Determinantes biopsicossociais do processo de inclusão laboral da pessoa
estomizada
INTRODUÇÃO
O interesse em pesquisar a inclusão laboral das pessoas com estoma iniciou-se
durante prática profissinal em uma unidade cirúrgica, onde se observou o quanto
os estomizados indagavam a respeito de seu processo de reabilitação,
destacando-se o retorno ao trabalho.
A presença de um estoma determina inúmeras mudanças na vida dos indivíduos,
pois, além da alteração da imagem corporal, da perda do controle das
eliminações e da necessidade do uso de equipamentos coletores de fezes e/ou
urina, existe o medo constante de não poder retomar as atividades de vida
diária anteriores ao estoma. Esta problemática de saúde pode levar tais pessoas
ao isolamento social, comprometimento financeiro negativo e ao sofrimento
psicológico(1-5).
A inclusão no mundo do trabalho é um dos aspectos importantes na reabilitação
do estomizado, principalmente naquelas pessoas com estomias definitivas e que
se encontram na chamada "idade produtiva". Poder engajar-se em atividades que
lhes possibilitem voltar às atividades laborais é essencial para recuperação da
autoestima e superação de preconceitos, pois o trabalho faz o ser humano
sentir-se útil e inserido no grupo, além de trazer o sustento financeiro,
indispensável para sua sobrevivência e de sua família(1,6-7).
No capitalismo, a inclusão social se processa através do trabalho, o qual
estabelece um elo entre o crescimento econômico e o bem-estar material das
famílias. O cenário mundial e nacional representam atualmente um universo
laboral marcado por um processo de precarização do trabalho, representado pelo
desemprego, informalidade e estagnação da renda(8). Para a pessoa com
deficiência, representada neste estudo como a estomizada, incluir-se neste
cenário torna-se mais difícil, pois além de conviverem com os medos referentes
a esta precarização, possuem mudanças físicas, sociais e psicológicas
importantes, que podem resultar em empecilhos para seu retorno ao labor.
Diante desta problemática apresentam-se como objeto do estudo os determinantes
biopsicossociais do cliente estomizado que facilitam e/ou dificultam sua
inclusão laboral. Os objetivos traçados foram: identificar e analisar as
dificuldades e facilidades dos estomizados para inclusão no mundo de trabalho.
A Saúde do Trabalhador é um campo do conhecimento que tem como objetivo
entender as relações entre o trabalho e os processos de saúde/doença. No
Brasil, apenas em dezembro de 2004, ocorreu a criação da Política Nacional de
Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST) que definiu as diretrizes,
responsabilidade institucionais, mecanismos de financiamento, gestão e controle
social que passaram a orientar todos os planos de trabalho e ações
intersetoriais(9-10).
Dentre os aspectos mais complexos relacionados à Saúde do Trabalhador,
encontram-se a reabilitação profissional. A pessoa com deficiência,
representada neste estudo pelos clientes estomizados, buscará em muitos
momentos, retornar às atividades laborais, readaptando-se e buscando novas
ocupações, que não prejudiquem sua saúde.
Para a pessoa com deficiência retornar às atividades laborais, é imprescindível
que ela passe por um processo de avaliação que definirá se possui condições de
retornar a mesma atividade exercida anteriormente. Caso não haja esta
possibilidade, o indivíduo deve ser encaminhado a um Programa de Reabilitação
Profissional que determinará, juntamente com o empregador, postos de trabalhos
adequados às suas limitações. Reforça-se que as empresas devem possuir
condições físicas adequadas para as pessoas com deficiência, assim como uma
política de acolhimento, ao passo que sua condição de saúde não possa ser
prejudicada pelo novo emprego ou ocupação(11).
Torna-se evidente que a pessoa com estoma, de acordo com a Política de Saúde do
Trabalhador, incluindo-se nesta perspectiva, a questão da reabilitação
profissional, tem direito ao retorno às suas atividades laborais, em condições
adequadas à sua nova condição física e limitações. Essa pessoa também está
respaldada legalmente pela Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência(12), que determina criação de cotas empregatícias nas
empresas privadas e destina percentuais de vagas em concursos públicos para
estes indivíduos.
Acredita-se que estudos como este contribuirão para o processo de reabilitação
das pessoas com estoma, incentivando-os a retornarem às atividades laborais,
adaptadas à sua nova condição de saúde. Auxiliarão na compreensão dos amigos,
cuidadores e familiares dos estomizados de que eles estão aptos a retornarem
para suas atividades de vida diária, destacando-se o trabalho; assim como
servirão de fonte de consulta para os profissionais de saúde, principalmente na
área da Saúde do Trabalhador e Estomaterapia, reforçando a importância do
processo de inclusão laboral desta clientela.
METODOLOGIA
O estudo foi do tipo descritivo-exploratório, de natureza qualitativa. A
pesquisa descritiva procura alinhavar as características de uma população ou
fenômeno, levantando opiniões, atitudes e crenças de um determinado grupo,
possuidor de características comuns. A respeito das pesquisas exploratórias,
elas são desenvolvidas com temas ainda pouco explorados, objetivando uma visão
mais geral sobre o tema, com a finalidade desenvolver, esclarecer e modificar
conceitos e ideias(13).
A opção pela pesquisa qualitativa permeia a busca pelo subjetivo, pelo relato
das experiências e das relações humanas, pelo mundo dos significados, pois
enfatiza a compreensão da experiência humana vivenciada, concentrando-se nos
aspectos dinâmicos, holísticos e individuais dos fenômenos, tentando capturá-
los em sua totalidade, dentro do contexto dos que o experimentam(13).
O cenário da pesquisa foi um Instituto Municipal de Medicina Física e
Reabilitação, localizado no Rio de Janeiro-RJ, que conta com serviço de
referência a clientes estomizados, possuindo um Programa de Atenção à Pessoa
Portadora de Ostomia.
Participaram do estudo vinte clientes, portadores de estomia definitiva, entre
35 e 62 anos, que foram trabalhadores em algum momento de suas vidas, que não
possuíam complicações de saúde as quais os impedissem de exercer atividades
laborais, e que tiveram interesse em participar do estudo, devido ao seu
caráter voluntário, adequado aos procedimentos éticos.
A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a março de 2010, no período da
manhã, por meio de uma entrevista semiestruturada, gravada em um aparelho de
MP4. Antes de se iniciar as entrevistas, o projeto foi encaminhado para
apreciação e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal
de Saúde da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, através do qual se
obteve parecer favorável sob nº 274ª/2009. Aos sujeitos do estudo foi fornecido
um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o qual explicava os
objetivos e a relevância do estudo, além de outras informações importantes para
atender as Resoluções 196/1996 e 466/2012 do Ministério da Saúde, que trata dos
procedimentos de pesquisas com seres humanos. Posteriormente, esse termo foi
assinado em duas vias, pelos sujeitos e pela pesquisadora, antes do início da
coleta dos dados.
Cabe informar que, para assegurar o anonimato dos sujeitos da pesquisa, foi
criada uma codificação, na qual se inseriu a letra "E" fazendo alusão à palavra
"entrevista", seguida por números cardinais, de um a vinte, indicando a
ordenação em que os sujeitos foram entrevistados.
Para análise dos dados utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo, baseada em
Bardin, a qual preconiza o desenvolvimento de três etapas a fim de tratar os
dados coletados: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos
resultados por meio de inferência e interpretação(14). As 482 unidades de
registro identificadas na entrevista foram agrupadas em seis pré-categorias,
que originaram a Categoria Empírica: O estomizado e sua problemática
biopsicossocial.
Ressalta-se que a metodologia empregada mostrou-se apropriada para atingir os
objetivos e apreender o objeto apontado, pois a inclusão laboral das pessoas
com estoma é ainda um tema pouco explorado, que necessita ser estudado e
aprofundado, para abrir caminhos a novas pesquisas na área.
RESULTADOS
Caracterização dos sujeitos
A caracterização dos sujeitos do estudo foi: 11 (55%) eram do sexo feminino; 14
(70%) possuíam menos de 60 anos; 10 (50%) tinham ensino fundamental incompleto,
o que indica uma baixa escolaridade na maioria dos clientes; 14 (70%) eram
casados; 11 (55%) tinham renda familiar de 1 a 2 salários mínimos.
Em relação aos empregos anteriores à existência do estoma, verificou-se que os
sujeitos atuavam em diversas áreas, tendo como maior representatividade o
trabalho doméstico (10%), ou seja, o Setor Serviço. Constatou-se também que as
referidas ocupações requeriam pouca qualificação, o que está em consonância com
o nível de escolaridade apresentado anteriormente. Identificou-se uma grande
representatividade de sujeitos que ainda trabalham informalmente (15 (75%)),
sejam eles aposentados por invalidez ou recebedores de auxílio-doença.
Em relação ao tempo de estomizado, verificou-se que variou de 1 a 24 anos,
sendo que o principal motivo que levou ao estoma foi o Câncer Colorretal (11
(55%)). A presença de complicações no estoma acometeu 7 (35%) dos clientes em
algum momento, destacando-se irritação na pele periestoma (2 (30%)). Destaca-se
que no momento das entrevistas, estes estomizados não possuíam complicação
alguma que os limitassem em relação à inclusão laboral.
Após a apresentação acerca da caracterização dos sujeitos, optou-se por expor
os resultados referentes à categoria emergida a partir da aplicação da técnica
de análise temática de conteúdo.
O estomizado e sua problemática biopsicossocial
Considerou-se importante apresentar os sentimentos dos sujeitos com relação à
existência do estoma em seu corpo, pois este foi um discurso muito recorrente e
impactante em suas falas.
A presença do estoma desperta sentimentos positivos, negativos e de aceitação
nos clientes estomizados, representados pela possibilidade de continuação da
vida, pelas dificuldades inerentes à perda do controle esfincteriano, e pela
adaptação, frente à sua condição de saúde, como identificado nos depoimentos:
O que interessa é estar vivo. (E 3)
É melhor ter a colostomia do que morrer. (E 7)
Porque uma colostomia é um meio de você ter uma vida nova, de
reconstruir a vida, de estar com a família, de continuar com meus
planos. (E 16)
A gente vai sobrevivendo porque colostomizado é horrível, é a pior
coisa que tem pra mim. (E 7)
O estoma é uma coisa muito constrangedora, a gente se sente
inferiorizada, a gente se sente diferente. (E 12)
Vou seguindo a vida normal, eu já me acostumei, me adaptei para falar
a verdade. (E 3)
Eu estou acostumado, eu não ligo mais. Estou bem. (E 6)
A seguir expõem-se os fatores facilitadores e dificultadores para o retorno e /
ou manutenção dos estomizados no mundo do trabalho, relacionados aos âmbitos
físicos e psicossociais, exemplificados com alguns depoimentos desta clientela.
As principais dificuldades encontradas pelos estomizados para retornarem ao
trabalho, relacionadas ao âmbito físico/ biológico incluíram:
a) esforço físico no trabalho:
Agora em relação às dificuldades para o trabalho, tem o esforço
físico. Eu como não tenho uma profissão, não tenho estudo, tenho que
trabalhar braçal mesmo, aí não tem como fazer, tenho que pegar peso.
(E 2)
b) as alterações na pele periestoma;
c) dificuldades inerentes à perda do controle esfincteriano:
Porque nós que estamos estomizados, nós não temos mais o controle
não, toda hora você está evacuando, a bolsinha está enchendo, e você
tem que ficar esvaziando. (E 5)
d) presença de odor, gases, volume e diarreia:
Assim, você estar no meio do povo e o odor que sai e você no meio do
público. (E 2)
Porque quando você solta gases, deixa o odor. Como você vai se
comportar? (E 5)
e) exposição a altas temperaturas.
Ainda em relação às dificuldades físicas e biológicas para inclusão laboral dos
estomizados destacam-se:
f) dificuldades de higienização do estoma e banheiros inapropriados:
A maior dificuldade, eu acho que é a higiene que você sempre tem que
estar fazendo, entendeu? Porque você em casa, você já tem uma higiene
já mais tranquila, agora você trabalhando, você não vai ter aquela
higiene que você tem em casa. (E 5)
Dificuldade é na hora de ir ao banheiro, na hora da troca do
material, estando num lugar público, é muito difícil, porque a gente
não encontra um banheiro adequado. (E 8)
g) alterações físicas não relacionadas ao estoma;
h) problemas de adaptação em relação ao material oferecido (equipamentos
coletores); e
i) a falta de disponibilização governamental de equipamentos coletores e
adjuvantes em quantidade e qualidade adequados:
E aqui, pelo governo, não vem o carvãozinho, você tem que comprar, um
carvão desse são 3 reais, uma cartela com 10 dá 30 reais. Não dá. (E
5)
Às vezes acontece de não ter bolsa como já ocorreu, a gente ter que
comprar.(E 11)
Sobre as dificuldades psicossociais, verificou-se que elas centraram-se:
a) no isolamento social e na discriminação sofrida nos ambientes laborais:
Assim, em relação à dificuldade, eu acho que seria o isolamento
social, assim você estar no meio do povo, e sente que está fendendo.
(E 2)
Eu acho que a maior dificuldade é o preconceito, principalmente o
preconceito leva as pessoas a se afastarem das outras. (E 16)
b) nas dificuldades com transportes para chegarem ao trabalho;
c) na impossibilidade de retornarem à atividade exercida antes do estoma:
Não posso trabalhar de diarista como eu trabalhava, não posso fazer
aquela faxina que eu fazia. (E 1)
Não posso mais trabalhar como pedreiro. (E 4)
d) no desconhecimento da sociedade em relação ao que é ser uma pessoa
estomizada:
Voltar ao trabalho é difícil porque atrapalha um pouco as pessoas que
não estão acostumadas com isso, acham que somos problemáticos. (E 6)
As pessoas não têm consciência, pois não sabem o que a gente tem, aí
fazem uma porção de ideias erradas. (E 10)
e) na inflexibilidade e na falta de condições dignas no trabalho:
E a gente assim, trabalhando fora, dependendo do serviço fica muito
tempo em pé, ou muito sentada, eu acho que não fica legal. Na minha
casa eu trabalho com artesanato, eu fico sentada, meia hora levanto,
vou ao banheiro, eu faço o que eu quero, eu fico livre! E trabalhando
fora eu não vou ter esse privilegio. (E 10)
f) na deficiência de qualificação profissional apresentada pelos sujeitos.
Nessa categoria, ao se discutir também as principais condições favoráveis ao
retorno do estomizado ao trabalho, foram lembradas as seguintes:
a) aquisição de um trabalho leve e sem exposição ao calor, citados em 8
entrevistas, representando 27 Unidades de Registro;
b) trabalho flexível, que lhes garanta a possibilidade de irem constantemente
ao banheiro, e às consultas com a equipe multidisciplinar;
c) presença de banheiros e de condições de higiene apropriadas:
Deveria ter um banheiro só para nós, para evitar problemas. (E 6)
Desde o momento que você sai para trabalhar fora, tem que ser um
local onde você possa usar o banheiro com tranquilidade. (E 8)
Outros fatores importantes que emergiram foram:
a) a aceitação e adaptação à condição de estomizado; e
b) o conhecimento a respeito do funcionamento mais controlado e regrado do
estoma, mesmo com a realidade da incontinência.
DISCUSSÃO
A caracterização dos sujeitos da pesquisa evidenciou alguns fatores que
predispunham ao retorno destas pessoas ao mundo do trabalho: idade inferior aos
60 anos em 70% (14) dos casos; arranjo familiar com mais de um indivíduo
residindo com o estomizado; pouco número de trabalhadores que proviam o lar
financeiramente e baixa renda familiar. Assim, esses fatores quase que os
impeliram financeiramente a complementar a renda familiar, exercendo atividades
laborais, além do recebimento de benefícios governamentais.
Os sentimentos positivos em relação à confecção do estoma centram-se na questão
da sobrevivência, da manutenção da vida, de poder continuar projetos e, nessa
perspectiva, pode-se aludir à questão do trabalho, ou não, mas é possível que
essas pessoas, por estarem inseridas em uma sociedade capitalista, produtiva,
valorizem e queiram retomar suas atividades laborais, sem contar que o estoma é
identificado como uma possibilidade de cura da sua patologia de base(15).
Os sentimentos negativos em relação ao estoma abrangem todas as dificuldades
ocasionadas na vida dos sujeitos, destacando-se a perda do controle
esfincteriano e a dependência do equipamento coletor, que trazem desconforto e
incômodo, podendo levar ao sofrimento e à sensação de mutilação(16).
O sentimento de aceitação do estoma, presente nas falas de seis estomizados,
demonstra que alguns sujeitos convivem relativamente bem com o mesmo e tentam
vencer os obstáculos que aparecem em seu cotidiano, revelando adaptação frente
à sua nova condição de vida e apontando para um processo de reabilitação
consolidado ou em vias de consolidação, o que favorece a inclusão social, e no
trabalho.
Depreende-se, através dos relatos, que a adaptação pode ocorrer com o tempo,
sendo normal que os clientes estomizados desenvolvam estratégias de
enfrentamento em relação a estar estomizado e passem a lidar mais
tranquilamente com os problemas e modificações cotidianas, reforçando, porém,
que esse período de aceitação varia de indivíduo para indivíduo(17).
A restrição em relação ao excesso de esforço físico é apontada como importante
agente dificultador da inclusão laboral pelos sujeitos do estudo, pois devido
aos baixos índices de escolaridade, alguns exerciam anteriormente atividades
associadas à elevação de grande quantidade de peso. O retorno do estomizado a
este tipo de atividade laboral pode ocasionar alterações negativas em sua
saúde, causando complicações no estoma, como a hérnia e prolapso, quando
associadas à ausência de demarcação do local do estoma no período pré-
operatório(3).
Reforça-se que os sujeitos sabem de suas limitações em relação aos esforços
físicos e tentam evitá-los. Porém, essa limitação acarreta dificuldade de
encontrar empregos, e até mesmo faz com que a pessoa estomizada perca emprego/
trabalho. Logo, enfatiza-se que é necessária a criação de novas oportunidades
aos estomizados, as quais estejam adequadas às suas condições de saúde, pois
uma das metas principais do processo de reabilitação da pessoa com deficiência
é o não agravamento de sua limitação(18).
As dificuldades para retornar ao trabalho também foram relacionadas à
existência de complicações no estoma, especialmente na pele periestoma. É
importante destacar que essas alterações cutâneas relacionam-se, inúmeras
vezes, a cuidados inadequados de higiene; às características da pele de cada
cliente; à confecção do próprio estoma (a técnica cirúrgica empreendida); e à
não adaptação correta do dispositivo coletor que fica solto, ocasionando
contato da pele íntegra diretamente com as fezes; ou a própria cola da placa,
que pode causar irritação na pele(1,15).
A perda do controle esfincteriano, associada à presença de odor, gases, volume
elevado de efluente e diarreia são considerados por alguns estomizados do
estudo como grandes dificultadores de retorno ao trabalho, pois, a qualquer
momento, as fezes podem encher a bolsa coletora, ocasionando vazamento e
constrangimentos diversos. Ou, se não, ele terá de ir ao banheiro
sistematicamente para esvaziar o equipamento coletor, o que pode gerar
aborrecimento do empregador. Logo, muitos preferem isolar-se, para evitarem o
preconceito social.
Alguns dos sujeitos citaram como dificuldade o fato de retornarem para empregos
que os expunha a altas temperaturas, e os ambientes de trabalho não possuíam
climatização adequada. O ideal para o cliente estomizado é trabalhar em um
local ventilado, e em profissões que evitem a exposição do estoma à temperatura
elevadas, pelo alto risco de prejuízo à sua integridade física, levando a
queimaduras locais, e até mesmo, como citado anteriormente, à dermatite local,
além do risco de desidratação.
Destaca-se nos relatos a grande dificuldade que o estomizado encontra estando
fora de seu ambiente doméstico para higienizar-se. Para que os clientes com
necessidade especiais retornem ao trabalho, é necessário que o ambiente laboral
esteja adaptado às suas limitações, logo banheiros apropriados deveriam existir
nas empresas, e também nos locais públicos, o que evitaria grandes
constrangimentos para esses trabalhadores.
Os problemas referentes a adequação e uso dos equipamentos coletores e
adjuvantes também podem dificultar o retorno do estomizado ao trabalho, pois o
governo não disponibiliza alguns materiais considerados essenciais para o
processo de reabilitação da pessoa com estoma, como o filtro de carvão, o
sistema de irrigação e tampão oclusor; sem contar a baixa qualidade e
quantidade, que às vezes não suprem as necessidades dos clientes(3).
Cabe tecer uma reflexão sobre a forma como tem sido feito o fornecimento desses
materiais, pois a distribuição dos referidos insumos é realizada através de
cotas, e, muitas vezes, os clientes não são avaliados individualmente ou de
acordo com suas necessidades. A aprovação do Programa de Atenção aos Clientes
Ostomizados, que ocorreu sob a Portaria 400/09 é uma tentativa de organizar os
Serviços de Atendimentos aos Estomizados no país, e de determinar os
equipamentos a serem fornecidos gratuitamente no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS)(19).
Em relação às dificuldades psicossociais, é interessante verificar que o
isolamento social está condicionado e enraizado na maioria dos sujeitos e que,
por sua vez, articula-se com os problemas de ordem física / biológica
decorrentes do estoma como a presença de gases, odor, incontinência, diarreia;
levando-os, assim, ao afastamento do convívio social. O medo de voltar ao
trabalho e de ser discriminado pelos colegas e patrões torna-se peça chave a
ser trabalhada no processo de reabilitação desses indivíduos.
As dificuldades com transportes e locomoções para chegar ao trabalho também
fazem parte da acessibilidade. É importante lembrar que, respaldada nos
fundamentos teóricos da Saúde do Trabalhador, não basta apenas reinserir os
estomizados no trabalho, sem mudar alguns componentes de sua organização, do
processo laboral e mesmo do ambiente de trabalho, pois se poderia agravar o seu
estado de saúde(1,14).
Outro fator psicossocial que acaba afetando a volta dos sujeitos ao mundo do
trabalho é o fato de não poderem retornar às mesmas atividades laborais
realizadas antes da construção da estomia, o que acaba abalando a dimensão
psicológica dessas pessoas, que aprenderam o ofício de uma determinada
profissão e, de repente, se veem impossibilitados de realizarem o que foram
preparados cognitiva e fisicamente para tal e mais: o que provavelmente tinham
prazer em fazer.
Além disso, as inúmeras dificuldades geradas pela falta de aprendizado e
oportunidades educacionais e de orientação acabam fazendo com que esses
clientes passem a preferir viver com benefícios governamentais a enfrentar as
dificuldades de retorno ao trabalho, acomodando-se num mundo de frustração e de
isolamento.
O desconhecimento da sociedade do que é um estoma e do que é ser um estomizado
favorece ao isolamento e afastamento social destes indivíduos, pois o
desconhecimento leva ao preconceito e ao pré-julgamento do estomizado como
incapaz, limitado, e sem condições de retorno ao trabalho(3).
Uma das consequências do capitalismo e do neoliberalismo é o grande índice de
desemprego que assola a população. Quando o indivíduo consegue inserir-se neste
mundo do trabalho tão seleto e restrito, acaba por aceitar as condições muitas
vezes inflexíveis e precárias de trabalho.
É evidente que o estomizado necessita de alguma flexibilidade no local de
trabalho, principalmente relacionada a sua necessidade contínua de ir ao
banheiro; além da necessidade de ser liberado para ir às consultas com a equipe
multiprofissional de saúde. Infelizmente, muitas empresas não fornecem este
"tempo" para o estomizado, ou para qualquer pessoa com deficiência, o que os
incentiva a optarem pela informalidade laboral, permanecendo sem direitos
empregatícios.
Em relação aos fatores facilitadores para inclusão laboral dos estomizados,
torna-se essencial o conhecimento a respeito do funcionamento mais controlado e
regrado do estoma, mesmo com a realidade da incontinência. Sendo assim, alguns
desses sujeitos referem que, com o passar do tempo, conseguem perceber a
movimentação do bolo fecal, sabendo, inclusive, quando irão evacuar. Esta
percepção não deixa de ser um mecanismo de controle, com o qual eles já podem
ir ao banheiro e verificar se será necessário fazer o esvaziamento e
higienização do dispositivo coletor, evitando, assim, o extravasamento de fezes
e o constrangimento perante o meio social(4).
A aceitação e a adaptação à condição de estomizado tornam-se importantes para
que o indivíduo aceite a sua nova condição de saúde e aprenda também a lidar
com ela. Cabe lembrar que, na presente pesquisa, os sujeitos são estomizados
definitivos, e que, compreendem melhor a necessidade de adaptar-se à sua nova
condição, já que o estoma os acompanhará pelo resto de suas vidas(20).
Existem profissões e ocupações em que os estomizados podem atuar com habilidade
e competência, sem prejudicarem sua saúde, tais como: atividades mais
burocráticas e acadêmicas, que não demandem uso de força e de muito gasto
físico; profissões que permitam que essas pessoas não permaneçam nem em pé e
nem sentados por longos períodos; e atividades que não exponham o estoma ao
calor e ao frio excessivo.
Reforça-se que a indicação de profissões e/ou ocupações mais adequadas à
clientela estomizada, dependerá de criteriosa avaliação do cliente e
determinação de suas limitações e capacidade funcional, destacando que todos os
indivíduos são únicos e devem ser avaliados holisticamente pelos peritos da
previdência social e profissionais dos Serviços de Saúde do Trabalhador. O
Serviço de Saúde do Trabalhador deverá acompanhar sistematicamente as pessoas
estomizadas que se inserem ou reinserem no mundo do trabalho, verificando se a
atividade laboral não agrava sua condição de saúde(18).
CONCLUSÕES
Os resultados do estudo contemplaram o objetivo da pesquisa e auxiliaram a
conhecer mais profundamente as facilidades e dificuldades dos estomizados em
relação à inclusão laboral.
Os fatores dificultadores para o retorno e manutenção dos estomizados no mundo
do trabalho, perpassam desde questões de âmbito físico/biológico, até situações
pertinentes a esfera psicossocial dos indivíduos, demonstrando que o processo
cuidar/cuidado das pessoas estomizadas devem pautar-se numa assistência
holística e integral.
As dificuldades de inclusão laboral estão inicialmente centradas na própria
condição física relacionadas à perda do controle esfincteriano e aos
constrangimentos que possam ocorrer devido extravasamento do efluente, entre
outras situações que intimidam as pessoas estomizadas. Destaca-se que, aliadas
a estas dificuldades, encontram-se as barreiras arquitetônicas dos locais de
trabalho, com a falta de condições adequadas para higienização da bolsa
coletora; e as dificuldades de acesso e adaptação aos equipamentos coletores,
em quantidade e qualidade, adequados aos indivíduos.
As barreiras psicossociais advêm do medo do estomizado em sofrer rejeição e
preconceito, pois devido ao desconhecimento, a sociedade julga estes indivíduos
como incapazes de realizarem normalmente suas atividades de vida diária. A
configuração atual do mundo do trabalho e a falta de apoio governamental
afastam estas pessoas da vida laborativa, principalmente pela falta de
programas de apoio e capacitação profissional às pessoas com deficiência.
Os órgãos governamentais têm o dever de fazer campanhas de esclarecimento à
população, para que se diminua o preconceito em relação ao estomizado, para que
ele possa adentrar ao mundo do trabalho com mais tranquilidade e confiança.
As condições facilitadoras de inclusão laboral podem se elencadas como: a) o
fornecimento de ambientes laborais adequados às deficiências dos indivíduos; b)
flexibilidade de horário de trabalho, para comparecimento às consultas da
equipe de saúde; e c) a presença de banheiros higiênicos limpos e adaptados.
Estas medidas são garantidas pela Política Nacional para a Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência, mas que não são cumpridas e nem fiscalizadas
eficientemente na prática.
Considera-se que o retorno das pessoas com estoma ao ambiente laboral não
depende exclusivamente destes indivíduos, mas sim de uma rede de apoio social
formada pelos governantes, profissionais da saúde, educadores, empregadores,
colegas de trabalho, familiares; e toda sociedade. Esta rede de apoio deve
fornecer aos estomizados condições e orientações adequadas de reassumirem as
atividades sociais, garantindo-lhes o fornecimento de equipamentos coletores e
adjuvantes de qualidade e em quantitativo suficientes, que facilitem seu
processo de reabilitação. Além dessas medidas, salientam-se a necessidade de
elaboração de programas de capacitação profissional e criação de uma política
pública que englobe as dimensões psicossociais da clientela estomizada,
aprovando e fazendo cumprir leis que garantam sua inclusão na sociedade.
Os enfermeiros atuantes na reabilitação das pessoas com estoma devem fornecer
orientações sobre inclusão social, destacando-se o trabalho, buscando
juntamente com os estomizados e familiares, alternativas para superação das
dificuldades biopsicossociais que serão encontradas no retorno às atividades de
vida diária e trabalho. Logo, o apoio social é uma estratégia importante no
incentivo à inclusão laboral dos estomizados.
Acredita-se que o conhecimento científico produzido a partir de estudos sobre a
inclusão laboral da pessoa com estoma torna-se uma importante ferramenta de
pesquisa para os profissionais de enfermagem, que auxiliará no entendimento de
questões ligadas ao Cuidado de Enfermagem em Estomaterapia e à Saúde do
Trabalhador.