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BrBRCVHe0034-71672014000600886

BrBRCVHe0034-71672014000600886

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2014
Issue0006
Article number00886

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Comportamentos e práticas sexuais de homens que fazem sexo com homens INTRODUÇÃO No contexto epidemiológico da AIDS, a população de homens que fazem sexo com homens (HSH) é considerada uma das mais vulneráveis, apresentando um elevado número de casos dessa doença nas categorias de exposição sexual, homo e bissexual, apesar de demonstrar uma tendência à estabilização nos últimos anos no Brasil. Tais dados epidemiológicos apontam para a prevalência preocupante de 39,4% de casos da doença decorrentes de exposição sexual nessas categorias(1).

Nesse cenário, a categoria HSH vem sendo amplamente utilizada para designar homossexuais, bissexuais e outros homens que assumem tal prática, mas que podem sentir dificuldade em se definirem como homossexuais. Essa terminologia tem sido adotada por grande parte dos estudos de saúde coletiva, que concentram esforços para a compreensão da dinâmica da epidemia de AIDS nessa população(2).

Esses inquéritos têm investigado os diversos fatores que favorecem a transmissão do HIV/AIDS no subgrupo de HSH, como a adoção de práticas sexuais desprotegidas, a aquisição de comportamentos de risco, e o preconceito e a discriminação, o que torna os HSH uma das populações mais vulneráveis no contexto da epidemia do HIV/AIDS(2-3).

Ao longo da epidemia, o conceito de risco esteve atrelado às políticas e práticas preventivas direcionadas a populações específicas, muitas vezes com conotação discriminatória e estigmatizante. Dessa forma, atualmente o conceito de "vulnerabilidade" é adotado, pois abrange a percepção do adoecimento como resultado de um conjunto de aspectos, não apenas individuais, mas também coletivos e contextuais, que acarretam maior suscetibilidade ao sujeito(4).

Cabe ressaltar que o enfrentamento da epidemia de AIDS em qualquer segmento populacional, incluindo a população HSH, exige o reconhecimento da vulnerabilidade, especialmente de aspectos relacionados aos comportamentos e práticas sexuais adotadas pela população citada. Desse modo, é imprescindível a realização de estudos que investiguem as práticas sexuais na população específica de HSH, com vistas ao desenvolvimento de intervenções direcionadas ao subgrupo e à avaliação das iniciativas existentes para prevenção do HIV/ AIDS entre HSH.

O presente estudo objetivou identificar os comportamentos e as práticas sexuais de HSH, a fim de reconhecer o contexto de vulnerabilidade em que a referida população está inserida, bem como identificar o perfil social e sexual dos HSH.

Nesse contexto, o enfermeiro, como um dos principais promotores de saúde, detém uma grande responsabilidade, desempenhando esse papel em sua prática profissional por meio de ações específicas para esse grupo, como a realização de estratégias educativas, a participação em programas de prevenção e no acolhimento humanizado, por meio de uma escuta ativa das demandas dos HSH nas diversas instituições da saúde.

METODOLOGIA Tratou-se de um estudo transversal do tipo exploratório descritivo. O inquérito foi realizado em uma boate localizada no centro da cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará, reconhecida como um dos principais locais de sociabilidade gay da cidade. O local foi descrito minuciosamente em estudo etnográfico, sendo evidenciado como um local tradicional de sociabilidade dessa população, o que justificou a seleção do mesmo para realização desta pesquisa(5). A opção pelo recrutamento da amostra em locais de sociabilidade gay seguiu uma tendência observada em outros estudos realizados com a referida população(2,6).

Empregou-se a amostragem não probabilística, método utilizado em situações que não é possível construir uma amostra-padrão adequada de locais ou situações em que integrantes de uma subpopulação se reúnem. Esse tipo de amostra gera dados relevantes e vem sendo utilizada nos estudos direcionados à população HSH(6-7).

O tamanho amostral foi calculado por meio da fórmula para populações finitas, totalizando 189 HSH, que atenderam aos os seguintes critérios de inclusão: maiores de 18 anos, brasileiros, que tivessem se relacionado sexualmente pelo menos uma vez no último ano e que frequentassem locais de sociabilidade gay.

A coleta de dados ocorreu no período de novembro de 2010 a março de 2011. A abordagem dos sujeitos deu-se de maneira aleatória antes da entrada no local supracitado. O formulário foi preenchido com dados sociodemográficos, de história e de práticas sexuais. Esse instrumento foi construído a partir da adaptação de instrumento utilizado em outro estudo de âmbito nacional(2).

A análise dos dados consistiu na descrição das frequências e médias, dispostas na forma de tabelas ilustrativas. O programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, foi utilizado e discutiram-se os resultados conforme a literatura pertinente. Os aspectos éticos e legais envolvendo a pesquisa com seres humanos foram respeitados. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, conforme protocolo 247/10.

RESULTADOS Os dados referentes às características sociodemográficas da amostra estão disponibilizados na Tabela_1.

Tabela 1 Distribuição dos dados sociodemográficos de homens que fazem sexo com homens-HSH, Fortaleza, Ceará, 2011  Caracterização f (%) Faixa etária, anos (n = 189)   18-25 95 (50,3)  25-34 68 (35,8)  35-44 21 (11,0)  45-55 5 (2,6) Escolaridade (n = 189)    Fundamental incompleto 3 (1,6)  Fundamental completo 4 (2,1)  Médio incompleto 17 (9,0) Escolaridade (n = 199)    Médio completo 89 (47,1)  Superior incompleto 35 (18,5)  Superior completo 28 (14,8)  Pós-Graduação 13 (6,9) Estado civil (n=199)    Solteiro 162 (85,7)  Casado/amigado com homem 24 (12,7)  Separado 1 (0,5)  Divorciado 2 (1,1) Com relação à idade, todos os participantes eram maiores de 18 anos, com média de idade 26,54 anos, sendo a mínima de 18 e a máxima de 55 anos, com desvio padrão de 7,40. A escolaridade dos sujeitos, medida por nível de escolaridade, foi considerada alta, pois 87,3% (155) dos sujeitos estudados eram homens com, no mínimo, Ensino Médio completo.

História sexual Os dados referentes ao comportamento sexual dos participantes, como sexarca, relação heterossexual, história de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e realização de teste anti-HIV estão dispostos na Tabela_2.

Tabela 2 Distribuição dos dados da história sexual de homens que fazem sexo com homens, Fortaleza, Ceará, 2011  História sexual f (%) Idade da primeira relação sexual, anos (n = 189   Menos de 10 18 (9,6)  11-15 99 (52,3)  16-20 64 (33,8)  21-23 7 (3,7)  Não lembra 1 (0,5) Relação heterossexual (n = 189)    Sim 117 (61,9)  Não 72 (38,1) História pessoal de DST (n=189)    Sim 26 (13,8)  Não 162 (85,7)  Não lembra 1 (0,5) Tratamento de DST (n=26)    Sim 21 (86,2)  Não 5 (11,1) Realização do teste anti-HIV (n = 189)    Sim 139 (73,5)  Não 50 (26,5) DST: Doenças Sexualmente Transmissíveis.

Referente à sexarca, a idade média de início sexual foi de 14,6 anos, sendo a menor 6 anos e a maior 23 anos, com desvio padrão de 3,1.

Práticas sexuais As práticas sexuais também foram investigadas, e os dados relativos a essas informações estão na Tabela_3.

Tabela 3  Distribuição das práticas sexuais de homens que fazem sexo com homens, Fortaleza, Ceará, 2011  Práticas sexuais f (%) Sexo oral (n=189)    Sim 182 (96,3)  Não 7 (3,7) Uso do preservativo no sexo oral (n=182)    Sempre 60 (31,7)  Às vezes 42 (22,2)  Não usa 77 (40,7)  Apenas quando realizo (insertivo) 3 (1,6) Sexo anal (n = 189)    Sim 185 (97,9)  Não 4 (2,1) Uso do preservativo no sexo anal (n=185)    Sempre, independente do tipo 139 (73,5)  Apenas quando é passivo (receptivo) 2 (1,1)  Apenas quando é ativo (insertivo) 7 (3,7)  Não usa 24 (12,7)  Às vezes 13 (6,9) A maioria dos respondentes (182; 96,3%) relatou a realização de sexo oral.

Quanto à prática do sexo anal, também quase totalidade (185; 97,8%) dos sujeitos a referiu. Foram encontrados resultados que ressaltam a elevada prevalência da prática do sexo anal desprotegido na amostra estudada, pois 12,7% (24) dos entrevistados referiram que não usavam proteção e 6,9% (13) assumiram a utilização da proteção "às vezes".

DISCUSSÃO A idade dos participantes do estudo denotou uma população jovem usuária dos locais de sociabilidade gay, congruente com o apresentado em estudos semelhantes. Pesquisa desenvolvida com amostragem semelhante, na qual entrevistaram-se 465 HSH na cidade de Brasília, revelou amostra formada predominantemente por jovens, com 92,7% entre 18 e 39 anos e média de 27 anos de idade, corroborando os dados do presente estudo(7).

Os estudos realizados com essa população têm demonstrado, de maneira geral, um nível de escolaridade elevado, o que está em consonância com o presente inquérito. Pesquisa realizada no Rio de Janeiro demonstrou que 44% (176) dos entrevistados (400 HSH) informaram ter concluído o Ensino Médio, 29,5% (118) o Superior incompleto e 102 (25,5%) o Superior completo. Logo, 55% possuíam o Ensino Superior incompleto ou mais(6).

No tocante ao estado conjugal, os achados da presente pesquisa estiveram de acordo com a literatura(2). O estado civil solteiro foi referido por 68,7% dos HSH de inquérito nacional realizado com 487 HSH(2).

Em relação à iniciação sexual precoce, a idade média de início de relacionamento sexual de 17% dos entrevistados em Campo Grande esteve por volta dos 8 anos de idade; 44% estiveram em torno dos 13 anos de idade, caracterizando um importante elemento favorável à aquisição de DST, inclusive a AIDS(8). O início sexual precoce está associado ao não uso ou uso inadequado do preservativo, além do uso do tabaco, álcool e consumo de outras drogas(9).

Percebeu-se elevada prevalência de HSH que referiram relação sexual com mulheres em algum momento da vida. Tal fato pode ter relação com o período em que a identidade sexual ainda não é totalmente compreendida pelo homossexual, levando-o à busca de diversas experiências sexuais, inclusive a relação heterossexual(10). Por outro lado, pode-se pensar nesse achado como uma expressão da bissexualidade. Estudo evidenciou que a vulnerabilidade para HIV/ AIDS foi mais frequente entre os homens que relataram atividade bissexual. Os comportamentos sexuais e de proteção diferem conforme gênero e estabilidade da parceria, havendo maior desproteção nas parcerias fixas do gênero feminino entre os bissexuais(11).

Ademais, pensa-se também na necessidade de, muitas vezes, esconder a orientação sexual, pois o homossexual pode ser vítima de preconceitos ou isolamento da sociedade e, inclusive, da própria família. Estudo sobre o preconceito contra homossexuais aponta para presença de um esquema social discriminatório contra o homossexual na sociedade brasileira(12).

Nota-se que, embora o número de homens que afirmaram história pessoal de DST não seja o mais prevalente, esse dado ainda é significativo. Em pesquisa desenvolvida no Distrito Federal, tendo a participação de 465 homens, 7,5% afirmaram ter apresentado algum sintoma de DST nos últimos 6 meses(7). no presente estudo foi considerável o número de pessoas com história pessoal de DST e, embora não tenha sido a maior prevalência, os números demonstraram a vulnerabilidade desse grupo frente à aquisição dessas doenças.

Associada à vulnerabilidade para DST, encontrou-se, também, alta prevalência de realização de testagem anti-HIV. Nesse sentido, percebe-se uma consonância com investigação na cidade do Rio de Janeiro, na qual 72,5% dos entrevistados comunicaram a realização do teste anti-HIV(6). A alta prevalência de testagem entre a população estudada pode estar relacionada com a prática recorrente de comportamentos de risco, que provocaria medo de ter contraído o HIV e que levaria à procura pelo teste, em parte como forma de reduzir a culpa e o medo relacionados à prática insegura, além da falsa segurança proporcionada por um resultado negativo(7).

A investigação acerca do sexo oral esteve em consonância com outras pesquisas.

A preferência pelo sexo oral foi investigada em uma pesquisa com 577 HSH, usuários da internet, na qual se aplicou uma escala de gradação de prazer em relação ao sexo oral insertivo e receptivo. Assim, foi considerada uma prática "prazerosa" por 74,2% e 73,9% dos entrevistados, respectivamente. Existem evidências científicas que apontam para o sexo oral como uma via de transmissão para o HIV. Porém, os estudos realizados até o momento não são precisos quanto à quantificação e à qualificação desse risco(13).

Cabe notar a grande preferência da população de HSH estudada pela realização da prática do sexo anal. Percebe-se que a realização desse tipo de prática pelos HSH tem, na realização dessa prática, uma importante dimensão da identidade sexual, possuindo um significado simbólico dentro do cenário das práticas sexuais dessa população(14). De forma semelhante, entre as práticas sexuais mais comuns dos HSH entrevistados na Região Sul do país, destacou-se o sexo anal insertivo com 87% e o sexo anal receptivo com 73%(15). Sabe-se que o sexo anal insertivo e o receptivo são consideradas como práticas de grande risco para a infecção pelo HIV/AIDS, dentro de uma hierarquia de prevenção(2).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os achados desta pesquisa permitiram constatar que, apesar de não existirem estratégias de ampla escala no contexto da prevenção da transmissão do HIV/AIDS entre os HSH, verificaram-se mudanças que apontaram para uma maior proteção dentro desse grupo.

Notou-se que, apesar do uso do preservativo no sexo anal estar presente na maior parte da amostra, cabe ressaltar ainda a existência de vulnerabilidades pela prática desprotegida. Em contrapartida, os dados epidemiológicos vêm apontando para uma estabilização do número de casos diagnosticados, por meio da contaminação homossexual e bissexual. Tais resultados apontaram para o crescimento da capacidade desse grupo em reagir positivamente aos desafios impostos pela epidemia.

Contudo, a suscetibilidade de determinados grupos e a identificação e compreensão de suas particularidades constituem, ainda, um grande desafio a ser enfrentado em todos os espaços em que condições de risco para aquisição de DST/ AIDS estejam presentes.

Ressalta-se a pouca adesão do preservativo na realização do sexo oral entre os sujeitos estudados. Sugere-se uma melhor compreensão dessa especificidade por meio de um conhecimento mais aprofundado, com o objetivo de subsidiar intervenções que visem à redução do comportamento de risco entre os HSH. Con- sidera-se importante a realização de novas pesquisas que objetivem aprofundar a investigação sobre as razões associadas a não utilização de preservativos, seja na prática do sexo oral ou anal.

Cabe salientar que, devido aos métodos de amostragem, os resultados obtidos não permitiram uma generalização para toda população de HSH, mas demonstraram informações importantes, que podem subsidiar a construção de ações educativas, de políticas e programas direcionados para esse segmento populacional.

Nesse contexto, o profissional enfermeiro deve desempenhar um papel fundamental na promoção da saúde sexual desse grupo específico, por meio de uma atenção humanizada pautada no cuidado holístico, livre de preconceitos, e em atividades de caráter educativo, com vistas a mudanças de comportamento, em busca da prática sexual segura.


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