Implantação dos testes rápidos para sífilis e HIV na rotina do pré-natal em
Fortaleza - Ceará
INTRODUÇÃO
A Sífilis e o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) na gestante, quando não
diagnosticadas e tratadas durante o período gestacional, podem ser transmitidas
ao feto provocando sérias complicações(1). No Brasil, as taxas de detecção de
casos de Transmissão Vertical (TV) de Sífilis Congênita (SC) e HIV foram de 5,0
e 1,5 por mil nascidos vivos (NV) no ano de 2011. No Estado do Ceará, as taxas
de incidência foram de 3,3 e 3,8 por 1.000 NV de SC e HIV, respectivamente(2).
O município de Fortaleza registrou, somente no ano de 2012, 523 casos de SC e
entre os anos de 2008 a 2012 a taxa de incidência aumentou de 8,8 para 16,6 por
mil NV(3). Em relação ao HIV em gestantes, foram notificados 6.540 casos no ano
de 2011 e 3.426 até junho de 2012(3).
Acredita-se que os indicadores de sífilis e HIV na gestante podem ser
melhorados com a implantação das ações propostas na Rede Cegonha (RC) pelo
Governo Federal. Essa proposta que visa melhorar a qualidade da assistência
Pré-Natal (PN) e ao nascimento propõe também, dentre outras estratégias, a
disponibilização dos Testes Rápido (TR) como estratégia de detecção e
tratamento precoce dos casos de sífilis e HIV em gestantes(4).
As dificuldades relacionadas ao diagnóstico dessas infecções nas gestantes,
dentre outros motivos, podem estar associadas às questões organizacionais e a
necessidade de recursos tecnológicos complexos para a realização dos exames
laboratoriais convencionais. O TR então aparece como uma estratégia que pode
qualificar o atendimento à gestante uma vez que não requer tecnologias muito
complexas e proporciona resultados em tempo hábil (em média 30 minutos),
podendo contribuir para aumentar a cobertura de testagem, otimizar o tempo de
diagnóstico e tratamento da mãe, bem como agilizar a adoção das medidas
necessárias para a prevenção da TV(4-5).
Atualmente, os serviços de saúde apresentam dificuldades para realização,
entrega dos exames de sífilis e HIV, bem como profissionais ainda despreparados
para lidar com resultados positivos, trazendo como consequência o diagnóstico
tardio ou o não diagnóstico da gestante durante o PN e, como agravante, o não
tratamento ou tratamento inadequado da gestante e sofrimento emocional para a
mulher(6-10). Os TR para sífilis e HIV devem ser realizados de preferência no
primeiro e terceiro trimestres de gestação(1). No caso do HIV, o diagnóstico é
definitivo após a realização de dois TR por metodologias diferentes
(BIOMANGUINHOS E RAPID CHECK). Já no caso da sífilis, trata-se de um teste de
triagem, necessitando, portanto, que seja realizado um teste não treponêmico
nos casos reagentes. O Ministério da Saúde (MS) recomenda iniciar o tratamento
mesmo antes da realização do teste não treponêmico(11).
O TR de HIV já está implantado na rotina das maternidades brasileiras desde
2002, atividade prevista pelo Projeto Nascer-Maternidades(12), entretanto,
ainda se encontra em fase de implantação nas unidades primárias de saúde.
Considerando que os TR de sífilis e HIV dispõem de tecnologias simplificadas e
podem ser realizados nos próprios consultórios médicos e de enfermagem, torna-
se imperativo investir para que a sua implantação ocorra efetivamente na
atenção primária e durante o primeiro atendimento da gestante na atenção PN.
Esse trabalho, portanto, tem por objetivo descrever a implantação dos TR de
sífilis e HIV na rotina do pré-natal em unidades primárias de saúde de
Fortaleza, Ceará, Brasil.
MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem quantitativa, realizado em
unidades de atenção primária à saúde (UAPS) do município de Fortaleza, todas
atuando como Estratégia de Saúde da Família.
O referido município encontra-se dividido em seis Secretarias Regionais com um
total de 92 UAPS. A coleta de dados ocorreu no período entre os meses de maio a
agosto de 2014. Nesse estudo, estão apresentados dados de 24 UAPS capacitadas,
que teve como critério de seleção apresentar pelo menos um profissional
capacitado em TR para sífilis e HIV.
Todo o processo de coleta de dados se desenvolveu por meio de observações não
participantes que ocorriam no momento das supervisões capacitantes, as quais
ainda se encontram em desenvolvimento.
Essa atividade propõe um processo de interação com as equipes, provocando
reflexões sobre indicadores epidemiológicos, se distanciando do modelo
tradicional e autoritário de fiscalizar(13).
As supervisões foram realizadas para acompanhar a implantação dos TR de sífilis
e HIV nas UAPS, indo além da simples observação dos fatos, mas contribuindo
conjuntamente com os profissionais e de forma técnico-científica para que o TR
fosse efetivamente implantado. Esse trabalho apresenta a parte referente às
observações do processo de implantação dos TR nas unidades.
As visitas eram previamente marcadas e aconteciam no turno da manhã,
considerando ser este o período de maior movimento nas unidades, pois era
necessário o acompanhamento da execução do TR pela equipe. Eram realizadas por
técnicos da Área de Saúde da Mulher e Gênero/Rede Cegonha e da Área de DST/Aids
e Hepatites Virais que faziam uma breve apresentação e exposição do objetivo da
visita. Em seguida, iniciava-se a primeira etapa da supervisão que era a
observação da unidade utilizando um instrumento elaborado especificamente para
esse fim e, posteriormente, reunia-se a equipe para discussão dos indicadores
de sífilis e HIV da unidade, mostrando a importância de implantar os TR.
Os aspectos observados nas UAPS foram: existência de equipes completas da
Estratégia Saúde da Família, categoria profissional capacitada; consultórios
privativos, geladeiras para armazenamento dos TR, presença e validade de kits
de TR; se eles estavam sendo realizados e, principalmente, se ocorriam no
momento do atendimento PN.
Os dados foram digitados no programa Statistical Package for Social Sciences
(SPSS) versão 18.0 e apresentados em tabelas de frequências simples.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de
Fortaleza (UNIFOR)(14).
RESULTADOS
Com relação à implantação dos TR de HIV e sífilis na atenção primária, existem
aspectos importantes que merecem destaque, pois influenciam diretamente na
implantação do TR para sífilis e HIV. Os dados da Tabela_1 apresentam os
aspetos referentes às condições dos espaços físicos das unidades, bem como a
disponibilidade de materiais, de TR e validade destes.
Tabela 1 Aspectos relacionados ao espaço físico para realização do Teste Rápido
nas unidades primárias de saúde, Fortaleza, Ceará, Brasil, 2014
Variáveis n %
ESF completas (n=24)
Sim 11 44,8
Não 13 55,2
Profissionais capacitados (n=24)
Enfermeiros 20 83,3
Médicos 04 16,7
Consultórios privativos (n=24)
Sim 19 79,2
Não 05 20,8
Geladeira exclusiva para TR (n = 24)
Sim 18 75,0
Não 06 25,0
Dezenove unidades (79,2%) apresentavam espaço físico adequado para realizar os
TR, em 11 (44,8%) as equipes de saúde da família se encontravam completas, em
20 (83,3%) das unidades, os profissionais capacitados eram enfermeiros, 19
(79,2%) tinham consultório privativo, 18 (75%) tinham geladeiras exclusivas
para armazenamento e conservação dos testes. Em 15 (62,5%) UAPS os TR de
sífilis, HIV ou ambos se encontravam disponíveis e, em 10 (66,6%) dessas, os
testes se encontravam com o prazo de validade vencido.
O PN era realizado diariamente em 21 (87,5%) UAPS e os TR em nove (37,5%)
delas. Destas, cinco (55,6%) realizavam-nos na rotina do PN.
Tinham equipes da ESF completas, 11 (44,8%) unidades, variando de duas a oito
equipes. Destaca-se que nove (37,4%) UAPS possuíam menos da metade das equipes
capacitadas em TR. Em 20 (83,3%) UAPS foram capacitados exclusivamente
enfermeiros e em quatro (16,7%) houve também a participação do médico.
Realizavam os TR, nove (37,5%) UAPS e destas, cinco (55,6%) os faziam como
rotina na ocasião do atendimento de pré-natal (Tabela_2).
Tabela 2 Aspectos relacionados a implantação dos Teste Rápidos (TR) nas
Unidades de Atenção Primárias em Saúde (UAPS), Fortaleza, Ceará, Brasil, 2014
Variáveis n %
Tinha TR na unidade (n = 24)
Sim 15 62,5
Não 09 37,5
TR na data de validade (n = 15)
Sim 05 33,4
Não 10 66,6
Realiza os TR na unidade (n=24)
Sim 09 37,5
Não 15 62,5
Realiza os TR na rotina do PN (n = 09)
Sim 05 55,6
Não 04 44,4
DISCUSSÃO
Para o MS(4), um serviço de saúde da atenção primária para ter condições
apropriadas de realizar TR deve dispor, dentre outros atributos, de uma sala
reservada e com garantia de privacidade, além da geladeira, de preferência
exclusiva, para armazenamento dos testes.
Pode-se observar que na maioria das unidades apresentava-se inadequação do
espaço físico ou em algum aspecto avaliado, comprometendo a efetiva implantação
dos TR. Apesar de dispor de profissionais capacitados, muitas não tinham
disponíveis os kits de TR e dentre aquelas que possuíam os kits, alguns se
encontravam com a data de validade vencida. Estes eram recolhidos para descarte
na ocasião da supervisão e a situação era discutida com a equipe. Vale
salientar que, a solicitação dos kits deveria ser feita pelos coordenadores das
unidades após a capacitação.
Sendo assim, pode-se dizer que a má qualidade do atendimento de PN torna-se um
prejuízo, pois é um momento fundamental para a detecção precoce de várias
doenças, como também para o tratamento imediato, inclusive, da sífilis e do
HIV.
Estudos mostram que a ocorrência da SC se dá pelo manejo inadequado dos casos
com perda de oportunidades tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento já
que existe um desfalque na quantidade de gestantes que realizam os exames
laboratoriais de rotina durante o acompanhamento do PN(5,15).
Ademais, pode-se perceber que apesar de boa cobertura, a qualidade do
atendimento muitas vezes compromete o envolvimento e acompanhamento das
gestantes, sendo de extrema importância que as modificações nos procedimentos
adotados, como é o caso da implantação do TR, sejam vistas como estratégias
para agilizar todo esse processo e inibir uma futura transmissão vertical
evitando a SC(7,15). Dessa forma, é possível enfatizar que sem a disciplina e
cobrança da efetividade programática do serviço, fica difícil erradicar ou
diminuir doenças como o HIV e a sífilis, ainda mais quando o controle depende,
também, de aspectos comportamentais das gestantes(16).
Outra questão que merece destaque é que de acordo com a nota técnica conjunta
n° 391/12 que o MS elaborou, os TR devem ser realizados nas unidades básicas de
saúde por profissionais de saúde capacitados para execução, leitura,
interpretação de resultados e emissão de laudos, dando a devida seriedade aos
resultados encontrados(11).
Os profissionais são os instrumentos-chave nesse processo e por isso precisam
sentir segurança para a aplicação da atividade. A instrução ou o treinamento
correto aliado ao conhecimento teórico suficiente deve ser a garantia de uma
maior segurança acerca do assunto que deve ser colocado em prática, podendo
assim ser visto de forma mais acessível para eles e facilitando a elaboração
correta e eficaz da função.
Além disso, o MS preconiza que a primeira consulta do PN deve ser realizada
pelo enfermeiro e os TR devem ser oferecidos e concretizados nesse momento,
fazendo uma ligação com o que foi encontrado nesse estudo quando observamos a
categoria que mais foi capacitada(17). Sendo assim, o enfermeiro possivelmente
pode ser colocado como instrumento indispensável nesse processo, considerando
mais uma vez a necessidade do mesmo estar preparado para articular junto à
gestante a fundamental entrega ao tratamento.
Estudo realizado no Rio Grande do Sul concluiu que, a ampliação da visão sobre
a importância do enfermeiro no que se refere aos cuidados com a mulher no
ciclo-gravídico puerperal é algo primordial e que vem de um trabalho árduo,
comprovando novamente a relevância da categoria de enfermagem ser a mais
capacitada, nesse estudo, para a realização da testagem rápida de sífilis e HIV
na atenção primária(18).
CONCLUSÃO
O estudo evidencia que existem dificuldades na implantação dos TR para sífilis
e HIV, porém, nenhuma delas é tão relevante para essa não realização dos exames
nas unidades estudadas e principalmente durante a assistência PN.
Além disso, é relevante destacar que as capacitações são fundamentais para essa
estratégia ser concretizada com êxito, percebendo a necessidade de ampliar a
quantidade de profissionais capacitados e facilitar a realização do
procedimento no momento do PN. É importante destacar que os profissionais
envolvidos precisam de segurança e conhecimento específico para executar tal
atividade.
Por ser uma estratégia considerada eficaz para o diagnóstico, tratamento
precoce e uma futura diminuição da transmissão vertical das infecções que o
teste abrange, uma investigação mais aprofundada seria uma possível sugestão
para buscas de justificativas para os entraves dessa atividade e a promoção de
ações que modifiquem essa realidade, pois existe um processo organizacional e
operacional cauteloso que precisa ser trabalhado para uma melhor
resolutividade.
Como citar este artigo:
Lopes ACMU, Araújo MAL, Vasconcelos LDPG, Uchoa FSV, Rocha HP, Santos JR.
Implementation of fast tests for syphilis and HIV in prenatal care in Fortaleza
- Ceará. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69(1):54-8.