Fatores associados ao uso inconsistente do preservativo entre pessoas vivendo
com HIV/Aids
INTRODUÇÃO
Passada mais de três décadas desde a descoberta da infecção pelo Vírus da
Imunodeficiência Humana (HIV), esta continua sendo um problema de saúde
mundial. Estima-se que existem cerca de 35 milhões de pessoas vivendo com HIV
no mundo, com aproximadamente 1 milhão e meio só na América Latina(1), sendo
que no Brasil há 757.042 casos registrados(2).
Enquanto em muitos países o número de novas infecções de pessoas infectadas com
o HIV continua a diminuir, com declínio de 75% em 10 países e por mais de 50%
em 27 países, na América Latina houve um declínio de novas infecções de 3%
entre 2005 e 2013. Entretanto, observam-se padrões diferentes entre os países.
Por exemplo, no México, nos últimos de 8 anos, a redução foi de 39%, enquanto
que no Brasil, o país com o maior número de pessoas vivendo com o HIV/Aids na
região da América Latina, o número de novas infecções aumentou 11%(1).
No mundo todo, a maioria das novas infecções pelo vírus HIV ocorre por meio do
contato sexual. A transmissão heterossexual é crescente, sendo que as mulheres
são cerca de três vezes mais propensas a adquirir o HIV de um parceiro
masculino do que a ocorrência do contrário(3). Na América Latina, o Programa
Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ Aids (UNAIDS) estimou cerca de 450 mil
mulheres vivendo com HIV no ano de 2013, enquanto que só no Brasil a estimativa
é de quase a metade desse valor, 210 mil mulheres(1).
As relações heterossexuais são frequentemente caracterizadas por uma divisão
sexual do poder. Para muitos casais, o sexo desprotegido pode ser interpretado
como intimidade e confiança, o que culmina em uma barreira não só para o uso do
preservativo, mas também para a comunicação sobre sexo seguro em geral(3).
No Brasil, a política de distribuição de preservativos gratuita teve início em
1994 e é entregue para os serviços de saúde em todo o país. De acordo com o
Ministério da Saúde, a distribuição desse insumo de prevenção teve um
crescimento de mais de 45% entre 2010 e 2011, aumentando de 333 milhões para
493 milhões de unidades(2).
Apesar disso, a transmissão sexual do HIV é a que mais prevalece, sendo que,
nas mulheres, 86,8% dos casos registrados em 2012 decorreram de relações
heterossexuais com pessoas infectadas pelo HIV. Entre os homens, 43,5% dos
casos se deram por relações heterossexuais, 24,5% por relações homossexuais e
7,7% por bissexuais(2).
Entre as pessoas vivendo com o HIV/Aids, o uso consistente do preservativo é
uma medida preventiva importante entre casais sorodiscordantes e
soroconcordantes, pois tem o intuito de evitar reinfecção de cepas já
resistentes aos antirretrovirais, diminuir carga viral durante as relações
sexuais e evitar a transmissão de outras infecções sexualmente transmissíveis.
O risco de transmissão do HIV em casais sorodiscordantes varia amplamente de
acordo com o tipo e frequência da atividade sexual, bem como da carga viral do
parceiro infectado(4-5).
Nesse sentido, na perspectiva do cuidado integral à saúde, os serviços de saúde
devem estar estruturados para incluir também aspectos da vida sexual, incluindo
a garantia dos insumos de prevenção, bem como assistência voltada para os
aspectos preventivos, visto que o fato do preservativo ser distribuídos
gratuitamente não elimina as barreiras de cunho cultural, social e emocional
que implicam em práticas sexuais desprotegidas.
O uso inconsistente do preservativo masculino tem sido relatado em estudos
conduzidos em países com diferentes níveis de desenvolvimento(6-9), os quais
sugerem que intervenções voltadas para a prevenção do HIV devem considerar
questões complexas relacionadas aos casais(10-11).
Nesse sentido, este estudo teve como objetivo analisar a prevalência e fatores
associados ao uso inconsistente do preservativo masculino entre pessoas vivendo
com o HIV/Aids.
MÉTODO
Estudo transversal e analítico foi realizado no município de Ribeirão Preto,
São Paulo, em 2011, com 228 usuários de dois serviços especializados no
atendimento a Pessoas Vivendo com HIV/Aids (PVHA).
Participaram do estudo homens e mulheres vivendo com o HIV/Aids com idade acima
de 18 anos, com vida sexual ativa nos últimos três meses, cientes da sua
condição sorológica da infecção pelo HIV/Aids há pelo menos 6 meses e que
estavam em acompanhamento clínico nos serviços estudados. Constituíram como
critério de exclusão: indivíduos com vida sexual inativa, que não tinham
condição clínica ou cognitiva para participar da entrevista, e os indivíduos em
situações de confinamento, tais como presidiários e institucionalizados,
residentes em casas de apoio.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, em salas do
próprio ambulatório, antes ou após a consulta médica. Os sujeitos que se
enquadravam nos critérios de inclusão foram convidados a participar do estudo.
As entrevistas foram conduzidas por dois entrevistadores previamente treinados
pelo coordenador da pesquisa realizada.
Foi utilizado um questionário estruturado contendo questões sobre as
características sociodemográficas (sexo, idade, renda, escolaridade) e clínicas
(contagem de células T-CD4, carga viral detectável ou indetectável, presença de
comorbidades).
Sobre o uso do álcool, foi questionado sobre o consumo nos últimos três meses e
dispostas quatro alternativas para respostas: diário (uso durante sete dias da
semana), frequente (uso de três a seis vezes por semana), ocasional (uma vez ou
menos por semana) e não fez uso do álcool.
Foram feitos ainda questionamentos sobre os aspectos da vida afetivo-sexual
(orientação sexual) e os fatores relacionados ao parceiro sexual, como o tipo
de parceria (estável ou ocasional) e o diagnóstico sorológico do HIV do
parceiro (reagente, não reagente ou não sabe). O uso do preservativo masculino
foi avaliado por meio do questionamento da frequência do uso (sempre, às vezes,
nunca) nos últimos três meses. O uso consistente foi considerado para aqueles
que referiram usar sempre, ou seja, em todas as relações sexuais, enquanto que
o uso inconsistente foi feito por aqueles que referiram o uso do preservativo
às vezes ou nunca.
Todos os dados foram catalogados e organizados em planilha eletrônica e
realizado dupla digitação. A análise estatística foi realizada pelo software
SPSS, versão 17.0. Foram incluídas as frequências das variáveis e seus
respectivos intervalos de confiança, além de análises bruta e ajustada para
determinação das variáveis associadas ao uso inconsistente do preservativo
masculino.
Foi realizada análise bivariada, utilizando o teste Qui-quadrado, para
investigar a associação entre as variáveis sociodemográficas e as relacionadas
à vida afetivo-sexual, clínicas e hábitos de vida com o uso consistente e
inconsistente do preservativo masculino nos últimos três meses.
Para verificar quais fatores aumentam a probabilidade de ocorrência da
classificação inconsistente, foi realizado regressão logística multivariada.
Para as variáveis independentes, foram utilizadas variáveis sociodemográficas
(sexo, faixa etária, escolaridade, estado civil, vínculo empregatício, renda),
relacionadas à vida afetivo-sexual (orientação sexual, tipo de relacionamento,
diagnóstico da parceria sexual, parceiro em segmento médico), clínicas
(contagem de linfócitos TCD4, carga viral, classificação da infecção, presença
de comorbidades) e hábitos de vida (uso de álcool).
Devido ao grande número de variáveis independentes no modelo, optou-se, como
primeiro passo a eliminação de variáveis, pelo uso do procedimento de seleção
automática denominado stepwise. Esse procedimento realiza a inserção e retirada
de variáveis independentes baseado no nível de significância estipulado.
Utilizou-se a estatística do teste de Wald adotando p-valor < 0,20 para a
variável candidata entrar no modelo. Para a saída, se o p-valor fosse maior que
0,10, a variável era removida.
A aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto foi obtida, seguindo as recomendações da Resolução 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde. Os participantes foram informados sobre os objetivos do
estudo e foi-lhes garantido sigilo e anonimato das suas informações. Para os
indivíduos com baixa escolaridade, foi realizada a leitura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A entrevista foi realizada após a
leitura e concordância do paciente e assinatura do Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido.
RESULTADOS
Do total de 505 cadastrados no serviço, 228 pessoas foram entrevistadas e,
destas, 143 participantes preencheram os critérios de inclusão. Dos
participantes, 82 (57,3%) pertenciam ao sexo masculino e 90 participantes
(62,9%) apresentavam idade acima dos 35 anos de idade, com média de idade de 39
anos.
Com relação à escolaridade, identificou-se que 84 (58,7%) referiram ensino
fundamental incompleto (menos de 8 anos de estudo) e apenas 17 (11,9%) tinham o
ensino superior. Com relação à renda, 122 (85,3%) dos entrevistados referiram
receber até três salários mínimos mensais.
Sobre os aspectos clínicos pertinentes ao HIV, 70 (49,0%) apresentavam T-CD4
maior que 500 cel/mm3, e 53 (37,0%) T-CD4 menor que 200 cel/mm3. A respeito da
Carga Viral (CV), 75 (52,4%) apresentavam carga viral indetectável. Além disso,
em 86 (60,1%) foram identificados comorbidades.
Quanto aos aspectos da vida afetivo-sexual, identificou-se que 79,0% dos
participantes se declaram como heterossexuais, 44,0% mantinham relacionamento
com parceiros sorodiscordantes e 34,2% conviviam com parceiro soroconcordante,
enquanto que 21,6% relacionavam-se com pessoas com avaliação sorológica para o
HIV não realizada ou desconhecida (Tabela_1).
Tabela 1 Caracterização de pessoas vivendo com o HIV/Aids, segundo vida
afetivo-sexual, Ribeirão Preto, São Paulo, 2011
Total Uso do preservativo
masculino Valor
Variável N = Consistente Inconsistente de p
143 n = 102 n = 41
n (%) n (%) n (%)
Variáveis sociodemográficas
Sexo
Masculino 82 65 (79,3) 17 (20,7) 0,015
(57,3) *
Feminino 61 37 (60,7) 24 (39,3)
(42,7)
Faixa Etária
21 a 35 53 35 (66,0) 18 (34,0) 0,283
(37,1)
Acima de 35 90 67 (74,4) 23 (25,6)
(62,9)
Escolaridade R**
Ensino Fundamental 84 49 (65,3) 26 (34,7) 0,037
(58,7) *
Ensino Médio 42 35 (83,3) 07 (16,7)
(29,4)
Ensino Superior 17 14 (82,4) 03 (17,6)
(11,9)
Renda R**
Até 3 salários mínimos 122 85 (69,7) 37 (30,3) 0,291
(85,3)
Acima de 3 salários mínimos 21 17 (81,0) 04 (19,0)
(14,7)
Variáveis relacionadas à vida afetivo-
sexual
Orientação sexual R**
Heterossexual 113 78 (69,0) 35 (31,0) 0,398
(79,0)
Homossexual 19 16 (84,2) 03 (15,8)
(13,3)
Bissexual 11 08 (72,7) 03 (27,3)
(7,7)
Diagnóstico do Parceiro R**
Soropositivo ao HIV 49 30 (61,2) 19 (38,8) 0,064
(34,3)
Soronegativo ao HIV 63 51 (81,0) 12 (19,0)
(44,0)
Não testado/não sabe 31 21 (67,7) 10 (32,3)
(21,7)
Tipo de Parceria R**
Fixo/estável 116 80 (69,0) 36 (31,0) 0,195
(81,1)
Não fixo/ocasional 27 22 (81,5) 05 (18,5)
(18,9)
Variáveis relacionadas aos aspectos
clínicos
Contagem de T-CD4
Acima de 500 70 44 (71,0) 18 (29,0) 0,842
(49,0)
499-200 20 44 (73,3) 16 (26,7)
(14,0)
Menor que 200 53 14 (66,7) 07 (33,3)
(37,0)
Carga viral
Indetectável 75 52 (69,3) 23 (30,7) 0,579
(52,4)
Detectável 68 50 (73,5) 18 (26,5)
(47,6)
Comorbidades
Sim 86 65 (75,6) 21 (24,4) 0,167
(60,1)
Não 57 37 (64,9) 20 (35,1)
(39,9)
Variáveis relacionadas aos hábitos de
vida
Uso do álcool
Diariamente 08 02 (25,0) 06 (75,0) 0,008
(5,7) *
Frequentemente 30 26 (40) 04 (60)
(20,9)
Ocasionalmente 52 37 (79,2) 15 (29,8)
(36,4)
Nunca 53 37 (69,8) 16 (30,2)
(37,0)
Notas: * teste Qui-quadrado;
R ** variáveis referidas.
Sobre o uso do preservativo, no geral a prevalência da utilização inconsistente
foi de 28,7%. Entretanto, quando se compara a adesão segundo o sexo, observa-se
maior adesão entre os homens (79,3%) do que entre as mulheres, com diferença
estatisticamente significativa (p = 0,005).
Os indivíduos com maior nível de escolaridade (p < 0,037) e que referiram nunca
ter usado álcool (p < 0,008) tiveram maiores taxas de adesão ao preservativo
(Tabela_02).
Tabela 2 Resultado da análise da regressão logística: variáveis independentes
associadas com o uso inconsistente do preservativo masculino, Ribeirão Preto,
São Paulo, 2011
Variável Odds ratio Ajustado 95 % IC Valor de p
Sexo
Masculino 0,36 0,15 - 0,81 0,015
Feminino 1,00
Uso do álcool
Diariamente 11,02 1,84 - 65,92 0,021
Frequentemente 0,50 0,14 - 1,78
Ocasionalmente 1,17 0,48 - 2,83
Nunca 1,00
Apesar de não ser observada diferença significativamente estatística, o uso
consistente do preservativo foi maior nos indivíduos com idade acima de 35 anos
(p < 0,283), que tinham parceiro com sorologia negativa ao HIV (p < 0,064) e
também com o parceiro ocasional (p < 0,195). Quanto à contagem de carga viral,
identificou-se que 73,5% dos indivíduos com carga viral detectável tiveram uso
inconsistente do preservativo.
Os resultados da análise multivariada evidenciaram que a variável uso do álcool
diariamente mostrou-se associada ao uso inconsistente do preservativo (OR =
11,02; IC95%: 1,84;65,92). Além disso, observou-se que ser do sexo masculino
constituiu-se como fator de proteção para o uso consistente quando comparado
com as mulheres (Tabela_2).
DISCUSSÃO
Foi identificada prevalência de 28,7% do uso inconsistente do preservativo
entre as pessoas vivendo com o HIV/Aids. Tal resultado evidencia a necessidade
de intervenções para melhorar a adesão às práticas preventivas nos serviços de
saúde que acompanham esses indivíduos. O uso inconsistente do preservativo
também foi relatado em estudos conduzidos em outros países(6,9,12).
Poucos são os estudos realizados no Brasil sobre o uso inconsistente do
preservativo entre as pessoas vivendo com o HIV/Aids(13-14). Na amostra
estudada, observou-se que mais de 60% dessas pessoas tinham vida sexual ativa.
Foi visto que as mulheres que vivem com HIV referenciam mais uso inconsistente
do preservativo masculino (39,3%) quando comparadas aos homens. Um estudo
realizado com mulheres de todas as regiões do Brasil também apontou baixas
taxas de adesão ao preservativo masculino(14). Pesquisa desenvolvida na Itália
corroborou com esses resultados, mostrando que, entre 343 mulheres
entrevistadas, a prevalência do uso inconsistente do preservativo foi de 44,3%
(7). Tal resultado é preocupante, visto que o preservativo masculino é de uso
do homem e sua utilização depende sobretudo da negociação entre o casal, o que
reforça a necessidade de ir além da distribuição do preservativo, sendo
necessário o aconselhamento para a capacitação e empoderamento das mulheres
para negociar o uso do preservativo com seus parceiros.
Além disso, uma meta-análise mostrou que as intervenções comportamentais têm
pouco efeito sobre o aumento do uso do preservativo entre mulheres que vivem
com HIV. Os autores recomendam que seja utilizada uma combinação de
intervenções para reduzir a carga viral entre essas mulheres e seus parceiros,
as quais são a promoção do uso do preservativo, a oferta de planejamento
familiar e o aconselhamento(15).
Diversos aspectos ligados às desigualdades de gênero(16) determinam baixo poder
de negociação sexual das mulheres, tornando-as mais propensas a terem relações
sexuais desprotegidas e aumentando, consequentemente, as suas chances de
exposição ao HIV. Tais aspectos podem ser observados em estudo que aponta altas
taxas de mulheres infectadas pelos seus parceiros fixos e usuários
inconsistente do preservativo masculino(14).
Apesar da implementação de políticas públicas, dos reconhecidos avanços
progressivos no cuidado às PVHA no Brasil, dos trabalhos preventivos e da
disponibilização de insumos, tais como preservativos, a epidemia continua
impondo importantes desafios para seu controle, particularmente entre as
mulheres, adolescentes e jovens.
Os determinantes de gênero, os aspectos culturais e os processos de exclusão
social e econômica exercem grande influência na vulnerabilidade feminina ao
HIV/Aids e podem constituir-se em obstáculo para a percepção do risco à
infecção ou à reinfecção pelo HIV. A desigualdade entre os sexos é histórica,
evidenciando o poder do homem sobre a mulher também no que concerne à proteção
da saúde feminina.
Ademais, a baixa percepção da mulher acerca de sua vulnerabilidade está
atrelada à confiança no parceiro com a concepção da Aids como sendo uma doença
do outro, no qual o outro aparece como mais vulnerável a contrair a doença(17).
Nesse sentido, os próprios serviços de saúde não proporcionam uma abordagem
integral que favoreça o empoderamento das mulheres e a inclusão dos homens no
cuidado em saúde, visto que o rol das atividades oferecidas pelas unidades de
atenção primária em saúde é direcionado em grande parte a atendimentos
ambulatoriais de assistência pré-natal e grupos de planejamento familiar para o
cuidado com a saúde das mulheres, voltados à saúde reprodutiva e realizadas
praticamente sem a presença de homens, reproduzindo a concepção de que a
reprodução é de responsabilidade exclusivamente feminina(18).
Assim, as políticas públicas devem garantir investimentos em ações mais
abrangentes para a promoção da saúde integral das mulheres vivendo com o HIV/
Aids, juntamente com políticas públicas intersetoriais articuladas para a
redução das desigualdades socioeconômicas de gênero, de promoção da autonomia
econômica e financeira e empoderamento das mulheres, reconhecendo e protegendo
seu direito à autonomia e à liberdade sobre o seu corpo e sexualidade, em todas
as fases da vida como dimensão fundamental da vida e saúde.
Além disto, é necessário investir em alternativas e ampliar as opções dos
métodos de proteção controladas pelas mulheres(19), como o uso do preservativo
feminino. Estudo sobre o preservativo feminino aponta que sua oferta ainda é
muito restrita, apesar dos resultados indicarem que as mulheres estão dispostas
a conhecer novas alternativas que evitem uma gravidez não desejada, não
provoquem efeitos colaterais e que também propiciem a proteção contra as DSTs/
Aids (dupla proteção), mostrando que, se os preservativos forem
disponibilizados pelos serviços de saúde, haverá parcelas da população
dispostas a adotá-los(20), similarmente ao que vem sendo relatado em todo o
mundo.
Outra variável que obteve destaque foi o uso inconsistente do preservativo
masculino entre os indivíduos que faziam o uso do álcool diariamente, em que
foi identificado um OR = 11,02; IC95%: 1,84;65,92 quando comparado com aqueles
que nunca ingeriam. Tal dado foi corroborado por uma investigação realizada na
Índia, onde foi visto que 48% dos homens relataram ter consumido álcool antes
de sua última relação sexual. Pela análise estatística, foi visto no estudo que
homens que consumiram álcool eram três vezes mais propensos a não usar
preservativo em sua relação sexual(21).
Em outra pesquisa realizada na África sub-saariana, incluindo os países Quênia,
Tanzânia e Namíbia, foi avaliada a associação entre o uso do álcool e o
comportamento sexual de risco em pessoas que vivem com HIV. Esse estudo destaca
a necessidade de integrar o aconselhamento sobre o uso do álcool no
acompanhamento de rotina em pessoas que vivem com o HIV/Aids(22). Dadas, pois
as inúmeras intersecções entre álcool e HIV, faz-se necessário a implantação de
políticas com foco na redução do consumo de álcool e no comportamento de risco
relacionados ao mesmo.
Assim, o cuidado integral às pessoas vivendo com o HIV/Aids nos serviços
especializados vem sendo cada vez mais discutido e nessas discussões é
relevante que o cuidado deva incluir aspectos da vida afetivo-sexual com vistas
à promoção da saúde sexual e reprodutiva das PVHA, contemplando o uso do
preservativo e ajudando-os a superar as dificuldades e barreiras emocionais,
relacionais e socioculturais advindas com a soropositividade ao HIV, que
interferem na manutenção do sexo seguro(10).
Alguns autores têm associado o uso do álcool a múltiplas parcerias sexuais com
consequente uso inconsistente do preservativo, os quais somados conferem maior
risco de transmissão do HIV(23-24). Na população que já vive com vírus, tais
ações podem conferir risco adicional para o aumento da carga viral entre
parceiros e para a infecção por HIV mutantes.
Cabe destacar que o estudo apresenta limitações relacionadas à seleção dos
participantes, visto que foi utilizada amostra não probabilística e, além
disso, vale ressaltar que os pacientes foram questionados a respeito de
práticas anteriores ao momento da entrevista, o que pode representar um viés de
memória.
CONCLUSÃO
A prevalência do uso inconsistente do preservativo masculino entre pessoas
vivendo com HIV/Aids foi de 28,7%, entretanto, foi evidenciada maior adesão
entre os homens do que entre as mulheres com diferença estatisticamente
significativa. Nesses casos, o uso do álcool diariamente mostrou-se associado
com o uso inconsistente do preservativo.
Assim, para o cuidado integral às pessoas vivendo com o HIV/Aids nos serviços
especializados, é relevante incluir aspectos da vida afetivo-sexual com vistas
à promoção da saúde sexual das pessoas vivendo com o vírus, contemplando
estratégias preventivas, como o uso do preservativo, ajudando-as a superar as
dificuldades e barreiras emocionais, relacionais e socioculturais advindas com
a soropositividade ao HIV que interferem na manutenção do sexo seguro.
É necessária a implementação de estratégias mais eficazes que inclua o casal
para o enfrentamento dos aspectos socioculturais e de gênero. Esses aspectos
influenciarão na dificuldade de negociação e na adoção de estratégias
preventivas referente à reinfecção pelo HIV e outras infecções por via sexual,
como o uso consistente do preservativo masculino.
Como citar este artigo:
Reis RK, Melo ES, Gir E. Factors associated with inconsistent condom use among
people living with HIV/Aids. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(1):40-6.