Adesão e dificuldades relacionadas ao tratamento medicamentoso em pacientes com
depressão
INTRODUÇÃO
A depressão é um transtorno mental comumente crônico associado à incapacitação,
ao sofrimento psíquico(1) e físico(2) e a sobrecarga familiar(3). Sua
prevalência anual na população em geral varia de 3% a 11%(1).
A depender da gravidade, esse transtorno requer tratamento medicamentoso para o
controle dos sintomas. O tratamento medicamentoso da depressão precisa ser
continuado por tempo variável após a remissão dos sintomas(1). O seguimento
adequado da prescrição medicamentosa é necessário para obtenção de benefícios
clínicos e redução dos riscos de recaída e recorrência. No entanto, a maior
parte dos pacientes que recebe prescrição de antidepressivos interrompe
prematuramente o tratamento ou o conduz de forma inconsistente(4). A não adesão
ao tratamento destaca-se como fator potencialmente modificável que pode
precipitar recaídas(5) e refratariedade farmacológica(6).
Existe uma ampla variedade de fatores que contribuem para o uso inadequado dos
medicamentos(4,7). Essas barreiras à adesão ao medicamento precisam ser
antecipadas e exploradas cuidadosamente durante o tratamento(4), pois a
participação do paciente é determinante no processo do tratamento.
Desse modo, é importante conhecer os fatores envolvidos no seguimento da
terapêutica medicamentosa pela pessoa com depressão, para implementação de
ações que melhorem a adesão e contribuam para prevenção de agravos decorrentes
do uso inadequado de medicamentos.
Nessa perspectiva, este estudo teve como objetivos verificar a adesão e
conhecimento de pessoas com depressão quanto à farmacoterapia prescrita;
identificar as dificuldades relacionadas ao seguimento da terapêutica
medicamentosa e avaliar a satisfação da pessoa com depressão acerca da equipe
de saúde que a assiste e da terapêutica medicamentosa instituída.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo transversal, descritivo, com abordagem quali-
quantitativa. A pesquisa foi realizada em um Núcleo de Saúde Mental (NSM)
pertencente ao Sistema Público de Saúde e localizado no interior de São Paulo,
Brasil. O projeto foi desenvolvido após aprovação por Comitê de Ética em
Pesquisa (Protocolo nº 380/CEP-CSE-FMRP-USP).
Foram elegíveis para o estudo todos os pacientes que tiveram consulta médica
agendada no local do estudo no período de 1º de agosto a 31 de outubro de 2011
e que preencheram os seguintes critérios de inclusão: ter diagnóstico de
depressão unipolar (estabelecido pelo médico psiquiatra do local de estudo) e
ter prescrição de uso contínuo de medicamentos para tratamento da depressão.
Foram excluídos da amostra os pacientes com menos de 18 anos de idade,
incapazes de se comunicar verbalmente em português e sem atualização do número
de telefone ou do endereço no prontuário.
Para a coleta dos dados foram realizadas a revisão de prontuários e entrevista
semiestruturada gravada guiadas por um roteiro elaborado pelas autoras do
estudo contendo questões sobre dados sociodemográficos e tratamento dos
pacientes, um teste que avalia a adesão do indivíduo à farmacoterapia(8) e uma
escala que permite avaliar o conhecimento do entrevistado sobre a terapêutica
medicamentosa prescrita(9).
O grau de adesão foi definido pela aplicação do Teste de Medida de Adesão (MAT)
(8). Este teste é composto por sete questões. Para cada questão, seguem-se as
respostas do tipo Likert. Após a obtenção dos dados, os valores correspondentes
às respostas de cada questão do MAT são somados e divididos pelo número total
de questões. O valor encontrado após esse procedimento é convertido numa escala
dicotômica para identificar os pacientes que apresentam adesão ou não adesão ao
tratamento medicamentoso.
Para identificar o grau de conhecimento do paciente, sobre os medicamentos
prescritos, foi adotada escala já empregada em estudos anteriores(9). O
referido instrumento, indica como traduzir, para porcentagens, a quantidade
(números) de informações que o paciente possui e direciona a categorização
desse conhecimento.
Esse instrumento pressupõe que o grau de conhecimento de uma pessoa sobre cada
aspecto relacionado às medicações (nome, dose e frequência de utilização) pode
ser pontuado de 0 a 100% e classificado em intervalos regulares, que
representam as seguintes classes: sem conhecimento (0%); muito pouco
conhecimento (0% -| %25%); pouco conhecimento (25% -| %50%); conhecimento
regular (50% -| %75%) e bom conhecimento (75% -| %100%).
As respostas dos pacientes foram comparadas com os dados contidos no
prontuário. A resposta a cada pergunta foi classificada como certa ou errada,
considerando-se os itens avaliados para cada um dos medicamentos prescritos. A
resposta "não sei" foi classificada como errada. Assim, se fossem prescritas 10
medicações para uma pessoa que soubesse informar corretamente o nome de quatro
delas, seu grau de conhecimento sobre os nomes dos fármacos seria de 40% e
estaria incluído na categoria "pouco conhecimento" que corresponde ao intervalo
de pontuação 25% -| %50%. Procedeu-se dessa forma para cada variável
relacionada aos medicamentos prescritos.
Para análise dos dados relacionados à caracterização dos pacientes,
conhecimento e adesão ao medicamento, foi utilizada a estatística descritiva.
Para análise dos dados qualitativos, foi adotada a análise de conteúdo(10).
Primeiramente, os dados foram reunidos e organizados. Por meio da análise do
material foram estabelecidas categorias empíricas. Posteriormente, foi
realizada articulação do material empírico com a literatura.
Para preservar o anonimato dos participantes do estudo, os entrevistados foram
identificados, em seus depoimentos, com a letra "S" acrescida do número que
corresponde à ordem de realização das entrevistas.
RESULTADOS
Participaram do estudo 27 pessoas. Dentre os entrevistados, 24 (88,9%) eram do
sexo feminino, 17 (63,0%) tinham de 50 a 69 anos de idade, 18 (66,7%) eram
casados, 26 (96,3%) não possuíam vínculo empregatício, 16 (59,3%) não haviam
completado o ensino fundamental e 16 (59,3%) possuíam renda familiar de um a
três salários mínimos.
Adesão e conhecimento relacionados à farmacoterapia prescrita
De acordo com a avaliação da adesão realizada por meio do teste MAT, 29,6% dos
pacientes não aderiam ao tratamento.
Esta pesquisa também avaliou o grau de conhecimento do paciente em relação aos
medicamentos prescritos. Para tanto, a última prescrição médica disponível no
prontuário do paciente foi comparada aos medicamentos que o paciente referiu
utilizar. Desse modo, foi analisado o grau de conhecimento referente ao nome,
dose e frequência de administração dos medicamentos, conforme demonstra o
Gráfico_1.
Gráfico 1 Distribuição dos sujeitos do estudo de acordo com o grau de
conhecimento sobre o nome, frequência e dose dos medicamentos prescritos
Foi possível perceber que o menor grau de conhecimento foi em relação à dose e
à frequência de administração dos medicamentos. Respectivamente, 51,9% e 33,4%
dos pacientes apresentaram 0% de conhecimento a respeito de tais aspectos da
terapêutica prescrita. Na avaliação das informações referidas sobre a dose dos
fármacos, foram consideradas corretas as respostas que identificavam a
quantidade, em unidades de medida (grama, miligrama e mililitro), a ser
administrada em cada horário ou no período de 24 horas, de acordo com a
prescrição médica.
Observa-se ainda, no Gráfico_1, que 44,5% dos pacientes sabiam informar mais de
75% dos nomes dos medicamentos em uso. Para avaliação do conhecimento quanto
aos nomes dos medicamentos, aceitou-se como correta a resposta que
identificasse o medicamento prescrito, tanto pelo nome genérico como por
qualquer nome comercial.
Dificuldades relacionadas ao seguimento da terapêutica medicamentosa
A análise dos dados qualitativos relacionados às dificuldades enfrentadas pelos
pacientes no seguimento da terapêutica medicamentosa resultou na construção das
seguintes categorias: "Os sintomas da depressão", "Efeitos limitados e
desgastantes da medicação e a polifarmacoterapia", "A necessidade de apoio" e
"Pouco conhecimento sobre a depressão e o tratamento".
Os sintomas da depressão
A sintomatologia da depressão, especialmente quando aliada aos estressores do
cotidiano, foi uma dificuldade enfrentada pelos pacientes no seguimento da
terapêutica medicamentosa. O paciente deprimido pode experimentar desesperança,
avolição, falta de energia e iniciativa, lentidão, falta de concentração,
desejo de morrer, menor sensação de autocontrole e dificuldade para tomar
decisões.
Falta de motivo para viver. Não tem ânimo, você não tem coragem de
fazer nada [...] o corpo não obedece. É como se a cabeça não tivesse
mais autoridade sobre mim [...] é como se eu tivesse em uma cadeira
de rodas. Um deficiente, ele é obrigado a estar na cadeira de roda. O
depressivo não! Ele não pode ver uma cadeira de roda que ele senta e
fica e não tem vontade de levantar [...] eu não tinha força para
levantar um braço, eu não andava [...] a depressão, eu acho que é
isso. Ela me irrita tanto, é um inimigo que eu não consigo ver. E ela
me derruba, ela me prejudica, ela me faz mal. (S9)
Por que eu já tive depressão de cair de cama de não comer e ficar sem
comer e ficar fraquinha [...] amoleceu meus nervos todos. Meu marido
precisou sair de férias, para me ajudar a ir ao banheiro. (S11)
Os sintomas da depressão podem comprometer o desempenho do paciente em diversas
atividades e, consequentemente, para a autoadministração dos medicamentos
prescritos.
Se meu estômago fica ruim aí, eu não consigo (tomar o medicamento).
Porque se eu tomar, eu vou vomitar, mas não por causa dele
(medicamento), por causa dos sintomas. Porque quando eu fico nervosa,
aí já não sinto vontade de comer. (S10)
O paciente sintomático pode ficar mais propenso a não aderir à prescrição
medicamentosa tanto interrompendo o uso de fármacos prescritos quanto ingerindo
medicações sem prescrição. A medicação pode ser utilizada, inclusive, como um
instrumento para tentativas de suicídio.
Eu não comia, não dormia, eu chorava muito. Às vezes me dava aquele
estado de nervoso e eu começava a ter vontade de quebrar tudo, eu
tomava muito remédio, porque aí, eu ia aos remédios [...]. Várias
vezes eu tive que ir para lá (hospital) fiquei várias vezes internada
lá para poder controlar a medicação que eu tomava em excesso. (S19)
A pessoa com depressão vivencia o impacto do transtorno em seu cotidiano e tem,
no medicamento, uma oportunidade para atenuar os sintomas depressivos e suas
consequências. Todavia, o paciente percebe que o tratamento farmacológico
possui fragilidades e também lhe proporciona experiências negativas.
Efeitos limitados e desgastantes da medicação e a polifarmacoterapia
Os pacientes expressaram ambivalência em relação à terapêutica medicamentosa.
Embora fosse necessário e útil para aliviar os sintomas, o tratamento
medicamentoso contínuo era desgastante e nem sempre proporcionava resultados
condizentes com as expectativas dos pacientes.
Eu tenho que conviver com eles (medicamentos), então é bom. É
horrível, mas ao mesmo tempo acaba sendo bom tomar o remédio porque
aí a gente melhora. (S23)
Em alguns momentos, os pacientes experimentavam insatisfação com os efeitos do
tratamento farmacológico por considerá-los limitados e desgastantes. A ação dos
medicamentos foi considerada limitada quando não era suficiente para eliminar
ou reduzir, de forma acentuada, os sintomas da depressão.
Faz tanto tempo que eu tomo ele (medicamento) que eu acho que nem
efeito não faz mais [...] Parece que começo dá uma melhorada assim,
só que a gente fica assim chapada. É como se tivesse drogado. (S8)
Ao invés de eu melhorar, eu ficava muito pior. Mas os remédios que me
davam, me deixavam mais deprimida. Então em vez de eu melhorar,
parece que o negócio piorava cada vez mais. (S21)
De acordo com os depoimentos, o seguimento da terapêutica medicamentosa era
considerado desgastante por diversos motivos, entre os quais se destacaram os
efeitos colaterais, a necessidade de abster-se de outras substâncias
psicoativas e a longa duração do tratamento.
Eu acho difícil só que eu não deixo de tomar. Eu falo: oh, meu Deus!
Mas será até quando, que eu vou tomar remédio desse jeito. Meu
estômago já está ruim, não está aguentando mais remédio. Mas estou
tomando. (S6)
Eu só queria que tivesse um ponto final, só que eu só to vendo
"reticências". (S9)
Será que eu sempre vou tomar para o resto da minha vida? Será que
essa depressão nunca vai sair de dentro de mim? (S22)
A necessidade de ingerir vários tipos de medicamentos ou grande quantidade de
comprimidos diariamente foi apontada como uma dificuldade no cotidiano dos
pacientes. Além dos medicamentos prescritos para o controle da depressão,
algumas pessoas utilizavam medicamentos para o tratamento de comorbidades.
Eu tomo muita medicação. Eu tomo 14 comprimidos por dia, porque eu
tenho problema no coração, pressão, eu tenho diabete, eu tenho o
colesterol. (S7)
Nesse contexto, houve pacientes que se queixavam de precisar de muitas
medicações por acreditar que a prescrição de vários medicamentos sinaliza um
agravo à condição de saúde do indivíduo.
É eu acho chato, ver a mão assim cheia de remédio, falo: "que
situação que eu cheguei". (S15)
Os sintomas do transtorno, aliados às dificuldades experimentadas no cotidiano
e à ambivalência em relação aos medicamentos fazia com que os pacientes
identificassem a necessidade de suporte, especialmente das pessoas que lhes
eram significativas.
A necessidade de apoio
Os sintomas decorrentes da depressão faziam com que, em algumas situações, o
paciente se sentisse vulnerável e com necessidade de apoio em diferentes
esferas de sua vida, inclusive em relação ao tratamento.
Tanto do remédio quanto da comida, ela (familiar) pega no pé. Acho,
eu acho que isso aí é o carinho que ela tem por mim e está me
olhando, me ajudando, é isso. Ela deixa os horários e as medicações
todas separadas em cima da mesa. (S6)
Sem a ajuda de alguém, não faz nada! Eu acho muito importante ter as
minhas filhas ao meu lado, meu filho. Estão sempre assim: "Oh mãe, a
senhora já tomou o remédio?" Eu falo: "já". Às vezes: "Não, eu não
tomei não". (Os filhos dizem): "Então toma agora antes que a senhora
se esqueça". (S5)
Todavia, nem sempre pessoas significativas para o paciente, como familiares e
amigos lhe ofereciam auxílio e incentivo para a manutenção da terapêutica
medicamentosa.
Eu não tenho ajuda assim em casa, ninguém entende o que é a
depressão. [...] (O medicamento) era para estar nas mãos dos meus
filhos, do meu marido, mais fica na minha mão [...] então, quer
dizer, se der um "curto" aqui, me der vontade de tomar tudo aquilo lá
que está parado eu tomo [...] esses dias eu fiquei muito agitada,
nervosa eu pensei em tomar tudo, e na hora que eu tiver apagando,
meter fogo na cama. (S1)
Além disso, o paciente podia ser desencorajado a seguir a prescrição
medicamentosa. Crenças conflitantes com o saber médico, a negação do
acometimento do paciente pela depressão e o desconhecimento sobre a seriedade e
evolução do transtorno podem favorecer que familiares e amigos considerem o
tratamento medicamentoso desnecessário. Desse modo, esses indivíduos podem
incentivar o paciente a descontinuar o tratamento.
Os meus familiares acham que eu não devo tomar (o medicamento),
porque vou ficar dependente [...] então é muito difícil! (S3)
Além das dificuldades relacionadas aos sintomas depressivos, aos efeitos dos
medicamentos e à carência de suporte, os pacientes experimentavam dificuldades
decorrentes do conhecimento insuficiente sobre o transtorno e tratamento.
Pouco conhecimento sobre a depressão e o tratamento
A falta de conhecimento sobre a depressão e o tratamento é um fator que pode
comprometer a segurança do paciente no seguimento da terapêutica medicamentosa.
Entre os participantes do estudo, houve aqueles que desconheciam o nome,
posologia, efeitos terapêuticos e colaterais e cuidados relacionados aos
fármacos.
Depressão eu sei por que eu vi um dia o médico dando entrevista na
televisão que é uma parte que a gente tem assim que não produz lá o
hormônio. [...] (O medicamento) eu sei que é para depressão, agora o
efeito que ele faz eu não sei. (S13)
Tenho minhas dúvidas ainda. (S18)
O déficit de conhecimento foi atribuído à falta de transmissão de conhecimentos
pela equipe de saúde, esquecimento ou incompreensão de informações fornecidas.
Desse modo, alguns pacientes buscavam informações sobre os medicamentos em
fontes nem sempre seguras, tais como jornais, revistas, internet, programas de
televisão, bulas e pessoas conhecidas.
Eu não sei falar muito bem os nomes dos medicamentos que eu tomo
[...] Sabe o que eu estou tomando agora? Esse tal de AAS de criança.
[...] Sem indicação. O médico estava falando na televisão que é bom.
Aí, eu pensei: então acho que eu vou beber também. (S10)
Destaca-se que o enfermeiro não foi identificado como um colaborador na
educação do paciente, no serviço estudado.
Eu nunca conversei com o enfermeiro não. Só o atendimento lá na
portaria quando eu chego o moço atende, pega o cartão e eu passo para
a médica. Eu nunca passei com enfermeira não. (S3)
O presente estudo teve ainda como objetivo avaliar a satisfação da pessoa com
depressão acerca da equipe de saúde e do tratamento medicamentoso. A satisfação
com a terapêutica medicamentosa oscila ao longo da trajetória do paciente, pois
ele é ambivalente em relação à farmacoterapia, como já descrito na categoria
"Efeitos limitados e desgastantes da medicação e a polifarmacoterapia". O
tópico seguinte apresenta a satisfação da pessoa com depressão com a equipe de
saúde que a assiste.
Satisfação com a equipe de saúde: a gratidão pelo tratamento "gratuito"
A maior parte dos pacientes referiu satisfação com a equipe de saúde. Os
entrevistados consideravam injusto criticar a equipe de saúde e tinham gratidão
pelo tratamento que lhes era fornecido "gratuitamente".
A possibilidade de ser atendido em situações críticas e de obter melhora dos
sintomas foi citada como um motivo para ser grato ao trabalhador da saúde.
Também esteve presente nos depoimentos a sensação de ser afortunado por ter
acesso ao serviço de saúde e o temor de "perder a vaga" no referido serviço.
Eu não posso fala que é mal. É muito bom para mim, foi ótimo. Foi
melhor que se eu tivesse dinheiro e pagasse um médico particular.
(S7)
Todavia, mesmo em relatos de pacientes que se declararam satisfeitos foram
apontadas falhas no atendimento. As queixas mais frequentes estiveram
relacionadas à falta de escuta e de orientações pelos profissionais, longa
espera para obter acesso ao atendimento e intervalo de tempo prolongado entre
as consultas.
Não posso reclamar de ninguém aqui [...]. Eu tenho medo de perder
aqui a minha vaga. [...] É muita gente para os médicos, então eles
não tem tempo para a gente, assim, para falar tudo. (S1)
Eu acho que se tivesse uma enfermeira ou mesmo o médico que
explicasse para o paciente... Porque geralmente vem, ele olha a pasta
e pergunta "está tudo bem?" E ai já prescreve o remédio de novo, não
faz assim uma pergunta, "como que você passou?" "Teve algum
problema?". (S2)
Mas eu acho que o espaço é muito longo. Dos retornos. Eu fiquei um
ano, ano passado eu não vim nenhuma vez. (S22)
Desse modo, embora a maioria dos entrevistados tenha relatado estar satisfeita
com o atendimento oferecido, os argumentos insuficientes e as queixas fazem com
que a afirmação de satisfação pareça inconsistente.
DISCUSSÃO
Este estudo investigou 27 pessoas com depressão unipolar e observou que 29,6%
dos participantes não aderiam ao tratamento medicamentoso. Os resultados do
presente estudo são contrastantes com a literatura, pois, a depressão está
associada à baixa adesão ao regime terapêutico(11) e estudos relevam que
aproximadamente metade dos pacientes interrompe o tratamento com
antidepressivos nos primeiros seis meses de tratamento(4,12-13). Desse modo, a
adesão entre pacientes depressivos é considerada importante desafio para o
sucesso do tratamento farmacológico na prática clínica(4).
O transtorno depressivo maior pode se cronificar e está associado a níveis
altos de incapacitação funcional(1), à má evolução de doenças clínicas
concomitantes(2) e ao suicídio(14). Os resultados deste estudo evidenciaram que
pacientes sintomáticos podem ter comprometimento para o autocuidado e
manutenção do tratamento medicamentoso, podendo, inclusive, utilizar os
medicamentos para cometer suicídio. Desse modo, o paciente sintomático requer
atenção especial em relação ao uso de medicamentos, pois, caso os interrompa ou
utilize de forma inadequada, pode ter os sintomas intensificados, iniciando um
possível ciclo vicioso.
Embora se percebessem vulneráveis e com necessidade de apoio, nem sempre os
pacientes recebiam auxílio e incentivo para a manutenção do tratamento
farmacológico. Houve participantes desencorajados a seguir a prescrição
medicamentosa por pessoas que consideravam o tratamento desnecessário. A
inclusão da família no tratamento de pessoas com depressão comumente é
desejável pelos pacientes e está associada a melhores resultados no tratamento
(15).
Outra dificuldade apontada pelos pacientes foi a ambivalência destes em relação
à terapêutica medicamentosa. Apesar dos resultados positivos, antidepressivos
apresentam limitações, como o tempo de latência para o início do efeito sobre
sintomas subjetivos da depressão e a presença de efeitos colaterais. Além
disso, aproximadamente 50% dos casos de depressão não respondem
satisfatoriamente ao tratamento de primeira escolha realizado de modo adequado.
Essas limitações podem contribuir para o abandono do tratamento com
antidepressivos(7).
A polifarmacoterapia foi outra dificuldade apontada pelos pacientes. Além de
simbolizar um possível agravo à condição de saúde do indivíduo, a necessidade
de ingerir muitos medicamentos pode dificultar o conhecimento e seguimento do
esquema terapêutico e elevar a probabilidade de efeitos colaterais(16).
Nesta pesquisa também foi analisado o conhecimento do paciente sobre o esquema
terapêutico, que representa condição básica para a autoadministração dos
fármacos prescritos. O maior índice de desconhecimento foi quanto à dose,
seguida pela frequencia de administração dos fármacos. A falta dessas
informações pode dificultar a manutenção do fármaco em doses terapêuticas,
comprometendo a eficácia e segurança do tratamento medicamentoso.
Neste estudo, o déficit de conhecimento foi atribuído à falta de transmissão de
conhecimentos pela equipe de saúde, esquecimento ou incompreensão de
informações recebidas. Deste modo, evidencia-se a necessidade de maior
qualificação, investimento e avaliação de estratégias psicoeducativas.
Um agravante a essa situação é o fato de que familiares de pessoas com
transtornos mentais também possuem déficit de conhecimento sobre os
medicamentos prescritos para o paciente, o que limita sua possibilidade de
intervenção para auxiliar o paciente a manter o medicamento em níveis
terapêuticos(17). Nesse contexto, destaca-se a carência de apoio e informações
fornecidas a esses familiares nos serviços de saúde(18).
O presente estudo investigou ainda a satisfação dos pacientes sobre a equipe de
saúde que o assiste. A maior parte dos participantes se declarou satisfeita com
a equipe de saúde. Todavia, essa satisfação esteve atrelada à gratidão pela
"gratuidade" do tratamento e à sensação de ser afortunado por obter acesso ao
serviço. Entre as insatisfações dos pacientes predominaram a falta de escuta e
de orientações pelos profissionais, a dificuldade de acesso ao atendimento e o
período prolongado entre as consultas.
O tratamento "gratuito" foi apreciado como uma dádiva ou favor alcançado sem
merecimento e não como um direito dos cidadãos. Tal percepção do tratamento
disponibilizado na rede pública pode propiciar a postura passiva e conformada
do usuário perante a equipe de saúde.
A literatura aponta que, embora os usuários avaliem positivamente os serviços
de saúde públicos, apresentam queixas relacionadas à demora em obter
atendimento, falta de humanização e acolhimento, bem como déficit de recursos
físicos e materiais(19). Todavia, com a implantação do Sistema Único de Saúde
(SUS), teoricamente, qualquer pessoa tem direito à assistência de qualidade. A
Enfermagem pode contribuir significativamente com os usuários de serviços
públicos orientando-os sobre seus direitos de cidadãos à assistência em saúde
qualificada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo investigou a adesão e conhecimento de pessoas com depressão quanto
à terapêutica medicamentosa prescrita, identificou as dificuldades relacionadas
ao seguimento da farmacoterapia e avaliou a satisfação dos pacientes com a
equipe de saúde.
Verificou-se baixa taxa de não adesão entre os participantes do estudo,
comparativamente à literatura descrita. Contudo, grande parcela dos pacientes
desconhecia parte das informações relacionadas ao esquema terapêutico. Desse
modo, embora aderentes ao tratamento, os participantes do estudo, podem ter
comprometimento na segurança no seguimento da farmacoterapia, pois para
utilizar adequadamente e de forma segura os medicamentos prescritos,
subentende-se que seja necessário conhecer a prescrição.
Além do esquema terapêutico, o paciente precisa conhecer outros elementos
relacionados ao transtorno, tratamento, manejo de sintomas, estilo de vida
saudável, entre outros. A educação em saúde é uma importante intervenção de
enfermagem que não foi evidente no serviço de saúde estudado.
Enfermeiros devem ser devidamente preparados, conscientizados e motivados para
exercer a educação em saúde de forma atualizada, efetiva e individualizada,
considerando as necessidades, limitações, potencialidades e interesses do
paciente.
A satisfação com a equipe de saúde foi justificada pela gratidão pelo acesso e
"gratuidade" do tratamento e não pela avaliação crítica sobre a assistência.
Tal achado revela a importância de ações intersetoriais que objetivem elevar a
conscientização de pessoas com transtornos mentais e da sociedade em geral
sobre seus direitos e deveres como cidadãos.
Ao falar sobre as dificuldades enfrentadas no seguimento da terapêutica
medicamentosa, os participantes do estudo apontaram as seguintes questões: o
impacto dos sintomas da depressão sobre a capacidade para o autocuidado, a
insatisfação com os efeitos da farmacoterapia, a vulnerabilidade do paciente e
necessidade de apoio (que nem sempre é disponibilizado), a polifarmacoterapia e
a falta de conhecimento sobre o transtorno e o tratamento.
Essas dificuldades vivenciadas pelos pacientes com depressão revelam a
importância do profissional de enfermagem atentar-se para a identificação
desses problemas em outros contextos. A Enfermagem tem papel fundamental na
escolha de intervenções apropriadas para minimizar efeitos colaterais e
incapacidades, para promover o conhecimento e habilidades para enfrentamento
adaptativo do transtorno e para incluir a família como alvo e parceira no
cuidado.
O presente estudo traz importantes contribuições para a prática clínica e
pesquisa em saúde mental ao apontar fatores que podem prejudicar a segurança do
paciente com diagnóstico de depressão no seguimento da terapêutica
medicamentosa. Destaca-se a importância de estudos que proponham e avaliem
estratégias voltadas para a educação, supervisão e motivação para a adesão, bem
como, para a inclusão de familiares na assistência.