Uso potencial dos anticonvulsivantes no tratamento ambulatorial da dependência
de álcool
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Introdução
Os avanços da neurociência têm impulsionado o desenvolvimento do interesse
clínico e científico na descoberta de intervenções farmacológicas (IF) para
tratar a síndrome de dependência do álcool (SDA), um sério problema de saúde pú
blica que acomete cerca de 11,2% da população adulta brasileira (Carlini et
al., 2002).
Na psiquiatria, os anticonvulsivantes (ATC) possuem um espectro de ação amplo
que inclui bulimia nervosa (BN), transtornos da compulsão alimentar periódica
(TCAP) (Appolinario-Bacaltchuk, 2002), do pânico, de estresse pós-traumático
(Litten et al., 2005), de controle dos impulsos (Zullino et al., 2004) e os
casos refratários de transtorno afetivo bipolar (TAB) (Moreno et al., 2004).
Entre as razões que tornam os ATCs uma classe de IF promissora na prevenção de
recaídas no tratamento da SDA destacam-se os efeitos anticonvulsivante (Malcolm
et al., 2001) e anti-kindling(Goddard et al., 1969; Ballenger-Post, 1978;
Lechtenberg-Worner, 1991; Moak-Anton, 1996; McNamara-Wada, 1997; Becker, 1998),
a ausência de potencial de abuso, a ação estabilizadora do humor no caso de co-
morbidades psiquiátricas com TAB, a menor interação com o álcool, quando em
comparação com os benzodiazepínicos (BDZs), o efeito anti-craving(Johnson et
al., 2003) e o uso potencial no tratamento da síndrome de abstinência protraída
(SAP). Há que se ressaltar a baixa incidência de efeitos adversos, como, por
exemplo, déficits cognitivos, o que implica uma melhor tolerabilidade (Johnson
et al., 2005).
Os principais objetivos desta revisão de literatura são atualizar os
conhecimentos acerca da eficácia terapêutica e do potencial uso dos ATCs no
tratamento da SDA, bem como propor alternativas aos tratamentos convencionais.
Neste artigo prioriza remos a carbamazepina (CBZ), o valproato de sódio, o
topiramato (TPM) e a gabapentina, em decorrência da disponibilidade de ensaios
clínicos controlados na literatura especializada.
Intervenções farmacológicas preconizadas na SDA
Dissulfiram
O dissulfiram (DSF) é um inibidor da aldeído desidrogenase que causa efeitos
aversivos quando o álcool é consumido. Os resultados com esse medicamento são
inconsistentes na SDA (Chick et al., 1992; Carrol et al., 1998). Supõe-se que
indivíduos mais idosos e socialmente estáveis tratados com DSF bebem menor
número de dias que aqueles tratados com placebo (Fuller et al., 1986). O seu
uso deve ser supervisionado e empregado como parte de um amplo programa de
tratamento. Não há boas evidências a favor do uso de implantes de DSF, mas a
possibilidade de uma injeção de depósito é intrigante. A primeira dose nunca
deve ser dada até que o paciente esteja abstinente do álcool por pelo menos 12
horas. Entre seus efeitos colaterais destacam-se rashcutâneo, gosto metálico na
boca, náuseas, diarréia, dor de cabeça e impotência. Pode também causar
hepatite colestática e hepatite fulminante, por isso, para alguns autores, essa
medicação é proscrita a pacientes com hepatite aguda, cirrose hepática com ou
sem hipertensão porta e insuficiência hepática (Chick et al.,1992; Fuller-
Gordis, 2004).
Naltrexona
Estudos americanos têm avaliado a eficácia do uso de naltrexona (NTX) associado
com psicoterapia. A NTX é um antagonista opióide que bloqueia receptores µ, [/
img/revistas/jbpsiq/v55n3/delta.gif] e κ. Em 1994 essa medicação foi aprovada
pelo Food and Drug Administration (FDA). A maioria dos estudos tem produzido
resultados positivos (Volpicelli et al., 1992; Anton et al., 1996; Monterosso
et al., 2001). Entre esses, a redução do cravingou nas propriedades de reforço
do álcool tem sido postulada como um possível mecanismo de ação dessa droga
(O'Malley et al., 1992; Volpiceli et al., 1992).
Segundo Garbutt et al. (1999), a NTX, quando em comparação com o placebo, reduz
o risco de recaída, mas não aumenta substancialmente a abstinência. As
principais contraindicações ao uso da NTX são hepatite aguda, cirrose hepática
(com ou sem hipertensão porta) e insuficiência hepática. O uso concomitante de
opióides pode precipitar síndrome de abstinência, que se instala 5 minutos após
a administração da medicação e dura aproximadamente 48 horas. Nesses pacientes
é necessário um período mínimo de sete dias de abstinência antes de se
prescrever a naltrexona. Para aqueles tratados com metadona, recomenda-se um
período de abstinência maior: 10 a 14 dias (Castro e Baltieri, 2004).
Acamprosato
O acamprosato (ACP) é amplamente utilizado nos países europeus, tendo sido
recentemente aprovado pela FDA. O ACP tem estrutura semelhante à do ácido gama-
aminobutírico (GABA) (Litten et al., 1996), sendo também análoga ao ácido L-
glutâmico (Knopfel et al., 1987), o que justifica seus mecanismos de ação
envolvendo os sistemas GABAérgico e glutamatérgico, respectivamente. Estudos
sugerem que sua eficácia se deva ao antagonismo de neurotransmissão do receptor
N-metil-D-aspartato (NMDA) no sítio da glicina (Zeise et al., 1993).
Adiminuição do consumo de álcool talvez esteja associada à redução de sintomas
da síndrome de abstinência do álcool (SAA), uma vez que uma hiperexcitação do
sistema nervoso central (SNC) acompanha e, presumivelmente, causa a síndrome de
retirada.
Estudos em modelos animais mostram redução de sinais autonômicos e até
convulsões em ratos (Spanagel et al., 1996). Parece que o alívio da SAP também
poderia ser outro fator redutor de recaídas. Nalpas et al. (1990) sugerem que
não há evidências de interação entre ACP e álcool e que, além disso, essa
medicação não possui qualquer efeito sedativo-ansiolítico ou potencial de
abuso. Portanto sugere-se, por exclusão, que o ACP possa reduzir o cravingpara
o álcool ao diminuir o reforço negativo associado com a SAA (Littleton, 1995).
Os principais efeitos colaterais são diarréia e cefaléia. O ACP é contra-
indicado durante gravidez, amamentação e insuficiências renal e hepática.
Uso potencial dos anticonvulsivantes
Síndrome de abstinência do álcool
A administração crônica de álcool induz alterações de neuroadaptação do SNC
conhecidas como down-regulation(dessensibilização ou subsensibilidade) e up-
regulation(supersensibilidade ou hipersensibilidade). Esses fenômenos
neuroquímicos são responsáveis pela manifestação clínica dos sintomas da SAA.
No sistema GABAérgico, o fenômeno de down-regulationdos receptores GABAAestá
associado à redução do influxo de íons Cle, conseqüentemente, a uma diminuição
da ação inibitória desse sistema sob a forma de ansiedade e excitabilidade do
SNC e do sistema periférico. Conclui-se que há uma hipoatividade GABAérgica do
tipo funcional. Essa hipoatividade é funcional porquanto não há evidências de
alteração no número de receptores GABAAdurante a exposição crônica ao álcool.
Supõe-se que há redução da densidade de mRNA relacionada ao local de ação dos
BDZs e do etanol. No sistema glutamatérgico o álcool atua como um antagonista
dos receptores NMDA. Logo, a administração crônica do álcool cursará com o
fenômeno de up-regulation, que provocará aumento da densidade desses
receptores.
Em estudos com animais foram evidenciadas crises convulsivas nas primeiras 36
horas após a retirada do etanol. Estudos pré-clínicos correlacionam esse efeito
neurotóxico com a hiperatividade glutamatérgica. O uso potencial dos
anticonvulsivantes se justifica devido à correção dessas alterações
neuroadaptativas dos sistemas GABAérgico e glutamatérgico, quer seja aumentando
ou diminuindo atividades inibitória e/ou excitatória dos mesmos (Laranjeira et
al., 2000).
Estudos pré-clínicos evidenciam que os anticonvulsivantes são eficazes na
redução das convulsões e de outros sintomas que compõem a SAA, além de diminuir
a tolerância aos efeitos hipnóticos do etanol (Zullino et al., 2004). A
interrupção da ingestão de álcool na SDA leva à ativação compensatória do SNC,
que persiste por alguns dias e resulta num estado de hiperexcitabilidade. Essa
se manifesta como SAA, com sintomas variando desde tremores de extremidades até
convulsões e delirium tremens(DT).
Alguns pesquisadores têm sugerido que episódios repetidos de SAA podem
sensibilizar os episódios posteriores. Essa hipótese resulta no fato de que a
gravidade dos sintomas da SAA pode aumentar de maneira cumulativa, com sintomas
mais graves após anos de abuso do álcool (Becker, 1998).
Ballenger e Post (1978) postulam que a exacerbação progressiva da SAA é a
manifestação de um mecanismo chamado kindling, que inicialmente foi descrito
por Goddard et al. (1969). De acordo com esse modelo, o fenômeno kindlingé
considerado uma forma de potencialização de longa duração, ou seja, um tipo de
sensibilização comportamental.
Estudos recentes corroboram essa hipótese, demonstrando que há correlação
positiva entre a ocorrência de convulsão durante a SAA e o histórico de
desintoxicações prévias (Lechtenberg e Worner, 1991; Moak e Anton, 1996).
Acredita-se que repetidos estímulos subconvulsivos induzam à sensibilização do
cérebro, e que esses estímulos possam ser de natureza elétrica e/ou química.
Para que o fenômeno kindlingse desenvolva entre dependentes de álcool são
necessárias exposições repetidas e intermitentes ao álcool. A principal
implicação clínica é o aumento progressivo em termos de gravidade dos sintomas
da SAA. A durabilidade desse fenômeno reflete provavelmente alterações em longo
prazo no circuito neuronal (McNamara e Wada, 1997). O fenômeno kindlingno
período de abstinência sugere que até pacientes com SAA leve devam ser tratados
agressivamente a fim de evitar o agravamento dos episódios posteriores (Becker,
1998).
Síndrome de dependência do álcool
A administração crônica de álcool promove alterações nos sistemas de
neurotransmissores excitatórios e inibitórios, que exercem efeitos
neuromoduladores na liberação de dopamina no núcleo accumbens(NA). Isso tem
estimulado estudiosos a investigarem a associação GABA e glutamato com a
liberação de dopamina no NA, com intenção de descobrir novas intervenções
farmacológicas (IFs) (Gonzales e Jaworski, 1997; Mihic e Harris, 1997).
A dopamina é um neuromodulador que altera a sensibilidade de neurônios-alvo aos
outros neurotransmissores, particularmente o glutamato. O álcool, mesmo em
baixas concentrações, pode aumentar a liberação de dopamina no NA. A dopamina
se liga aos receptores D1, aumentando os efeitos excitatórios que resultam da
interação do glutamato com um subtipo de receptor glutamato específico, o NMDA.
De forma contrária, os receptores D2 inibem os efeitos induzidos pela ligação
do glutamato a um outro subtipo de receptor do glutamato, o ácido alfa-amino-3-
hidróxi-5-metil-4-isoxazole propiônico (AMPA). Portanto a dopamina pode
facilitar e/ou inibir a neurotransmissão excitatória, dependendo do subtipo de
receptor ativado (Di Chiara, 1997).
Discussão
Topiramato
O topiramato (TPM) inicialmente foi sintetizado como um potencial
hipoglicemiante, ao promover a inibição da gliconeogênese através do bloqueio
da enzima frutose-1,6-bisfosfatase. A estrutura química do TPM é similar à da
acetazolamida, que por sua vez tem importantes propriedades anticonvulsivantes.
Essa característica possibilitou a realização de novos estudos visando
investigar sua eficácia como ATC (Johnson et al., 2004).
O TPM pode ser uma opção segura e efetiva em decorrência de sua ação nos
sistemas GABAérgico e glutamatérgico (Johnson et al., 2004). Esse
anticonvulsivante atua como um antagonista dos efeitos do álcool sobre o
sistema de recompensa cerebral ao inibir a liberação de dopamina no sistema
mesocorticolímbico.
Os mecanismos propostos para a indicação do TPM no tratamento da SDA
compreendem:
a redução da administração aguda de álcool ao inibir a liberação de dopamina
no NA, através da potencialização da neurotransmissão GABAérgica. Essa
potencialização da atividade GABAérgica é mediada pelo aumento do influxo de
íons Cl-nos sítios não-BDZs localizados nos receptores GABAA. O álcool, quando
ingerido de forma aguda, leva à diminuição da atividade GABAérgica na área
tegmentar ventral (ATV), desinibindo os neurônios dopaminérgicos dessa região,
que então liberam dopamina no NA. Logo, a administração de TPM restabeleceria
esse equilíbrio ao aumentar os efeitos inibitórios dos neurônios GABAérgicos
sobre a liberação de dopamina no NA, além de diminuir os efeitos excitatórios
dos neurônios glutamatérgicos na ATV e no NA. A principal implicação desse
suposto mecanismo de ação do TPM é a redução da atividade dopaminérgica no NA.
Isto é, a quantidade de dopamina essencial para a percepção das propriedades
reforçadoras diminui consideravelmente quando se administra o álcool de forma
aguda (Swift, 2003; Johnson et al., 2003 e 2004; Zullino et al., 2004);
a redução da administração crônica do álcool ao inibir a atividade
glutamatérgica no NA, através de sua ação antagonista dos receptores AMPA/
cainato. O álcool, quando ingerido de forma crônica, leva a um estado de
hiperexcitabilidade dos neurônios GABAérgicos da ATV, sendo uma das principais
causas de hiperatividade glutamatérgica. Isso leva à diminuição da liberação de
dopamina no NA, o que pode auxiliar os dependentes crônicos de álcool na
abstenção ao perceberem, em intensidade menor, as propriedades reforçadoras do
álcool (Johnson et al., 2004).
Johnson et al. (2003) avaliaram o uso do TPM em um ensaio clínico randomizado
(ECR). Houve melhora nos seguintes desfechos clínicos: doses por dia (p< 0,05);
doses por dia de consumo (p< 0,05); porcentagem de dias de consumo pesado (p<
0,05); porcentagem de dias de abstinência (p< 0,05); por fim, diminuição dos
níveis da gama-glutamil transferase (GGT) (p< 0,05). O TPM foi efetivo em
reduzir o cravingtanto na dependência de álcool do tipo A como na do tipo B.
O cravingfoi avaliado por meio da Obsessive Compulsive Drinking Scale (OCDS),
indicando que o TPM reduziu o cravinge levando em consideração os escores das
três subescalas do OCDS, que incluíram obsessão pelo consumo de álcool (p<
0,05), automaticidade do consumo de álcool (p< 0,05) e interferência devido ao
consumo de álcool (p< 0,05), quando em comparação com o grupo placebo.
Os efeitos adversos associados ao uso do TPM são considerados de intensidade
leve a moderada, sendo os mais comuns tontura, lentificação psicomotora,
parestesias e déficits de memória. Os maiores índices de efeitos adversos
classificados como moderados ocorreram no início e na oitava semana de
tratamento, quando se alcançou a dose máxima de 300mg/dia. Parestesias e
lentificação psicomotora foram identificadas como efeitos adversos dose-
dependentes, mas com tendência de remissão quando a dose é mantida por duas ou
mais semanas.
Não foram relatados eventos adversos graves, como morte, por exemplo. A perda
ponderal foi mais comum no grupo tratado com TPM (54,7%) em relação ao grupo
placebo (26,7%; p< 0,05). As taxas de dropoutcausadas pelos efeitos adversos
foram maiores no grupo placebo (6,7% vs. 4%) (Johnson et al., 2005).
Uma estratégia com potencial para ser empregada na prática clínica são os
níveis séricos do TPM. Os valores séricos aumentam até o valor de 5,02 + 0,48µg
na oitava semana de tratamento. Os mesmos não foram afetados por índice de
massa corporal (IMC), sexo e início precoce da SDA. A porcentagem de dias de
consumo pesado de álcool correlacionou-se com os níveis séricos de TPM (p<
0,05).
Postula-se que exista um limiar terapêutico para o TPM (300mg/dia), ou seja,
uma dose acima da qual a medicação exerça o seu efeito sobre o consumo de
álcool (Johnson et al., 2005).
Algumas das IFs usadas no tratamento da SDA atuam diminuindo o craving, que é
considerado um bom indicador de resposta terapêutica em ensaios clínicos.
Supõe-se que o cravingestá associado ao aumento da probabilidade de recaídas
(Hartz et al., 2001). Assim sendo, conclui-se que o TPM reduz o consumo de
álcool ao diminuir a intensidade e a impulsividade associadas com o craving
(Johnson et al., 2003). Portanto, IFs que reduzem componentes do cravingsão
importantes ferramentas no tratamento da SDA.
Valproato de sódio
O valproato de sódio foi sintetizado em 1882, contudo sua propriedade
anticonvulsivante foi descoberta inesperadamente por Pierrre Eymard (em 1962)
quando ele o usou como veículo para dissolver novos compostos que seriam
testados para atividade anticonvulsivante. O valproato de sódio foi aprovado
pela FDA para tratamento de enxaqueca, epilepsia e TAB. Na Europa ele tem sido
usado para tratar a SAA.
O mecanismo de ação do valproato de sódio consiste no aumento da
neurotransmissão GABAérgica, através da intensificação da síntese e liberação
do GABA ao atuar nos receptores GABAA, por meio da ativação da enzima glutâmica
descarboxilase e da inibição das enzimas que degradam o GABA (por exemplo,
GABA-amino transferase e succinato semi-aldeído desidrogenase). Esse mecanismo
é capaz de reduzir a neurotransmissão glutamatérgica por meio do bloqueio dos
receptores NMDA, ao inibir a proteinoquinase C (Zullino et al., 2004). Esse
efeito correlaciona-se com a atividade anticonvulsivante do valproato de sódio.
Há pelo menos três principais mecanismos pelos quais se podem aumentar as
concentrações do GABA:
inibição da degradação do GABA;
aumento da síntese do GABA;
diminuição do turnoverGABAérgico (Owens e Ne meroff, 2003).
Os ensaios clínicos randomizados com valproato de sódio indicam que se trata de
uma IF eficaz na redução dos sintomas da SAA, especialmente as convulsões,
quando em comparação com placebo, BDZs (lorazepam) e outros anticonvulsivantes
(carbamazepina e fenobarbital) nas doses terapêuticas de 1.200mg/dia, além de
níveis séricos em torno de 50 a 100µg/ml. Postula-se que também pode ser eficaz
ao reduzir os sintomas de SAP, contudo apresenta a desvantagem das taxas
elevadas de abandono em decorrência das altas doses obtidas no início do
tratamento, que aumentam sobremaneira a incidência dos efeitos adversos.
Os pacientes muitas vezes necessitam de menores doses de ATCs. A resolução da
SAA é mais rápida (Hilbrom et al., 1984; Rosenthal et al., 1998; Myrick et al.,
2000; Reoux, 2001; Longo et al., 2002).
Segundo Salloum et al. (2005), o valproato de sódio foi efetivo no tratamento
de uma amostra de 59 indivíduos com SDA associada a transtorno bipolar tipo I
ao reduzir os dias de consumo pesado de álcool e os níveis séricos de GGT.
É necessário monitoramento cuidadoso da contagem de plaquetas em pacientes em
uso de valproato de sódio, especial-mente aqueles com abuso de álcool, visto
que essa substância, per se, causa trombocitopenia. Recomenda-se também o
monitoramento das enzimas hepáticas. Os efeitos adversos mais comuns são
náuseas e vômitos. Já as contra-indicações incluem cirrose hepática (com ou sem
hipertensão porta) e gravidez. Infelizmente muitos dos ensaios clínicos são
abertos, havendo a necessidade de ECRs comparando valproato de sódio com BDZs.
Carbamazepina
Segundo Malcom et al. (2002), a carbamazepina (CBZ) demonstrou-se superior ao
lorazepam ao diminuir o consumo de álcool, isto é, dias de consumo após o
término da desintoxicação, principalmente daqueles pacientes com história
prévia de múltiplas desintoxicações associadas a alterações do padrão de sono e
sintomas de ansiedade, conforme a escala de ansiedade de Zung e a escala
analógica visual (Visual Analog Scale [VAS]). A dosagem empregada variou de 600
a 800mg/dia.
As taxas de dropoutcostumam ser elevadas nas doses acima de 800mg/dia em
decorrência dos seguintes efeitos adversos:
vertigens;
náuseas;
vômitos;
diplopia;
rash cutâneo.
Neste ECR com 136 dependentes de álcool, a CBZ e o lorazepam foram igualmente
efetivos em diminuir os sintomas da SAA, levando-se em consideração os escores
do Clinical Institute Withdrawal Assessment for Alcohol, Revised (CIWA-Ar).
Ambas as intervenções farmacológicas não diferiram em relação às taxas de
efeitos adversos. O risco de tomar a primeira dose foi três vezes maior no
grupo lorazepam que no CBZ. A relação risco/benefício deverá ser avaliada na
presença de gravidez, lactação, diabetes mellitus, glaucoma, disfunções
hepática e renal, antecedentes de depressão da medula óssea e reações hemáticas
adversas por outros medicamentos. O principal mecanismo de ação da CBZ envolve
a diminuição da neurotransmissão glutamatérgica através do bloqueio dos
receptores NMDA ao inibir o influxo de íons Ca+2(Zullino et al., 2004).
Gabapentina
Estudos pré-clínicos sugerem que a gabapentina é eficaz em diminuir as
convulsões e os sintomas ansiosos da SAA. É um anticonvulsivante que possui
efeitos adversos leves. É considerado um medicamento seguro, pois não há
interação com álcool. A posologia recomendada nos primeiros três dias é de
400mg a cada 8 horas; no quarto dia, a dose é diminuída para 400mg de 12 em 12
horas; e no quinto dia para 400mg/dia. Além disso, a gabapentina não é
metabolizada pelo fígado, tornando-a o anticonvulsivante de escolha para
dependentes de álcool com hepatopatias. Ela é ex cretada de forma inalterada
pelos rins, portanto não requer controle laboratorial da dose e/ou de qualquer
função do organismo, a não ser a renal (Johnson et al., 2005).
Contudo, há necessidade de mais ECRS para avaliar a eficácia no tratamento da
SAA e da SDA. O mecanismo de ação ainda não está totalmente esclarecido. Supõe-
se que aumente a neurotransmissão GABAérgica ao promover aumento da síntese e
liberação do GABAatravés da ligação às subunidades dos canais de cálcio tipo L,
restaurando a ação inibitória do sistema GABAérgico sobre o NA. Postula-se que
também exerça ação inibitória sobre o sistema glutamatérgico (Taylor et al.,
1998; Johnson et al., 2005).
Estudos preliminares evidenciaram a eficácia no tratamento da SAA (Myrick et
al., 1998; Bozikas et al., 2002) e da SDA, particularmente os casos de leve a
moderada gravidade (Bonnet et al., 1999; Myrick e Anton, 2004).
Karam-Hage e Brower (2003) utilizaram a gabapentina em um estudo clínico aberto
para tratar 12 dependentes de álcool que estavam abstinentes há quatro semanas
e queixavam-se de insônia. Após oito semanas, o sono havia melhorado
significativamente e somente dois dos 12 participantes da pesquisa tiveram
recaída. Atualmente estão sendo conduzidos três ECRs patrocinados pelo National
Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) com dependentes de álcool
para avaliar a sua eficácia na prevenção de recaídas e na redução do consumo de
álcool. A gabapentina não deve ser usada durante a gestação nem no período de
amamentação.
Conclusão
Há mais de 30 anos os anticonvulsivantes são investigados no tratamento dos
transtornos relacionados ao uso do álcool. Os ATCs representam um campo
potencial para estudo de novas IF para tratamento da SDA, pois agem de forma
semelhante ao álcool, ou seja, inibem os receptores excitatórios do glutamato e
aumentam a neurotransmissão GABAérgica. Em teoria, os ATCs poderiam substituir
o álcool na redução dos sintomas da SAP através de sua ação anti-kindling.
Apesar de os ATCs ainda não terem sido aprovados pela FDA, há uma crescente
evidência na literatura que sustenta o seu uso, pois, devido à ausência de
potencial de abuso, eles representam uma boa alternativa a outras intervenções
farmacêuticas (Book e Myrick, 2005).
O topiramato tem múltiplas ações em vários sistemas de neurotransmissores e
canais de íons. É uma promissora IF tanto no tratamento da SDA como no da SAA.
O TPM, na dose escalonada, que variou de 25 a 300mg/dia, diminui a freqüência e
a quantidade do consumo de álcool quando em comparação com o grupo placebo. É
capaz também de reduzir o cravinge a impulsividade associada a ele (Johnson et
al., 2003; Johnson et al., 2004). Os principais mecanismos de ação do TPM
envolvem a potencialização da atividade GABAérgica e o antagonismo dos
receptores AMPA/cainato.
A carbamazepina, a gabapentina e o valproato de sódio teriam uma indicação
restrita ao tratamento coadjuvante da SAA. É importante ressaltar que há
necessidade de mais ECRs com a CBZ e o valproato de sódio para uma ampla
utilização terapêutica na SDA.