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BrBRCVHe0034-71672016000100110

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National varietyBr
Year2016
SourceScielo

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Significações de ser cuidadora do companheiro com câncer: um olhar existencial INTRODUÇÃO O aumento da expectativa de vida de um modo geral tem refletido em maior incidência de doenças crônicas, o que contribui substancialmente à intensificação do cuidado no ambiente domiciliar(1). Entre as doenças que trazem maiores repercussões físicas e psicológicas, destaca-se o câncer. Doença temida tanto pelo próprio doente como por seus familiares, acarretando um misto de sentimentos e significados(2), que refletem na ressignificação existencial daqueles que a vivenciam(3).

O papel da mulher diante do cuidado apresenta-se com notória significância, visto que, além do cuidar exercido no lar e família, a mulher constitui-se como referência principal do cuidado de pessoas enfermas com dependência(4). Nesse mesmo contexto, destaca-se como a maioria entre os cuidadores de pacientes com câncer(5), sendo ainda esposas dos doentes em grande parte dos casos(6).

Nesse vivenciar do câncer, as cuidadoras deparam-se com o sentimento de tristeza, desespero, medo e desesperança, desencadeando-se até mesmo sintomas depressivos(7). Acrescenta-se ainda a falta de preparo por parte das cuidadoras, que vai além dos aspectos psicológicos, incluindo o conhecimento insuficiente a respeito da doença, bem como de cuidar dos sintomas manifestos e a dificuldade nas habilidades de comunicação(8), fatores influenciadores no cuidar.

A importância dessas repercussões do cuidado nos contextos familiar e social é reforçada na medida em que as próprias mulheres fazem referência a quanto suas vidas mudaram após o envolvimento como cuidadoras dos companheiros(7). Assim, o conhecimento das interações entre o paciente e seu cuidador familiar, neste caso a companheira, constitui-se em uma necessidade para a equipe de enfermagem a fim de que esta tenha condições para avaliar, planejar e intervir, proporcionando ações que melhorem as condições de vida e fortaleçam as relações de cuidado(2). Diante de tal realidade, surge a seguinte inquietação: Qual é a significação atribuída pela mulher perante o cuidado do companheiro com câncer? A partir de tal conjuntura, torna-se de fundamental importância aprofundar o conhecimento a respeito dessa temática. Por meio da compreensão dos significados atribuídos pela mulher cuidadora do companheiro com câncer, acerca de sua função, pode ser factível um planejamento da assistência de enfermagem, de modo a contribuir com o cuidado centrado nessas mulheres, que dedicam suas vidas a favor do outro. Ademais, ao se amparar aquelas que exercem o cuidar, o próprio doente que enfrenta o câncer será beneficiado. Mediante a importância desse contexto, emergiu o interesse deste estudo, tendo como objetivo desvelar as significações da mulher que vivencia ser cuidadora do companheiro com câncer.

MÉTODO Este estudo caracteriza-se como sendo de natureza fenomenológica existencial heideggeriana. A partir dessa vertente fenomenológica, não se limita apenas à busca do quê, mas, sim, o como do objeto de investigação, atentando-se para a possibilidade de seus movimentos de velamento e/ou desvelamento(9).

Seguindo esse pensar, a região de inquérito, ou região ôntico-ontológica do estudo, constituiu-se nas significações de mulheres ao cuidar de seu companheiro com câncer. Portanto, como critérios de inclusão elegeram-se as mulheres que cuidam do companheiro pelo menos seis meses, possuindo este grau de dependência menor ou igual a 40%, segundo a Palliative Performance Scale(PPS)(10), considerando que, neste nível de dependência, necessidade de cuidados constantes, exigindo mais da companheira. Ainda, serem cadastrados em uma instituição filantrópica que presta apoio a pacientes com câncer e suas famílias, localizada no noroeste do Paraná. Como critério de exclusão: ser cuidadora de paciente com câncer, mas não residir na cidade sede da instituição ou em uma cidade metropolitana vizinha.

Esta instituição consiste em uma Organização Não Governamental (ONG) que provê suporte aos pacientes com câncer e seus familiares. Atende pacientes que residem na cidade da instituição, no noroeste do Paraná, cadastrados para receber acompanhamento por meio de visitas de voluntários, grupo socioeducativo, atendimento psicológico, cesta de alimentos, medicamentos não fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), fraldas geriátricas, doação de utensílios e móveis. Além disso, auxilia pacientes oriundos de outros municípios pertencentes à 15a Regional de Saúde, por meio de hospedagem, alimentação, transporte e demais recursos enquanto realizam tratamento na cidade da ONG. Justifica-se a escolha pela facilidade de acesso às participantes e também pela receptividade que dispensam a essa instituição, o que as deixa mais confortáveis em participar do estudo.

Os momentos de interação com as participantes aconteceram entre o período de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014. Os primeiros contatos desenvolveram-se por meio da busca no banco de cadastros da instituição filantrópica, seguidos de modo aleatório, e do contato telefônico com as mulheres que atendiam aos critérios pré-estabelecidos, uma vez que tal informação era disponibilizada pelos dados do cadastro consultado. Após, foram agendadas visitas de aproximação e convite para participarem do estudo. Os encontros subsequentes com as participantes constituíram-se de duas a três visitas para cada mulher, conforme a necessidade. Estas tiveram o objetivo de aumentar o vínculo, conhecer as realidades vividas e realizar a apreensão do fenômeno.

Diante disso, para se desvelar as significações das mulheres que vivenciam o fenômeno pesquisado, utilizou-se a seguinte questão norteadora: Como está sendo, para você, ser cuidadora de seu companheiro com câncer? As entrevistas foram realizadas individualmente, no lar das mulheres cuidadoras, por uma entrevistadora, em ambiente reservado, sem a presença de outras pessoas, minimizando assim algum desconforto por parte da depoente. Não houve recusas em participar do estudo e todas as entrevistas foram registradas e armazenadas em gravador digital para posterior análise.

O término da coleta de dados levou em consideração a suficiência de significados, sendo este um fator determinante para o encerramento de novas inclusões e coletas(9), ressaltando ainda que, na maioria das pesquisas de cunho fenomenológico, verifica-se cerca de dez a 20 participantes(11).

Com o propósito de compreender as informações em sua plenitude, expressas pelas participantes, observaram-se dois momentos metódicos: no primeiro, a compreensão vaga e mediana, quando se eliminam os pressupostos, e, após escuta e leitura atenta dos depoimentos, destacam-se seus significados, com posterior momento de análise dos mesmos, buscando as estruturas essenciais que emergem e possibilitam a compreensão do objeto do estudo; no segundo momento metódico, a compreensão interpretativa, buscou-se desvelar o fenômeno, o sentido do ser, culminando na hermenêutica heideggeriana(9). Por conseguinte, surgiram as temáticas ontológicas, que foram interpretadas à luz de algumas ideias heideggerianas e de autores que referenciam o filósofo, como também pesquisadores que versam sobre a temática deste estudo.

Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos, foram obedecidos todos os preceitos éticos e legais regulamentados pela resolução 466/2012 do CNS - MS. Houve consentimento da instituição e aprovação do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos - COPEP -, da Universidade Estadual de Maringá. Para garantir o anonimato, as mulheres foram caracterizadas por meio de nomes de personagens bíblicas, que se relacionam com algumas de suas características e ressaltam a desvelada pelas mesmas em seu vivenciar do cuidado.

RESULTADOS Apresentaram-se, como resultados deste estudo, os discursos de dez mulheres que vivenciam a experiência de ser cuidadora do companheiro com câncer. As participantes possuem uma renda familiar insuficiente para suprir todas as necessidades advindas com a doença, necessitando de auxílios, entre estes, cesta básica, medicações e dieta, da instituição filantrópica que faz parte deste estudo e na qual são cadastradas. Entre as cuidadoras, cinco eram aposentadas, duas trabalhavam para auxiliar nas despesas do lar e três se desvincularam do emprego para prestar os cuidados. Todas possuem filhos, porém estes não são envolvidos diretamente com o cuidar, mas, sim, as próprias companheiras do doente. Quanto ao tempo que se dedicam a cuidar do esposo, esse varia entre seis meses a um ano e oito meses. A faixa etária de tais cuidadoras varia entre 24 a 71 anos, sendo que seis possuem mais que 55 anos.

A compreensão das linguagens das esposas revelou a responsabilidade das mesmas como cuidadora principal, a mudança na intimidade do casal e os sentimentos os quais precisam enfrentar no cotidiano dos cuidados, apresentados sob três temáticas ontológicas, como seguem.

Assumindo a responsabilidade de estar-com-o-outro no câncer Ante a condição de ser esposa, a mulher acaba sendo a cuidadora principal e responsável, quase que exclusivamente, por acompanhar toda a trajetória de enfrentamento da doença de seu companheiro, como demonstrado nas falas a seguir: [...] Pois quem mais ajudou fui eu. Por que ele tem os filhos dele, mas mora , separado. De vez em quando que vem . Mas quem está convivendo tudo aqui junto sou eu. Bem dizer sou eu[...] sempre acompanhei direto. (Isabel) [...] Tinha um conhecido nosso que estava no quarto com a perna quebrada e eu dizia: eu vou em casa, você pode dar uma olhadinha no meu esposo? Deixava o celular do lado, e qualquer coisa ele me ligava. Eu vinha posava em casa, quando dava seis horas da manhã eu voltava, e ficava o dia todo . A irmã dele, ficou duas vezes . O resto era eu. Não ficou ninguém não. Eu ficava muito cansada, mas não tinha o que fazer. (Sara) [... ] Minha filha me ajudou no hospital. Mas o resto foi tudo eu. Em casa sou eu. Eu que levo no médico, saio para comprar remédio, procuro fazer a alimentação melhor para ele. [...]Cheguei a comprar os aparelhos de fazer inalação, pressão, termômetro, tudo aqui, foi bem complicado. Em casa eu cuidava e às vezes vinha as moças do postinho. Eu fazia a troca do curativo, toda hora tinha de trocar por que não parava. Era eu. Colocava toalha, roupa de cama, mas não vencia trocar. (Sunamita) Ainda, as cuidadoras não podem contar com um auxílio constante dos demais integrantes da família pelos compromissos e afazeres diários que possuem.

[...] Para mim foi muito difícil, meus filhos todos trabalhavam e eu não tinha quem me ajudasse, Deus mesmo na minha vida. Eu tinha que fazer de tudo. Eu não gosto nem de lembrar aquele tempo sabe. Por que foi uma coisa muito difícil, e eu sozinha. Tinha dia que as meninas vinham aqui mas elas não faziam nada, chegavam e estava tudo pronto. Por que todas as minhas filhas trabalham e vinham depois do serviço. As vezes que vinha uma sobrinha dele, que é enfermeira.

Vinha aqui e tinha vez que ela chegava e eu tinha feito os curativos. Tinha vez que não tinha dado tempo ela fazia.

(Joquebede) [...] Aqui é eu e ele praticamente sozinhos. Por que a minha filha tem a família dela. Não posso falar que não foi ninguém posar com ele no quarto. Minha filha foi uma vez comigo. Para eu vir dormir em casa, que eu tenho problema de coluna e eu não estava mais aguentando dormir ali. Mas ela foi posar uma noite e eu vim dormir em casa.

(Noemi) Além disso, a esposa reconhece seu papel e entende que o companheiro prefere que os cuidados sejam exercidos por ela, principalmente naquelas circunstâncias em que a privacidade necessita ser invadida.

[...] Porque por mais que os filhos cuidem não é como a gente. Ele é muito vergonhoso sabe. Quando as sobrinhas dele vinham fazer curativo nele, ele morria de vergonha. Ele falava: 'Não, eu quero que minha esposa faça' ele não queria que as sobrinhas fizessem [... ] Ele não queria ficar com ninguém. Minha nora, minha irmã queria ficar com ele, mas ele não queria. que ele não quer que ninguém fique eu fico. eu dormia no chão, dormia. quando era de dia, eu deixava ele com as meninas aqui fazendo os negócios e eu falava: agora você fica aqui que eu vou em casa lavar uma roupa. (Joquebede) Aprendendo a conviver com as mudanças na intimidade O câncer traz, consigo, alterações emocionais, comportamentais e físicas que acabam afetando o relacionamento entre o casal. As mudanças na intimidade são destacadas pela esposa, que faz até mesmo o uso de comparações, ao descrever o distanciamento como casal, ao conviver com a doença.

[...] Resumindo para você o nosso relacionamento, eu digo que nós somos dois irmãos. (Ester) [...] Olha filha, ele é muito fraco em sexo, sabe, a gente não tem isso, eu não tenho vergonha de falar, não existe isso entre a gente.

Eu disse para ele: eu não sei se eu sou sua mulher, se eu sou sua irmã, se eu sou sua amiga, porque eu durmo aqui oh, do lado dele, todos os dias, todas as noites, e do jeito que eu durmo, eu acordo.

Isso se agravou com a doença. Nós vivemos por viver. (Noemi) Esse distanciamento também ocorre pelas próprias reações que a companheira apresenta ao se deparar com instrumentos que envolvem o cuidado, como a bolsa de colostomia e a traqueostomia de seu companheiro.

[...] No tempo que ele estava bem ruim mesmo eu colocava um colchãozinho junto a cama dele. Ele ficou na outra cama e tinha outro quartinho. Colocava ele aqui e eu dormia na outra cama. Ele dorme na cama dele e eu durmo na minha, por que eu tenho medo de romper aquela bolsinha dele e escapar e me sujar e fica um mal cheiro sabe, eu não gosto de dormir com ele. eu durmo na minha cama e ele na dele.

(Joquebede) [...] Sexo então? Nem pensar. Tem vezes que ele até tenta mais eu rejeito. [... ] Não é mais a mesma coisa. Eu fico nervosa às vezes, que eu fico cansada, muito cansada. Eu deito que eu estou cansada e quando eu deito ele coloca a mão, eu tiro. [... ] Eu acho que eu não sou mais esposa. Porque eu não faço mais nada. Porque tem aquela questão do buraco ali (traqueostomia), ele tem muita secreção, é nojento. Perdão Senhor! Mas não é que eu queira, não é que eu queira! Eu peço perdão a Deus todo momento. Eu fiquei com nojo mesmo, mas é mais forte que eu! (Ana) Além das situações em que a intimidade sexual é prejudicada, a ponto de quase não existir, , ainda, a possibilidade de o casal encontrar no diálogo uma maneira de superar as intempéries do relacionamento.

[...] Foi o período mais difícil para mim, ele queria ter relação comigo, não podia se movimentar, nem nada, a gente tinha que estar ajudando. [...] E difícil essa questão de esposa, ele queria todo dia, mas não certo. Porque o homem não entende a parte da mulher.

Um dia está com problema, outro dia não está. Devido a doença, um dia tem dor, outro dia não tem dor. Isso afetou o relacionamento como casal, afetou bastante. Ele achava que ia descontar tudo em mim, entendeu? Ele achava que tendo relação todo dia, ele iria resolver o caso. Então tem dia que eu converso com ele, e fica tudo bem. Não deu certo, vamos sentar conversar, esclarecer. (Rebeca) Mesmo em meio às adaptações em relação à intimidade, algumas esposas conseguem manter o sentimento de proximidade e afeto.

[... ] No relacionamento a gente ficou até mais unido, mais próximo.

Mas negócio de sexo acabou. Estamos que nem irmãos. Mas está bom. Eu acho que a paciência e a convivência ajuda muito o casal. Eu penso assim, o respeito principalmente.(Isabel) O relacionamento como casal mudou, a atenção e vínculo continua a mesma coisa, a gente tinha uma boa convivência, agora assim, o relacionamento que não está tendo aquela [...]porque ele não está tendo condições. O que mudou mais foi a parte sexual mesmo, por que a parte afetiva continua do mesmo jeito. (Sunamita) [... ] Para mim não mudou muita coisa não, às vezes a gente ficava assim, agora ele fica mais nervoso. Mas assim de esposa, é assim, no mais é a mesma coisa. Acho que não mudou muito não. Eu conseguia sim, levar ao mesmo tempo a situação, depois que ele ficou com os problemas , a gente entende. Entende que o casal fica assim, um para , outro para . Tem um ao outro mas, ah.(Dorcas) Aprendendo a ser forte ante a fragilidade do outro Nesse contexto de cuidado emergem sentimentos que a cuidadora enfrenta, ao deparar-se com situações de irritação e descontrole do companheiro, quando a mesma tenta manter o equilíbrio emocional, com paciência e força.

[... ] Ele ficava nervoso. Ele ficava muito nervoso e qualquer coisinha irritava ele. Nesses tempos atrás quando ele veio do hospital, qualquer coisinha irritava. Era muita coisa para ele.

Qualquer coisa que falava, nossa. Mas eu tinha paciência, sempre tive paciência. Tinha horas que me dava um desespero, mas eu me segurava.

Mas a gente sempre teve eu penso assim, muita paciência. Se a gente não tiver paciência, quem vai ter? Tem que cuidar. (Dorcas) [... ] Mas você tem que ter muita porque tem dias que você acha que não vai aguentar! Não vai! Por que ele também(esposo) com essa doença fica muito irritado, nervoso. Você fala as coisas parece que ofende sabe? Mas tem que ter paciência.(Isabel) [... ] Ele falava alguma coisa para mim e eu não entendia ele ficava nervoso. Ele ficava nervoso por qualquer coisa. Ele ia fazer alguma coisa e não dava certo ele jogava as coisas. Dava murro, quebrava. Eu falava: não adianta nada você fazer isso, não vai sarar assim e, vai sair do seu bolso para consertar. Comecei a conversar com ele até que endireitou. Tive muita paciência, até eu mesmo me admiro, nunca tive tanta paciência, aprendi. (Rute) Diante de tais situações, muitas vezes a esposa controla-se diante dos dissabores a fim de não provocar ou agravar o quadro de saúde do seu companheiro, mesmo que essa atitude lhe cause um impacto emocional.

[... ] Nosso relacionamento é difícil assim, porque acontecem muitas coisas hoje no meu casamento que eu deixo, eu tenho que deixar passar. [...] Às vezes eu me sinto no dever de não culpar, não julgar, não cobrar. Por causa dessa situação que ele está, entendeu.

Para evitar uma briga, uma coisa que ele ficar nervoso. Nesse período que ele está de doença não deveria ser assim, se tivesse alguma coisa, a gente deveria sentar e conversar, mas eu me sinto presa sabe, eu não consigo expor e tenho medo da reação dele. Eu deixo muita coisa passar. Vai me machucando entendeu, eu vou poupando ele, mas vai me machucando. (Ester) [...] Eu largo o que estou fazendo e vou ajudar. Ele é ranzinza, é bem ranzinza, tem hora que ele fala coisas que dói na alma. Mas daí eu penso: ele tem idade, ele está doente, eu tenho que aguentar.

Às vezes ele começava a discutir, brigar, e eu evitava de fazer nervoso para ele. Vai ver que a úlcera estoura ? Eu tentava apaziguar aquela situação. Então é meu companheiro e eu vou lutar por ele até o final, que Deus me forças para lutar por ele. (Noemi) Além de enfrentar os sentimentos do outro, vive também situações que fazem emergir seus próprios sentimentos, sendo que entre eles, destaca-se o sentimento de aceitação de sua realidade.

[... ] Entre o casal, entre esposa, mulher, tudo isso, tem complicações, cuidar do esposo e dos filhos. Então, a vida não é mil rosas não, contém os seus espinhos. Entre eu e ele está sendo assim.

Um dia está de bom humor, outro dia não está. Estamos levando a vida, faz dois anos assim. (Rebeca) [... ] Às vezes você fica até pensando assim: nossa eu estou tão bem e a pessoa está assim. Como eu posso falar, não tem como explicar isso. Injusto, é uma coisa assim. Mas com o tempo que vai passando você vai aprendendo a conviver e vendo que não é tudo aquilo, você vai levando. (Ana) DISCUSSÃO O estar-lançado é a forma como o ser humano se constitui no mundo por meio de seu processo de abertura e, por se constituir como um ser aberto as suas próprias possibilidades, o mesmo se projeta para os entes ao seu redor(12).

Perante a presença do câncer no seio familiar e vivendo a facticidade de ser cuidadora de seu companheiro, a mulher como esposa se lançada à necessidade de assumir para si essa responsabilidade.

Nesse sentido, o ser que adoece não está isolado, vivendo sem os outros, pois estes são copresenças do ser-no-mundo(13).

O ser-com-o-outro na doença pode tornar-se uma participação significante, quando se expressa a solicitude, isto é, cuidar do outro, ter consideração e paciência com o mesmo.

Assim, apesar de sobrecarregada e sem o auxílio constante dos familiares, a mulher cuidadora permanece firme em sua função, demonstrando força mesmo em meio a momentos de intenso desgaste. Essa realidade apresentada é comum, uma vez que, em cerca de 60% das situações de doença, o cuidador não recebe ajuda de seus familiares para aliviar as sobrecargas do cuidado(5).

Apesar de tais percalços, ao assumir a responsabilidade do cuidado do outro, a mulher desenvolve modos de preocupação, ou seja, expressa autenticamente o modo de ser-com, característica do Dasein(12). A preocupação, entretanto, pode se manifestar de diferentes formas: em uma primeira expressão, aquele que se preocupa retira o cuidado do outro, substituindo-o, chamada então de substituição dominadora. Nesse modo de preocupação, aquele que cuida toma o lugar do outro, podendo tornar dependente o ser cuidado. em outro modo, a anteposição libertadora, o cuidador antepõe-se ao cuidado, para devolvê-lo como tal, de forma que permite, em sua possibilidade existencial, a liberdade para o cuidado(14). Esse cuidado traz espaço para a solicitude com o outro, sendo essa a expressão de zelo de muitas das mulheres que cuidam de seus esposos com câncer.

Em face dessa condição em que foi lançada existencialmente, a esposa também reconhece sua importância, reforçando sua presença imprescindível durante o cuidado, quando muitas vezes ela se torna até mesmo insubstituível. Nesse cotidiano diante do câncer, ambos precisam abster-se dos próprios preconceitos e valores visando fortalecer os vínculos existentes e encontrar refúgio que favoreça o enfrentamento da doença(2). Portanto, quando o cuidado é exercido pela esposa, esta assegura ao companheiro a possibilidade de sentir-se mais confortável, na medida em que demonstra autenticamente seu desejo de cuidar.

Ainda, ao vivenciar o cuidado e os sentimentos que surgem após o adoecimento, a mulher percebe tal influência no relacionamento com seu companheiro, inclusive apresentando repercussões na intimidade do casal. Assim, algumas esposas aludem a um distanciamento, quando usam a expressão "somos como irmãos". Essas mudanças podem ser decorrentes das dificuldades de aceitação da doença, a intensidade na relação entre os papéis de ser-cuidadora e ser o companheiro doente e até mesmo o cansaço proveniente dos momentos de cuidado(15).

Outro fator agravante nesse distanciamento é a significação conferida pela esposa em relação aos entes intramundanos que invadiram o espaço do casal após o adoecimento, limitando sua proximidade. Neste sentido, o uso da bolsa de colostomia ou traqueostomia é permeado de significados, em que o sentimento de não normalidade se faz presente, alterando assim as vivências consigo, com os outros e com o mundo. Neste ínterim, é comum a limitação da sexualidade, uma vez que ocorrem os sentimentos de impotência, diminuição da autoestima e preocupações com a eliminação de odor ou fezes durante o momento íntimo do casal(16).

Seguindo o pensar heideggeriano, em sua mundaneidade de mundo, o ser humano pode se desvelar de maneiras diferentes e essa disposição apresenta-se por meio do humor ou tonalidade afetiva. Essa disposição, ou humor, possibilita que os entes possam parecer de diversas maneiras, tanto positivas como inúteis ou até mesmo ameaçadores(17). Diante desse pensar, observa-se nas falas de Joquebede e Ana um desvelar-se baseado em sentimento de medo e repulsa em relação aos dispositivos utilizados pelos companheiros, o que demonstra quão é difícil para elas manterem relações íntimas com os mesmos, nesse momento de suas vidas.

Essas disposições são características ontológicas de ser lançado no mundo, onde o ser está à mercê das possibilidades, sem que possa controlá-las(12).

Relativo a essa questão, o estado emocional é de grande significância para as cuidadoras, sendo que em decorrência dos cuidados, podem desenvolver com maior frequência ansiedade e transtornos depressivos(4). Porém, percebe-se o quanto as mulheres apesar de sentirem-se "sobrecarregadas" com o comportamento "agressivo" do companheiro, conseguem contornar essa circunstância com muito diálogo e paciência.

Filosoficamente, em sua existência, o ser existe sempre adiante de si mesmo, ultrapassando-se, ou seja, transcendendo. Assim, o homem antecipa-se a si mesmo, garantindo a sua ultrapassagem ao próprio ser(18). Neste contexto, distinguem-se ainda nas falas que algumas mulheres procuram antecipar as suas próprias possibilidades, tentando agarrar-se à sua situação, não com desânimo, nem tristeza, mas com entendimento de suas condições existenciais. Desta forma, elas superam seus próprios temores, manifestando o seu poder de transcendência sobre o mundo e sobre si mesmas.

E, nessa transcendência, algumas cuidadoras revelam em seus discursos que, mesmo não havendo a proximidade íntima, sobrepõem-se a essa circunstância e os sentimentos de afeição um pelo outro são valorizados pelas mesmas, o que minimiza as questões da sexualidade. Seguindo esse pensar, podemos relacionar ou traduzi-los no amor, sendo que este é referido como expressão do cuidado: "O amor [...] é possibilidade da relação do ser-com, [...] como possibilidade da possibilidade do relacionamento é o fundamento do cuidado" (18).

Sabe-se ainda que, ao se tornar cuidadora, perante a necessidade de adaptação e discernimento diante da nova condição existencial, as mulheres conseguem superar as barreiras e demonstrar dedicação, sensibilidade e disponibilidade para ajudar o companheiro doente(19). Ao compreender sua função de cuidadora como manifestação holística do bem-estar ao outro, a mulher controla-se e deixa que seus sentimentos sejam minimizados para a realização do cuidado.

Mediante esse emaranhado de sentimentos, as mulheres desenvolvem a paciência de forma inimaginável para muitas, ao controlar suas ações em prol de não causar discussões ou qualquer situação que possa piorar, de alguma maneira, o bem- estar de seu ente querido. Essa atitude de "evitar" é tomada perante a reação do companheiro em relação à doença, quando este diminui possibilidades de conversas e negociação(15) com a companheira. No entanto, a mulher desvela ser prejudicada emocionalmente e, mesmo assim, cuida do outro em detrimento de si.

Mostra-se mais uma vez como ser-com em seu modo de relacionar-se, sendo que a mesma vive de maneira a estar à disposição para cuidar de seu amado(14).

Portanto, ao ser-cuidadora do companheiro com câncer, a mulher adentra-se em uma nova realidade existencial que não apresenta facilidades, ainda mais que o cuidado do homem é diferenciado pelas suas próprias possibilidades existenciais, permeadas da masculinidade, que acabam por influenciar seu vivenciar da doença e também refletem no cuidado exercido pela esposa(3).

Diante de tal realidade, considera que o companheiro encontra-se como um ser- no-mundo com câncer, onde se lançado em um mundo desconhecido, sujeito a manifestar sentimentos diversos, que podem estar relacionados à depressão, isolamento e ansiedade(16).

De tal forma, a cuidadora pode ver a doença como um ente que afeta o relacionamento do casal ou como a possibilidade de assumir o seu poder-ser e transcender ante a facticidade imposta pela doença. Considerando-se tais sentimentos e as repercussões dos mesmos, além da gravidade do câncer e seus estigmas enraizados, percebe-se o quanto essa doença pode exercer influência sobre os vínculos, sendo comuns duas situações: a fragilização dos mesmos ou o seu fortalecimento(2), como se apresentou neste estudo.

Em virtude do quadro vivenciado por tais mulheres, diante de inúmeras dificuldades advindas ao cuidar de seu companheiro, ressalta-se ainda que, devido às sobrecargas físicas e emocionais, muitas vezes necessitam ressignificar a própria vida, e, para tal, o apoio da equipe de saúde é fundamental neste processo, principalmente por parte da enfermagem, como uma facilitadora, que fornecerá conhecimento e suporte ao cuidado(20).

Esta pesquisa possibilitou desvelar as significações de mulheres que cuidam do companheiro com câncer e considera necessário apontar suas limitações, sendo estas no que tange às especificidades das participantes, por serem as companheiras do doente, e de suas realidades, com o foco na vivência e cuidado domiciliar. Assim, os resultados encontrados não devem ser generalizados, porém, acredita-se que devem ser analisados com o intuito de fundamentar as ações de assistência a essa parcela da população que também contribui para o cuidar. Dessa maneira, espera-se que esta pesquisa venha incentivar novos questionamentos que ampliem o conhecimento da temática apresentada.

CONCLUSÃO Por meio da fenomenologia existencial foi possível vislumbrar os percalços vivenciados pelas mulheres que são lançadas diante de sua existencialidade, enquanto cuidadoras dos companheiros com câncer, quando vivenciam essa circunstância, de forma profunda e impactante.

Ao abraçar o cuidado do companheiro e vivenciar o câncer em seu lar, as mulheres veem-se diante das alterações em seus modos de disposição, deparam-se com o comprometimento da intimidade do casal e a necessidade de lidar com os sentimentos do companheiro e de si. Contudo, ao aceitar sua nova condição de existir no mundo, transcendem as vicissitudes e mantêm os sentimentos de afeição pelo outro e, assim, são impulsionadas a continuar na condição de ser- com o companheiro durante sua jornada em meio à doença.

Enquanto profissionais de saúde, também podemos ser lançados perante a necessidade de acompanhar mulheres em tais circunstâncias do cuidar, assim é imprescindível compreender as dificuldades por elas enfrentadas. Desta forma, na medida em que ações são estabelecidas com base em tal conhecimento, contribuir-se-á na minimização dos impactos sofridos ao longo de sua trajetória como cuidadora.

Diante de tal realidade, em que a mulher é a personagem protagonista do cuidado, cabe à enfermagem uma reflexão crítica da atenção que dedica a esses seres, bem como a importância das mesmas no contexto apresentado para que, além de oferecer suporte para a continuidade dos cuidados do companheiro, ela também mantenha, mesmo em meio às dificuldades, o seu próprio bem-estar.

Como citar este artigo: Piolli KC, Medeiros M, Sales CA. Significations of being the caregiver of the companion with cancer: an existential look. Rev Bras Enferm [Internet]. 2016; 69(1):99-105.


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