Prevalência de depressão entre estudantes universitários
Introdução
Estima-se que 15% a 25% dos estudantes universitários apresentam algum tipo de
transtorno psiquiátrico durante sua formação acadêmica (Adewuia et al., 2006;
Eric et al., 1988; Giglio, 1975; Segall, 1966), notadamente transtornos
depressivos e de ansiedade (Hahn e Ferraz, 1998; Millan et al., 1995; Niemi,
1984; Nucette, 1985). A maioria desses estudos foi realizada entre estudantes
de medicina (Chan, 1992; Clark e Zeldow, 1988; Cordáz et al., 1988; Galli et
al., 2001; Lloyd e Gartrell, 1984; Lloyd, 1983; Zoccolilloet al., 1986),
portanto estima-se que a prevalência dos transtornos depressivos nessa
população oscila entre 8% e 17%.
Vários problemas metodológicos dificultam a comparação dos resultados dos
diversos estudos, entre eles o levantamento de sintomas depressivos versus
transtornos depressivos e a diversidade de instrumentos utilizados para a
realização de diagnóstico e coleta de dados (Adewuia et al., 2006; Azi, 2003;
Lloyd e Gartrell, 1984; Segal, 1966; Zoccolilloet al., 1986).
Recentemente, três estudos epidemiológicos utilizaram o Mini International
Neuropsychiatric Interview (MINI) como instrumento diagnóstico. Um, realizado
na Nigéria, envolveu estudantes universitários em geral (Adewuia et al., 2006),
e a prevalência encontrada de transtorno depressivo maior foi de 8,3%. Os
outros dois estudaram especificamente alunos de medicina. Galli et al. (2001)
reportaram prevalência de 24% de depressão maior e 15,6% de distimia em uma
universidade peruana. No Brasil, a taxa de transtornos depressivos foi de 15,6%
entre estudantes da Faculdade de Medicina de Salvador (Azi, 2003).
Um problema intimamente relacionado à depressão é o suicídio. Alguns estudos
indicam elevado risco de suicídio entre os universitários em geral e,
particularmente, entre os estudantes de medicina (Ross, 1973). Após os
acidentes o suicídio seria a segunda causa mais comum de morte entre os
estudantes de medicina (Rimmer et al., 1982).
Alguns autores acreditam que existam diferentes estressores ao longo de um
curso universitário, dependendo do nível em que se encontre o aluno (início,
meio ou final de curso) (Clark e Zeldow, 1988; Hahn e Ferraz, 1998; Lloyd e
Gartrell, 1984; Millan et al., 1995; Millan e Barbedo, 1988; Pepitone-Arreola-
Rockwell et al., 1981), e que esses fatores poderiam influenciar a prevalência
de depressão entre os estudantes. No curso de medicina, os fatores estressores
principais ocorreriam no início (volume de informações que o aluno passa a
receber, mudanças nos métodos de estudo e carga horária exigida) e no final
(insegurança com relação à própria competência e ao mercado de trabalho que
começa a se descortinar) (Millan et al., 1995; Millan e Barbedo, 1988).
O objetivo deste estudo foi identificar e comparar a prevalência de transtornos
depressivos e o risco de suicídio entre estudantes de medicina, fisioterapia e
terapia ocupacional da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG).
Métodos
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pós-
graduação da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, e os alunos
forneceram consentimento escrito para sua participação.
No ano letivo de 2003, época da coleta de dados, havia 820 alunos na FCMMG,
sendo 537 inscritos no curso de medicina, com duração de seis anos; 197 no
curso de fisioterapia, com duração de cinco anos; e 86 alunos no curso de
terapia ocupacional, com duração de quatro anos.
Foi utilizada a amostragem por cotas, sendo o curso de graduação o único
estrato considerado. A amostra foi calculada a partir da prevalência estimada
de transtornos psiquiátricos de 25% (Azi, 2003; Chan, 1992; Eric et al., 1988;
Nucette, 1985; Rimmer et al., 1982). Ao considerar a perda de 5%, a estimativa
foi de 302 o tamanho da amostra, correspondente a 35,2% do total. Foram
entrevistados 342 alunos:
* 90 (26,3%) do curso de fisioterapia;
* 213 da medicina (62,3%);
* 39 (11,4) da terapia ocupacional.
Estabeleceu-se a aleatorização da amostra a partir da divisão do total de 817
alunos (foram excluídos da pesquisa três alunos do sexo masculino do curso de
terapia ocupacional) pelo tamanho calculado para a amostra (302), obtendo-se o
resultado de 2,7. Após o arredondamento para 3, ficou estabelecido esse valor
como intervalo entre um aluno e o próximo a ser entrevistado, de acordo com a
posição na lista de chamada de cada turma, procedimento esse mantido para ambos
os sexos. O aluno que serviria de ponto de partida na lista foi sorteado
aleatoriamente, após todos terem sido numerados. Quando um aluno se recusava a
participar do estudo, o subseqüente na lista era convidado a dar a sua
colaboração à pesquisa.
O diagnóstico psiquiátrico e o risco de suicídio foram obtidos por meio do
MINI, que é uma entrevista diagnóstica padronizada com duração de
aproximadamente 15 minutos e que explora os principais transtornos
psiquiátricos do eixo I da quarta revisão do Manual de Diagnóstico e
Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV). Todas as entrevistas foram
realizadas por um dos autores do estudo (Cavestro JM).
A análise estatística consistiu na estimativa da prevalência de transtornos
depressivos segundo sexo, curso e ano. Para comparação utilizaram-se o teste
qui-quadrado (c2) e/ou o teste exato de Fisher. Foram consideradas diferenças
estatisticamente significativas aquelas cujo valor de p foi < 0,05. Com o
objetivo de quantificar a razão de chances da prevalência do transtorno
depressivo maior e do risco de suicídio, modelos de regressão logística foram
testados.
Resultados
Dos 342 alunos entrevistados, 63% eram do sexo feminino e 27% do masculino. A
idade média foi de aproximadamente 23 anos, variando de 18 a 36 anos. A maioria
era da faixa etária entre 20 e 24 anos, representando 73,2% da amostra. A idade
média dos alunos de medicina foi superior à dos alunos dos demais cursos
(Tabela_1).
A distribuição dos alunos por sexo entre os três cursos não foi uniforme. O
percentual de mulheres foi o seguinte:
* na terapia ocupacional, 100%;
* na fisioterapia, 80%;
* na medicina, 48,8%.
A prevalência de episódios depressivos maior entre os alunos foi de 10,5%, mas
os do curso de terapia ocupacional apresentaram prevalência mais elevada
(28,2%) em comparação com os de medicina (8,9%) e de fisioterapia (6,7%) (p =
0,002). A diferença persistiu mesmo após ajustamento por sexo e idade. As taxas
de prevalência para distimia foram de 2,8% entre os alunos de medicina; 4,4%
entre os de fisioterapia; e 2,6% entre os de terapia ocupacional, não havendo
diferença significativa entre os três cursos (Tabela_1).
O risco de suicídio foi observado em 9,6% dos alunos entrevistados, sendo 63,6%
de risco baixo, 15,2% de risco médio e 21,2% de risco elevado. A prevalência
foi significativamente maior entre os alunos de terapia ocupacional (25,6%), em
relação aos de medicina (7,5%) e fisioterapia (7,8%) (p = 0,005). A diferença
persistiu após ajustamento por sexo e idade.
Com a utilização de modelo de regressão logística, após ajuste por sexo e
idade, estimou-se que a chance de ocorrer episódio depressivo maior entre as
alunas da terapia ocupacional foi 3,6 vezes a chance de ocorrer entre as alunas
de medicina e de fisioterapia. A chance do risco de suicídio entre as alunas de
terapia ocupacional foi de 3,7 vezes a de ocorrer entre as alunas de medicina e
fisioterapia.
Não foram observadas diferenças significativas na prevalência dos transtornos
depressivos entre as etapas cursadas pelos alunos (início, meio e final de
curso).
Discussão
A taxa de prevalência de 10,5% para transtorno depressivo maior observada entre
os estudantes da FCMMG encontra-se mais próxima do limite inferior daquelas
observadas em diversos estudos desenvolvidos com estudantes universitários,
cujos índices oscilam entre 8% e 17% (Chan, 1992; Clark e Zeldow, 1988; Eric et
al., 1988; Galli et al., 2001; Rimmer et al., 1982; Zoccolilloet al., 1986).
Entretanto, como já mencionado, a diversidade de métodos empregados em estudos
semelhantes torna difícil a comparação de resultados. Entre as diferenças
metodológicas, são particularmente relevantes os instrumentos utilizados para o
diagnóstico (MINI, Minnesota Multiphasic Personality Inventory [MMPI], Beck
Depression Inventory [BDI], Hopkins Symptom Checklist [HSCL], Standardized
Psychiatric Interview [SPI], College Health Survey [CHS]), porém alguns avaliam
a presença de sintomas, outros, de distúrbio psiquiátrico.
Em comparação com estudos semelhantes nos quais foram utilizados o MINI como
instrumento para a coleta de dados, a taxa de prevalência de 10,5% para o
transtorno depressivo maior observada entre os estudantes da FCMMG ficou
próxima daquela encontrada entre os estudantes universitários nigerianos, que
foi de 8,3%. Entre os estudantes de medicina peruanos a taxa de prevalência foi
de 24%, mas os autores peruanos acreditam que fatores ambientais, como a
situação sociopolítica do país à época do estudo, possam ter influenciado os
resultados. No estudo entre estudantes de medicina da Universidade de Salvador,
em que se utilizou o MINI Plus, a taxa de prevalência de transtornos
depressivos foi de 15,6%.
Neste estudo não se observaram diferenças significativas entre as taxas de
prevalência dos transtornos depressivos nos três períodos dos cursos (início,
meio e final). Em estudo longitudinal, Clark e Zeldow (1988) realizaram
entrevistas estruturadas com estudantes de medicina em cinco ocasiões. Os
resultados apontaram que pelo menos 12% dos alunos em qualquer período da
faculdade apresentavam consideráveis níveis de sintomatologia depressiva, sendo
o maior percentual observado no final do segundo ano (25%). Entretanto não se
estimou a prevalência de transtornos depressivos. Em outro estudo observou-se
que 76% dos suicídios entre estudantes de medicina da América do Norte
ocorreram nos dois primeiros anos do curso (Rimmer et al., 1982). Os autores
postularam que o estresse inerente ao início do curso pode ter contribuído para
os resultados. Também nesse estudo não foi determinada a prevalência de
transtorno depressivo.
No estudo de Clark e Zeldow (1988), alguns estudantes apresentaram a mesma
intensidade de sintomas depressivos nas várias entrevistas realizadas,
sugerindo que, para alguns, o humor disfórico era contínuo, e não episódico.
No Brasil, Millan et al. (1995) relataram que o problema do suicídio entre os
alunos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) foi uma
das motivações que levaram à criação do Grupo de Assistência Psicológica ao
Aluno (GRAPAL) nessa faculdade. Os autores fizeram uma investigação
retrospectiva acerca do número de suicídios ocorridos entre os alunos da FMUSP
no período de 1965 a 1985. A taxa de suicídios encontrada entre os alunos foi
aproximadamente quatro vezes maior do que a da população geral.
Nesta pesquisa, a taxa de prevalência para o risco de suicídio foi de 9,6% do
total de alunos entrevistados. Os estudos realizados sobre o tema apontam
grande diversidade entre os resultados, provavelmente devido à dificuldade em
se qualificar e quantificar com mais precisão o que seria uma ideação suicida.
Salmons e Harrington (1984) identificaram o risco de suicídio em 55% dos
estudantes; Harkavy et al. (1987), em 60%; e Cordás et al., (1988), em 44% dos
avaliados. Em nosso meio, Miranda e Queiroz (1991), em um estudo realizado na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), relataram que, em uma amostra de
875 alunos que responderam ao questionário aplicado, 37,5% dos homens e 36,7%
das mulheres afirmaram já ter pensado em se suicidar, isto é, um total de
37,1%.
Um aspecto importante deste trabalho, e pouco explorado em outros estudos, é a
comparação das prevalências de depressão e suicídio entre diversos cursos. As
alunas de terapia ocupacional apresentaram 3,6 vezes mais chances de
desenvolver depressão maior e 3,7 vezes mais chances de risco de suicídio do
que as alunas de medicina e fisioterapia. Algumas hipóteses podem ser
consideradas. Elias e Murphy (1986) sugerem que "a terapia ocupacional e a
promoção da saúde têm muito em comum, usando como exemplo o fato de o enfoque
de trabalho dos terapeutas ocupacionais ser o desenvolvimento das
potencialidades de vida através do aumento das habilidades pessoais, auto-
estima e satisfação no viver, que são vistos exatamente como os pré-requisitos
para uma vida saudável e de bem-estar".
Certamente, os sedutores objetivos do curso de terapia ocupacional exercem
alguma influência na escolha da profissão por parte do aluno, o que poderia se
levar a pensar em um processo de seleção, de natureza desconhecida, que
justificasse um maior número de pessoas portadoras de transtornos depressivos
entre os estudantes do referido curso, tal como foi sugerido por Zoccolillo et
al. (1986), em relação a estudantes do curso de medicina nos EUA, diante dos
elevados índices de depressão observados entre os acadêmicos naquele país. A
hipótese de os alunos de terapia ocupacional terem maior facilidade em comentar
aspectos de seu funcionamento psicológico, quando em comparação com os dos
cursos de medicina e fisioterapia, também poderia ser um fator diferencial nos
resultados observados.
Conclusão
Neste estudo, a prevalência de transtorno depressivo maior e o risco de
suicídio foram significativamente maiores entre os estudantes de terapia
ocupacional quando em comparação com os de medicina e fisioterapia.