Competências clínicas do enfermeiro assistencial: uma estratégia para gestão de
pessoas
INTRODUÇÃO
As organizações hospitalares têm se sobressaído pela assistência a pacientes em
situações de saúde cada vez mais críticas, que demandam respostas complexas a
cada situação. Desse modo, o trabalho hospitalar requer competências dos
profissionais que se deparam com: transformações tecnológicas(1), mudanças no
perfil epidemiológico, no padrão demográfico da população brasileira e com
pacientes cada vez mais exigentes(1-2).
O serviço de Enfermagem é responsável por gerenciar um número expressivo de
profissionais(3-4), e tem sido um desafio não só dimensionar os enfermeiros
necessários, mas também distribui-los. A definição das competências requeridas
pelos serviços e o potencial de cada enfermeiro para desenvolvê-las podem ser
estratégicos para harmonizar a carga de trabalho da unidade e o perfil do
profissional, a fim de alcançar melhores resultados em termos de assistência.
A caracterização e o desenvolvimento das competências são um desafio para os
serviços de saúde, principalmente para o enfermeiro que gerencia o cuidado
prestado ao paciente(5). A adoção do modelo de gestão por competências pode ser
uma alternativa apropriada, pois fornece aos gestores uma visão mais ampla
acerca das competências, de modo que possam fazer uma comparação entre as
competências requeridas por um cargo e as competências do profissional,
possibilitando a identificação dosgaps, ou lacunas de competências, e o
desenvolvimento de um plano para cada um deles, o que beneficia as organizações
e os profissionais(6-7). No âmbito dos serviços de saúde, esses benefícios
podem se estender aos pacientes, à medida que os objetivos institucionais
estejam vinculados à melhoria da qualidade dos seus serviços(5).
O termo "competência" não é novo e tem se apresentado sob diversas concepções
(8). Como característica do ser humano, competência é conceituada como o
conjunto de conhecimentos, habilidade e atitudes(9). Quando relacionada à
formação do indivíduo e suas experiências profissionais, é definida como um
saber agir responsável, reconhecido pelos outros, que abrange o saber
mobilizar, integrar, transferir os saberes, recursos e habilidades em um
determinado contexto profissional(10).
Nesta pesquisa, considerou-se competência um saber agir complexo que se apoia
na mobilização e combinação de conhecimentos, habilidades, atitudes e recursos
externos, devidamente aplicados a uma determinada família de situações(11).
Assim, a competência não é puramente constituída de recursos incorporados à
pessoa, mas também de recursos externos, como as informações, os equipamentos e
as redes relacionais(12).
Os enfermeiros que trabalham com gestão de pessoas têm se preocupado em
qualificar a assistência, redirecionando os enfermeiros para o cuidado direto,
representando a categoria junto à direção geral por boas condições de trabalho,
implementando programas de educação continuada e apoiando o autodesenvolvimento
profissional.
A educação continuada pode ser vista como um processo que impulsiona as
transformações na organização, oportuniza a capacitação e o desenvolvimento
pessoal e profissional, dentro de uma visão crítica e responsável da realidade.
Para isso, utiliza-se da identificação e desenvolvimento de competências,
incentivo ao autodesenvolvimento, coordenação de programas de treinamento e
desenvolvimento, de avaliação e desempenho profissional(13), o que direciona
para formação de competências clínicas.
Considerando que o conhecimento das competências clínicas pode ser um
importante instrumento gerencial, optou-se por estudar esse tema em um hospital
privado do sul do país, que, em 2008, redirecionou a assistência de enfermagem
por meio da implantação do cargo de enfermeiro assistencial. A nova proposta
privilegiou a contratação de enfermeiros com o intuito de prestar assistência
direta aos pacientes em contraposição a um modelo anterior no qual as
atividades desses profissionais estavam concentradas na dimensão
administrativa.
Assim, a proposta do hospital foi a de manter a atribuição dos enfermeiros na
esfera administrativa e incluir enfermeiros na esfera assistencial, tendo como
apoio um programa de educação continuada. É nesse cenário que a pesquisa foi
desenvolvida, se pautando nestas questões norteadoras: Quais competências
clínicas os enfermeiros assistenciais utilizavam na sua prática diária? Como
eles adquiriram estas competências?
Para tanto, os objetivos foram: identificar as competências clínicas dos
enfermeiros assistenciais de uma organização hospitalar e apreender como os
profissionais as adquiriram.
MÉTODO
Pesquisa exploratória de abordagem qualitativa, realizada em um hospital
privado no sul do Brasil, com 154 leitos, dividido em unidades: cirúrgica,
clínica, terapia intensiva adulto (UTI), unidade de terapia intensiva neonatal
(UTN), pediatria, centro cirúrgico (CC), centro obstétrico (CEO), maternidade e
emergência (EME).
Os participantes da pesquisa foram os enfermeiros que atenderam aos seguintes
critérios de inclusão: possuir vínculo empregatício com o hospital e
desempenhar atividade assistencial na instituição há pelos menos 6 meses,
independente do turno de trabalho. Excluíram-se os enfermeiros que estavam de
férias, folgas ou atestado durante o período da coleta de dados. Dos 36
enfermeiros, que atuavam neste hospital, 22 atenderam aos critérios de inclusão
e foram convidados, individualmente, por uma das pesquisadoras a participar da
pesquisa; dois enfermeiros não compareceram à entrevista previamente agendada,
assim a amostra foi composta de 20 enfermeiros assistenciais.
Para identificar as competências clínicas dos enfermeiros assistenciais, foi
utilizada a abordagem interpretativa de Benner, que se assemelha à
interpretação de um texto, onde a sentença não pode ser analisada por meio de
palavras isoladas, e sim como parte de um contexto. A abordagem interpretativa
apoia-se no contexto particular da situação, envolvendo o momento em que é
preciso agir. Em seu referencial teórico, Benner apresentou 31 competências
agrupadas em sete domínios, sendo eles: a função de ajuda, de ensino e
treinamento, de diagnóstico e monitoramento, gerenciamento eficaz das situações
de rápida mudança, administração e monitoramento dos regimes e das intervenções
terapêuticas, bem como monitoramento e garantia da qualidade das práticas na
área da saúde e competências organizacionais(14).
Benner classificou o enfermeiro em cinco níveis de competência: novato,
iniciante avançado, competente, proficiente e expert. O novato não possui
experiência das situações que terá de enfrentar e suas ações baseiam-se em
elementos mensuráveis. O iniciante avançado orienta-se pelas regras e apresenta
dificuldade em dominar a situação numa perspectiva mais ampliada. O competente
consegue discernir entre os aspectos relevantes e irrelevantes de uma situação
clínica, o que torna suas ações mais eficientes. O proficiente apreende os
aspectos de uma situação que mais merecem atenção e vai direto ao problema. O
expert tem a capacidade de prever problemas e antecipar ações com extensa
assertividade; é reconhecido pelos seus pares e pacientes(14).
Na coleta dos dados, foi solicitado ao participante que contasse uma ou duas
histórias de atendimento clínico a um paciente e qual tinha sido sua conduta.
Os sentidos dos relatos dos enfermeiros assistenciais foram analisados,
extraindo-se os domínios da prática de enfermagem e, a partir destes, as
competências de acordo com o referencial adotado.
Para apreender como os enfermeiros adquiriram as competências, foi realizada a
seguinte pergunta: você poderia me contar como adquiriu competência clínica
para trabalhar nesta unidade do hospital? Uma vinheta, que trazia o conceito de
competência, foi apresentada aos enfermeiros. A análise dos dados foi realizada
pela técnica de análise de conteúdo, desenvolvida em três etapas: pré-análise,
exploração do material, tratamento dos dados e interpretação(15). As
entrevistas foram realizadas nos meses de maio e junho de 2013, em uma sala
reservada no próprio local de trabalho dos participantes, com horário
previamente agendado, e foram gravadas em dispositivo de áudio, em consonância
com os participantes e, posteriormente, transcritas na íntegra.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da
Universidade Federal do Paraná. Os participantes foram esclarecidos sobre os
objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE). Para resguardar o anonimato dos mesmos, utilizou-se a palavra
enfermeiro seguida de uma letra do alfabeto.
RESULTADOS
Dentre os participantes, 17 (85%) eram do sexo feminino e três (15%) do sexo
masculino. Dois (10%) tinham entre 20 e 25 anos de idade, sete (35%) entre 25 e
30 anos, nove (45%) entre 30 e 35 anos, um (5%) entre 35 e 40 anos e um (5%)
com mais de 45 anos de idade. Onze participantes (55%) tinham menos de 05 anos
de formados, oito (40%) entre 05 e 10 anos e um (5%) era graduado há pouco mais
de 10 anos. Seis enfermeiros (30%) atuavam de 6 meses a 1 ano no hospital de
estudo, sete (35%) de 1 a 2 anos, quatro (20%) de 2 a 3 anos, dois (10%) de 3 a
4 anos e um (5%) de 4 a 5 anos.
Os resultados são apresentados em duas etapas. A primeira delas traz as
competências clínicas dos enfermeiros assistenciais, organizadas segundo o
Quadro_1, e a segunda apresenta como os enfermeiros as adquiriram.
Quadro 1 Competências clínicas dos enfermeiros assistenciais, conforme o tempo
de atuação na Enfermagem e a atual unidade de trabalho dos profissionais
Tempo de atuação naEnf. Número de Competências clínicas Unidade(s)de trabalho atual
enfermagem relatos
A 1 * Maternidade, Pediatria, Unidade Clínica
b
G 2 * Maternidade, Pediatria, Unidade Clínica
De 6 meses a 1 ano b
I 2 - Ajudar o paciente a integrar as implicações da doença e da recuperação no seu Unidade Cirúrgica
estilo de vida.
S 1 * UTI
C 2 - Fornecer um sistema de apoio para garantir cuidados médicos e de enfermagem UTI
seguros.
O 2 - Fornecer um sistema de apoio para garantir cuidados médicos e de enfermagem Maternidade, Pediatria, Unidade Clínica
seguros. b
De 1 a 2 anos P 1 - Detecção e documentação das mudanças significativas na condição de um UTN
paciente.
- Detecção e documentação das mudanças significativas na condição de um
T 2 paciente. EME
- Fornecer uma interpretação da condição do paciente e dar razões ao seu
tratamento.
D 2 - Desempenho qualificado em emergência com risco de vida: rápida compreensão de UTN
um problema.
K 1 -Identificar a crise de um paciente até que a assistência médica esteja UTN
disponível.
De 2 a 3 anos - Ajudar o paciente a integrar as implicações da doença e da recuperação no seu
R 2 estilo de vida. Unidade Clínica a Unidade Cirúrgica
- Obter respostas apropriadas e, em tempo oportuno, dos médicos.
E 2 - Desempenho qualificado em emergência com risco de vida: rápida compreensão de (CE0)
um problema.
L 2 -Identificar a crise de um paciente até que a assistência médica esteja UTI
De 3 a 4 anos disponível.
- Detecção e documentação das mudanças significativas na condição de um paciente
J 2 Maternidade, Pediatria, Unidade Clínica
- Avaliar o que pode ser seguramente omitido ou adicionado às prescrições b
médicas.
- Detecção e documentação das mudanças significativas na condição de um
De 5 a 6 anos Q 2 paciente. EME
- Fornecer uma interpretação da condição do paciente e dar razões ao seu
tratamento.
F 2 - Identificar a crise de um paciente até que a assistência médica esteja Enfermeiro substituto
disponível.
De 6 a 7 anos H 2 - Detecção e documentação das mudanças significativas na condição de um Unidade Cirúrgica
paciente.
M 2 * Unidade Clínica a
- Detecção e documentação das mudanças significativas na condição de um paciente
De 7 a 8 anos N 2 UTI
- Identificar a crise de um paciente até que a assistência médica esteja
disponível.
Mais de 10 anos B 2 * UTI
Nota: * Competências clínicas nao identificadas
Primeira etapa: Competências clínicas dos enfermeiros assistenciais
As competências clínicas identificadas de acordo com referencial de Benner
(14)foram distribuídas conforme o tempo de atuação dos enfermeiros
assistenciais na profissão (Quadro_1), pois se acredita que as competências
clínicas são desenvolvidas desde o primeiro contato dos profissionais com a
enfermagem; assim foi considerado o tempo de experiência na profissão e não
somente na instituição. O número de relatos clínicos de cada enfermeiro
assistencial e a atual unidade de trabalho dos enfermeiros também são
apresentados no Quadro_1.
Segunda etapa: A aquisição das competências clínicas pelos enfermeiros
assistenciais
A partir dos discursos dos enfermeiros assistenciais, emergiram quatro
categorias: interação com outros profissionais; o cotidiano da prática de
enfermagem; experiências anteriores; aprendizado formal.
Categoria 1: Interação com outros profissionais
Os dados revelaram que a interação dos enfermeiros assistenciais com outros
componentes da equipe de saúde foi uma prática que favoreceu a aquisição das
competências clínicas. Dentre os componentes da equipe de saúde, a enfermeira
coordenadora da unidade, o técnico de enfermagem e o médico foram os
profissionais mencionados pelos enfermeiros assistenciais:
[...] eu já tinha um pouco de conhecimento; eu vim com uma bagagem,
mas esta competência foi adquirida pelo contato com a enfermeira
coordenadora, uma pessoa que tem um pouco mais de experiência e que
pode ajudar. (Enfermeiro O)
[... ] a gente aprende muito com as técnicas de enfermagem mais
antigas. (Enfermeiro P)
[... ] estamos estudando junto com os médicos; hoje de manhã eles
fizeram um debate [... ] com a equipe multidisciplinar, com a
enfermagem, é onde a gente discute o que estudou, então [... ]
aprendemos mais coisas com os médicos. (Enfermeiro D)
Categoria 2: O cotidiano da prática de enfermagem
O dia a dia na profissão foi considerado como um modo de aquisição das
competências clínicas pelos enfermeiros assistenciais, o qual deve ser permeado
por atitudes proativas.
Essa competência, essa habilidade, essa visão foi[...], no dia a dia.
(Enfermeiro K)
Eu [...] pegava um raio X edizia para o Doutor: é pneumonia? Está
nevoado.A ausculta dele está diminuída. Será que é por causa disto?
[...]. Eu acompanhava as visitas com os médicos, questionava, porque
deste antibiótico? [...]. (Enfermeiro F)
Eu aprendo no dia a dia, nas coisas que eu faço[...]. (Enfermeiro J)
Categoria 3: Experiências anteriores
As experiências vivenciadas pelos enfermeiros assistenciais ao longo da
profissão e em outras instituições de saúde foram apontadas como uma das formas
de aquisição das competências clínicas:
[...] pela experiência que eu adquiri em outras instituições, de
vivência clínica. Quando eu estava no Pronto Atendimento, chegava
paciente com nenhuma alteração de sinal clínico; de repente, a gente
observava e estava infartado, parada cardíaca era a cada dez minutos
[...] então você vai adquirindo experiência [...].(Enfermeiro F)
Eu acho que esta competência vem ao longo do tempo. Conforme você vai
adquirindo experiência [...]. (Enfermeiro C)
Foi com a experiência na emergência [...]. (Enfermeiro E)
Categoria 4: Aprendizado formal
A realização de cursos e especializações na área da enfermagem foi apontada
pelos enfermeiros assistenciais como meios para a aquisição das competências
clínicas.
Quando eu fiz o curso de ACLS, me ajudou muito. (Enfermeiro E)
[...] depois de 2 anos no hospital, eu comecei a fazer
especialização, então eu adquiri algumas competências específicas,
por área, por doença [...]. (Enfermeiro Q)
Verificou-se que a realização do curso de especialização contribui para a
aquisição de competências específicas, ou seja, direcionadas para uma
determinada área da Enfermagem.
DISCUSSÃO
De acordo com o Quadro_1, verifica-se que os iniciantes da prática clínica de
enfermagem, aqueles que atuavam de 6 meses a 1 ano na profissão, não
apresentaram um rol de competências clínicas, pois somente uma competência foi
identificada em seus relatos, o que pode ser explicado pelo pouco tempo de
atuação dos profissionais na Enfermagem.
Dentre os cinco níveis de competência propostos por Benner: novato, iniciante,
avançado, competente, proficiente e expert(14), acredita-se que esses
profissionais ocupam o primeiro nível de competência. Para a teórica(14), os
novatos são aqueles que não possuem experiência das situações que terão de
enfrentar e baseiam-se em elementos mensuráveis, independentes do contexto,
para orientar as suas ações e, por isso, necessitam de supervisão feita por
enfermeiros mais experientes.
Mesmo com pouco tempo de atuação na enfermagem, há enfermeiros assistenciais
responsáveis por mais de uma unidade do hospital, ou então alocados em unidade
de alta complexidade assistencial, como a UTI. Contudo, o enfermeiro que
trabalha em UTI precisa, além de qualificação adequada, mobilizar competências
específicas, durante a realização das suas atividades, que lhes permitam
desenvolver suas funções eficazmente, associando conhecimento técnico-
científico, domínio do aparato tecnológico, humanização e individualização do
cuidado(16).
Nessa perspectiva, é importante que a gestão de pessoas preocupe-se em adequar
o enfermeiro ao cargo, a fim de que se possa obter resultados mensuráveis
pautados na eficácia e na eficiência. Essa adaptação inicia-se no momento da
captação dos recursos humanos, uma que vez que para realizar um processo de
recrutamento de pessoal apropriado, delineiam-se o perfil e as competências que
cada unidade requer de seus profissionais(5).
Quando os enfermeiros assistenciais passam a atuar de 1 a 2 anos na Enfermagem,
as competências clínicas começam a surgir. Entretanto, não há uma
heterogeneidade entre elas, pois das cinco competências, identificou-se que
apenas três são distintas, o que pode se vincular ao fato de que estes
enfermeiros ainda não enfrentaram situações clínicas suficientes para
diversificar o seu rol de competências clínicas.
No intuito de promover o desenvolvimento das competências desses profissionais,
é importante mantê-los em suas unidades de trabalho, uma vez que as
competências constroem-se à medida que o indivíduo enfrenta as situações(17).
Além disso, o domínio progressivo de uma competência está distribuído no tempo
e em ambientes que realmente implementem programas que enfoquem o seu
desenvolvimento, os quais partem de uma lógica crescente de complexidade e
podem ou não ocorrer em contextos formais de educação(11). Dentre as
estratégias para retenção de enfermeiros qualificados, engloba-se o apoio à
educação e a alocação de recursos humanos apropriados, com o propósito de
atender as necessidades de cada unidade(18).
Todavia, são raros os hospitais que cultivam uma política de recursos humanos
com vistas ao desenvolvimento das potencialidades dos profissionais e que
consideram, de modo integrado, a captação e a retenção de pessoal. A maioria
dos hospitais não se preocupa em instituir uma política efetiva de valorização
dos recursos humanos internos, crendo que o profissional pode ser substituído
com facilidade e, ainda, atribuindo excessivo valor à tecnologia para a
melhoria da qualidade do cuidado de enfermagem(13).
De modo similar aos enfermeiros assistenciais, que atuavam de 6 meses a 1 ano
na Enfermagem, verificou-se que aqueles que atuavam de 1 a 2 anos na profissão
também foram alocados em unidades de alta densidade tecnológica e complexidade
assistencial, como a UTI e UTN. Contudo, os pacientes de UTI são considerados
críticos e de alta complexidade, o que potencializa a necessidade do contínuo
desenvolvimento das competências nos profissionais que trabalham nesta unidade,
com o objetivo de harmonizar o serviço entre a alta tecnologia e a assistência
de enfermagem(1), demonstrando a necessidade de estratégias as quais possam
contribuir para a diversificação das competências clínicas dos enfermeiros que
atuam nesses cenários.
Na maioria dos relatos dos enfermeiros assistenciais, que atuavam de 2 a 3 anos
na profissão, foram identificadas competências clínicas. Percebe-se que apenas
a competência "ajudar o paciente a integrar as implicações da doença e da
recuperação no seu estilo de vida" já havia aparecido neste estudo; as demais
surgiram pela primeira vez e representam maior agilidade, tanto na detecção dos
problemas dos indivíduos quanto nas atitudes dos enfermeiros assistenciais.
Enfermeiros que atuam de 2 a 3 anos com uma população específica de pacientes
podem atingir o nível competente. Nesse nível, o enfermeiro é capaz de
discernir entre os aspectos relevantes e irrelevantes de uma situação clínica,
o que torna suas ações planejadas e mais eficientes(14). Estudo desenvolvido
com enfermeiros competentes, que atuavam em unidade médico-cirúrgica,
demonstrou que estes foram capazes de antecipar e solucionar problemas clínicos
de rotina e, ainda, à medida que se tornavam mais confiantes em sua prática, os
problemas eram resolvidos com maior facilidade(19).
Em relação aos enfermeiros assistenciais E, L, e J, que atuavam de 3 a 4 anos
na Enfermagem, não foi possível identificar competências clínicas em todos os
seus relatos clínicos. Acredita-se que este fato é reflexo da mobilidade
interna desses profissionais, já que todos eles foram realocados de unidade de
trabalho, mesmo após estar trabalhando há mais de 1 ano nessas.
Enfermeiros que trabalham em unidades com alto índice de rotatividade não
atingem aexpertise, porque não passaram por circunstâncias sobre as quais
pudessem adquirir a experiência tão necessária para a sua progressão(14).
Estudo realizado em um hospital no Equador apontou que a retenção dos
enfermeiros consiste em uma das maiores preocupações, pois o aumento da
rotatividade pode afetar a qualidade da assistência prestada(20).
Em todos os relatos clínicos do enfermeiro assistencial Q, que atuava de 5 a 6
anos na enfermagem, foram identificadas competências clínicas. Semelhante
ocorreu com enfermeiro assistencial N, que atuava de 7 e 8 anos na enfermagem.
Destaca-se que o enfermeiro Q não foi mudado de unidade de atuação desde a sua
admissão na EME do hospital, e o enfermeiro N já havia trabalhado em UTI,
unidade onde está atualmente alocado.
Enfermeiros que trabalham com a mesma população de pacientes adquirem a
experiência por meio da frequente exposição às situações, e a prática é
transformada por meio da experiência, sendo que a experiência é o veículo para
o desenvolvimento profissional(21), o que reforça a importância de manter e
incentivar os enfermeiros a permanecer nas suas unidades de trabalho.
Nem todos os enfermeiros que atuavam de 6 a 7 anos na enfermagem apresentaram
um repertório de relatos clínicos nos quais fosse possível identificar as
competências. Vislumbra-se que este fato pode associar-se à trajetória
profissional de determinados enfermeiros assistenciais. Um deles atuava como
enfermeiro assistencial "substituto", no lugar de enfermeiros em férias ou
folgas e não tinha uma unidade fixa de trabalho; acredita-se que, a cada
mudança de unidade, o enfermeiro precise enfrentar novas situações clínicas que
exigem conhecimentos, habilidades e atitudes voltadas a cada uma delas. O outro
enfermeiro assistencial, apesar de atuar de 6 a 7 anos na enfermagem,
trabalhava apenas há 9 meses na unidade clínica a do hospital de estudo e,
anteriormente, trabalhou em mais de oito áreas diferentes da enfermagem.
A excessiva mobilidade e rotatividade dos enfermeiros, vinculada à juventude de
muitas equipes de trabalho, são elementos que determinam a imaturidade e
inexperiência profissional. Assim, em um grande número de equipes, não há
enfermeiros experts, que realmente assumam a função de líder na gestão dos
cuidados em enfermagem e também nos processos de formação e melhoria contínua
(22).
Um único enfermeiro atuava há mais de 10 anos na enfermagem, entretanto, não
foi possível identificar nenhuma competência clínica em seus relatos clínicos,
revelando que somente o tempo na profissão não é sinônimo de experiência. A
experiência de um profissional não significa o tempo que uma pessoa exerceu uma
atividade, mas remete a um processo ativo que consiste em modificar teorias e
ideias vinculadas a uma realidade próxima(14).
Em relação à aquisição das competências clínicas pelos enfermeiros
assistenciais, verificou-se que uma das formas foi por meio da interação com
outros profissionais da equipe de saúde. O que é factível, já que a construção
de novas competências exige a interação tanto entre os indivíduos quanto entre
os grupos(23). Além disso, o desempenho do serviço de enfermagem de qualidade é
dependente, dentre outros elementos, de uma cultura de compartilhamento de
aprendizagem e conhecimento na aquisição de competências para o cuidado ao
paciente(24).
O enfermeiro, na posição de coordenador do grupo, deve propiciar o espaço de
integração do pensar, sentir e agir. Deve incentivar a superação do pensamento-
explicativo, deixando-se saber por meio do contato, pelas sensações de
descoberta e aprendizagem com o outro(25). Aqueles com mais experiência devem,
ainda, apoiar os enfermeiros novatos na busca do conhecimento clínico; caso
contrário, eles não conseguirão ultrapassar os desafios nem vivenciar
completamente as suas experiências para atingir a expertise clínica(14).
Habitualmente, condições político-burocráticas e econômicas das organizações
não consentem que os recém-graduados sejam acompanhados por um profissional
experiente. Além do mais, as instituições de saúde não oferecem um programa
sistemático de educação para esses profissionais. Assim, a teoria engendrada na
academia fica falando para si mesma, e a prática, na maioria das vezes, é
desenvolvida com base no "acerto e erro"(26).
Em contrapartida, certos enfermeiros, que estão se iniciando na profissão, ao
se sentirem vulneráveis em virtude da falta de habilidade para a execução de
determinados procedimentos, procuram apoio junto aos técnicos de enfermagem ou
outros profissionais da equipe(27). É possível aprender com os indivíduos
familiarizados com os contextos reais da prática. Porém, ainda tem-se uma
imensa valorização do conhecimento acadêmico e pouca consideração pelo
conhecimento adquirido através da ação prática, o que se deve muito mais a uma
questão social do que científica(28). Outra forma de aquisição das competências
clínicas foi por meio do cotidiano da prática de enfermagem. Nesse sentido, a
situação prevê transformar as situações diárias em aprendizagem, explorando
reflexivamente os problemas da prática e considerando o próprio processo de
trabalho no seu contexto intrínseco(28). A construção de competências, que
aparecerem a partir de uma necessidade real, pelo aprendizado em situações de
mobilização de saberes, é possível. Todavia, deve ser acompanhada de uma
reflexão crítica(8), já que se trata de um processo de desenvolvimento contínuo
que abarca a busca e o aprendizado por parte dos profissionais(5).
O enfermeiro, depois de observar o curso clínico de diferentes pacientes,
aprende a esperar uma sequência de eventos, mesmo sem nunca ter firmado aquela
expectativa. Isso surge somente com a prática clínica e não com abstrações
conhecidas ou generalizadas(14), o que reside na importância da vivência
clínica para aqueles que atuam diretamente no cuidado ao paciente.
As experiências anteriores também foram apontadas como um elemento essencial
para o processo de aquisição das competências clínicas. Acredita-se que o
enfermeiro assistencial, que vivenciou um rol de experiências concretas,
utiliza-se destas para conduzir situações futuras, o que proporciona maior
facilidade para o manejo de situações clínicas inéditas ou incomuns.
Conhecimentos, habilidades e atitudes desenvolvidas em situações anteriores
fundamentam a base de competências para propiciar respostas frente a
circunstâncias não habituais e imprevisíveis. Recursos individuais e coletivos
passam a ser postos em ação, a fim de encontrar semelhanças entre as vivências
anteriores e as atuais. Transformações tanto de ordem externa quanto interna ao
profissional são mobilizadas para atingir um resultado, como solucionar
problemas em situações inéditas. Caso o rol de competências adquiridas dê conta
da situação imprevista, cria-se mais uma instância de aprendizado(29).
Além das experiências anteriores, os enfermeiros assistenciais também elencaram
o aprendizado formal como um modo para a aquisição das competências clínicas.
Os conhecimentos oriundos do aprendizado formal são indispensáveis para a
atuação do enfermeiro; uma boa formação é fundamental à obtenção de enfermeiros
de alto nível, capazes de avaliar as conjunturas mais complexas e proporcionar
soluções coerentes aos reais problemas(14).
Os gestores das instituições de saúde também devem investir em um programa de
capacitação de recursos humanos em saúde, já que este se caracteriza como um
valoroso instrumento para desenvolver profissionais(1); como um bom exemplo,
tem-se a educação permanente, que supõe a inversão da lógica do processo de
educação, associando o ensino e o aprendizado à vida cotidiana das organizações
e às práticas sociais e laborais no contexto real em que acontecem,
transformando expressivamente as estratégias educativas a partir da prática
como fonte de conhecimento e de problemas, problematizando o próprio fazer(28).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A identificação das competências clínicas e o modo com os enfermeiros
assistenciais as adquirem mostrou-se como um importante recurso para a gestão
de pessoas na enfermagem. O conhecimento do rol de competências clínicas dos
enfermeiros contribui para melhor alocação dos profissionais e possibilita a
identificação dosgaps que, aliados ao modo de aquisição das competências
clínicas, podem direcionar as ações educativas no interior das organizações
hospitalares.
Destaca-se que é possível identificar as competências clínicas requeridas em
cada unidade assistencial e alocar os enfermeiros assistenciais conforme as
suas competências, de modo que se tenha melhora na resolução de problemas
clínicos em benefício dos pacientes e, ainda, oportunize o desenvolvimento dos
profissionais. É um processo que deve ser trabalhado desde a admissão do
enfermeiro na organização e periodicamente acompanhado, a fim de realizar os
ajustes necessários. É preciso fazer parte das metas de organização e gestão de
pessoas.
Em relação à aquisição das competências clínicas, verificou-se que a
aprendizagem no contexto da prática se sobressaiu. Isso permite refletir sobre
a tendência, a fim de que a aquisição da competência clínica associe-se às
vivências práticas mediante a contribuição de profissionais com um maior nível
de competência clínica. Isso remete à ideia de que a educação, no âmbito das
organizações, deve ser estimulada por meio de estudos de caso, debates entre os
profissionais, simulações e pelo acompanhamento dos enfermeiros novatos por
enfermeiros competentes, proficientes eexperts. Desse modo, os iniciantes da
prática clínica teriam um profissional como referência na instituição; já os
mais experientes seriam valorizados pelo seu nível de competência.
Espera-se que os achados desta pesquisa instiguem os enfermeiros gestores a
identificar as competências clínicas de seus enfermeiros assistenciais e a
implantar estratégias que oportunizem a aquisição de um maior rol de
competências. E, ainda, que enfermeiros e futuros enfermeiros assistenciais
compreendam que a aquisição dessas ocorre ao longo da carreira profissional e
necessita, continuamente, de investimentos de ordem pessoal e organizacional.
Como citar este artigo:
Aued GK, Bernardino E, Peres AM, Lacerda MR, Dallaire C, Ribas EN. Clinical
competences of nursing assistants: a strategy for people management. Rev Bras
Enferm [Internet]. 2016;69(1):130-7.