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BrBRCVHe0034-71672014000300373

BrBRCVHe0034-71672014000300373

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2014
Issue0003
Article number00373

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Prevalência de alcoolismo no perfil das aposentadorias por invalidez dentre trabalhadores de uma universidade federal INTRODUÇÃO O consumo de álcool é um grave problema de saúde pública na atualidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o alcoolismo ocupa a terceira posição entre os principais fatores de risco de saúde no mundo. Estima-se que cerca de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo consumam bebidas alcoólicas e que 76,3 milhões tenham diagnóstico de transtorno mental e façam uso de álcool, que é responsável por 4% do total de todos os anos perdidos de vida útil(1).

Relatório da OMS de 2010 informa que o uso abusivo do álcool provocou 320 mil mortes no grupo com idades entre 25 e 39 anos, o que representa 9% das mortes nessa faixa etária. Acrescenta que, além do absenteísmo no trabalho, o álcool está associado a questões sociais sérias, como violência, negligência infantil e abusos. Na região das Américas, por volta de 16% dos anos de vida útil perdidos estão relacionados ao uso indevido dessa substância - índice quatro vezes maior do que a média mundial(2).

A síndrome de dependência do álcool, de acordo com o Ministério da Saúde, é um dos problemas relacionados ao trabalho, sendo o alcoolismo considerado uma doença crônica primária que tem seu desenvolvimento e suas manifestações influenciados por fatores genéticos, psicossociais e ambientais, frequentemente progressivos e fatais(2).

O uso nocivo e dependente de bebidas alcoólicas amplia-se em problemas relativos à saúde do trabalhador e da empresa. Situações de abuso de álcool nos finais de semana, que resultam em "atrasos de segunda-feira", queda da produtividade, repetidas licenças para tratamento de saúde, acidentes de trabalho e/ou trânsito, aposentadorias precoces e problemas familiares fazem parte de uma preocupação ou alerta para os programas de atenção à saúde do trabalhador(3).

Na maioria das vezes, os trabalhadores dependentes de bebidas alcoólicas não procuram os serviços de atendimento ao trabalhador e sim as unidades de emergência no quadro avançado da dependência, principalmente pelo fato de que, no atendimento de emergência, em geral a anamnese não identifica os aspectos laborais. A negação da dependência pode ser um dos motivos da falta de procura dos serviços de Saúde do Trabalhador(4).

Outro fator importante é a subnotificação diagnóstica do alcoolismo crônico relacionado ao trabalho, realidade que o preconceito social estimula o mascaramento. O trabalhador pode ser afastado do trabalho após algum tempo devido a complicações do álcool no organismo e pode vir a ser precocemente aposentado por invalidez(5).

O alcoolismo compromete 20% da força de trabalho no Brasil. Estudos nacionais mostram prevalência de 20% de licenças médicas por alcoolismo, nas quais o tempo médio de afastamento para tratamento de saúde situa-se entre 30 e 59 dias - período longo para se permanecer fora do ambiente de trabalho(4,6). Alguns autores relataram que o alcoolismo é a terceira causa de absenteísmo ao trabalho, a causa mais frequente de aposentadorias precoces e acidentes de trabalho, e a oitava causa de concessão de auxílio-doença pela Previdência Social. Na população adulta, a taxa de prevalência do alcoolismo varia de 3 a 10%(3,6).

No período do estudo, os profissionais de um Serviço de Saúde do Trabalhador estavam reformulando o Setor de Programas Especiais e definindo prioridades de intervenção, o que tornou oportuna a realização de um estudo visando conhecer o perfil dos servidores aposentados por alcoolismo.

Dessa forma, o presente estudo teve como objetivos: descrever as causas da morbidade dos servidores aposentados por invalidez em uma universidade pública; identificar o perfil sociodemográfico e ocupacional dos aposentados por invalidez geral e pelo alcoolismo; e associar essas causas.

REVISÃO DA LITERATURA O trabalho tem duas dimensões. Na primeira, é representado como uma ação do ser humano sobre a natureza para satisfação de suas necessidades vitais, e na segunda, o trabalho vital e criativo é transformado em mercadoria e alienação, e a força de trabalho responde às necessidades do capital. Essa dialética configura a dupla face do trabalho, em seu aspecto qualificador, prazeroso e saudável, ou no aspecto desqualificador, explorador e causador de sofrimento(7- 8).

Hoje, o desemprego e a reorganização das empresas constituem uma situação- dilema a ser enfrentada pelo trabalhador para se adequar às novas regras do processo produtivo. Para lidar com o sofrimento no trabalho, o trabalhador busca estratégias de enfrentamento individuais e coletivas. O consumo de álcool, associado aos comportamentos sociais característicos dos trabalhadores, como confraternizações e encontros sociais após o horário de trabalho, é uma dessas forças de trabalho. Essa condição do trabalho viabiliza o adoecimento, podendo ser um fator condicionante para uso de álcool e de outras drogas(9).

Estudo realizado em um Serviço de Saúde do Trabalhador concluiu que o consumo de álcool, de alguma forma, pode ser uma estratégia coletiva de defesa, praticamente indissociável da profissão. Além disso, o alcoolismo pode ser um modo dos trabalhadores confrontarem a organização do trabalho(10). A própria ocupação desenvolvida pelo trabalhador pode ser considerada um fator de risco associado à etiologia multicausal do alcoolismo crônico.

Além da ocupação, outros fatores podem influenciar o consumo abusivo de álcool, como o trabalho no período noturno, a jornada de trabalho prolongada, o ambiente estressante e as atividades em que a tensão é constante, como no caso de bombeiros, caminhoneiros ou dos trabalhadores que permanecem muito tempo longe de suas casas, em plataformas de petróleo, por exemplo. Outras ocupações em que também pode haver um consumo aumentado de álcool são aquelas desprestigiadas pela sociedade ou que causam rejeição, como é o caso dos catadores de lixo, cuja possibilidade de ascensão profissional é restrita, fato que pode gerar sofrimento mental. Por outro lado, algumas ocupações consideradas de nível elevado também desencadeiam maior consumo de álcool, em razão de treinamento exaustivo e de relações interpessoais estressantes no trabalho(11-15).

O alcoolismo pode ser considerado uma doença do trabalho em profissões que exponham o trabalhador a um risco maior de abuso da bebida alcoólica(16). A facilidade de acesso ao consumo de bebida alcoólica em torno dos locais de trabalho também deve ser repensada pelo empregador.

Problemas relacionados ao uso e ao abuso do álcool podem levar à dependência, constituindo assim uma questão de saúde pública, principalmente quando produzem consequências indesejáveis na vida do indivíduo(9). Os problemas podem emergir em diversos contextos, inclusive no ambiente de trabalho, e podem ter como desfecho aumento dos acidentes de trabalho, queda de produtividade, absenteísmo, licenças prolongadas para tratamento de saúde ou de distúrbios relacionados ao abuso de álcool, aposentadorias precoces por invalidez etc.(9).

MÉTODO Este estudo foi realizado em um Serviço de Saúde do Trabalhador, onde são realizadas e arquivadas perícias médicas de aposentadorias por invalidez dos servidores de uma universidade pública. A população foi composta por todos os servidores aposentados por invalidez na universidade e registrados nesse serviço no período de 2000 a 2010. Foram excluídos os que solicitaram revisão para fins de reversão de aposentadoria. A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora, no período de junho a julho de 2011, no setor de Perícia Médica do Serviço, nos livros de registros de aposentadorias por invalidez. O formulário utilizado serviu como roteiro para a caracterização do perfil sociodemográfico e ocupacional dos trabalhadores e da doença pela qual o trabalhador foi aposentado por invalidez.

O desfecho dessa análise foi a doença que causou a incapacidade para o trabalho, segundo a Classificação Internacional de Doenças - 10 (CID - 10), que determina o tipo de aposentadoria por invalidez (proporcional ou integral). No caso do alcoolismo, apesar de ser um transtorno mental, o tipo de aposentadoria é por invalidez proporcional(17).

Após a coleta, os dados foram processados eletronicamente e analisados estatisticamente por meio do Programa EPI-Info versão 3.5.1. As análises univariadas e bivariadas foram feitas mediante estatística descritiva e apresentadas em tabelas. O teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado para avaliação da associação entre variáveis categóricas, sendo adotado o nível de 5% de significância estatística.

Para atender e cumprir as normas éticas determinadas pela Resolução 196/96, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery, sendo aprovada em 5 de junho de 2011, sob o protocolo 038/2011.

Também foi solicitada autorização da instituição que serviu em que os dados foram coletados.

RESULTADOS Na universidade pesquisada, 553 servidores foram aposentados por invalidez, 50 (9%) dos quais por alcoolismo. No período de 2002 a 2005 não houve variação do número total de casos de invalidez. Observaram-se, entretanto, aumento significativo entre 2001 e 2002 e queda em 2006 e em 2010 (Tabela_1). Em relação ao álcool, a queda mais significativa ocorreu entre 2002 e 2003 e o decréscimo manteve-se até 2010.

Tabela 1 Taxa de aposentadorias por invalidez geral e pelo alcoolismo dos servidores em uma universidade pública do Rio de Janeiro, 2000 a 2011. Rio de Janeiro-RJ, Brasil (n=553)  Taxa de Taxa de Número de Aposentados Aposentados por aposentadoria aposentadoria Ano funcionáriospor invalidez invalidez por invalidez por invalidez e geral* (n) alcoolismo (n) geral (por alcoolismo (por 1.000) 1.000) 2000 11.750 30 7 2,55 0,59 2001 11.893 39 9 3,28 0,76 2002 11.644 48 12 4,128 1,04 2003 11.474 57 3 4,971 0,27 2004 11.706 61 2 5,217 0,18 2005 11.900 58 2 4,877 0,17 2006 11.922 36 2 3,02 0,17 2007 11.895 51 5 4,29 0,42 2008 11.802 49 5 4,159 0,42 2009 12.074 44 1 3,649 0,08 2010 12.558 30 2 2,39 0,16 Média 11.886,8 47,3 4,3 3,98 0,36 Fonte: Divisão Saúde do Trabalhador da UFRJ/2011.

*Sem os servidores aposentados pelo alcoolismo.

O percentual de aposentadorias por invalidez foi de 4,3 para os servidores aposentados por invalidez, exceto pelo alcoolismo, ou seja, quatro servidores foram aposentados por invalidez a cada mil ativos. No ano de 2002, um servidor aposentou-se por invalidez pelo alcoolismo a cada mil.

Os transtornos mentais, com 26,6% dos casos, foram os que mais aposentaram por invalidez durante o período analisado, seguidos por neoplasias (15,6%), doenças do aparelho circulatório (14,3%) e doenças osteomusculares (14,1%). O alcoolismo foi a quinta causa de aposentadoria (9,0%) (Tabela_2). Juntos, o alcoolismo e os transtornos mentais totalizaram 35,6% dos casos de aposentadoria por invalidez.

Tabela 2 Morbidade dos servidores aposentados por invalidez em uma universidade pública do Rio de Janeiro, no período de 2000 a 2011. Rio de Janeiro-RJ, Brasil (n=553)  Doenças n % Doenças infecciosas e parasitárias 15 2,7 Neoplasias malignas 86 15,6 Doenças endócrinas 12 2,2 Transtornos psiquiátricos 147 26,6 Alcoolismo 50 9,0 Doenças do sistema nervoso 29 5,2 Doenças oftalmológicas 18 3,3 Doenças do aparelho circulatório 79 14,3 Doenças do aparelho respiratório 3 0,5 Doenças do aparelho digestivo 6 1,1 Doenças osteomusculares 78 14,1 Doenças do aparelho geniturinário 9 1,6 Malformações congênitas 1 0,2 Sintomas, sinais e achados anormais 1 0,2 Lesões de causas externas (traumatismo) 19 3,4 Total 553 100,0 Fonte: Divisão Saúde do Trabalhador da UFRJ/2011.

Na Tabela_3, verifica-se que as aposentadorias por invalidez geral e por alcoolismo, segundo a CID-10, apresentam significância estatística na maioria dos itens.

Tabela 3 Perfil sociodemográfico, ocupacional e tipo de aposentadoria dos servidores aposentados por invalidez em uma universidade pública do Rio de Janeiro, no período de 2000 a 2011. Rio de Janeiro-RJ, Brasil (n=553)  Aposentadoria Aposentadoria Variáveis por invalidez por alcoolismo Valor de p geral n % n % Sexo            Feminino 308 61,2 7 14,0 0,001  Masculino 195 38,8 43 86,0   Faixa etária (anos)         0,001  30 a 60 415 82,5 50 100,0    >60 88 17,5 - -   Situação conjugal*(534)         0,258  Casado 242 49,8 28 58,3    Solteiro/divorciado/viúvo 244 50,2 20 41,7   Categoria por cargo*(n=552)         0,001  Técnico administrativo (apoio e 371 73,8 48 98,0   intermediário)  Técnico administrativo (superior e 132 26,2 1 2,0   docente) Tipo da aposentadoria         0,001  Proporcional 239 47,5 45 90,0    Integral 264 52,5 5 10,0   Fonte: Divisão Saúde do Trabalhador da UFRJ/2011.

*Sem os ignorados.

Dos 553 servidores aposentados do estudo, 308 (61,2%) eram mulheres e aposentaram-se por invalidez geral. Em relação aos homens, o maior percentual de aposentadorias por invalidez deveu-se ao alcoolismo (n=43; 86,0%, com p<0,001). Em relação ao estado civil, apesar da variável não ter apresentado significância estatística, foram observadas diferenças importantes, pois 244 (50,2%) mulheres solteiras aposentaram-se por invalidez geral e 28 (58,3%) homens casados, pelo alcoolismo. No tocante às categorias por cargo, os técnico-administrativos de apoio e intermediário apresentaram maiores proporções de aposentadoria, tanto por invalidez geral (73,8%) quanto por alcoolismo (98,0%; com p<0,001).

Considerando a prevalência do tipo de aposentadoria por invalidez, se integral ou proporcional, verificou-se que 264 (52,5%) servidores do estudo aposentaram- se integralmente por outras causas e 5 (10%) por alcoolismo (p<0,001), enquanto que, na aposentadoria proporcional, o alcoolismo foi o motivo em 45 (90%; p<0,001). Tendo em vista a relação entre a aposentadoria por invalidez geral e por alcoolismo e o local de trabalho onde o servidor estava lotado, os maiores percentuais foram verificados nos hospitais, tanto para aposentadoria por invalidez geral (n=226; 44,9%), quanto para o alcoolismo (n=14; 28%). (Tabela 4).

Tabela 4 Distribuição das aposentadorias por invalidez geral e por alcoolismo de servidores aposentados por invalidez entre os centros universitários de uma universidade pública do Rio de Janeiro, no período de 2000 a 2011. Rio de Janeiro-RJ, Brasil (n=553)  Aposentadoria Aposentadoria Centro universitário Total n (%) invalidez por alcoolismo geral n=503 n n=50 n (%) (%) Centro de Ciências da Saúde 99 (17,9) 89 (17,7) 10 (20,0) Centro de Ciências Jurídicas e 10 (1,8) 10 (2,0) - (-) Econômicas Centro de Ciências Matemáticas e da 38 (6,9) 33 (6,6) 5 (10,0) Natureza Centro de Filosofia e Ciências 21 (3,8) 20 (4,0) 1 (2,0) Humanas Centro de Letras e Artes 24 (4,3) 20 (4,0) 4 (8,0) Centro de Tecnologia 22 (4,0) 18 (3,6) 4 (8,0) Fórum de Ciência e Cultura 13 (2,4) 12 (2,4) 1 (2,0) Reitoria 78 (14,1) 68 (13,5) 10 (20,0) Hospitais 240 (43,4) 226 (44,9) 14 (28,0) Ignorados 8 (1,4) 7 (1,4) 1 (2,0) Total 553 (100,0) 503 (91,0) 50 (9,0) Fonte: Divisão Saúde do Trabalhador da UFRJ/2011.

DISCUSSÃO A identificação dos fatores que resultaram nas aposentadorias por invalidez constituiu um importante avanço, posto que possibilita a implementação de intervenções das políticas de promoção e proteção à saúde do trabalhador.

Os resultados demonstraram elevada prevalência de aposentadoria pelo alcoolismo entre os trabalhadores do sexo masculino, técnico-administrativos de apoio e intermediário e aqueles que trabalhavam nos hospitais universitários. A amostra apresentou percentual de aposentadoria por invalidez motivada pelo alcoolismo (9%) semelhante ao de outros estudos nacionais(5,17-19).

Na série histórica da concessão anual de aposentadoria por invalidez, observou- se taxa de aposentadoria elevada em relação a outros estudos, sendo duas vezes maior que a encontrada em investigação realizada no município do Rio de Janeiro e quatro vezes maior que a mencionada em pesquisa semelhante realizado em uma universidade de Minas Gerais (5,20). Também chama atenção a predominância de transtornos mentais, neoplasias, doenças do aparelho circulatório e osteomusculares. Esse quadro pode se agravar ainda mais com o aumento do envelhecimento populacional, a redução da mortalidade precoce e também com a prevalência das doenças crônicas, resultando em maior número de concessões de aposentadorias por invalidez(16-20).

Durante o período pesquisado, verificou-se que o alcoolismo foi a primeira causa de aposentadoria entre os transtornos mentais, representado 9% do total das aposentadorias por invalidez. No estudo realizado no município do Rio de Janeiro, o álcool foi a terceira causa de aposentadoria entre os transtornos mentais. Tais resultados mostram a importância dos problemas decorrentes do consumo abusivo de álcool, questão esta geralmente minimizada pela sociedade (5,20).

No primeiro levantamento do padrão de consumo de álcool, realizado em 2007, foi identificado que a ingestão de bebidas alcoólicas é um dos principais fatores de doença e mortalidade, correspondendo a 8 a 14,9% de todos os problemas de saúde. O resultado desse levantamento apontou que a maioria era abstêmia e o restante tinha problemas relacionados ao consumo de álcool, indo do padrão de consumo de risco, passando pelo nocivo até a dependência(14).

Muitos pacientes que consomem álcool de maneira abusiva ou dependente são tratados inadequadamente no sistema de saúde público e privado, em razão da falta de um diagnóstico de alcoolismo, que, na maioria das vezes, os profissionais de saúde não reconhecem a doença alcoólica e tratam esses indivíduos como pertencentes apenas à área da saúde mental(9). As complicações desses pacientes ocorrem nas emergências ou nos hospitais gerais, com doenças degenerativas graves, secundárias ao abuso ou à dependência do álcool(9).

Além disso, uma descrença na possibilidade de melhora dos pacientes em relação aos problemas relacionados ao uso de álcool. A abordagem na área de prevenção e promoção do consumo nocivo e abusivo de álcool raramente é colocada em prática nos serviços de saúde, nos quais se abordam, em sua maioria, pacientes dependentes do álcool(9-10).

O consumo elevado de álcool diminui o desempenho do trabalhador, o que resulta no aumento do desemprego e baixo rendimento, em comparação com o uso em menor quantidade e frequência. Esse consumo acarreta problemas no processo de trabalho, principalmente no âmbito da organização do trabalho, como: risco aumentado de absenteísmo, aposentadoria precoce e licenças médicas frequentes; diminuição da produtividade; rotatividade de funcionários; dificuldades de relacionamento entre os colegas; e diminuição da motivação na empresa(3- 4,9,11,20) As perturbações mentais pelo uso de álcool são a quinta causa de anos de vida ajustados por incapacidade (AVAI), com 3% na faixa etária de 15 a 44 anos. Essa carga inclui danos físicos (como cirrose) e lesões (como, por exemplo, lesões por acidentes) imputáveis ao álcool(3).

Em 2001, a Organização Mundial de Saúde (OMS) mostrou que 3 a 5% da população ativa eram dependentes do álcool e que 25% eram bebedores pesados, resultando em prevalência alta de acidentes de trabalho mortais (em torno de 25% nos últimos 10 anos) por causa do estado de embriaguez dos trabalhadores. O relatório da OMS indicava que os consumidores de álcool tinham duas a quatro vezes mais probabilidade de sofrer acidentes de trabalho e que entre eles o absenteísmo era duas a três vezes maior que o de outros trabalhadores(5).

Alguns estudos demonstraram que os homens representam maior percentual de aposentadorias por invalidez. Contrariando essa tendência, o presente estudo identificou predominância das mulheres. O crescimento da aposentadoria de mulheres pode está relacionado à crescente inserção da mulher no mercado de trabalho e a determinadas exposições antes enfrentadas apenas pelos homens.

Vale ressaltar que a inserção progressiva da mulher no mercado de trabalho não tem desobrigado as mulheres de suas funções tradicionais, o que implica acúmulo de tarefas e maior desgaste físico e mental, além dos riscos ocupacionais (16,18,20).

Ainda no tocante ao sexo dos aposentados, embora tenha sido identificado um número superior de mulheres aposentadas por invalidez, no entanto, os homens foram os que tiveram a maior proporção de aposentadorias por alcoolismo. Para análise dessas aposentadorias, é importante verificar o quanto os fatores de proteção ou de risco podem ter atuado sobretudo na prevenção de agravos à saúde do trabalhador.

Outro estudo mostrou prevalência de alcoolismo duas vezes maior no sexo masculino. O uso de bebida alcoólica pode estar associado à virilidade e ao trabalho, como nas confraternizações das empresas, sendo possível justificar assim essa diferença. A maioria das pessoas inicia o consumo na adolescência, com redução a partir dos 30 anos. Aqueles que continuam consumindo álcool acumulam problemas a ele relacionados e, com frequência, tornam-se dependentes, confirmando, assim, o resultado encontrado neste estudo(5,9).

A faixa etária dos aposentados por invalidez mostrou predominância do intervalo de idade de 30 a 60 anos. Tal situação confirmou uma característica das aposentadorias por invalidez, no qual os indivíduos se aposentam por doenças incapacitantes que os acometem durante a vida profissional(16-20).

Os trabalhadores economicamente ativos cada vez mais se ausentam do trabalho por apresentar problemas relacionados à sua saúde. Esse fato revela-se um grave problema, visto que os afastamentos das atividades laborais provocam repercussões em vários âmbitos da sociedade e da vida do indivíduo, que vão desde os âmbitos econômicos e sociais até físicos e psicológicos, além de se refletir no aumento dos gastos públicos da previdência(16).

Alguns grupos populacionais são considerados mais vulneráveis ao álcool, como os de baixa escolaridade. Pobreza e desemprego também figuram entre as variáveis de risco. O álcool segue sendo a droga mais consumida socialmente e mais frequentemente considerada "de risco" e a dependência do álcool é mais alta em adultos jovens e naqueles com níveis intermediários de educação e de renda(6,16-17).

Em relação à associação entre o perfil ocupacional e a aposentadoria, os resultados mostraram que os cargos técnico-administrativos de apoio e intermediários apresentaram maior frequência de alcoolismo associado a outras morbidades. Outros estudos também evidenciaram que ocupações de nível técnico resultam em frequência aumentada de aposentadorias, por serem menos prestigiadas, com menor possibilidade de ascensão e qualificação profissional restrita, podendo gerar sofrimento mental e levando a um padrão de consumo nocivo do álcool e culminando em aposentadorias precoces(17).

Neste estudo, parte representativa dos servidores foi aposentada por invalidez por alcoolismo com proventos proporcionais, indicando que não apresentavam doenças associadas ao alcoolismo previstas em lei para os proventos integrais.

Os centros universitários que apresentaram maior percentual de aposentadorias por invalidez, tanto por alcoolismo quanto por outras causas, foram os hospitais, seguidos do Centro de Ciências da Saúde. Esse resultado pode ser justificado pelo fato de essas duas unidades apresentarem maior efetivo de servidores na universidade; além disso, essas unidades, sobretudo os hospitais, estavam passando por períodos delicados, principalmente com problemas na infraestrutura (implosão de parte do hospital, prédios antigos sem reforma).

Além disso, havia problemas no dimensionamento de pessoal, o que levava à sobrecarga dos profissionais dessas unidades.

O contexto do abuso de substâncias é multicausal e deve ser analisado na dimensão do trabalho humano, tanto do ponto de vista das consequências do uso como do abuso, pois as relações e ações do trabalho podem ser afetadas. A própria participação na organização e no desenvolvimento do trabalho são elementos capazes de participar na complexa determinação da farmacodependência (17).

O processo de trabalho e sua relação com a saúde são objetos de atuação da Vigilância em Saúde do Trabalhador, cujas ações podem incidir sobre os riscos ocupacionais e de adoecimento relacionados ao trabalho. Os próprios trabalhadores podem contribuir com seus saberes, para aumentar a compreensão do impacto do trabalho sobre processo saúde-doença(17,20).

É importante pensar em estratégias de promoção da saúde e prevenção específica, capazes de oferecer aos trabalhadores a oportunidade de evitar o surgimento de maiores agravos e até mesmo de aposentadorias precoces(9).

Este estudo contribui, portanto, para que os enfermeiros do trabalho reflitam sobre sua prática assistencial nos serviços de saúde do trabalhador, na perspectiva do diagnóstico e das intervenções. Isso porque a promoção da saúde e a prevenção dos agravos causados pelo álcool podem reduzir as aposentadorias por invalidez por alcoolismo.

CONCLUSÃO Atualmente, a bebida alcoólica é considerada a principal droga lícita, cujo consumo é fortemente incentivado. Talvez por isso ela tenha sido bem representada neste estudo no ranking de causas de aposentarias.

Os perfis social e ocupacional dos servidores aposentados por invalidez na universidade pelo alcoolismo representam um subsídio importante para que Serviço de Saúde do Trabalhador investigue e auxilie no planejamento de ações voltadas para sua saúde, possibilitando melhor fundamentação das políticas de promoção e proteção à saúde do trabalhador dessa universidade.

A predisposição de algumas funções a determinadas patologias mostrou que o processo de trabalho deve ser estudado, repensado e discutido com gerentes e especialistas. Deve haver também uma proposta efetiva de agenda preventiva destinada aos servidores em pleno exercício da função.

Deve ser incentivada a realização de outros estudos sobre os processos laborais dos servidores públicos, com revisão de jornadas de trabalho, diminuição de horas de trabalho e melhor distribuição dos recursos humanos, condições reais de trabalho (materiais, organizacionais e outros parâmetros, como segurança interna e de acesso ao trabalho e tentativa de lotação de servidores o mais próximo possível de suas residências). Também devem ser incentivados os trabalhos de identificação precoce do uso abusivo do álcool por meio da verificação do padrão de consumo entre os trabalhadores atendidos no Serviço de Saúde do Trabalhador, associado a seu perfil sociodemográfico e ocupacional, viabilizando estratégias de promoção, prevenção e acompanhamento da saúde por meio de ações capazes de intervir no processo de adoecimento do servidor, tanto no aspecto individual, quanto nas relações coletivas no ambiente de trabalho.

Ações voltadas para o enfrentamento do problema do uso abusivo de álcool por trabalhadores devem ser desenvolvidas num contexto participativo, descentralizado e resolutivo, rompendo com o paradigma de medicalização dos processos envolvendo trabalho e saúde, avançando rumo a compreensão ampla e solidária das questões envolvidas nesse campo. A identificação de riscos deve envolver, necessariamente, o olhar do próprio trabalhador acerca das condições que considera como perigosas ou facilitadoras do uso abusivo de substâncias, além de contar com a participação do grupo familiar, de gestores e líderes e da sociedade como um todo.

A assessoria prestada pelo enfermeiro do trabalho nos vários segmentos é fundamental. O enfermeiro do trabalho, pelas características integradoras do trabalho da enfermagem, torna-se elemento relevante no contexto das equipes em Saúde do Trabalhador, pois reúne a formação adequada para desenvolver ações de promoção de saúde e redução de consumo de álcool entre os trabalhadores, tendo uma visão ampliada e entrelaçada à investigação, ao diagnóstico e à implementação de ações para a manutenção da saúde - sempre respeitando a subjetividade do indivíduo(17).

Sua atuação contempla a integração com as ações desenvolvidas nos programas de saúde ocupacional, nos serviços privados e públicos, a fim de possibilitar o desenvolvimento de programas de redução do consumo de álcool para o trabalhador, de maneira individualizada, mas sempre relacionada com a patologia em evidência no ambiente de trabalho. Além disso, o enfermeiro deve avaliar e fiscalizar as ações implementadas para a redução do consumo de álcool no trabalho(18).

Essas ações devem estar descritas em uma política institucional, mediada por gestores sensibilizados pela necessidade de intervir nessa problemática, a fim de reduzir custos com licenças médicas prolongadas, perda da produtividade, acidentes de trabalho e presenteísmo. Ou seja, com disposição para regular o processo de trabalho e as ações de vigilância em saúde do trabalhador e para atuar na prevenção de doenças e na promoção da saúde dos trabalhadores.


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