Análise do ensino de Enfermagem em Centro Cirúrgico nas escolas de São Paulo
INTRODUÇÃO
O século XIX foi marcado por diversas descobertas relacionadas ao controle da
dor, das infecções e do sangramento intraoperatório que mobilizaram o avanço
nos procedimentos cirúrgicos. A Enfermagem em Centro Cirúrgico (CC) iniciou-se
em 1880 com as técnicas assépticas de Lister que permitiam a realização de
cirurgias mais complexas em que as "enfermeiras" eram responsáveis pelos
cuidados com o instrumental e, na virada do século, com a designação de espaços
restritos para a realização dos procedimentos cirúrgicos, a limpeza do ambiente
passa a ser importante. Desta forma, aumentava a responsabilidade das
"enfermeiras", bem como a carga de trabalho, e conhecimentos específicos se
desenvolviam, o que as distinguiam das enfermeiras das unidades assistenciais
(1).
O ensino de CC tinha uma conotação de atividade técnica compreendendo a
circulação de sala e processamento de materiais. Em relato de experiência de
uma enfermeira inglesa encontrou-se que em 1968 no segundo ano de treinamento,
as estudantes de enfermagem permaneciam 14 semanas no CC, sendo 10 semanas nas
salas de cirurgia geral e quatro semanas nas salas de procedimentos ortopédicos
(2).
Assim, a especificidade de CC foi desenvolvida, inicialmente, em campo prático
pela necessidade emergente e, aos poucos, os enfermeiros incorporaram o
conhecimento científico requerido para dar sustentação a esse saber(3).
Na transição dos cursos de formação do enfermeiro diplomado para o bacharel em
enfermagem, conteúdos foram excluídos por algumas escolas ao redor do planeta,
de modo geral, e por motivos particulares. Um dos motivos apontados para a
exclusão do conteúdo de enfermagem perioperatória dos currículos de graduação
em enfermagem nas escolas americanas foi a falta de professores para ministrar
esse conteúdo e de espaços adequados para a prática clínica(4). A adoção de
novas teorias para embasar a assistência de enfermagem também contribuiu para
esse fato. Na Georgetown University, o CC deixou de fazer parte dos campos de
estágio quando a escola adotou em 1969 a teoria de autocuidado de Orem no
modelo assistencial ensinado aos alunos(5).
Preocupada com a formação e a qualidade dos enfermeiros futuros, a Association
of Perioperative Registered Nurses (AORN) elaborou uma declaração de posição, o
"Value of Clinical Learning Activities in the Perioperative Setting in
Undergraduate Nursing Curricula", para ajudar as faculdades de enfermagem a
planejarem oportunidades de aprendizado no cuidado perioperatório que
desenvolvam competências essenciais para todos os alunos de graduação em
enfermagem. Essa assistência refere-se aos cuidados pré-operatórios, intra-
operatórios e pós-operatórios de pacientes submetidos a cirurgias ou outros
procedimentos invasivos(6).
A realidade americana não é diferente da nossa. Algumas escolas oferecem um
conteúdo de CC muito superficial na disciplina de enfermagem cirúrgica e a
parte prática se constitui em visitas a unidades de CC. Esta exposição rápida
ao CC, ou mesmo quando o estágio se limita a alguns dias de observação, não
permite ao aluno se envolver nas atividades do ambiente perioperatório ou
identificar o papel do enfermeiro na unidade de CC(7). Uma avaliação sobre o
enfermeiro recém-formado observou que sem a oportunidade de obter experiência
das habilidades baseadas no contexto, os recém-graduados tem relatado um
sentimento de "não sentirem-se prontos"(8).
Estudo sobre o processo de ensino de enfermagem perioperatória que envolveu dez
escolas da região metropolitana de São Paulo identificou que 70% delas tinham
uma disciplina própria de enfermagem em CC e nas demais o conteúdo estava
inserido na disciplina Saúde do Adulto. A carga horária teórica em enfermagem
em CC variou entre 30 (80%) e 72 horas (20%) e a prática entre 60 horas (60%) e
90 horas (40%)(9).
Dada a diversidade de currículos de graduação em enfermagem respaldados nas
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)(10), decidiu-se realizar a presente
investigação para analisar como se processa o ensino de enfermagem em CC nas
escolas de enfermagem de ensino superior nas diversas regiões do país. O artigo
ora apresentado é resultante de parte do projeto já aprovado pela Comissão de
Ética da EEUSP (processo 1018/2011), que tem por finalidade envolver todas as
escolas de enfermagem do Brasil.
O presente estudo teve por objetivos caracterizar o ensino de Enfermagem em
Centro Cirúrgico em relação à carga horária, conteúdo e componente curricular
específico; e identificar as opiniões e vivências dos docentes no ensino desse
conteúdo em escolas de enfermagem de nível superior do estado de São Paulo.
MATERIAL E MÉTODO
Estudo descritivo e exploratório de abordagem quanti-qualitativa que teve como
sujeitos da pesquisa coordenadores ou docentes que ministram conteúdo de
enfermagem perioperatória em Cursos de Bacharelado em Enfermagem no estado de
São Paulo.
As abordagens utilizadas são complementares, enquanto a quantitativa permitiu
mensurar as características dos conteúdos de CC e verificar a relação existente
entre variáveis utilizadas para caracterizar o objeto de estudo, como carga
horária, número de docentes, região, tipo de administração, entre outras; a
qualitativa possibilitou captar as percepções dos docentes relacionadas ao
ensino de CC e assim aprofundar a intersubjetividade da pesquisa quantitativa.
Para a coleta de dados foi elaborado um instrumento semiestruturado com
perguntas relacionadas ao ensino de enfermagem perioperatória (existência de
disciplina específica ou inserção do conteúdo em outra disciplina, conteúdo
ministrado, carga horária, corpo docente, importância da disciplina, oferta de
cursos de especialização).
Em 2011, foi obtida no site do MEC (http://emec.mec.gov.br/) a relação das 219
escolas cadastradas com Cursos Presenciais de Bacharelado em Enfermagem no
estado de São Paulo e as informações necessárias para caracterizar os cursos.
Foi enviada uma carta convite ao Coordenador do Curso de Enfermagem por e-mail
com apresentação do projeto, constando informações sobre a garantia de
anonimato e o entendimento de que o questionário respondido seria entendido
como aceite para a realização da pesquisa. O instrumento enviado também
continha as informações éticas do estudo e desta forma, o projeto prescindiu do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi solicitado ao coordenador do
curso que remetesse o questionário ao docente responsável pelo conteúdo de
enfermagem perioperatória, quando o mesmo fizesse parte do currículo de
graduação. Após 20 dias sem retorno, foi tentado novamente o contato e, na
ausência de resposta após outros 20 dias, o fato foi entendido como não havendo
interesse em participar da pesquisa.
Os dados obtidos foram apresentados em frequências absolutas e relativas,
medidas de tendência central e de variabilidade. As perguntas abertas também
foram analisadas pela técnica de análise de conteúdo para identificação de
categorias temáticas que complementassem o estudo sobre ensino de CC. Dada a
especificidade do conhecimento, há discussões sobre a continuidade desse
conteúdo na grade curricular dos Cursos de Graduação em Enfermagem. Na análise
dos conteúdos, as falas foram identificadas por "R" de respondente, o número da
entrevista e pela letra "I", se do interior, ou "C", se da capital do estado.
RESULTADOS
Do total de municípios do estado de São Paulo (645), 79 (12,2%) deles possuíam
pelo menos um Curso de Bacharelado em Enfermagem. Considerando os questionários
preenchidos, obteve-se uma representação de 28 (35,4%) municípios. Do total de
52 respondentes que responderam o questionário, cinco (9,6%) atuavam em escolas
públicas e 47 (90,4%) em escolas privadas.
As instituições localizaram-se na cidade de São Paulo, 15 (28,8%), e no
interior do estado, 37 (71,2%). Pelo menos um curso em cada município
participou do estudo pelo envio do questionário respondido (Tabela_1).
Tabela 1 Distribuição de Cursos de Bacharelado em Enfermagem e cursos
participantes, segundo o município do estado de São Paulo. São Paulo, 2011
Cidade Cursos participantes Total de cursos % de participação
Total 52 181 28,7
Araçatuba 1 1 100,0
Araraquara 1 2 50,0
Assis 1 2 50,0
Bauru 2 4 50,0
Campinas 4 4 100,0
Campo Limpo Paulista 1 1 100,0
Campus Santana 1 1 100,0
Jaú 1 1 100,0
Jundiaí 2 4 50,0
Limeira 1 3 33,3
Lins 1 2 50,0
Marília 1 2 50,0
Mogi das Cruzes 1 2 50, 0
Mogi Guaçú 1 1 100,0
Piracicaba 1 2 50,0
Ribeirão Preto 2 6 33,3
Santana do Parnaíba 1 1 100,0
Santo André 1 3 33,3
Santos 3 4 75,0
São Carlos 1 2 50,0
São José do Rio Pardo 1 1 100,0
São José do Rio Preto 1 6 16,6
São José dos Campos 2 3 66,6
São Manuel 1 1 100,0
São Paulo 15 49 30,6
Sorocaba 2 3 66,6
Taubaté 1 4 25,0
Tupã 1 2 50,0
Quanto à carga horária dos cursos, segundo dados do MEC, 80,8% (42) deles
apresentavam uma carga horária entre 4.000h e 4.500h (Tabela_2). A carga
horária média foi de 4.018,3h (DP±242,7h) e mediana de 4.000 h (intervalo
interquartil de 4.000 a 4.064h).
Tabela 2 Distribuição de Cursos de Bacharelado em Enfermagem do estado de São
Paulo que participaram do estudo, segundo carga horária do curso. São Paulo,
2011
Carga horária (h)n %
Total 52 100,0
3150 |- 3500 1 1,9
3500 |- 4000 6 11,5
4000 |- 4500 42 80,8
4500 |- 5000 3 5,8
A análise do período em que são oferecidas as vagas mostrou que há uma
concentração de vagas a noite; 42 cursos (80,8%) têm turmas à noite, 32 (61,5%)
de manhã, cinco (9,6%) de tarde e cinco (9,6) com turmas em período integral.
Dos Cursos de Bacharelado em Enfermagem, 28 (53,8%) ministravam o conteúdo de
enfermagem em CC no interior de outra disciplina e 24 (46,1%) tinham uma
disciplina específica. Com relação ao conteúdo observa-se na Tabela_3 que da
lista de temas apresentados, cerca de 80% dos cursos ministram esses conteúdos,
com exceção de instrumentação cirúrgica presente em 18 (34,6%) cursos. O único
conteúdo ministrado em todos os cursos participantes do estudo foi à
assistência de enfermagem nos períodos pré, trans e pós-operatório.
Tabela 3 Distribuição de Cursos de Bacharelado em Enfermagem no estado de São
Paulo, segundo conteúdo de CC ministrado. São Paulo, 2011
Conteúdos Nº de %
cursos
Planejamento físico e recursos humanos em CC 49 94,2
Modelo de Sistematização de Assistência Perioperatória (SAEP) 47 90,4
Assistência de enfermagem nos períodos pré, trans e pós- 52 100,0
operatório
Riscos físicos, biológicos e psicológicos da equipe cirúrgica 46 88,5
Antissepsia e degermação 50 96,2
Posição cirúrgica 50 96,2
Instrumentação cirúrgica 18 34,6
Hemostasia (sutura e bisturi elétrico) 48 98,3
Anestesia 49 94,2
Monitorização do paciente cirúrgico 51 98,1
Recuperação anestésica 51 98,1
Riscos e controle de infecção em CC 48 92,3
Assistência ao paciente em cirurgia ambulatorial 34 65,4
Avanços tecnológicos no CC: videocirurgias, robótica, laser e 35 67,3
outros
Verifica-se ainda na Tabela_3 que conteúdos relacionados a avanços tecnológicos
ou ao aumento de cirurgias ambulatoriais ainda são ministrados em menos de 70%
dos cursos de bacharelado.
Na carga horária do conteúdo de CC observa-se elevada variabilidade devido a
valores extremos na amplitude, principalmente relacionada à carga horária
prática (Tabela_4).
Tabela 4 Medidas de tendência central e variabilidade para a carga horária (em
horas) do conteúdo de CC, segundo o tipo de oferta de disciplina (específica ou
não). São Paulo, 2011
Carga horária dos conteúdo Média (DP) Mediana Intervalo Amplitude
interquartil
Todos os cursos 92,5 (±52,7) 64 60 - 120 40 - 300
Total EspecíficaSim 95,7 (±54,6) 60 60 - 120 44 - 300
Não 73,1 (±36,0) 70 40 - 94 40 - 140
TeóricaEspecíficaSim 56,1 (±32,0) 40 40 - 72 30 - 72
Não 41,3 (±14,4) 37,5 30 - 60 30 - 60
PráticaEspecíficaSim 38,5 (±36,2) 20 20 - 60 0 - 198
Não 43,3 (±26,2) 37,5 26,5 - 60 18 - 80
Os comentários sobre a importância do conteúdo na grade curricular e na
formação do aluno foram agrupados, pois a categorização temática apresentou
semelhanças entre ambos. O principal tema encontrado foi sobre a extensão do
conteúdo e a carga horária pequena, tanto prática quanto teórica, que não
permite abordar o assunto de forma mais aprofundada:
O conteúdo é muito denso para a relação de carga horária, desta
maneira os conceitos acabam sendo abordados de forma geral e não
muito aprofundados. (R27-C)
Acredito que o conteúdo é pouco para formatação satisfatória do
aluno, pois esta disciplina contém muitas particularidades. (R28-I)
Alguns docentes consideraram que o conteúdo oferecido permite ao aluno ter um
conhecimento básico sobre a disciplina, além de ser importante para
complementar o conhecimento em outras áreas:
Acredito que esse conteúdo é imprescindível, contribui para
concretizar os conhecimentos sobre a assistência ao paciente
cirúrgico. (R17-C)
Surgiram discussões sobre a exclusão do conteúdo de CC dos programas
curriculares em algumas instituições de ensino que, consequentemente, retirou
do aluno a possibilidade de vivenciar essa prática que também faz parte das
atividades do enfermeiro:
[o conteúdo] É imprescindível para a formação do enfermeiro, e
lamentavelmente tenho conhecimento de instituições que não tem a
disciplina específica no currículo. (R5-I)
Vivenciar todo o tratamento cirúrgico ao qual o paciente é submetido permite
que o aluno entenda melhor as necessidades de cuidado. É necessário conhecer os
procedimentos realizados no intra-operatório para se planejar a continuidade do
cuidado de enfermagem:
[...] não fragmentar o cuidado, para o estudante compreender as
situações de cuidado no pré, trans e pós-operatório. (R10-I)
O conteúdo tem sido ministrado em disciplina própria e dentro de outras
disciplinas. Alguns dos docentes comentaram que a incorporação a outros
conteúdos prejudicou o aprendizado. Outros enfatizaram que a mudança da grade
curricular para uma disciplina independente permitiu melhorar o enfoque sobre o
papel do enfermeiro de centro cirúrgico:
Infelizmente o conteúdo foi perdido quando a disciplina foi
incorporada em Saúde do Adulto. (R18-I)
Após a mudança de grade por exigência do COREN, acreditamos que a
parte teórica esteja sendo administrada com mais enfoque, com mais
exigência em relação ao papel do enfermeiro na área de CC. (R25-C)
Alguns currículos oferecem a teoria associada à prática. Assim, o aluno pode
integrar melhor o conhecimento, no entanto em alguns cursos os estágios são
ministrados somente no último ano do curso:
Considero que o conteúdo de enfermagem perioperatória requer
competências e amadurecimento que alguns alunos parecem não ter
desenvolvido até o momento em que a cursam, sugeriria por isso, que a
disciplina fosse postergada e aproximada ao seu estágio [...]. (R29-
I)
O conteúdo de CC foi considerado de suma importância, pelos respondentes, para
a formação dos graduandos, por permitir ao aluno conhecer uma área específica
em que a atuação do enfermeiro é primordial e oferecer bases para uma
assistência integral e com qualidade:
Este conteúdo subsidia a assistência integral e qualificada aos
clientes nos procedimentos anestésico-cirúrgicos. (R26-C)
O conteúdo é importante, pois em qualquer unidade hospitalar
precisamos conhecer o procedimento cirúrgico e assistir com qualidade
esse paciente. (R33-I)
Os conteúdos de CC foram considerados básicos para a atuação profissional em
qualquer setor, pois complementam conteúdos de outras disciplinas:
É imprescindível, pois os conteúdos são a base para assistência no
âmbito hospitalar e de saúde coletiva. (R16-I)
O aprendizado sobre o cuidado de enfermagem no perioperatório é
fundamental para o enfermeiro independentemente do local da sua
atuação. (R7-I)
O enfermeiro deve ter uma formação generalista, o que inclui conhecer
os conteúdos essenciais de CC, na prática e na teoria, para assim se
depois quiser ir para o latu sensu. (R20-C)
Os conteúdos desenvolvidos tanto na teoria quanto na prática da
disciplina são imprescindíveis na formação do enfermeiro, mesmo que
seja generalista, uma vez que a experiência cirúrgica é vivenciada
por pessoas de todas as idades e em todas as especialidades. (R9-C)
O conteúdo de CC permite ao aluno desenvolver raciocínio clínico e melhor
julgamento sobre as práticas realizadas no cuidado de enfermagem:
O aluno desenvolve senso crítico sobre pontos bastante relevantes no
contexto do cuidar e proteção do paciente cirúrgico. Isso é notório
quando realizamos a discussão dos casos e das situações vividas na
prática. (R4-I)
Proporciona a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de
atitudes e habilidade. (R23-I)
A graduação desenvolve a fundamentação, a pós-graduação a
complementação e a prática o aperfeiçoamento.
O conteúdo ministrado deverá fundamentar e preparar o pensamento
crítico do aluno. (R27-C)
Um respondente atrelou a importância do conteúdo de centro cirúrgico ao fato
dessa unidade ser uma importante fonte de recursos para o hospital:
[...] O CC é um dos locais que mais gera recursos para as
instituições de saúde. (R6-I)
A vivência deste conteúdo teórico-prático foi atrelada ao interesse que poderia
despertar no aluno para uma pós-graduação nessa área. Considerou-se importante
oferecer ao aluno a diversidade de práticas de enfermagem para ajudá-lo a
escolher a área em que atuará como enfermeiro e com segurança.
[...] Ser estimulado a aprofundar seu conhecimento numa pós-
graduação, visto a complexidade do fazer do enfermeiro nesse setor.
(R10-I)
O que tenho percebido na prática é pouca opção dos enfermeiros por
essa área porque ficam com medo (medo do desconhecido). (R22-I)
Foi relatada a importância de o aluno conhecer o SAEP, um método de extrema
importância para a assistência de enfermagem, pois permite visualizar o
paciente como um ser com sentimentos e necessidades únicas:
O aluno deve ter conhecimento da SAEP [...] Os objetivos são
proporcionar uma melhor interação entre enfermeiro-paciente e
possibilitar a realização dos diagnósticos de enfermagem. Com esses
dados, o aluno/futuro enfermeiro se subsidiará para prescrição e
elaboração dos cuidados a serem prestados na Clínica Cirúrgica, no
CC, além de acalmar e educar o paciente/família em relação ao período
pós-operatório. (R30-I)
O enfermeiro deve ter o conhecimento sobre o procedimento cirúrgico
para melhor assistir e/ou aplicar a SAE no pré-operatório, por
exemplo, em uma clínica cirúrgica, e também no pós-operatório, na UTI
ou na clínica cirúrgica, ou seja, compreender todo o processo. (R21-
C)
Opinião sobre o conteúdo para a atuação do enfermeiro
O conteúdo oferecido permite o início da atuação em CC, pois muitos locais
contratam enfermeiros recém-formados sem especialização na área:
Imprescindível para o enfermeiro poder iniciar sua atuação em CC.
(R1-C)
Importantíssimo, pois no Vale do Paraíba é usual contratarem recém-
formados para exercerem suas atividades de imediato em CC e muitos
enfermeiros concomitantemente se vêem obrigados a cursarem
especialização nessa área. (R23-I)
O cuidado necessário em CC é específico, porém, para que o atendimento seja
eficiente deve envolver os enfermeiros de outras unidades que receberão o
paciente no pré ou pós-operatório. Com as mudanças na dinâmica de admissão do
paciente para cirurgia, internado ou ambulatorialmente, as unidades de atenção
básica a saúde também se vêem envolvidas nesse processo:
Muito importante, pois trata do paciente em um momento específico, e
que muitas vezes estão envolvidos, nesse processo, vários
enfermeiros, não somente os do centro cirúrgico. (R19-C)
O enfermeiro tanto no contexto hospitalar como da atenção básica
necessitam compreender o cuidado da pessoa em situações cirúrgicas,
visto o curto período de internação para atos cirúrgicos. (R10-I)
Compreender o processo cirúrgico oferece ao aluno uma visão diferenciada do
paciente cirúrgico, permitindo a melhor compreensão do impacto da cirurgia na
recuperação do paciente:
Este conteúdo permite que o enfermeiro adquira conhecimento sobre
cirurgias e o impacto do procedimento na recuperação do paciente, de
modo que possa fazer o planejamento da assistência. (R1-C)
Outro fato é a visão diferenciada de um paciente cirúrgico em uma
unidade de internação. (R4-I)
O conteúdo de CC permite ao aluno ter uma visão de todo o processo pelo qual o
paciente é submetido o que gera um diferencial para a atuação quando formado.
Se o aluno tiver um bom aproveitamento do conteúdo aplicado, com
certeza terá um diferencial para atuação profissional no contexto
hospitalar. (R32-I)
DISCUSSÃO
Cerca de um terço dos municípios do estado de São Paulo foram representados
nesta investigação, evidenciando maior concentração de cursos de enfermagem na
capital do Estado. Todas as escolas atendiam à carga horária mínima da
legislação atualmente vigente no país para os Cursos de Bacharelado em
Enfermagem. O maior quantitativo de turmas é oferecido no período noturno,
seguido pelo período da manhã e cerca de metade dos cursos apresentava conteúdo
de CC em uma disciplina com identidade própria.
Estudo envolvendo seis docentes de escolas públicas de São Paulo, Rio de
Janeiro e Rio Grande do Sul (out/88 a abr/89) identificou que apenas uma escola
de São Paulo ministrava o conteúdo de bloco cirúrgico em uma disciplina
própria, nas demais o conteúdo estava incluído na disciplina de Enfermagem
Cirúrgica. Com relação ao enfoque dado no conteúdo, as escolas de São Paulo e
uma do Rio de Janeiro focavam a assistência de enfermagem perioperatória, outra
escola do Rio de Janeiro a ética do enfermeiro e no Rio Grande do Sul obteve-se
resposta de apenas uma escola, que focava a paramentação, instrumentação e
tempos cirúrgicos. As cargas teóricas foram bastante diversificadas de 25 a 120
horas e a carga prática de 40 a 225h(11).
No presente estudo a amplitude de variação das cargas teórica e prática foi
menor do que o observado no estudo de 1989(11), sendo de 30 a 72h e de zero a
198h, respectivamente. Os cursos com disciplina específica de CC apresentaram
carga teórica média superior a das demais modalidades de inserção do conteúdo
de CC na grade curricular e vice-versa para a parte prática.
A análise de conteúdo das respostas abertas mostrou que os docentes
consideraram o conteúdo de CC importante para a formação do enfermeiro
generalista, pois permite que o graduando compreenda melhor as necessidades de
cuidado do paciente cirúrgico.
Essa percepção foi constatada em outro estudo por docentes ao discutir a lacuna
que existe na formação do enfermeiro generalista com relação a esse conteúdo e
também percebida pelos próprios enfermeiros formados. A maioria admite ter
entrado em contato de forma muito superficial com esse bloco levando a falta de
preparo dos profissionais para responder algumas necessidades da prática(12).
A formação do enfermeiro generalista deve instrumentalizá-lo para trabalhar em
todos os campos, o que expressa a necessidade de oferecer ao aluno a
oportunidade de vivenciar experiências em todas as unidades de saúde inclusive
as consideradas especializadas como o CC(13).
Os cuidados de enfermagem devem visar uma assistência sistematizada e
individualizada dos pacientes e, para isso, é necessário o conhecimento de
todos os tratamentos oferecidos. Portanto, conhecer a assistência prestada ao
paciente durante a cirurgia é fundamental para um atendimento de qualidade,
além do desenvolvimento do pensamento crítico, o qual é considerado uma
fragilidade na realidade da Enfermagem brasileira.
O cuidado de enfermagem está distanciado da prática pro-fissional à medida que
os enfermeiros não têm conseguido, com poucas exceções, viabilizar ações de
enfermagem voltadas para o cuidado individualizado da clientela. A ênfase nos
procedimentos técnicos, mediante o cumprimento de regras e normas e da
priorização de tarefas voltadas para aspectos biológicos do ser humano, ainda
está presente no seu cotidiano, o que muitas vezes a torna apenas uma atividade
complementar à atividade de outros profissionais, principalmente da atividade
médica.
As DCN(10) tentaram proporcionar mudanças na realidade da Enfermagem
brasileira, de maneira que possibilite a formação de profissionais críticos e
que se preocupem com as reais necessidades dos pacientes.
O enfermeiro deve ser agente promovedor e defensor de saúde para todos,
caracterizando-se como um profissional comprometido com a profissão, buscando
sempre estabelecer uma ligação constante com a prática e o conhecimento
adquirido na graduação, no sentido de melhorar a assistência oferecida a
população(13). No entanto, percebe-se na prática a ambiguidade de
interpretações das diretrizes quando se dis-cute a retirada de determinados
conteúdos, que viabilizam especializações futuras, dada a sua especificidade,
em detrimento de conteúdos da atenção primária direcionados para a política de
saúde família.
Os Cursos de Graduação em Enfermagem devem objetivar uma sólida formação
acadêmica que estimule o aluno a refletir sobre a realidade social buscando
sempre adquirir conhecimentos novos e aperfeiçoar-se no cuidado de enfermagem
(14). É na integração de conteúdos teóricos e práticos oferecidos nos campos de
prática que se viabiliza esta experiência para o aluno.
O bom relacionamento com a equipe cirúrgica, incluindo a boa receptividade,
paciência, atenção e simpatia são facilitadores da aprendizagem dos alunos(15).
Existe a necessidade de treinar esses profissionais que atuam em hospitais-
escola para que possam favorecer e não dificultar esse ensino-aprendizado.
Estudos relatam que os alunos que tiveram a disciplina de CC na graduação
sentem-se mais seguros para cuidar do paciente cirúrgico, pois este conteúdo
oferece maior suporte ao enfermeiro recém-formado frente à complexidade do
paciente submetido a uma cirurgia e a própria inexperiência no início de sua
atividade profissional. Viabilizar a vivencia do aluno numa unidade cirúrgica
promove mudanças positivas na formação, pois permite que o aluno amplie seus
conhecimentos e habilidades e a melhor apreensão do paciente para um
planejamento mais adequado do cuidado de enfermagem(16).
Como uma área de atuação, onde o estudante poderá trabalhar futuramente como
enfermeiro é imprescindível oferecer a oportunidade do acadêmico conhecer o CC
e sua prática diferenciada, para prepará-lo para atuar em todos os campos da
Enfermagem(17). Vivenciar a prática do estágio abre oportunidades para o
acadêmico se deparar com situações reais, articulando o conhecimento teórico e
prático, o que leva ao amadurecimento do seu papel profissional.
A ansiedade, preocupação e insegurança são sentimentos vivenciados por muitos
estudantes frente á área de CC que com o decorrer das aulas vão diminuindo e
dando lugar aos sentimentos de satisfação, curiosidade e interesse por esse
bloco. O que mostra a necessidade de se incluir essa disciplina no currículo do
Curso de Enfermagem(15).
O estudo teve algumas limitações relacionadas ao instrumento de coleta. Embora
tenha sido realizado um pré-teste que mostrou que a pergunta aberta sobre o
conteúdo de enfermagem em CC apresentava respostas vagas, a opção por uma lista
de temas gerou dúvidas no momento da análise. Alguns respondentes assinalaram
todas as alternativas na pergunta relativa à composição do conteúdo, mas a
carga horária era muito pequena. Outra questão relacionou-se à carga horária
prática, pois não ficou claro se as cargas elevadas eram exclusivamente para a
prática do conteúdo de CC ou se envolviam todos os estágios de médico-
cirúrgica.
CONCLUSÃO
O estudo permitiu conhecer a distribuição dos Cursos de Enfermagem no estado de
São Paulo, confirmando a concentração de turmas no período noturno e de escolas
na capital do estado. A forma de inserção do conteúdo de CC na grade curricular
também foi apresentada de diferentes formas: em disciplina própria, contido em
outra disciplina ou disperso em mais de uma. Houve uniformidade em relação aos
conteúdos oferecidos, salvo exceções como tecnologias em cirurgia e
instrumentação. Alguns cursos apresentam uma carga horária muito pequena em
relação à mediana e precisam rever suas políticas curriculares.
O conhecimento das opiniões e vivências dos docentes que ministram o conteúdo
de CC mostrou o quanto ele é fundamental para a formação do enfermeiro
generalista, por oferecer bases para uma assistência integral do paciente.
Há necessidade de aprofundar a discussão sobre o conteúdo mínimo de CC para a
formação do enfermeiro especialista, dada a demanda de pequenos procedimentos
cirúrgicos em unidades especializadas que compõe a rede básica de atenção à
saúde.
Os resultados encontrados vêm reforçar a necessidade de rediscutir a inserção
da disciplina de CC como componente importante para a formação acadêmica nos
Cursos de Bacharelado em Enfermagem.