Vivências e necessidades de saúde de homens no período pós-nascimento de um
filho
INTRODUÇÃO
O período pós-nascimento é uma fase especial na vida tan-to de mulheres como de
homens. Estes últimos, geralmente, vivem novas e complexas experiências físico-
emocionais, mentais e socioculturais, decorrentes da paternidade, assim como de
possíveis mudanças que podem ocorrer no interior do seu núcleo familiar.
Estudiosos têm se reportado à complexidade e importância do período pós-
nascimento na vida do homem, buscando compreender particularmente a paternidade
em seu exercício e significados(1-6). Esta experiência, como exercício das
masculinidades, é considerada uma nova problemática na área de saúde, cuja
atenção a ela contribui à renovação das práticas direcionadas tanto a homens
como a mulheres(7).
A experiência de ser pai gera, ao longo do tempo, transformações, tais como
novas perspectivas sobre a vida, a experiência de novos sentimentos e o
surgimento de novas responsabilidades e tarefas. Especificamente no período
pós-nascimento, essa condição comumente é vivida de forma intensa e peculiar,
dada a instalação de novas demandas e aprendizados(4-5). A família vive um novo
estágio no seu desenvolvimento, com alterações não só em sua estrutura, mas,
também, em sua dinâmica, das quais podem decorrer dificuldades para os seus
membros(8). De tais experiências decorrem necessidades de vida e saúde
peculiares, a serem conhecidas e compreendidas, tendo em vista a adequada
atuação dos serviços de saúde.
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem(9) destaca o direito
do mesmo de participar de todo o processo reprodutivo, desde a decisão de ter
ou não filhos, de que modo e quando, ao acompanhamento da gravidez, do parto,
pós-parto e da educação dos filhos. Nesse sentido, prevê a realização de ações
de apoio ao planejamento reprodutivo e à paternidade responsável, à prevenção
de agravos e enfermidades com repercussões na reprodução, e à educação na
perspectiva de gênero e para o cuidado da própria saúde.
Contudo, os homens, via de regra, são relegados como sujeitos de atenção por
serviços de saúde, o que também é uma verdade em relação à experiência da
paternidade(6), desconsiderando-se a abrangência e singularidade das suas
experiências e de suas necessidades de saúde em geral e das decorrentes do
nascimento de um filho. A área da saúde comumente reforça a responsabilidade
feminina e afasta o homem do processo, comprometendo-se, sobretudo, com os
papéis tradicionais de gênero(6,10).
As necessidades de saúde constituem carecimentos a se-rem satisfeitos,
potenciais a serem desenvolvidos ou meios requeridos para satisfazê-las(11).
Elas se referem, basicamente, ao que as pessoas precisam e abrangem aspectos
tanto objetivos quanto subjetivos importantes ao desenvolvimento saudável da
vida. Mesmo quando expressas individualmente, ligadas à história de vida e à
subjetividade de cada sujeito, as necessidades de saúde são de natureza sócio-
histórica e instituídas dinamicamente na vida em sociedade(12).
No pós-nascimento, as necessidades de saúde de homens compreendem, em especial,
o que estes precisam para a preservação e promoção da sua saúde e que tem
relação com a experiência reprodutiva. Elas dizem respeito a inter-relacionados
aspectos biológicos, intersubjetivos e socioculturais. O modo como os homens
vivem o período pós-nascimento e expressam suas necessidades e cuidados de
saúde nessa fase é parte de suas experiências de vida, interações cotidianas,
saberes e valores, construídos socialmente.
Tradicionalmente, nos serviços de saúde, a tradução das necessidades e a ação
sobre elas ocorrem pela linguagem das doenças e medicalização dos carecimentos,
que tanto obscurecem a sua socialidade quanto dificultam ou impedem o
reconhecimento e a expressão de outras que não se enquadram na perspectiva
biomédica. Essa redução atinge as qualificações sociais dos carecimentos e,
dentre outros aspectos, gera invisibilidade às suas relações com as
desigualdades de gênero e o exercício das masculinidades(13). Do que resulta
também desconsideração às experiências masculinas e aos seus significados. Isto
é, tanto as desigualdades de gênero como as relações entre o exercício das
masculinidades e a saúde são dimensões ausentes dos serviços de saúde;
inclusive das demandas valorizadas e apresentadas aos serviços, influenciadas
pela medicalização(13).
Assim, nesta pesquisa, experiências e significados atribuídos por homens ao
pós-nascimento são evidenciados e analisados, dando-se ênfase particularmente à
sua relação com aspectos socioculturais de gênero e masculinidades, buscando
apreender e compreender a expressão particular das suas necessidades de saúde.
Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas em diferenças
percebidas entre os sexos e transformadas em saberes e práticas imbricados a
relações de poder(14), que resultam em diferenças, estereótipos e situações de
desigualdade entre sujeitos, seja do mesmo sexo ou de sexos diferentes(15), com
o domínio histórico do masculino. Esses aspectos são tidos como naturais, e
influem sobremaneira o modo de viver, adoecer e morrer de mulheres e homens,
nas suas necessidades e práticas de cuidados à saúde e nos sentidos que estas
adquirem para cada um, bem como no reconhecimento dos serviços de saúde das
necessidades.
No caso do homem, gênero corresponde ao conjunto de dispositivos culturais que
marcam os corpos como masculinos não apenas em sua anátomo-fisiologia, mas na
constituição das identidades e na sua circulação social, articulada também à
classe social, etnia, sexualidade(16), dentre outros referentes. Assim,
aproximar-se dessa perspectiva contribui para pensar os homens como sujeitos
com necessidades concretas e peculiares(7,13).
À luz dessa perspectiva teórico-metodológica, intenciona-se distinguir
analiticamente necessidades de vida e saúde de homens, relativas ao período
pós-nascimento, apreendidas de seus discursos.
METODOLOGIA
O trabalho é parte de um estudo que analisa e correlaciona o modo como
mulheres, homens e trabalhadores de saúde interpretam a vivência do pós-parto,
necessidades de saúde decorrentes, e cuidados relacionados(17). Os elementos do
objeto de investigação foram analisados a partir da perspectiva de gênero.
Trata-se, pois, de estudo exploratório-descritivo, baseado em método
interpretativo qualitativo, realizado em 02 territórios de Saúde da Família
(SF) de Cuiabá-MT (nomeados de T1 e T2). Estes foram eleitos a partir de uma
classificação prévia das Unidades de SF do município, que analisou o
cumprimento de requisitos da política nacional de saúde, relativos à
infraestrutura, pessoal, gestão e assistência pós-parto(18). Selecionou-se 01
unidade dentre as cinco com maior classificação (T1) e 01 dentre as cinco com
menor classificação (T2), considerando como critérios adicionais o acesso do
pesquisador a unidades com equipe completa, com o mínimo de cinco mulheres em
pós-parto.
Participaram 08 homens (4 do T1 e 4 do T2), dentre os 10 que, por ocasião da
coleta de dados, residiam com suas respectivas mulheres em pós-parto (entre 45
e 105 dias), visto que dois não aceitaram integrar o estudo. Os participantes
foram codificados com a letra H, seguida de um número identificador (de 1 a 8).
A coleta de dados ocorreu entre outubro e novembro de 2011, por entrevista
semiestruturada, auxiliada por um roteiro testado com questões fechadas, para
caracterização dos participantes, e questões abertas, que abordaram: a vida
pessoal e familiar do homem no pós-nascimento; necessidades de vida e saúde
interpretadas; cuidados de saúde realizados e valorizados. Utilizou-se a
técnica de análise de conteúdo do tipo temática, por meio dos passos: 1)
identificação dos núcleos temáticos (em resposta às perguntas: quais mudanças
se processam na vida de homens no pós-nascimento? Quais necessidades de saúde
expressam-se em seus modos de viver essa fase?) e 2) classificação,
interpretação e categorização dos resultados(19).
A pesquisa foi aprovada com o parecer 011/CEP-HUJM/2011, do Comitê de Ética em
Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller, e respeitou todas as
exigências nacionais vigentes para pesquisa com seres humanos. Todos os
participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os homens do estudo apresentaram várias necessidades com o nascimento de seu
filho, de ordem sociocultural, afetiva, relacional e orgânica. Dentre elas,
deram maior ênfase a necessidades que se conectam ao que, em bases culturais,
tomam como a sua natural responsabilidade na divisão de papéis sociais entre
homens e mulheres – o cuidado financeiro da família. Mas, para além dessa
necessidade, expressaram e valorizaram a obtenção de afeto que a experiência
possibilita, preocupando-se também com prover o bem estar da companheira e o
desenvolvimento e a saúde do filho, aspecto esse que distingue o seu papel de
cuidador na paternidade.
Necessidade de promover segurança ao filho e de com ele interagir afetivamente
Corresponder a um ideal de paternidade que possuíam expressou-se como uma
importante necessidade sociocultural dos homens do estudo, satisfeita com o
nascimento do filho. Esta se manifestou a partir da referência a mudanças
consideradas positivas, em sua autopercepção, sentimentos, desenvolvimento
pessoal, interação familiar e modos de se por na vida.
A experiência da paternidade foi apontada como satisfatória, pela percepção de
que ela gerou crescimento pessoal e pelos sentimentos de autorrealização e de
felicidade vivenciados com a consecução do projeto idealizado: ser pai.
[...] É uma experiência tão grande que eu tô passando de ser pai.
Você chegar do trabalho cansado olhar sua filha rindo pra você, é uma
alegria, você pode esta com alguma dor, alguma coisa, se você olhar
aquele rostinho bonito, sorrindo, é uma alegria enorme, olhar e poder
falar essa é a minha filha. Com ela eu me sinto um homem de verdade,
com responsabilidade. (H.5, T2- 22 anos, ensino fundamental
incompleto, união estável, empregado, 01 filho, moradia alugada)
Ter filho e poder exercer a paternidade foi considerado um ganho pessoal,
vivido com alegria; expressando-se como uma necessidade satisfeita, articulada
a necessidades psicoafetivas – de amadurecimento pessoal e da vida em família,
e de interação prazerosa com o filho e maior compartilhamento com a
companheira.
Pesquisa feita em João Pessoa-PB, sobre a emergência do sentimento de
paternidade, constatou a positividade desta experiência para homens de classe
socioeconômica baixa, especialmente associada à expectativa social de revelar a
virilidade masculina como cumprimento de uma função social, a de reprodução da
espécie, e também ao estabelecimento do vínculo afetivo entre pai-filho(3).
O ganho foi aquilatado, entre os homens, pelo aumento de responsabilidade para
com a própria vida e/ou vida familiar, e/ou pelo amadurecimento pessoal
percebido, e/ou via relação afetiva satisfatória com o filho.
É uma experiência tão grande que eu to passando: de ser pai. Você
chegar do trabalho cansado, olhar sua filha rindo pra você, é uma
alegria. Você pode estar com alguma dor, alguma coisa, se você olhar
aquele rostinho bonito, sorrindo, é uma alegria enorme [...]. Com
ela, eu me sin-to homem de verdade, com responsabilidade. Porque de
primeiro eu não queria saber da vida, só queria curtição. Hoje não,
tenho minha filha e esposa que precisam de mim. (H.5, T2- 22 anos,
ensino fundamental incompleto, união estável, empregado, 01 filho,
moradia alugada)
No Rio Grande do Sul, estudo que objetivou entender como homens na primeira
experiência da paternidade, de classe socioeconômica baixa percebem a volta
para casa com o bebê e as implicações disto na vida familiar, aponta que o
nascimento de um filho promove modificações de suas crenças e valores,
possibilitadas pela avaliação de si mesmos e das responsabilidades e
prioridades que envolvem a passagem para a paternidade(5).
O contentamento de ser pai também foi relacionado a ganhos no relacionamento
com a companheira e, ainda, no lidar com questões relacionais da vida pessoal e
familiar.
Agora a gente está mais feliz, antes a gente brigava muito, todo dia
discutia, agora não, agora a gente está light. Agora é só o bebê. É
Deus e nós três. A gente está mais junto ainda, mais próximo um do
outro, tudo a gente senta junto e conversa pra ver o melhor jeito de
fazer as coisas. (H.4, T1 - 22 anos, ensino médio completo, união
estável, empregado, 01 filho, moradia alugada)
Destaca-se assim que, com a paternidade, dentre as prioridades que passam a
fazer parte da vida do homem também está a necessidade de estabelecer uma
relação contínua e calorosa tanto com o filho como com a companheira(6), isto
é, expressa-se a necessidade que possui de criação de vínculos afetivos.
O exercício da paternidade é um direito de homens, que requer protagonismo. Ao
ser assumida com responsabilidade por estes, ela pode contribuir para o
desenvolvimento das emoções paternas, maior satisfação e compartilhamento na
vida familiar, redefinição da vida em sociedade, dentre outras(6).
A paternidade possibilitou que homens se percebessem diferentes, ao tempo que
se viram assumindo novos posicionamentos em relação à vida pessoal e familiar.
No processo, experimentaram novos sentimentos, novas interações familiares e se
viram efetivando papéis e projetos idealizados que responderem a necessidades
socioculturais e afetivas que tinham. Mais que isso, a paternidade, para além
de lhes produzir carências ou de responder a elas, lhes supriu necessidades de
amadurecimento pessoal e das relações familiares, isto é, correspondeu à
satisfação de necessidades afeitas à esfera do desenvolvimento de potenciais
disponíveis.
Ao exercer a paternidade, os homens também enfrentam muitas preocupações. Ter
um filho representa o surgimento de outros encargos e tarefas(20). Nesse
sentido, sabe-se que o homem contemporâneo muitas vezes enfrenta ambiguidades
relacionadas à necessidade que ele sente de exercer a paternidade, de sentir-se
realizado e bem com os ganhos desta experiência e, também, ter que se defrontar
com a necessidade de suprir as novas demandas financeiras da família
decorrentes da ampliação dos seus membros.
Assim é que os homens do estudo manifestaram sentimentos de preocupação,
sobretudo com a obtenção de condições de vida vistas como necessárias e
desejadas para o filho, no presente e futuro.
Ser pai é ... (silêncio). Eu nem sei o que falar, eu to muito feliz.
Quero estar junto com ele, com a mãe dele, pra gente cuidar dele. Eu
acho que tem que batalhar muito, pra dar um futuro, um presente. Tudo
pra criança. O importante hoje é a educação pra criança. Eu quero ser
um bom pai, passar coisa boa para o meu filho. Eu me preocupo com
isso, eu perco até o sono, nem durmo pensando como vai ser daqui pra
frente. (H.3, T1 - 29 anos, ensino médio completo, casado, empregado,
01 filho, moradia conjugada com a família de origem da companheira)
Entre todos os participantes, as novas responsabilidades se associaram a
inquietações com a garantia de boas condições de vida para o filho, necessidade
essa que incluiu, além de estar junto e educar, arcar com os gastos e propiciar
segurança financeira familiar, presente e futura. Ou seja, a necessidade de
assegurar condições financeiras para as novas demandas familiares advindas do
nascimento manifestou-se como uma das mais significativas.
Entre os homens, a preocupação atrelou-se, basicamente, ao que entendem ser
primariamente sua responsabilidade: prover condições financeiras à família.
Isto é, tomaram para si o suprimento dessa necessidade:
O que eu trabalhava durante o dia tem que dobrar. Trabalhar a noite.
É despesa a mais. A gente não deixa de preocupar, eu tenho que me
esforçar porque tenho meus filhos e minha esposa pra sustentar em
casa [...]. (H.8, T2 – 28 anos, ensino médio completo, união estável,
empregado, moradia própria)
Em consonância com este achado, estudo realizado com participantes de uma
atividade educativa sobre planejamento familiar, em Fortaleza - Ceará, aponta
que, os aspectos financeiros constituem preocupação masculina constante,
presente desde o momento da decisão de ter filhos(21). Outra pesquisa, também
com homens, destaca que embora a percepção do ser pai seja envolvida por
representações individuais, influenciadas pelas vivências com gerações
passadas, a responsabilidade financeira constitui uma marca de gênero, comum
entre aqueles que se veem na condição de pai(22). Além disso, manter boas
condições financeiras faz parte da autonomia das pessoas no seu modo de levar a
vida(23) e, portanto, reflete uma importante necessidade.
Frente às dificuldades financeiras enfrentadas e à perspectiva de sua ampliação
com as novas demandas decorrentes da presença de mais um membro na família,
trabalhar mais foi considerado, por homens, imprescindível ao custeio de mais
despesas no pós-nascimento. Assim, o filho passou a ser incentivo e também a
causa da busca por maiores ganhos. Forte preocupação financeira e
autorresponsabilização com o sustento da família, inclusive, provocaram
mudanças também na relação de homens com o trabalho remunerado, manifestando-se
a necessidade tanto da permanência no emprego, como do compromisso, da
dedicação e do esforço pessoal no trabalho, associados à possibilidade de
melhores ganhos, indicando um novo posicionamento e inserção na esfera do
trabalho público:
Agora eu tenho mais responsabilidade no serviço, que antes eu não
tinha. Antes eu ia embora, eu não tava nem ai no serviço. Hoje não!
Me chamou pra trabalhar à noite, eu vou. Chamou pra viajar, eu estou
indo, porque eu sei que ganha mais. Estou me esforçando mais por
causa deles porque tem que sempre sobrar, não pode faltar. Com os
bebês eu posso dizer que senti mais mudança foi no meu trabalho.
(H.1, T1 34 anos; ensino médio completo; empregado; união estável; 02
filhos, moradia conjugada com a família da companheira)
O pai-provedor mostra-se figura emblemática na significação da paternidade
entre homens(2), da qual decorrem preocupações tais como as encontradas, com os
ganhos e com a inserção no mundo do trabalho remunerado, frente à valorização
da necessidade financeira da família, cuja satisfação é tomada como
primariamente responsabilidade masculina. Isto também foi identificado em
estudo com pais adolescentes de classes populares de Porto Alegre (Rio Grande
do Sul), acerca da concepção de paternidade e estratégias nela adotadas, o qual
destacou que uma das consequências de ser pai é, impreterivelmente, a de
exercer trabalho remunerado, em correspondência ao significado social do pai
provedor(24). Mesmo quando adultos, os homens ainda percebem a maternidade e a
paternidade dentro dos padrões tradicionais, relacionando-as, respectivamente,
a procriar e cuidar dos filhos e a prover demandas financeiras da família(20).
Assim é que, ao tomarem para si o que entendiam como "suas responsabilidades",
homens do estudo cobraram de suas companheiras um "adequado desempenho" do que
julgavam "ser a sua parte" – o apropriado cuidado da casa e dos filhos,
reafirmando papéis sexuais tradicionais, num reforço a valores construídos com
base em desigualdades de gênero.
Eu sempre falo pra ela (a mulher) pra cuidar mais das coisas da nossa
filha, porque as coisas de aluguel, alimentação, eu faço [...]. Eu
falo pra ela preocupar mais é com minha filha. Eu trabalho com meu
pensamento em casa, em minha filha. [...] Agora ela é um incentivo a
mais para eu fazer o meu serviço. (H.5, T2- 22 anos, ensino
fundamental incompleto, união estável, empregado, 01 filho, moradia
alugada).
Culturalmente, a paternidade lhes confere a responsabilidade por suprir
necessidades materiais do filho e da família, representadas principalmente pela
garantia de subsistência e proteção financeira. Do mesmo modo, lhes confia um
papel central no comando familiar, com o poder primeiro de decidir sobre o seu
andamento(3).
Assim, a histórica divisão cultural de tarefas entre homens e mulheres é
considerada justa por homens, e também o exercício de seu "direito" de
controlar o cumprimento das "responsabilidades" da mulher, via críticas e
exigências. A mulher atender ao seu comando e dar conta da parte que lhe cabe
se constituiu, assim, em uma necessidade familiar e própria para o homem.
As compreensões acerca do que tange ao homem e à mulher no processo reprodutivo
faz parte da socialização masculina e feminina, na qual a divisão dos papéis
sexuais e a atribuição de responsabilidades para cada sexo vão se definindo
desde a infância, ao longo da vida familiar e social(3).
O reconhecimento de como o homem vivencia necessidades financeiras e a
reafirmação de dicotomias nos papéis sociais de homens e mulheres, arraigadas
em modelos culturais históricos de paternidade e maternidade, remetem à
apreensão de duas importantes e relacionadas necessidades a serem consideradas
socialmente, pelos serviços de saúde e pelos próprios homens: a necessidade de
reconhecimento da natureza sociocultural das experiências com a paternidade e
de promoção da equidade nas relações de gênero.
Por decorrência, os serviços de saúde têm o desafio de considerar a necessidade
do homem de se ver e entender em meio ao exercício da paternidade, considerando
as suas próprias necessidades e a dos demais envolvidos, situando-as em um
sistema de significação sociocultural.
O movimento no qual o homem contemporâneo reflete, reinventa e reconstrói sua
subjetividade de pai vem abrindo caminhos à construção de uma nova concepção e
forma de vivenciar este papel, com destaque para a importância de considerar
que essa experiência também é construída frente à capacidade daquele de
perceber e de reconhecer as suas necessidades afetivas(2) e socioculturais.
É importante que este homem reconheça a necessidade da igualdade nas relações
de gênero no que tange aos direitos e deveres na vivência familiar, para que a
experiência afetiva da paternidade e a experiência conjugal possam ser vividas
de forma saudável.
A dificuldade do homem de viver o pós-nascimento como uma experiência
compartilhada com a mulher relaciona-se fortemente à reprodução ideológica dos
papéis sociais de gênero, que o distanciam de uma participação mais ativa no
processo reprodutivo. Assim, para que os homens experienciem a paternidade de
modo mais equânime é preciso que eles e as mulheres repensem seus atributos
sociais em meio à complexidade dessa vivência(3).
No estudo, identifica-se que, apesar da prioridade dada por homens a
necessidades financeiras, eles também manifestaram a vivência de um dilema
frente ao papel tradicional de sustento da família, entendendo que este lhes
dificultava suprir a necessidade de estarem próximos de seus filhos.
Eu tinha que ter mais tempo, só que eu não tenho, por causa do
trabalho. Eu saio seis horas da manhã. Tem horas que eu chego dez,
onze da noite. Ela já está dormindo. Ai, eu não tenho tempo pra ficar
com ela. Eu queria ter esse tempo [...]. (H.6, T2 - 27 anos, ensino
médio completo, casado, empregado, 01 filho, moradia própria)
Encontrou-se forte preocupação e responsabilização com o sustento financeiro do
(s) filho(s) e da família, mas que se estendeu também ao contato cotidiano com
a criança, frente à necessidade de também participar do seu cuidado diário e de
sua educação.
A responsabilidade financeira constitui pressão social sobre o homem, que,
quando não cumprida, põe em xeque a sua masculinidade. Embora essa
representação da paternidade traga consigo a referência do pai que ampara o
filho, ela é vivida pelo homem de modo paradoxal, pois o afasta da dimensão
afetiva pai-filho(25).
A paternidade intensificou a relação de homens com o trabalho na esfera
pública, reafirmando papéis construídos do masculino e feminino, mas também
instigou a ocupação de um novo lugar na esfera das relações familiares, como
cuidador do filho e da casa, estimulada pela ampliação das demandas e suas
implicações para a companheira e, ainda, pelos significados afetivos da
paternidade.
Eu acordo com ela. Aí vou trabalhar. Na hora do almoço, quando ela
não está dormindo, eu pego ela, brinco, almoço e fico com ela no colo
até eu sair. Depois que eu chego (à noite) é a mesma coisa: eu pego
ela, brinco, ai ela dorme ou a gente fica até tarde. Eu fico cuidando
dela, ajudo a cuidar dela [...]. É bom. Se for preciso dou banho. No
sábado e domingo eu ajudo na casa também. Eu deixo ela (a mulher) só
cuidando do neném, pra ela descansar. Se fosse por mim, eu queria
ficar o tempo inteiro em casa pra ajudar a cuidar do neném. (H.2, T1
- 36 anos, ensino fundamental incompleto, união estável, empregado,
01 filho, moradia cedida pela família de origem).
Encontrou-se, assim, certa mudança na inserção de homens na família,
relacionada à interação com o filho, a parceira e o ambiente familiar. Isso não
significa, entretanto, que eles assumiram em condições de igualdade as ações de
cuidado do filho e da casa. Essa participação no ambiente familiar ocorreu
dentro de certos limites, sendo compreendida e efetivada como ajuda à mulher, e
não como responsabilidade primeira do homem frente à nova situação.
É evidente o papel insubstituível que o homem atribuiu à mulher no cuidado da
criança e casa, também favorecido pelo fato de as mulheres não exercerem
atividades laborativas fora do domicílio. Embora tenham revelado uma
participação mais ativa no exercício da paternidade e no cuidado da casa, ainda
se manifesta o diferencial de gênero como constituinte de suas referências
sobre esses eventos.
O cuidar, no sentido de "olhar", apareceu como principal atividade que
desempenhavam, enquanto os demais cuidados diários do filho ficavam sob a
incumbência da mulher. Sua participação configurou-se como auxílio,
desempenhada quando a mulher não pode assumir o cuidado da criança:
Quando estou em casa, mais no final de semana, eu ajudo a olhar o
neném, pra ela (esposa) limpar a casa ou fazer comida, mas quando ele
fica muito enjoado, e eu não sei cuidar dele, porque ele quer peito
ou quer dormir, já dou logo pra ela porque a mãe tem mais um jeitinho
de cuidar, de pegar, mas eu ajudo. (H.7, T2 – 33 anos, ensino médio
completo, casado, empregado, 2 filhos, moradia cedida por terceiros)
Contudo, homens perceberam o período pós-nascimento como uma fase de cuidado e
atenção com o filho, e manifestaram uma atitude positiva, de preocupação e
dedicação no que se refere ao seu cuidado cotidiano. Localizou-se, assim, certa
transição do homem-pai tradicional, que tem como papel prioritário o provimento
financeiro do núcleo familiar, para um homem mais participativo no cuidado do
filho e nas tarefas da casa. Movimento esse que se atrelou fortemente à
necessidade afetiva de interagir com o filho.
Estudo com homens no pós-parto, realizado em Natal-RN, aponta a importância que
eles dão à sua participação no cuidado da mulher, do lar e dos filhos e o
quanto se sentem felizes em participar deste momento(2). Desse modo, é possível
identificar que homens se distanciam, em alguma medida, do papel único de
provedor financeiro, tornando-se coparticipes do cuidado na vida cotidiana
familiar(3), o que resulta na manifestação de necessidades relacionadas a essa
esfera, em especial, em torno do cuidado e da troca de afeto com a criança.
Novas configurações no exercício da paternidade são frutos de um conjunto de
transformações históricas sociais e culturais, com repercussões no âmbito da
família, do trabalho, das relações público-privado, de gênero e dos papéis
masculinos na sociedade(6). Particularmente, com a transformação em curso do
modelo patriarcal, o papel exclusivo de provedor de necessidades financeiras da
família passa a ser questionado, pelas mulheres e pelos homens(3,6),
valorizando-se necessidades de outras ordens: como as afetivas e as de relações
mais igualitárias de poder.
Prover o bem estar da companheira e a educação, o conforto e a saúde dos filhos
também caracterizam o papel de cuidador de homens na paternidade. Assim é que
manifestaram sentimentos de busca de contato físico, de intimidade com o filho,
de proximidade afetiva, de disponibilidade de tempo para este, embora não
priorizassem essa experiência em relação ao trabalho na esfera pública.
O "novo pai" visita o tradicional, mas dele também se afasta, concebendo a
paternidade de modo mais abrangente, mostrando-se mais envolvido na dimensão
afetuosa e solidária, preocupando-se não só com questões financeiras, mas
também com a construção de vínculo afetivo com a criança e família(2-3),
necessidades essas que se somam.
A participação afetiva do homem na gravidez, no nascimento e pós-nascimento e
outros eventos que envolvem a relação pai, mãe e filhos promove situações de
bem estar para todos os envolvidos(3), além de possibilitar relações mais
igualitárias e de proporcionar saúde e qualidade de vida para a família e seus
membros.
Desse modo, a participação ativa do homem nas várias tarefas da família e no
cuidado afetivo do filho, em sintonia com a necessidade de promoção da equidade
nas relações de gênero, configura-se como um importante potencial a ser
considerado.
Quanto mais precoces forem os laços afetivos entre pai e filho, possivelmente
mais saudável será a paternidade(2). Ser um pai participativo requer
oportunidades nas relações familiares que propiciem tal envolvimento. O
envolvimento afetivo precoce e a aceitação da paternidade beneficiam a
construção do vínculo entre pai-mãe-filho e o compartilhamento da experiência
de forma conjunta, constituindo-se todos estes aspectos em necessidades a serem
satisfeitas.
Contudo, a construção desse vínculo encontra dificuldades, expressas tanto em
leis que não consideram a importância dessa relação como em jornadas de
trabalhos extensas e cansativas e em limitações institucionais, como
particularmente as da área da saúde, que não propiciam ou dificultam a
participação mais próxima de homens na vida dos filhos(6).
Para finalizar, é importante que se destaque que os homens apontaram outros
aspectos que também constituem necessidades a serem satisfeitas, entre elas a
necessidade de convívio social e de lazer, necessidades relacionais afetivo-
conjugais e necessidades orgânicas. Todas elas com possíveis implicações na
saúde, especialmente se mantidas por longo tempo.
Alguns deles fizeram referência à dificuldade de manter atividades sociais de
lazer habituais, em especial frente às novas tarefas. Necessidades dessa ordem
foram colocadas em segundo plano e temporariamente deixadas de lado, em prol do
exercício paterno.
Necessidades afetivo-conjugais, ainda que expressas, também foram minimizadas.
No período, o distanciamento entre o casal foi justificado pelo fato de o homem
ocupar-se de novas tarefas e/ou a mulher das atividades da maternidade, sendo
prioridade do momento atender as demandas do filho.
Por fim, as necessidades orgânicas referidas foram relacionadas à presença de
desgaste físico, decorrente principalmente do sono interrompido, que gera
cansaço e stress, acarretando redução do rendimento laboral, indisposição para
cuidar do filho e para participar de tarefas domésticas. Embora reconheçam a
importância da necessidade de descanso sem interrupção, esta é naturalizada e
se torna secundária frente ao cuidado da criança, dados sua fragilidade e
dependência, o que homens entendem ser o bom exercício da paternidade e
condições sociais disponíveis de apoio a essa ação.
Quer dizer, o exercício da paternidade vem acompanhado da necessidade primeira
de suprir as necessidades do filho (de segurança e cuidado), o que fazem
dedicando-se ao trabalho remunerado e participando, em alguma medida, de seu
cuidado diário. Necessidades relegadas, como as afetivo-conjugais, de lazer e
descanso, também reforçam a compreensão de que homens precisam melhor se
reconhecer no exercício social da paternidade. Ainda mais considerando que
também se encontrou seu distanciamento de ações institucionais de cuidado à
saúde do filho e da mulher, como a participação nas ações do serviço local de
saúde, sugestivo da necessidade deste de desenvolver uma participação mais
ativa nas questões de saúde, referentes a si mesmo e aos demais membros da
família.
Favorecendo essa prática encontra-se particularmente a postura técnica dos
profissionais de saúde que elege certos carecimentos em saúde e reforça a sua
medicalização, reproduzindo um padrão tradicional de masculinidade que
desconsidera direitos humanos e sociais dos homens(6,26) e a relação destes com
a sua saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os homens participantes do estudo vivenciaram o exercício social da
paternidade, no pós-nascimento, como culturalmente estabelecido, ou seja,
principalmente como provedores de segurança financeira ao filho e à família,
aspecto que se revelo como uma necessidade prioritária para eles. Ocupar-se do
suprimento familiar os distanciou do cuidado cotidiano dos filhos e da
interação com eles. Mas esta experiência também foi desejada por eles e a
buscaram efetivar, em alguma medida, revelando outra necessidade valorizada: a
de acompanhar, cuidar e educar o filho, acessando o retorno afetivo que a
experiência traz.
Outras ordens de necessidade que expressaram, sem priorizá-las ou percebê-las
claramente, foram as relacionais-conjugais, orgânicas e de lazer. As
necessidades valorizadas encontravam-se direta ou indiretamente relacionadas ao
que eles entendiam propiciar o bem estar do filho. Assim, homens não se
revelaram como sujeitos com necessidades próprias de saúde no pós-nascimento,
desvalorizando o cuidado à própria saúde.
O estudo evidencia, então, a necessidade de homens se verem em sua experiência
no período pós-nascimento, a partir de novos moldes, em especial referências de
masculinidade que incorporem o cuidado consigo e capacidades cuidadoras
compartilhadas. Homens precisam se reconhecer e ser reconhecidos como sujeitos
que necessitam de cuidados específicos à sua saúde. Estes devem possibilitar a
compreensão das relações entre as suas vivências, práticas e percepções em tor-
no da reprodução e da paternidade e aspectos culturais de gênero, de modo que
possam participar da construção de equidade nesses processos, tendo em vista
repercussões positivas na sua vida e saúde e na de toda a família. Obviamente,
isso exige mudanças sociais mais abrangentes das relações de poder cotidianas
que naturalizam e desqualificam a paternidade, assim como o potencial que
homens têm para incorporar novas formas de participar da vida dos filhos. Nesse
sentido, políticas públicas, legislação e práticas cotidianas das diversas
áreas sociais, entre as quais a área da saúde, têm o desafio e a
responsabilidade de agregar novas possibilidades.