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BrBRCVHe0034-71672014000100036

BrBRCVHe0034-71672014000100036

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2014
Issue0001
Article number00036

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Itinerário percorrido pelas famílias de crianças internadas em um hospital escola INTRODUÇÃO O diagnóstico oportuno de qualquer patologia é essencial para dar início da terapêutica em tempo hábil, aumentando sensivelmente as chances de recuperação.

Porém, nem sempre é possível, quer por desconhecimento das famílias sobre sinais e sintomas das doenças, quer por ausência, deficiência ou negligência do profissional de saúde no estabelecimento do diagnóstico. Em alguns casos, interferência de outros fatores, como a dificuldade de acesso ao serviço primário de saúde, que afeta de modo especial as camadas da população de menor poder aquisitivo, desprovidas de recursos assistenciais alternativos.

Do adoecimento até a efetivação do diagnóstico correto e início do tratamento específico, as crianças e suas famílias acabam percorrendo um longo caminho que não raramente resulta na hospitalização infantil. Em muitos dos casos, a internação da criança aparece como um sinalizador das falhas do atendimento que, se bem conduzido, poderia interromper essa trajetória antes do agravamento da condição de saúde.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) reduziu a segmentação na saúde ao unir os serviços próprios da União, de estados e municípios e os da assistência médica previdenciária. Além de estabelecer a universalização do acesso à população, promoveu a descentralização, a regionalização e a integração desses serviços, com a criação de redes assistenciais(1), definidas como o conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis crescente de complexidade, tendo como finalidade a integralidade de assistência à saúde(2). A população tem acesso à rede de serviços a partir do nível primário de atenção e, com base na avaliação da gravidade do risco individual e coletivo, deve ser assegurado ao usuário a continuidade do cuidado em saúde, em todas as suas modalidades, nos diferentes serviços, como hospitais e outras unidades que integram a rede de atenção da respectiva região(2).

A Estratégia de Saúde da Família (ESF) é a porta de entrada do SUS e tem como objetivo proporcionar a criação de um forte vínculo entre coletividade, família e profissionais. Não obstante, na prática cotidiana, identificam-se ações desenvolvidas pelos profissionais de forma fragmentada, muitas vezes considerando a influência das causas orgânicas sobre a saúde, sem valorizar o acolhimento pautado na escuta e na atenção integral ao indivíduo(3).

Estudos sobre os itinerários de pessoas em busca de atenção à saúde podem contribuir significativamente para que se compreenda o comportamento frente ao cuidado e a forma como são utilizados os serviços de saúde, constituindo uma importante ferramenta para a qualificação da assistência(4). Sob este prisma, a investigação dos diversos contextos assistenciais pode evidenciar lacunas a serem trabalhadas, o que torna pesquisas com esse enfoque importantes para sensibilizar os profissionais a rever suas práticas. Trata-se, pois, de uma alternativa que busca a qualificação permanente da atenção, com vistas a proporcionar aos usuários um atendimento de excelência.

O elo entre a investigação e a prática de enfermagem é primordial para o aprimoramento da atenção e a qualificação perfeiçoado(5).

O itinerário terapêutico compreende crescente das práticas de enfermagem pediátrica. Por meio da pesquisa torna-se possível obter evidências científicas norteadoras da práxis, contribuindo para que o cuidado de crianças e suas famílias seja sempre reavaliado e aa trajetória de busca, produção e gerenciamento do cuidado à saúde realizada pelo indivíduo e seus familiares, seguindo uma determinada lógica. Tem como base as redes de cuidado existentes na saúde e estas devem ser capazes de oferecer sustentabilidade às famílias no processo de adoecimento(6). Assim, definiu-se como objetivo deste estudo o de conhecer o itinerário percorrido pela família da criança internada em unidade hospitalar.

MÉTODO Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, de natureza qualitativa, realizado no setor de internação pediátrica do Hospital Universitário Regional de Maringá (HUM), instituição com 123 leitos, referência para os 30 municípios que compõe a 15ª Regional de Saúde do Estado. A unidade de pediatria possui 15 leitos que atendem crianças de zero a 13 anos, onze meses e vinte nove dias de vida. Três leitos são destinados exclusivamente aos recém-nascidos provenientes da UTI Neonatal e os outros 12 são distribuídos em quatro enfermarias com três leitos cada.

Os dados foram coletados pelo período de uma semana durante o mês de outubro de 2011, por meio de entrevista semiestruturada, com a seguinte solicitação: Descreva o caminho percorrido por você até o internamento do seu (sua) filho (a) nesta unidade. Os informantes do estudo foram familiares acompanhantes das crianças hospitalizadas na clínica pediátrica durante o período de coleta de dados. Cabe salientar que nesse período havia uma criança em isolamento e por essa razão os outros dois leitos da mesma enfermaria não estavam disponíveis para internação na unidade. Assim, participaram do estudo 10 acompanhantes das crianças internadas.

Após a anuência dos sujeitos, as entrevistas foram gravadas em um MP3 e transcritas na íntegra. Para as interpretações das informações adotou-se análise temática que consiste em três etapas: pré-análise, exploração dos dados, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Na pré-análise as entrevistas foram transcritas na íntegra e realizadas múltiplas leituras com a finalidade de exaustão das informações. Em seguida, realizou-se o mapeamento das falas assinalando os principais pontos para facilitar a visualização do material como um todo. Na etapa seguinte foram identificadas as unidades de registro e realizados os recortes necessários. Por fim, buscou-se apreender as informações contidas nos relatos para estabelecer as unidades categoriais do estudo(7).

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer 660/2011) e realizada de acordo com as normativas fixadas pela Resolução 196/96-CNS do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido em duas vias. Para assegurar o anonimato dos sujeitos do estudo, estes estão identificados com nomes fictícios.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Todos os acompanhantes eram do sexo feminino, sendo sete mães, duas avós e uma tia. Ao serem abordadas com relação à temática do estudo, foi possível depreender de suas falas os sentimentos de apreensão e preocupação familiar que circundam o processo de doença e hospitalização da criança. Tais sentimentos começam a aflorar antes mesmo do diagnóstico, levando a família a passar por diferentes estágios de enfrentamento da doença.

Os relatos evidenciaram que o período compreendido entre a identificação dos primeiros sintomas da doença, no domicílio, até a tomada de decisão da família de buscar assistência médica, pode ser bastante variável e a trajetória percorrida até a resolução do problema nem sempre é rápida e fácil.

Do processo de análise dos discursos, foi possível a identificação de duas categorias temáticas: O papel da família na identificação de desvios de saúde na criança, e (Des)preparo dos serviços de saúde: impactos sobre o atendimento à saúde infantil, as quais serão descritas a seguir.

O papel da família na identificação de desvios de saúde na criança O escopo principal desta categoria foram os relatos das famílias acerca do processo de percepção do adoecimento da criança, bem como a descrição dos caminhos percorridos em busca do diagnóstico e do tratamento da doença. O percurso efetuado pela família inicia-se quando o familiar, em geral a mãe, consegue identificar que algo não está bem com a criança. Os pais, e em especial a mãe, são os principais cuidadores das crianças e os maiores conhecedores de seus hábitos e características comportamentais, o que os torna mais aptos a identificar qualquer alteração da normalidade.

O desejo de ver restabelecida a condição de saúde da criança impulsiona a família, a estabelecer estratégias de enfrentamento com base em suas crenças e valores. O próprio ato de cuidar constitui uma construção cultural pautada em uma aprendizagem que leva em conta as experiências de vida e as informações passadas de geração a geração. Por isso, é comum verificar uma certa resistência das famílias em buscar a ajuda profissional logo aos primeiros sinais da doença. Em geral, essa decisão é adiada até que se avalie se as condutas tomadas no ambiente doméstico surtiram ou não os efeitos esperados.

Os relatos a seguir revelam a forma como tomar decisões relacionadas com a saúde da criança teve início para algumas das famílias entrevistadas.

Ele começou sentir dor na barriga e eu achava que era o estômago. Na segunda ele acordou com dor; na hora que veio da escola, ele vomitou muito [...] suando frio [...] Em casa não deixei comer comida pesada e fiz uma sopa. Ele tomou a sopa e vomitou de novo. Fui à casa da minha cunhada, peguei remédio para vômito e dei para ele, mas ele vomitou umas quatro vezes durante a tarde, na terça-feira eu levei no médico. (Laura - mãe de João, 9 anos, apendicite aguda, 3 dias de internação) Ele amanheceu na segunda-feira com dor na barriga, mas uma dor mais leve. Dei Luftal porque achei que poderia ser gases [...] Ele não quis comer e o pouquinho que ele provou, vomitou, ficou meio desanimado. Não teve febre e a gente resolveu esperar mais um pouquinho. Na madrugada de segunda para terça, ele começou com muita dor e na terça cedo nós fomos ao postinho. (Jamyle mãe de Jonas, 6 anos, apendicite, 12 dias de internação) Os relatos evidenciam algumas das concepções da família, construídas socialmente e repassadas ao longo das gerações. Algumas práticas reveladas pelas famílias como por exemplo, a postura expectante, a busca de indicações ou orientações de familiares, a utilização de medidas caseiras, como a oferta de sopas em lugar de comidas pesadas, ou a oferta de medicamentos que deram certo em casos similares, ou ainda, o fato de associar a gravidade do quadro ao aparecimento de um sintoma específico como a febre, constituem motivos para protelar a procura da assistência profissional. Estas práticas são reveladoras de alguns dos paradigmas que norteiam o comportamento familiar diante de alguma intercorrência.

Os cuidados à saúde, por tradição, são compreendidos e visualizados como algo limitado, tanto pelos usuários, quanto pelos profissionais da área. Acontecem em duas diferentes esferas relacionadas entre si: a rede oficial de serviços, que conta com o conhecimento científico e tecnologias modernas, e a rede informal, em que se destaca a família, portadora do conhecimento empírico, utilizado segundo suas crenças e inserção cultural(8).

Os itinerários terapêuticos são definidos como um percurso sempre envolto por planejamentos e estratégias para alcançar o objetivo de sanar a aflição causada pela doença. Para atingir essa meta deve contar com a participação da enfermagem nesse processo de escolhas(9).

Muitas vezes, a procura de uma solução mais rápida e acessível para um distúrbio de saúde, ou mesmo nos casos de doenças mais graves, leva familiares ou mesmo a pessoa doente a buscar alternativas dentro de sua religiosidade e também fora dela. São comuns referências de busca de curandeiros, rezadeiras, garrafeiras, raizeiros como possibilidades para a obtenção de orientação, diagnósticos e tratamentos alternativos(10).

Antes do enfrentamento da adversidade de uma doença, a família ou a pessoa envolvida passa por etapas que precedem o conhecimento do diagnóstico(11).

Quando isso acontece, os familiares tendem a iniciar a trajetória em busca de soluções para o problema de saúde. Nesse percurso, as famílias podem ter acesso a um diagnóstico rápido ou se defrontar com obstáculos e contratempos que tornam essa trajetória mais lenta e difícil.

[...] ela começou com muita febre. Eu dava remédio para ela e a febre cortava [...]. eu vi que tinha que ir para o médico [...] e levei ao hospital. (Giovanna - mãe de Marina, 10 meses, exantema + hepatoesplenomegalia+linfod enomegalia, 17 dias de internação) Este e outros relatos similares demonstram que a família tem um papel crucial na identificação dos primeiros sinais e sintomas da doença na criança. Embora consiga perceber com relativa rapidez a presença de alguma anormalidade ou desvio do estado de saúde da criança, é comum a adoção de uma postura hesitante, buscando soluções alternativas antes de se decidir a procurar ajuda profissional. Os pais usualmente baseiam sua decisão em conhecimentos próprios, pautados em experiências prévias ou em algo que lhes foi transmitido por familiares ou pessoas próximas, consolidando seu referencial de cuidar, que é repassado de geração em geração.

Cabe salientar que os profissionais de saúde, com destaque para médicos e enfermeiros, podem ter um papel preponderante na construção do referencial de cuidar das famílias, à medida que escutam e valorizam suas necessidades de saúde, explicam como se a instalação da doença e seu tratamento, esclarecem suas dúvidas e fornecem informações que capazes de subsidiar ações momentâneas e futuras.

Em função do modelo assistencial vigente, o qual ainda é muito médico-centrado, priorizando as atividades curativas, em geral a população tende a sobrevalorizar a atuação e as orientações do profissional médico. Contudo, especialmente após a implantação da Estratégia Saúde da Família, o trabalho do enfermeiro vem sendo valorizado em todos os campos de atuação. O enfermeiro aparece como o profissional mais disponível para acolher e compreender as necessidades da população e esclarecer suas dúvidas relacionadas com a saúde (12)-(13).

O referencial de cuidar da família determina o itinerário terapêutico por ela adotado, que é subsidiado pelas relações estabelecidas entre o doente, sua família e vizinhos, terapeutas populares, organizações religiosas, serviços de saúde e outros grupos inseridos no relacionamento familiar no decorrer de suas vidas. Assim, os cuidados passam a ser determinados pela lógica e pela avaliação da manutenção da saúde ou do combate à doença(14).

A família está inserida dentro de um contexto sociocultural e, quando interage com outros membros, compartilha e fortalece suas crenças, valores, símbolos, práticas, saberes e significados. Nessa perspectiva, para visualizar o cuidado à saúde da criança e do adolescente os profissionais de saúde devem compreender as demandas de saúde da família e sua cultura(15).

No presente estudo constatou-se que a assistência profissional ou formal, representada por médicos, postos de saúde ou hospitais, é buscada apenas nos casos em que a melhora não é alcançada. Outra situação observada foi o fato das mães procurarem ajuda de pessoas mais experientes, na perspectiva de encontrar alternativas para solucionar os problemas de seus filhos, como ilustra o relato a seguir.

Eu percebi que tava meio altinho perto do pipi dele, que eu achei que não era nada, não dei remédio, não apertei, não fiz nada. passei a mão por cima, para saber se era duro. Achei que como eu era mãe de primeira viajem [...] era a urina dele que estava cheia assim, depois sumiu. Perguntei para minha mãe e ela disse que talvez pudesse ser hérnia [...] levei ao médico. (Leonor mãe de Lucas, 2 meses, hérnia inguinal, 4 dias de internação) Verifica-se, principalmente entre populações mais humildes e desprovidas de acesso facilitado aos serviços de saúde, a existência de uma concepção do atendimento médico especializado como algo inatingível, o que contribui para que protelem a procura pelos serviços de saúde, reservando essa conduta para os casos mais complexos, não passíveis de solução pelo uso de medidas caseiras.

Os relatos permitiram apreender que a assistência formal é um divisor de águas para a identificação de alterações clínicas visíveis. Nessas situações, os pais sentem-se amedrontados e inseguros, porque desconhecem determinadas alterações, o que os pressiona a procurar a assistência médica.

O (des) preparo dos serviços de saúde: impactos sobre o atendimento à saúde infantil A procura pela assistência médica para os filhos é sempre permeada por muitas expectativas dos pais. As famílias mais experientes ou os pais mais bem orientados tendem a procurar alternativas com a intenção de adiar a procura pelo sistema de saúde.

Tal cenário evidencia pelo menos em parte, entre outros aspectos, o despreparo de serviços e profissionais de saúde para realizar em tempo hábil avaliações e encaminhamentos, principalmente nas situações em que os agravos apresentam sintomatologia inespecífica(16). Isto é particularmente preocupante nos casos de crianças, pois existem muitos sinais e sintomas que são comuns a várias doenças típicas da infância.

Uma quarta-feira à tarde, foi aquela febre básica [...] na quinta- feira persistiu a febre, a mãe dele levou no Zona Norte. o médico disse que não era nada, era uma irritação, uma gripe comum.

Medicou, veio para casa, voltou a febre, eu levei novamente [...] falou que era garganta, passou Ibuprofeno, melhorou, voltou para casa. , na sexta-feira, novamente nós levamos ele. ele tomou uma Benzetacil, melhorou. No sábado passou bem, no domingo ele piorou, trouxemos de novo, foi para o Hospital Municipal e ficou internado.

Na segunda-feira veio para e foi direto pra UTI (Edilaine - avó de Douglas, 7 anos, pneumonia, 23 dias de internação).

A família de Edilaine vivencia diversas tentativas, muitas delas frustradas, no processo de busca por uma solução definitiva para o agravo de saúde apresentado pela criança. Os atendimentos realizados no âmbito da atenção primária mostraram-se incompletos, com uma abordagem superficial do problema e sem a devida valorização dos sinais e dos sintomas apresentados pela criança, deixando margem para a evolução e o agravamento da doença. Um percurso muito comum nesses contextos, em que a falta de efetividade do atendimento primário acaba por gerar demandas para os níveis secundário e terciário, envolve a utilização de serviços e recursos de maior complexidade, onerando sobremaneira o sistema de atenção à saúde e penalizando a população usuária.

À Unidade Básica de Saúde (UBS) compete atuar como porta de entrada do paciente no sistema de atenção à saúde, disponibilizando uma assistência integral ao usuário, com vistas a solucionar as demandas mais frequentes em sua região de abrangência, otimizando a utilização dos demais níveis de atenção(17).

A Saúde da Família é uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionada mediante a implantação de equipes multiprofissionais dentro das UBS. A função dessas equipes é atuar na promoção da saúde, na prevenção, recuperação, reabilitação de enfermidades e agravos e na manutenção da saúde da coletividade(18). Contudo, a população nem sempre reconhece a efetividade deste nível de assistência, o que a leva a procurar outros serviços.

Ela começou com muita febre, eu dava remédio, a febre cortava, mas logo voltava. Levei no Pronto Socorro de Cianorte, disseram que era o dentinho dela que estava rasgando e que a febre era normal. Foi correndo os dias, sempre 39º de febre [...] Daí ela começou a ficar com o corpo todo vermelho e toda inchada. Levei para o pronto- socorro e a médica disse que era normal, que o dentinho dela estava rasgando. Na terça-feira, vi que o corpo dela começou a ficar vermelho e quente, então levei para a Santa Casa, em Cianorte, receitaram Tylenol e mais um remédio para cólica. Naquela noite ela não dormiu, o corpo dela avermelhou todinho e eu dando dipirona. Na quinta de manhã eu corri com ela e fiz uma consulta com o pediatra no posto. Ele achou que fosse dengue hemorrágica, pediu exames, deu alteração no sangue. Pediu para que internasse no mesmo dia, mas não quiseram internar, pois tinha que consultar com outro pediatra para poder autorizar a internação dela . Na sexta-feira de manhã ela acordou com os dois lados inchados, ela não abria a boca para nada [...] foi feito tomografia, ultrassom, e não acharam nada. Ligaram para para pedir uma vaga. (Giovanna - mãe de Marina, 3 anos, exantema + hepatoesplenomegalia + linfoadenomegalia, 17 dias de internação) O relato de Giovanna descreve o drama vivenciado pela família, marcado por idas e vindas e pela falta de resolubilidade no atendimento, tornando o percurso terapêutico um evento traumático, extenuante e gerador de angústia e sofrimento. No caso, não foi a falta de acesso a serviços de saúde o fator determinante da trajetória da família, mas sim a falta de preparo do sistema no que diz respeito à condução adequada do caso.

O segmento a seguir, desvela a vivência de outra família e a resistência, muitas vezes presente no contexto da atenção em saúde, em que ainda prevalece uma relação verticalizada entre profissionais e pacientes, com desvalorização das opiniões e dos conhecimentos das famílias no processo de assistência.

Desde que nasceu, a gente percebia que algo estava errado e o médico dizia que era normal. A gente dizia que o bebê não era normal: um bebê não mamar e não acordar [...] a gente discutiu com ele 'forte'! Ele mandou para um neuro em Maringá. Quando a gente chegou, percebemos que viemos no médico errado, porque o doutor atende criança acima de 1 ano até 15 anos. Ele colocou as mãos na cabeça e falou: "Meu Deus! Vocês estão no lugar errado! Pega o seu dinheiro de volta e encaminhe essa criança para uma UTI. Essa criança está muito mal!" Ficamos em desespero, começamos a chorar [...]. O doutor encaminhou primeiro para a Santa Casa, mas como a gente não tinha condições, ele encaminhou para o HUM, com ele quase morrendo. (Estela - tia de Pedro, 12 dias de vida, Onfalite + Hemorragia subaracnóide, 12 dias de internação) O relato de Estela evidencia a importância do familiar que, antecipando-se aos profissionais, percebeu que havia algo de errado com a criança e buscou respostas junto à equipe de saúde para a resolução das incertezas que lhe causavam angústia. Ao mesmo tempo, é possível constatar importantes lacunas que ainda persistem no fazer profissional, que não abre espaço para o diálogo e para o estabelecimento de uma comunicação mais efetiva e uma relação mais respeitosa e solidária entre aqueles que assistem e os que são (des)assistidos.

Ressalta-se que o vínculo advindo da comunicação entre profissional, família e paciente, tão necessário para a prevenção e a promoção da saúde, constitui a base para o fortalecimento das relações humanas. Na pediatria, é o que possibilita a compreensão do processo de hospitalização para o acompanhante e a criança(19).

A busca pela qualidade dos serviços públicos de saúde impõe um desafio a profissionais e gestores para garantir não apenas a capacitação da equipe, mas também a gestão adequada dos recursos, de modo a satisfazer as necessidades de saúde dos usuários. Dentre as capacidades a serem desenvolvidas pelos profissionais encontram-se as relações formadas com responsabilidade e compromisso, tendo em vista a integralidade no atendimento, a autonomia dos sujeitos envolvidos e resolubilidade. Para incidir efetivamente no estado de saúde de uma coletividade, dois aspectos são extremamente relevantes: a acessibilidade aos serviços e o bom acolhimento(20)-(21).

Nossa aqui é uma bênção (HUM), não é nada do que a gente escuta [...] As meninas (técnicas de enfermagem) atendem bem, os médicos [...] é aquele carinho, muito bom [...] graças a Deus. (Eliana avó de Fábio, 1 ano e 3 meses, 24 dias de internação) O discurso de Eliana ratifica a importância da abordagem profissional adequada às necessidades das famílias, em que se destacam a qualidade do relacionamento interpessoal e o acolhimento como elementos essenciais à construção de uma atenção humanizada. Os usuários consideram o acolhimento e a humanização como eixos da assistência em saúde e uma responsabilidade inerente ao exercício profissional das equipes(1). O papel da Enfermagem é primordial para auxiliar no fortalecimento das redes de apoio à família mediante a abordagem educativa, o apoio psicoemocional e social, de forma integrada e cooperativa. Juntamente com a equipe multiprofissional, a Enfermagem pode criar espaços para que favoreçam a autonomia e a participação familiar, bem como o enfrentamento da situação de hospitalização(22).

CONCLUSÕES O diagnóstico adequado de doença na infância é da maior importância, uma vez que as possibilidades de cura aumentam substancialmente quando é realizado com rapidez e eficácia. No contexto da atenção pediátrica, a trajetória percorrida pelas famílias entre o momento de detecção dos primeiros sinais ou sintomas de agravo à saúde até o diagnóstico e a implementação do tratamento é determinada por uma série de fatores sobre os quais é necessário lançar luz.

O presente estudo permitiu evidenciar alguns comportamentos dos familiares frente à situação de doença da criança. O primeiro deles, bastante comum, é a tentativa de resolução da problemática com base em conhecimentos próprios ou pautados em práticas familiares. A busca pela assistência profissional é postergada na esperança de que tais estratégias mostrem-se suficientes ou adequadas para a abordagem do problema. Tal conduta é justificada pelo receio das famílias, principalmente daquelas economicamente desfavorecidas, de se defrontar com obstáculos ou dificuldades insuperáveis na procura do atendimento formal de saúde. No ideário dessas famílias persiste a crença de que existe um abismo intransponível entre elas e os serviços de saúde.

Os receios e as angústias que levam muitas famílias a protelar a procura por atendimento profissional tornam-se realidade para outras famílias que, mesmo iniciando precocemente a busca por assistência no sistema formal, veem-se diante da falta de competência e envolvimento dos profissionais na condução adequada do problema de saúde.

Ambas as situações fizeram-se presentes nos relatos de sofrimento, apreensão e angústia das famílias envolvidas. O itinerário por elas percorrido permitiu evidenciar lacunas importantes no atendimento e na ação profissional das equipes envolvidas. Tais lacunas remetem à necessidade de repensar não a gestão dos serviços, com vistas à torná-los mais acessíveis e verdadeiramente inseridos na realidade das coletividades, mas também a capacitação profissional das equipes, para que sejam preparadas e estimuladas a manter um contato mais próximo, dialógico e efetivo com a população assistida.


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