Prevalência e gravidade de sintomas da síndrome pré-menstrual em reeducandas
condenadas por crimes violentos
Introdução
A síndrome pré-menstrual (SPM) é um conjunto de sintomas que surge entre dez e
14 dias antes da menstruação e desaparece com o início do fluxo, só se
caracterizando como doença se afetar o dia-a-dia da mulher (Dalton, 1984).
Possui quadro clínico bastante variado e polimorfo, sendo relacionada a mais de
150 sintomas, porém nenhum é patognomônico (Valente et al., 2003).
Através dos tempos, inclusive nos dias de hoje, as mulheres menstruadas têm
sido consideradas sujas e até mesmo perigosas, e o sangramento, algo ligado a
lesão, perigo e indício de doença. Não se permite que mulheres muçulmanas
entrem numa mesquita durante a menstruação. A igreja católica, em épocas
passadas, proibia as relações sexuais nesse período. Já na religião judaica
ortodoxa, só os dias posteriores ao fluxo são considerados limpos(Cheniaux et
al., 1994).
A relação entre o ciclo menstrual e os sintomas disfóricos dessa fase (humor
depressivo, irritabilidade, impulsividade) e, do outro lado, o crime vem sendo
pesquisada por vários autores.
Icard (1890) relatou que, de 56 ladras de lojas parisienses, 35 estavam
menstruadas no momento do delito. Lombroso e Ferrero (1894) afirmaram que de 80
mulheres presas por desacato à autoridade, 71 disseram estar menstruadas.
Dalton (1961) averiguou que de 156 mulheres presas por roubo, prostituição e
embriaguez, 49% cometeram seus crimes durante o período pré-menstrual e/ou
durante a menstruação. Cavalcanti e Leal (1978), em pesquisa com 88 mulheres
encarceradas por diferentes motivos e portadoras de tensão pré-menstrual,
constataram que 75 (85,2%) cometeram o delito no período pré-menstrual. D'Orban
e Dalton (1980) também constataram que 44% de 50 mulheres acusadas de crimes
violentos os tinham cometido durante a fase pré-menstrual. Vanezis e Frcpath
(1991) relataram um caso de uma jovem mulher que freqüentemente agredia seus
dois filhos em períodos que coincidiam com sua fase pré-menstrual.
Posteriormente essa mulher enforcou-se e, na autópsia, verificou-se que a mesma
estava menstruada. Cheniaux et al.(1994) afirmaram que, no paramênstruo, que
compreende os períodos menstrual e pré-menstrual, são muito mais altas as taxas
de internações e atendimentos emergenciais em psiquiatria devido a suicídios,
crimes violentos e acidentes.
Neste estudo avaliamos prevalência, intensidade, duração e patogênese de alguns
sintomas da SPM entre as reeducandas condenadas por crimes violentos contra
pessoas (homicídio, latrocínio e tentativa de homicídio) do presídio feminino
Santa Luzia, em Maceió.
Métodos
Foram entrevistadas 29 reeducandas no presídio feminino Santa Luzia, em Maceió,
acusadas de crimes violentos contra pessoas, às quais se aplicou um
questionário baseado nos critérios diagnósticos para SPM presentes na
Classificação Internacional de Doenças (CID-10), sendo avaliadas presença,
intensidade e duração dos seguintes sintomas: depressão, dor nas costas, dor e/
ou inchaço nas pernas, cefaléia, dor abdominal, mastalgia e irritabilidade.
Consideramos sintomas de intensidade leve aqueles que eram apenas pouco
perceptíveis; sintomas de intensidade moderada os que incomodavam as
reeducandas, mas não causavam prejuízos as suas atividades diárias; e sintomas
de grave intensidade aqueles que incomodavam continuamente as reeducandas e
causavam prejuízos as suas atividades diárias, sendo essas últimas
caracterizadas como portadoras de SPM.
Foram excluídas as que possuíam doenças ginecológicas e/ou clínicas que
comprometessem o estado geral, as grávidas e as que estavam em amenorréia há
mais de seis meses. O protocolo deste estudo foi aprovado pelo comitê de ética
em pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Todas as pacientes
assinaram um termo de consentimento antes de iniciar qualquer procedimento do
estudo.
Os dados foram apresentados em percentagem.
Resultados
Entre as 29 reeducandas entrevistadas, 20 (67%) declararam que apresentavam
sintomas de grave intensidade, ou seja, que as incomodavam continuamente,
causando prejuízos em suas atividades diárias, sendo então caracterizadas como
portadoras da SPM (Figura_1). Dessas 80% relataram irritabilidade, 70%
mastalgia, 66,6% cefaléia e 56,6% depressão. Dor e/ou inchaço nas pernas foram
assinalados por 40%, dor abdominal por 33,3% e dor nas costas por 20%. Os
sintomas duravam de dois a três dias para 35% das reeducandas com SPM. Outras
(50%) relataram sofrer esses sintomas por quatro a cinco dias, enquanto em
apenas 15% eles duravam de seis a sete dias.
Metade das reeducandas (50%) com SPM cometera latrocínio, ou seja, roubo
seguido de homicídio; 40%, homicídio e 10% cumpriam pena por tentativa de
homicídio. Em relação à idade, 65% tinham entre 19 e 25 anos; 10% entre 25 e 30
anos; e 25% idade superior a 30 anos.
Quando as reeducandas foram perguntadas se acreditavam que a SPM havia
influenciado no cometimento do delito, apenas 20% disseram que sim, enquanto a
grande maioria (80%) disse não.
Discussão
Há uma grande diferença na prevalência da SPM observada pelos diversos autores.
Esse fato se explica principalmente pela não-utilização de critérios
diagnósticos precisos, o que impede uma uniformização da inclusão das pacientes
(Lima e Camus, 1996).
Em revisão da literatura feita por Cheniaux et al. (1994), os autores afirmam
que, entre as mulheres em idade fértil, 73% a 95% apresentam sintomas pré-
menstruais, que em geral são de leve intensidade. Só em 3% a 11% é que eles são
graves o suficiente para afetar de forma importante o dia-a-dia dessas
mulheres. Entretanto, López et al.(2002) afirmaram que sintomas pré-menstruais
suficientemente intensos para prejudicar a vida diária e as relações sociais
afetam até 40% das mulheres em idade reprodutiva.
Em nosso estudo, 67% das entrevistadas afirmaram que os sintomas pertinentes à
SPM eram suficientemente intensos para causar prejuízos as suas atividades
diárias. Esse número elevado pode ser explicado, em parte, pelas
características peculiares da população estudada, pois se tratava de um grupo
de mulheres vivendo num ambiente extremamente estressante e hostil, o que pode
levá-las a superestimar a intensidade dos seus sintomas como forma de obter
maior atenção por parte dos pesquisadores. Acreditamos que, apesar de não
termos avaliado a fisiopatologia dos sintomas relacionados à SPM, essas
alterações (comentadas a seguir) teriam importante influência no humor das
pesquisadas. A irritação relatada por 80% das reeducandas constitui uma das
faces mais características do quadro.
Nogueira e Silva (2000), em estudo com critérios diagnósticos semelhantes aos
empregados nessa pesquisa, relataram que em 110 mulheres portadoras de SPM,
86,4% apresentavam irritabilidade. Segundo Wender et al. (2003), tal sintoma
pode ser atribuído ao fato de que mulheres com SPM têm níveis menores de
endorfinas do que mulheres controles normais. Porém a teoria mais aceita afirma
que esse quadro é desencadeado por preponderância de ação estrogênica, por
hiperestrogenemia ou hipoprogesteronemia (Cavalcanti, 1987).
A mastalgia, referida por 70% das entrevistadas, é um sintoma bastante incômodo
que, além da dor, causa prejuízos ao relacionamento amoroso e temor de sua
ligação com neoplasia (Nogueira, Pinto e Silva, 2000), e tem sido atribuída a
níveis aumentados de prolactina (Halbreich et al., 1985). Entretanto alguns
autores afirmam que as alterações hormonais decorrentes da SPM levariam a maior
retenção hídrica, com conseqüente formação de edema, sendo esse o responsável
pela dor nas mamas (Ballone, 2003).
No que se refere à cefaléia, essa poderia ser uma manifestação da enxaqueca
menstrual, que incide na semana anterior ou especialmente nos primeiros três
dias da menstruação (Johannes et al., 1995). A cefaléia poderia resultar da
alteração da atividade contrátil da musculatura lisa dos vasos, para a qual
concorrem a serotonina, as prostaglandinas e os estrogênios, agravando-se pela
falha no sistema endógeno de analgesia, por depleção das monoaminas e dos
opióides (Valente et al., 2003). Neste estudo, 66,6% das reeducandas queixaram-
se de tal sintoma.
A depressão é um dos sintomas mais freqüentes na SPM (Lima e Camus, 1996).
Alguns autores consideram que esses sintomas depressivos poderiam estar
associados a baixos níveis de aminas biogênicas nas vesículas sinápticas do
sistema nervoso central (SNC) (Cavalcanti, 1987) ou a deficiência de vitamina
B6, que normalmente funciona como co-fator para a síntese de dopamina e de
serotonina a partir do triptofano (Valente et al., 2003). Em nosso estudo, tal
sintoma foi assinalado por 56,6% das reeducandas com SPM, lembrando que o
ambiente em que as entrevistadas se encontravam pode ter funcionado como fator
desencadeante para o quadro depressivo.
Dor e/ou inchaço nas pernas, relatados por 40% das reeducandas, são atribuídos
à retenção hídrica, que tem sua etiologia explicada pela elevação da
aldosterona sérica devido ao aumento do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) em
face do estresse e a altos níveis de serotonina cerebral e da angiotensina II
(Abraham, 1983). Entretanto alguns autores afirmam que, ao invés de uma
retenção hídrica, haja na verdade uma redistribuição dos fluidos corporais, que
passariam do compartimento intravascular para o interstício (Cheniax et al.,
1994).
Já a dor abdominal, relatada por 33,3% das reeducandas, poderia derivar de
dificuldades das pacientes em discriminar esse quadro de dismenorréia ou ser
manifestação de processo congestivo pélvico, constipação intestinal ou
distúrbio autonômico, relacionados ao aumento de progesterona, à ação de
prostaglandinas e/ou vasopressina, que também poderiam ter papel nas dores
lombares (Nogueira e Silva, 2000). Em nosso estudo, 20% das entrevistadas
relataram tal sintoma.
A maioria das reeducandas (85%) afirmou que seus sintomas tinham duração que
variava entre dois e cinco dias. Em estudo com 110 mulheres portadoras de SPM,
Nogueira e Silva (2000) encontraram que 63,8% eram afetadas por três a sete
dias. Ainda segundo esses autores, a multiplicidade dos sintomas, não
necessariamente concomitantes, poderia interferir na duração do quadro.
Mulheres acima dos 30 de idade seriam mais propensas a sofrer de SPM (Cheniaux
et al., 1994; Lima e Camus, 1996). Entretanto, em nosso estudo, a maioria das
entrevistadas (75%) tinha menos de 30 anos. Uma possível explicação para tal
resultado seria o fato de que tais mulheres iniciaram precocemente a prática de
crimes, muitas vezes impulsionadas pelas precárias condições socioeconômicas em
que se encontravam, sendo o cometimento de delitos a maneira considerada por
elas como a mais rápidae fácilde conseguir uma ascensão social. Como resultado,
50% cometeram latrocínio, 40% homicídio e 10% tentativa de homicídio.
Mesmo após prévia explicação sobre o que é SPM e quais seriam suas possíveis
conseqüências sobre seu comportamento, apenas 20% das reeducandas afirmaram que
a SPM poderia ter influenciado no cometimento de seus delitos. As demais (80%)
acreditavam que fatores socioeconômicos seriam motivadores para a realização
dos delitos. Resultados semelhantes foram encontrados por d'Orban e Dalton
(1980). Segundo esses autores, entre 50 mulheres acusadas de cometerem crimes
violentos, apenas duas acreditavam que seu período menstrual teria alguma
influência sobre seus atos.
Diante disso pode ser levado em consideração que, apesar da elevada prevalência
de SPM (67%) entre as reeducandas acusadas de terem cometido crimes violentos,
para elas as alterações comportamentais induzidas pela referida síndrome não
são suficientes para levá-las a perderem o controle de suas atitudes e adotarem
condutas anti-sociais. Além disso, observou-se que, mesmo após adquirirem
conhecimento sobre a SPM, a maioria das reeducandas subestimou as alterações
comportamentais que podem ser dela decorrentes.
Conclusão
A maioria das entrevistadas de nossa amostra relatou pelo menos um sintoma de
grave intensidade na fase pré-menstrual, sendo consideradas portadoras de SPM
segundo critério diagnóstico da CID-10.