das participantes. As entrevistas foram gravadas, transcritas
em sua íntegra e preparou-se um banco de dados único para ser processado com
uso do software ALCESTE - versão 2010 (Análise Lexical Contextual de um
Conjunto de Segmentos de Texto).
O programa informático Alceste, desenvolvido por Max Reinert, na França, na
década de 1970, emprega uma análise de Classificação Hierárquica Descendente
(CHD) e permite uma análise lexical do material textual, oferecendo contextos
(classes lexicais) que são caracterizados pelo seu vocabulário e pelos
segmentos de textos que compartilham este vocabulário(12-13). Este software
permite quantificar o texto para extrair estruturas que apresentem significados
mais representativos e acessa a informação essencial presente no texto. Isso
permite descrever, classificar, assimilar, sintetizar e identificar a
organização tópica de um texto, acessando as relações existentes entre os
léxicos(14).
O corpus de análise é formado pelas unidades de contexto iniciais (UCI),
unidades a partir do qual o programa efetuará a fragmentação inicial e que
correspondem a cada entrevista realizada(14). Numa análise padrão, após o
programa reconhecer as indicações das UCI, divide o material em unidades de
contexto elementar (UCE), unidades com menor fragmento de sentido. Elas são
segmentos do texto, de três a seis linhas, dimensionadas pelo programa
informático em função do tamanho do corpus e, em geral, respeitando a pontuação
(13).
O programa fornece, então, o número de classes resultantes da análise, assim
como as formas reduzidas, o contexto semântico e as UCE características de cada
classe consolidada. De posse desse material, os autores explicitaram o conteúdo
presente no mesmo, nomeando cada classe a partir de todas as informações
fornecidas pelo software. Por fim, a interpretação e análise das classes
fundamentaram-se na perspectiva processual da TRS.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em relação ao perfil obstétrico e sócio-familiar-demográfico das 31 mulheres
participantes do estudo, pode-se afirmar que eram majoritariamente multíparas
(64,5%), na faixa etária entre 18 e 33 anos (71,0%), moravam com companheiro
(64,5%), cursaram até o ensino fundamental (48,4%), tinham trabalho remunerado
(87,1%), realizaram parto cesáreo (71,0%) e não sofreram intercorrências no
ciclo gravídico-puerperal (71,0%).
Neste estudo, segundo o software ALCESTE foram encontradas 1913 formas
distintas ou palavras diferentes. Foram selecionadas 368 UCE, das quais 275
foram classificadas em quatro classes. Cada classe é composta por agrupamentos
de várias UCE de vocabulário homogêneo. Na Figura_1, é possível verificar a
distribuição das 275 UCE e das 212 palavras analisáveis nas quatro classes. A
classe 3 apresentou maior número de UCE (98) e maior número de palavras
analisáveis (65).
Figura 1 Representação gráfica do número de UCE e número de palavras
analisáveis por classe
Num primeiro momento, o corpus foi dividido (1ª partição) em dois subcorpus,
originando de um lado a classe 3 e do outro aquele subcorpus que posteriormente
originou as classes 2, 4 e 1. A classe 3 é a mais específica e representa 36%
do corpus. Num segundo momento, o segundo subgrupo foi dividido em dois (2ª
repartição), obtendo-se a classe 2 (26% do corpus) e um novo subgrupo. Por fim,
esse último subgrupo sofreu uma nova divisão (3ª repartição), resultando nas
classes 4 (28% do corpus) e 1 (10% do corpus), mais comuns entre si, por serem
as últimas a se dividirem. A CHD parou aqui, pois as 4 classes mostraram-se
estáveis, ou seja, compostas de UCE com vocabulário semelhante. A Figura_2
ilustra essas repartições.
[/img/revistas/reben/v67n1//0034-7167-reben-67-01-0013-gf02.jpg]
Figura 2 Divisão das classes - Classificação Hierárquica Descendente.
O programa teve 75% de aproveitamento. Quando 75% ou mais das UCE foram
classificadas, tem-se um bom desempenho da CHD(13). A Figura_3 apresenta o
gráfico de especificidade das classes: quanto mais elevada a posição de uma
classe no gráfico, maior sua especificidade. As palavras analisáveis
apresentadas no dendograma, que divide o corpus em classes (radicais e
fragmentos relacionados), podem ser consideradas os elementos mais importantes
para descrever cada classe, pois apresentam maior qui-quadrado (khi2). O khi2
calcula a frequência de aparição da palavra. Quanto maior o khi2, mais
relevante é a palavra para a construção da classe. O programa considerou as
palavras com khi2 igual ou superior a sete como palavras mais representativas.
[/img/revistas/reben/v67n1//0034-7167-reben-67-01-0013-gf03.jpg]
Figura 3 Dendograma da Classificação Hierárquica Descendente.
Os resultados observados na análise lexical das 31 entrevistas revelaram a
distribuição dos conteúdos em 4 categorias discursivas ou classes. Essas
classes apontam para três grandes temas, a saber: 1) Os conteúdos
representativos da educação em saúde para as puérperas, analisados na classe 3:
Educação em saúde na concepção das puérperas: "achava que sabia e não sabia";
2) A informação no pós-parto, representada pela classe 2: Informação no pós-
parto: o cuidado do bebê e a amamentação; e 3) O atendimento no pré-natal,
discutido na classe 4: Avaliação do atendimento no período pré-natal, e na
classe 1: Pré-natal: os profissionais e os procedimentos. Cabe esclarecer que,
para fins desse artigo, serão explorados e discutidos os conteúdos presentes na
classe 3, uma vez que é nesta que se concentram os léxicos que exploram o
objeto recortado para a discussão.
Trata-se da classe de maior significância estatística em termos de agregação de
UCE, perfazendo 36% do total. Esta é uma classe formada por 98 UCE e 65
palavras analisáveis. As palavras representativas da referida classe com seus
respectivos qui-quadrados foram: palestra (khi2 = 25), educação (Khi2 = 24),
saúde (Khi2 = 19), informação (Khi2 = 13), complicação (Khi2 = 13), aprender
(Khi2 = 11), doença (Khi2 = 11), mulher (Khi2 = 11), respeito (Khi2 = 11), pai
(Khi2 = 9), estudar (Khi2 = 9), atendimento (Khi2 = 9), melhorar (Khi2 = 9),
conhecimento (Khi2 = 9), atenção (Khi2 = 8), atividades educativas (Khi2 = 8),
tratar (Khi2 = 7), precária (Khi2 = 7).
Essa classe expressa as representações que o grupo de puérperas apresenta sobre
a educação em saúde, manifestas nas seguintes palavras: educação, informação,
aprender, conhecimento. Ao mesmo tempo, as entrevistadas destacam a forma como
percebem a importância dessa atividade neste período de vida, o que é
demonstrado pelos termos: saúde, respeito, melhorar, atenção. Com relação à
prática da atividade educativa, três blocos de significados emergem das falas
dos sujeitos: prática educativa desenvolvida através de palestras; a educação
recebida pelos familiares e pela escola e os meios de comunicação como forma de
adquirir a informação.
Essas mulheres ancoram suas representações sobre a educação em saúde nas suas
raízes familiares, entendendo a educação como aquela recebida em casa,
transmitida dos pais para os filhos. Para elas, a criança nasce vazia,
desprovida de conhecimento e os pais educam, ensinam os filhos, e esse
conhecimento é repassado de geração em geração. Essa educação verticalizada é
reproduzida também no ambiente escolar. O professor, detentor do conhecimento,
deposita o seu saber no aluno. E assim, essa representação é repercutida nas
ações educativas dos serviços de saúde. A usuária não conhecendo o seu corpo e
seu funcionamento, acredita não saber sobre sua saúde, precisando então
aprender com o profissional. Este aqui representado como o indivíduo detentor
do conhecimento científico, reificado. Conhecimento esse que é dominante na
sociedade, interferindo como fonte de poder sobre as usuárias.
Então eu faço o possível para dar pelo menos uma noção do que eu tive
quando criança, que meus pais passou para mim. E, já que eu tive uma
educação boa foram pessoas que não tem nem educação, né, meus pais,
mas foram muitos boas para mim, eu sei muito bem distinguir o que é
certo e o que é errado e tento passar para as três, para as duas, no
caso. (uce n° 209; Khi2 = 25; uci n° 15)
Atividades educativas é educação, né. Ensinar aos mais novos a
respeitar os mais velhos que a gente sabe que hoje em dia não
acontece muito, né. E também educar os adultos, porque os adultos
hoje em dia são bem mal educados também. Então a ação educativa é
essa, no meu ponto de vista. (uce n° 110; Khi2 = 14; uci n° 8)
Atividades educativas. Educar bem os filhos, né. Para eles se
educarem mais nesse mundo de hoje, muito violento, ensinar os filhos
a ser honesto, não ser arrogante, entendeu. Tratar bem as pessoas
[...] (uce n° 245; Khi2 = 9; uci n° 17)
É uma ajuda que se tem para um filho, para a gente aprender a educar
mais um filho, que a situação não está fácil e a gente adquire novos
conhecimentos, novas práticas educacionais com a criança. (uce n° 79;
Khi2 = 7; uci n° 6)
Acompanhada da educação dada pelos pais, elas também referenciam as ações
educativas fornecidas pela escola, como suporte para a criação dos filhos:
Atividades educativas, olha, é muito trabalhoso educar uma criança,
hoje em dia principalmente, porque você dá uma educação, a escola dá
outra ou a rua da outra e fica muito complicado. (uce n° 208; Khi2 =
14; uci n° 15)
A educação de saúde está precária. Botar no colégio, para o colégio
poder educar essas crianças, para a gente não ver essas crianças com
droga, assim, né, entendeu. Tratar com respeito as crianças [...](uce
n° 246; Khi2 = 10; uci n° 17)
Os conteúdos que conformam seus saberes evidenciam que as mulheres não se
mostram reducionistas nos seus pensamentos e têm uma visão ampla do objeto ação
educativa, não o restringindo ao campo do atendimento em saúde, e nem ao
contexto situacional vivido na gravidez/puerpério, mas sim, entendendo-a como
parte integrante do processo de viver.
Observa-se nestes conteúdos o esforço intelectual das mulheres em dar sentido
ao objeto, de ancorá-lo aos saberes previamente aprendidos, em campos
conhecidos(6-8). Em se tratando de mulheres, nada mais natural que ancorar a
educação em saúde na sua experiência familiar, na vivência com os pais, com os
filhos, na educação e formação deles para a vida.
Dessa forma, essas mulheres objetivam a educação em saúde como informação e
aprendizado. A informação relaciona-se à acessibilidade de conhecimento, ou
seja, estar em contato com assuntos variados, entretanto, não retoma a ideia de
interagir com esse conhecimento, tal interação pode ser encontrada no termo
aprendizado, que pressupõe um processo de troca construído de maneira próxima
aos envolvidos no processo, produzindo significados(15). É compreensível essa
representação quando nota-se que o conhecimento das pessoas sobre determinados
fatos é construído pela memória coletiva, pelas teorias que circulam na
comunidade científica, nos meios de comunicação e nas conversações(6). As
práticas educativas são percebidas como uma forma de melhorar a saúde, já que
esta é precária:
Para a gente prevenir contra as doenças, as vacinas, né, os exames,
foi muito bom. Participei. Sim. [...] (uce n° 294; Khi2 = 10; uci n°
23)
Quando a gente vem a um posto de saúde já dá muitas dicas e
informações sobre a questão da saúde da criança, da alimentação,
questão até assim mesmo do dia a dia dentro de casa, e quando você
trabalha você também tem educação, tem informação. (uce n° 80; Khi2 =
12; uci n° 6)
Porque assim, muitas empresas investem em palestras e a gente aprende
muito. Eu já trabalhei em canto que dava muita palestra, do próprio
dia a dia, até questão de ginecologia, de educação de saúde e tudo.
(uce n° 81; Khi2 = 9; uci n° 6)
Os estudos sobre as práticas educativas desenvolvidas por enfermeiros na APS em
prol da promoção da saúde da mulher no ciclo gravídico-puerperal evidenciam
ainda uma forte tendência de repassar conhecimentos através das tradicionais
palestras(16), constatando-se o predomínio da prática pedagógica tradicional,
com utilização de recursos pedagógicos precários e linguagem acessível, mas
pouco interativa e que culmina na pouca participação dos usuários. Esta
ocorrência também é percebida dentre as práticas educativas desenvolvidas nos
CSF:
Teve, teve sim. A gente aprendeu. Teve duas palestras para aprender a
amamentar. Foi muito boa, muita educativa. Tem coisas que a gente
acha que sabe, por exemplo, eu que já era mãe que achava que sabia e
não sabia. (uce n° 26; Khi2 = 12; uci n° 2)
[...] uma vez que eu estava lá tinha um pessoal da regional, né, eles
estavam até com uma boneca mostrando como trocava a fralda, uma
palestra. (uce n° 294; Khi2 = 10; uci n° 23)
A palestra objetiva a educação em saúde, a torna concreta no pensamento de tais
mulheres, as ajuda a nominar o que seja esta ação. Embora tenham seu valor
enquanto estratégia, as palestras muitas vezes limitam o aprendizado, pois não
estimulam a interação entre os participantes, pois neste modelo há os que falam
e os que ouvem, ficando a participação da plateia na dependência dos recursos
didáticos do expositor. O profissional que realiza a palestra preocupa-se em se
fazer entender, mas não necessariamente ocorre o diálogo e a problematização
dos temas com a participação das mulheres. Sem dialogicidade não há intercâmbio
de saberes/conhecimentos nem tampouco participação das usuárias como sujeitos
ativos e autônomos nas decisões que dizem respeito à sua saúde. Ao contrário,
quando se aplica o modelo vertical de transmissão de informações, o receptor é
visto como depositário de conhecimento, como se nada soubesse sobre o tema
tratado.
Nesse sentido, impõe-se o saber científico através do discurso autorizado dos
profissionais de saúde e desvaloriza-se o saber popular. Desta forma
reproduzem-se as relações verticalizadas de poder, com passagens pontuais e
generalizadas de informações sob a ótica e referencial da saúde(15,17). No
entanto, os sujeitos não são meros portadores de ideologias, mas sim processam
as informações, formam opiniões e constroem saberes, e agem de acordo com os
sentidos que atribuem a estas experiências e vivências de seu cotidiano(6-7).
Dentre as diferentes formas de realizar um trabalho educativo, destacam-se as
discussões em grupo. No campo da APS a educação em saúde pode ser bastante
explorada, já que prioriza a promoção da saúde e a prevenção de agravos à
mesma, visando a participação dos indivíduos e comunidades como sujeitos ativos
do processo de cuidado à saúde. As atividades grupais são reconhecidas como
prática educativa, mesmo sem ser vivenciada como tal.
Mas exposição de material, de livro, de cartaz, eu não vi, não. Não,
eu não participei, eu sei que existem os grupos, por exemplo, o plano
de saúde tem, existem os grupos que são gratuitos, de acesso livre,
mas eu nunca participei, até pela questão de tempo, né. (uce n° 7;
Khi2 = 44; uci n° 1)
A formação de grupo é encarada como estratégia pedagógica e de troca de
saberes, por isso deve ser estimulada como prática educativa realizada pelo
enfermeiro(18). Em estudos envolvendo grupos de gestantes e casais grávidos
tais grupos foram considerados como fóruns de socialização de conhecimentos e
de construção de saberes. Estas práticas educativas favorecem a vivência
tranquila da gestação, o vínculo mãe-bebê e melhor aceitação da gravidez. Tem
repercussões na vivência do parto, desmistificando a dor do parto,
empoderamento e a vivência do apreendido(2,5,19).
Pelo fato de a experiência das puérperas ser com a pedagogia tradicional
aplicada nas atividades de educação em saúde, as mesmas são significadas
através de repasse de informações, a qual ocorre durante as consultas
individuais:
Foi, está nessa complicação. Tem sim, ter influência sempre tem.
Porque assim, tem algumas coisas que realmente mudam e você não tem o
conhecimento, alguma coisa fica. Hoje em dia se faz inúmeros exames,
acabei descobrindo na gravidez que eu já tive rubéola, coisa que eu
não sabia, três gestação e eu nunca soube, nunca fui informada que eu
já tinha tido rubéola, toda gravidez era aquela preocupação. (uce n°
130; Khi2 = 9; uci n° 8)
Há uma tendência em se restringir as ações educativas durante as consultas
individuais com o simples repasse de algumas informações sobre gravidez, parto
e cuidados com o bebê. Em estudos realizados com enfermeiras, elas afirmam que
há dificuldades na realização de práticas educativas devido ao excessivo número
de impressos que precisam ser preenchidos nas consultas, atividades
assistenciais e gerenciais(15,20). Na tentativa de superá-las, as enfermeiras
investem em um bom diálogo para obter a confiança das usuárias e oferecer
informações.
É de extrema importância que os profissionais aproveitem todas as oportunidades
e considerem que o momento da consulta seja um espaço legítimo para realização
de ações educativas, pois no atendimento individual se pode estreitar o vínculo
e priorizar as necessidades de cada usuária. Porém, a educação em saúde
realizada somente durante as consultas, tira das mulheres a oportunidade de
participar de grupos educativos, de dividir seus medos e suas angústias, de
esclarecer as dúvidas comuns às outras mães. Restringe-se dessa forma o
aprendizado coletivo, a rica troca de experiências e conhecimentos entre as
mulheres.
Não há duvida de que as informações sobre saúde circulam através de várias
fontes e espaços, seja pelos profissionais, pela mídia, pelos próprios usuários
do sistema de saúde, membros da sociedade, contribuindo para a formação de
saberes e representações(6-7).
Mas não só essas, também aquela que a gente paga, o que é feito por
instituições particulares também são ações educativas. Quais são as
voltadas para a saúde? Por exemplo, as da dengue, que a gente vê na
televisão são ações educativas, as que falam de hepatite, do HPV.
(uce n° 2; Khi2 = 9; uci n° 1)
Aí a gente fica com receio de saber mais por esses motivos. Busco. Eu
acho que a televisão é o meio mais próximo que tem de mim, é a
televisão e os familiares. (uce n° 50; Khi2 = 9; uci n° 3)
Neste ínterim, se observa que os recursos que vêm sendo utilizados possuem
certa eficácia no sentido de serem reconhecidos pelas usuárias como estratégias
de educação em saúde, moldando suas representações sobre ela.
Em datas comemorativas como dia da mulher, eu adquiri um certo
conhecimento em ginecologia, que a gente tem que ter muita atenção
com nossa saúde, em época de vacinação, que a gente tinha campanha e
eles davam informativo que a gente tinha que ter muita atenção, muita
preocupação até com as vacinas para se prevenir contra qualquer
doença, aí em prevenção, em questão também de se prevenir de doenças
sexuais. (uce n° 82; Khi2 = 9; uci n° 6)
A entrevistada 01 é um sujeito típico da classe (Khi2 = 4), cursou nível
superior e discute a importância dos programas governamentais para a educação
em saúde. A mulher sente que desaprendeu sobre si por não ter o conhecimento
médico científico sobre seu corpo e sua saúde. Os programas governamentais
veiculam atividades educativas, ensinam a população e por se tratar de um
conhecimento reificado, influenciam mais do que o senso comum, como bem se
evidencia na uce/uci 1:
Atividades educativas eu acho que são aquelas, a primeira coisa que
me vem na cabeça são aqueles programas governamentais e a educação
para a população em geral, eu acho que são atividades educativas.
(uce n° 1; Khi2 = 10; uci n° 1)
Cotidianamente são realizadas campanhas educativas, seguindo a programação do
Ministério da Saúde. Como exemplo, se pode citar a programação do aleitamento
materno, as campanhas de coleta do exame preventivo do câncer, as campanhas de
combate à dengue, enfim, práticas executadas de acordo com a determinação da
Secretaria de Saúde em que o profissional altera seu processo de trabalho para
cumprir tais exigências(3).
Algumas enfermeiras buscam entrosamento entre as diferentes práticas,
realizando reuniões com os representantes comunitários, associação de moradores
e outros para divulgar e apoiar seu processo de trabalho, sem entrar em
conflito com as diversas formas de cuidados à saúde(3). As associações
comunitárias são espaços para se efetivar a educação em saúde:
Eu participei da associação daqui da Comunidade da Brasília, né. E
aqui é assim, enquanto eu estava ali, só era eu. Quando acabou isso,
as pessoas só eram cobrando, cobrando, cobrando [...] (uce n° 293;
Khi2 = 12; uci n° 23)
A busca de parcerias nos bairros, tais como a associação de moradores, escolas,
creches, empresas privadas, organizações não governamentais, instituições de
ensino na área de saúde, pode ser uma estratégia para difundir práticas de
educação em saúde, com amplo alcance nos grupos populacionais, contribuindo com
os serviços das unidades de saúde. As práticas educativas em tais locais são
evidentes e estimuladas pela própria comunidade, que participa no planejamento
das ações, bem como na sua realização(3).
Esta classe apresentou associação estatisticamente significativa em mulheres
com ensino superior (khi2 = 6), numa faixa etária entre 26-33 anos (khi2 = 5) e
que sofreram alguma intercorrência no ciclo gravídico-puerperal (khi2 = 4).
Essas variáveis remetem à representação de que, independente da escolaridade e
da idade, por se tratarem de mulheres não tão jovens, que possuem experiências
de vida e outras gestações, pouco ou nada sabem com relação à sua saúde
materno-infantil e necessitam ser tuteladas pelo conhecimento reificado dos
profissionais de saúde, sendo a mesma representação das de menor nível de
escolaridade e das puérperas mais jovens.
A variável da complicação durante o ciclo gravídico-puerperal aponta para duas
vertentes: por um lado revela que as mulheres que sofreram essa problemática,
produziram sentidos sobre a educação em saúde valorizando a informação, o
aprendizado, o estudo, o conhecimento; por outro mostra que os profissionais
tiveram maior preocupação em fazer circular neste grupo informações que as
ajudassem a agir em prol do seu cuidado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao considerar a mulher como um ser dotado de necessidades, que devem ser
compreendidas e atendidas, alguns conhecimentos devem ser problematizados no
pré-natal, parto e puerpério para, assim, melhor conduzi-la para receber seu
filho, principalmente do ponto de vista físico e mental. Diante disso, defende-
se a educação em saúde como uma estratégia para a prevenção de intercorrências,
promoção da saúde, além da minimização da insegurança e anseios, que possam
estar presentes durante o período gravídico-puerperal.
A educação em saúde como direito deve romper com a visão assistencialista,
mecanicista do corpo e apontar para o diálogo, socialização de saberes e
práticas entre profissionais e usuárias. As relações que se estabelecem entre
profissionais e usuárias nestas condições organizacionais e assistenciais que
se apresentam oferecem limitadas possibilidades de se estabelecer uma
comunicação efetiva que possa contribuir para o entendimento da mulher sobre
sua condição de saúde, potencialidades e capacidades de mudanças pessoais e
familiares.
No presente estudo, os conteúdos das representações das mulheres anunciam que a
educação em saúde objetiva-se nas palestras, campanhas educativas, e ainda nas
atividades voltadas para a educação do filho, em espaços sócio-familiares como
a casa ou a escola. As informações sobre saúde-doença são apreendidas tanto nos
serviços de saúde como nas associações comunitárias, empresas e meios de
comunicação.
A concepção de que o sujeito é ativo e criativo na produção do conhecimento,
inerente à TRS, pode ser evidenciada nos conteúdos que mostram que as usuárias
não restringiram os sentidos da educação em saúde ao campo formal do
atendimento profissional ou das campanhas do Ministério da Saúde, pois na
produção dos sentidos sobre o objeto reconheceram a família como espaço
legítimo de ação educativa, veiculada dos pais para os filhos, com um discurso
fortemente marcado pela educação familiar.
Através dos discursos das entrevistadas podem-se conhecer as principais
práticas educativas desenvolvidas na atenção primária na área da saúde da
mulher na SER IV, nas quais predominam o modelo tradicional de transmissão de
informações sem incentivar o diálogo e a participação da mulher como
protagonista nas decisões que envolvem a sua saúde. Dessa forma, pode-se
considerar que há limitações nas propostas de promoção da saúde da mulher, que
as distanciam da autorresponsabilização e autonomia.
Faz-se necessário a persistência dos profissionais no sentido de que sejam
implementadas atividades que visem à melhoria das ações educativas na área de
saúde da mulher como criação e manutenção de grupos de gestantes, grupos de
puérperas, grupos de casais, dentre outras atividades para o compartilhamento
de saberes e interação entre os usuários, gerando esforços para a realização da
prática educativa como forma de melhorar o impacto dessa ação na saúde física,
mental e emocional da mulher no ciclo gravídico-puerperal.
Como limitações deste estudo evidenciam-se o quantitativo de participantes e a
restrição aos CSF de uma dada SER (IV), da capital do estado do Ceará, devendo-
se ampliá-lo para outras SER e municípios do interior do estado.