A confiabilidade dos dados nos formulários de Autorização de Internação
Hospitalar (AIH), Rio de Janeiro, Brasil
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INTRODUÇÃO
Apresenta-se, neste artigo, um estudo da confiabilidade dos dados anotados no
formulário de Autorização de Internação Hospitalar (AIH). À época deste estudo
os formulários AIH eram documentos preenchidos apenas pelos hospitais privados
contratados pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(Inamps) com a finalidade de obterem reembolso pelos serviços prestados aos
pacientes previdenciários. Atualmente, estes formulários constituem-se no
documento exigido para o reembolso dos serviços hospitalares prestados pelos
hospitais públicos e privados vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Os
dados contidos neste documento compõem o Sistema de Informações Hospitalares do
Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) (ex-Sistema de Assistência Médico-Hospitalar
da Previdência Social - SAMHPS), de âmbito nacional. Este sistema contém
informações sobre aproximadamente 15 milhões de internações/ano, sendo uma
fonte de dados extremamente relevante para a programação, gerência e avaliação
dos serviços hospitalares, além de ser de grande utilidade para a área de
investigação em serviços de saúde, para estudos epidemiológicos e atividades de
vigilância em saúde. Entretanto, sua utilidade depende da boa qualidade dos
dados.
A Qualidade da Informação Médica
As informações hospitalares vêm assumindo crescente relevância para o
planejamento, a gerência e a pesquisa, impulsionadas pelo crescente
desenvolvimento da informática. Países como os Estados Unidos tornaram público
o acesso às informações hospitalares, como meio de melhor informar o consumidor
sobre a qualidade dos serviços.
A tendência de intensificação do uso de grandes bancos de dados sobre a
produção de serviços de saúde tem sido acompanhada por maior preocupação com
relação a qualidade destes dados. Em 1970, o Instituto de Medicina dos Estados
Unidos (Demlo et al., 1978) realizou um estudo sobre a confiabilidade da
informação originária dos prontuários médicos. Este trabalho destacou-se por
ter sido de âmbito nacional e apontou para a existência de grandes variações na
confiabilidade de diferentes itens dos resumos de alta hospitalares. Os dados
clínicos (diagnósticos e procedimentos) apresentaram menor confiabilidade do
que os dados demográficos e administrativos. A confiabilidade dos diagnósticos
também variou bastante entre si, e de acordo com o refinamento da codificação,
com os diagnósticos com quatro dígitos sendo menos confiáveis que os de três
dígitos.
A confiabilidade de um experimento, teste ou medição pode ser definida como a
capacidade de não variar os resultados, quando realizada por diferentes pessoas
ou em diferentes momentos (Almeida-Filho, 1989). No caso da informação médica a
confiabilidade foi definida (Roger, s/d) como a capacidade de reproduzir a
mesma informação com relação à critérios predefinidos. No caso da informação
médica obtida através dos prontuários médicos, a sua confiabilidade não informa
quanto a veracidade desta informação. Aponta sim, para a qualidade da
transcrição, da interpretação e da codificação desta informação.
A confiabilidade do diagnóstico principal observada em diferentes estudos
apresentou grande variação, com o percentual de discordância, oscilando
bastante com extremos entre 42,5% (Demlo et al., 1978) e 5,5% (O'Gorman, 1982).
No entanto as diferentes abordagens metodológicas e abrangência de cada estudo
limitam a comparação de seus resultados.
Lebrão (Lebrão, 1978) estudando as informações hospitalares no estado de São de
Paulo observou cerca de 30% de discordâncias entre os dados registrados no
Boletim CAH - 101 (Posteriormente, denominado de Boletim CH - 106) da
Secretaria Estadual de Saúde e os dados anotados nos prontuários médicos. No
que diz respeito a variável diagnóstico principal o estudo acima identificou
discordância em 17,51% dos casos estudados.
Problemas na concordância do diagnóstico principal se explicam, em parte, pela
característica dessa informação, algumas vezes extremamente subjetiva. Demlo
(Demlo & Campbell, 1981) observou que em 6,5% dos prontuários analisados a
equipe de pesquisa não conseguiu selecionar o diagnóstico principal. Este
problema ocorreu, particularmente, naqueles casos com mais de um diagnóstico.
De forma geral, a confiabilidade do diagnóstico principal tendeu a ser maior
nos casos de pacientes com um único diagnóstico (73,5% de concordância)
comparativamente aos casos de pacientes com múltiplos diagnósticos (54,7% de
concordância). O diagnóstico principal é definido como o diagnóstico que após a
alta do paciente é identificado como o que melhor justificou aquela internação.
A vinculação da informação clínica (diagnósticos e procedimentos) aos
mecanismos de reembolso através do mecanismo de pagamento, como o utilizado
pelo programa Medicare nos Estados Unidos que tem como unidade de pagamento o
Diagnosis Related Groups (DRG) ou no Brasil com o reembolso pelo Mecanismo de
Pagamento Fixo por Procedimento (Veras, 1992), pode influenciar a qualidade
desta informação. DRG é um sistema de classificação de pacientes internados,
que agrupa pacientes homogêneos, segundo o volume de recursos que consomem
durante a sua estadia no hospital (Noronha, 1991). O Mecanismo de Pagamento
Fixo por Procedimento foi implantado em 1983 como mecanismo de reembolso do
Inamps para remunerar serviços prestados pelos hospitais privados contratados
de todo o país. A partir de 1991 passou a ser adotado como mecanismo de
financiamento para os hospitais públicos do país, permanecendo até o presente
como o mecanismo de reembolso para todos os serviços hospitalares com
financiamento público. Simborg (Simborg, 1981) chamou atenção para o que
denominou de DRG creep, isto é, a alteração deliberada e sistemática no perfil
nosológico e de procedimentos do hospital com o objetivo de aumentar o
reembolso.
Estudos mais recentes (Hsia et al., 1988; Begui et al., 1989) buscaram analisar
a magnitude e o tipo de alteração na qualidade da informação clínica gerada
pela introdução de unidades de pagamento baseadas em dados clínicos. Hsia et
al. (1988) realizaram um estudo dirigido para mensurar a ocorrência de erro na
codificação dos diagnósticos que afetavam o reembolso, naqueles hospitais com
mecanismos de reembolso baseados no DRG. Observaram, em média, 20,8% de chance
do hospital codificar incorretamente a informação clínica. Observaram também,
que aqueles hospitais que apresentaram erro de codificação nos diagnósticos
tiveram uma maior proporção de erros que foram financeiramente favoráveis ao
hospital.
Além da ocorrência de alteração intencional na codificação dos diagnósticos com
o objetivo de maximizar o valor de reembolso, a baixa confiabilidade dos
diagnósticos pode resultar de problemas inerentes à Classificação Internacional
de Doenças (CID-9) e, particularmente, das dificuldades em interpretar-se as
informações no prontuário médico. Estas dificuldades têm várias origens:
ilegibilidade das anotações médicas; ausência de informação e ambigüidade de
algumas notas médicas. Por fim, o grau de aderência às regras de codificação
existentes também tem impacto na confiabilidade dos dados clínicos.
O objetivo deste estudo foi avaliar a confiabilidade dos dados no banco
constituído pela coleção de formulários AIH preenchidos pelos hospitais
privados contratados pelo Inamps na cidade do Rio de Janeiro em 1986.
A variável clínica anotada no formulário AIH diretamente ligada ao mecanismo de
reembolso é o procedimento realizado. Esta variável constitui-se na unidade de
pagamento do Mecanismo de Pagamento Fixo por Procedimento. Isto implica em
dizer, que manipulação nesta informação pode maximizar os lucros dos hospitais.
Nesse sentido, além de analisar-se a confiabilidade desta variável, buscou-se
também avaliar em que medida as discordâncias observadas favoreceram
financeiramente o hospital. Quer dizer, buscou-se analisar a ocorrência nas
internações dos hospitais privados contratados da cidade do Rio de Janeiro, do
fenômeno denominado nos Estados Unidos como DRG Creep, discutido acima.
O estudo objetivou, também, coletar dados anotados no formulário AIH, mas não
digitados no banco de dados como: o Código de Endereçamento Postal (CEP) da
residência dos pacientes internados. Buscou-se avaliar a freqüência de
diagnósticos secundários nas internações, a partir dos prontuários médicos,
dado a importância dessa informação para a discriminação da gravidade do doente
variável de confundimento para a análise da qualidade da assistência e do
consumo de recursos hospitalares. Por fim, apesar de não dirigir-se para
análise da validade da informação nos prontuários médicos, uma primeira
aproximação a esta questão foi realizada, tendo como referência o diagnóstico
principal.
METODOLOGIA
Amostra
O desenho do estudo foi dirigido para a análise da confiabilidade dos dados do
banco constituído pelos dados dos formulários AIH emitidos pelos hospitais da
cidade e não para analisar a qualidade da informação de cada hospital.
Partiu-se de uma amostra por conglomerado estratificada em duas etapas para
selecionar hospitais representativos do universo de 29 hospitais privados
classificados como hospitais de agudos e contratados pelo Inamps na cidade em
1986. A primeira etapa do processo amostral consistiu na seleção de uma amostra
de hospitais, sendo a segunda etapa uma amostra aleatória dos formulários AIH
(unidade amostral) dos hospitais amostrados na primeira etapa.
Inicialmente, os hospitais foram classificados com relação a um conjunto de
características representadas por indicadores apresentados na Tabela_1. Para
efetuar-se a classificação dos hospitais utilizou-se o procedimento estatístico
de análise dos componentes principais (Norman et al., 1975) um método de
análise fatorial que permite a transformação de um conjunto de variáveis em um
novo conjunto ou componentes principais que não correlacionam-se entre si. Este
método tem a capacidade de simplificar dados originais, representando-os por
meio de um número menor de variáveis do que o inicialmente considerado.
TABELA 1. Número de Formulários AIH Amostrados e Freqüência de Não-Respostas
por Hospital
As características dos hospitais privados contratados de pacientes agudos
variam consideravelmente. Variam, por exemplo, com relação à natureza jurídica:
privados com fins lucrativos e filantrópicos/beneficentes. Contudo, esta
variável não apareceu associada a outras características dos hospitais,
analisadas neste estudo, sendo, dessa forma, excluída do processo de
classificação. A distribuição geográfica dos hospitais pelas regiões
administrativas da cidade mostrou uma concentração nas regiões próximas ao
centro e na zona norte áreas da cidade que concentram populações de média e
baixa renda. As regiões com maior concentração de população de alta renda como:
Copacabana, Ipanema ou Leblon não dispunham de nenhum hospital privado
contratado em 1986. No entanto, não observou-se associação entre renda média
familiar da população residente e as características do hospital. Isto é,
considerando apenas aquelas regiões administrativas onde existia hospital
privado contratado (agudo) não observou-se variação significativa entre o nível
de renda e as características do hospital. Dessa forma, a localização
geográfica do hospital também foi excluída da análise.
Foram identificados sete componentes principais que explicavam 83% da variância
existente entre os hospitais. A análise demonstrou que os hospitais variavam
entre si em relação a taxa de mortalidade, especialidades, disponibilidade de
leitos de UTI e volume de formulários AIH preenchidos pelo hospital. Observou-
se, também, que a disponibilidade de leitos de UTI era inversamente
correlacionada com o número de formulários AIH preenchidos pelo hospital,
indicando que os hospitais mais bem equipados tendiam a atender um menor número
de pacientes financiados pelo Inamps.
No procedimento amostral adotado, os hospitais foram inicialmente classificados
em quatro conglomerados: com relação a sua posição (alta ou baixa) em dois
componentes principais (fatores) denominados: mortalidade e cuidado intensivo.
Subseqüentemente, os hospitais em cada um dos quatro conglomerados foram
classificados com relação a um terceiro fator: volume de formulários AIH
preenchidos pelo hospital que representava o volume de internações do hospital
financiadas pelo Inamps. Este processo resultou em oito conglomerados de
hospitais. A amostra de hospitais foi obtida a partir da seleção aleatória de
hospitais em cada conglomerado. Como apenas um terço dos 29 hospitais foram
classificados com sinal positivo no fator volume de formulários AIH preenchidos
pelo hospital, a mesma relação foi mantida na amostra. Esse processo resultou
na seleção de dez hospitais dentre os quais seis tinham sinal negativo no fator
acima e quatro sinal positivo (Tabela_1).
A segunda parte do processo amostral consistiu na seleção de uma amostra
aleatória de formulários AIH nos dez hospitais selecionados no primeiro
estágio. O tamanho da amostra foi fixado em 1.934 formulários AIH. Estes foram
selecionados proporcionalmente ao volume de formulários AIH preenchidos por
cada hospital da amostra.
O tamanho da amostra foi posteriormente julgado adequado para o estudo. O
tamanho mínimo da amostra para avaliar a confiabilidade dos diagnósticos de
alta freqüência, como por exemplo Parto Normal, foi calculado em 811
formulários. Esta estimativa usou a fórmula do erro padrão da estatística Kappa
(k) com intervalo de confiança de 99 por cento com uma precisão de 0,05. Para
diagnósticos de baixa freqüência como por exemplo: Hérnia Inguinal (2,3%) o
tamanho mínimo da amostra foi calculado em 1.955 com um intervalo de confiança
de 99% e uma precisão de 0,08.
Medindo a Confiabilidade
O desenho deste estudo foi baseado na concordância interavaliadores. Buscou-se
testar a equivalência dos resultados de interpretações independentes a
informação anotada nos formulários AIH e aquelas anotadas nos prontuários
médicos. Utilizou-se o teste Kappa (k) que é o procedimento estatístico
adequado para avaliar a confiabilidade de variáveis categóricas e nominais
(Cohen, 1960). Kappa é interpretado como a proporção de concordância entre duas
ou mais medidas de n observações, após a exclusão das concordâncias ao acaso.
Kappa é também considerado como um teste adequado para medir concordâncias,
corrigidas pelas concordâncias ao acaso, pois não aumenta o percentual de
discordância nos casos de populações homogêneas aquelas com taxas próximas de
100 ou 0% (Shrout et al., 1987). Compara as diferenças entre as concordância
observadas e esperadas até o valor máximo possível desta diferença. Kappa é
igual a 1 quando existe perfeita concordância (entrevistadores concordam em
todos os casos). É igual a 0 quando a concordância observada equivale aquela
esperada ao acaso e é negativa quando a concordância observada é menor do que a
esperada ao acaso.
<formula/>
(1)
onde po = proporção de concordância observada
pc = proporção de concordância esperada
O erro padrão do (k)
<formula/>
(2)
A estatística Kappa parte dos seguintes pressupostos:
Os casos a serem analisados são independentes.
Os entrevistadores atuam de forma independente um do outro.
As categorias analisadas são mutuamente exclusivas e exaustivas.
Para atender ao critério de independência dos casos, teria-se que excluir do
banco de dados as reinternações, o que não foi possível dado a estrutura do
banco estudado. No entanto, como nos hospitais estudados cada admissão é
anotada em um prontuário médico diferente, considerou-se que, no caso desta
pesquisa, o critério acima não foi violado.
É preciso destacar-se que o procedimento amostral por conglomerados gera maior
erro amostral do que as amostras aleatórias, implicando maior variância nos
casos de amostras que se utilizem do primeiro procedimento (Blalock Jr., 1985).
No entanto, é muito comum, na pesquisa social e epidemiológica, a não
utilização de amostras aleatórias, principalmente, com objetivo de simplificar
o trabalho de campo, reduzindo os custos da investigação. Como aconteceu neste
estudo, a opção pela amostra por conglomerados possibilitou a diminuição do
número de hospitais no estudo, minimizando as dificuldades de acesso e
reduzindo o tempo de trabalho de campo e seus custos.
Entretanto, a fórmula utilizada para corrigir a variância da estatística Kappa
assume que os dados se baseiam numa amostra aleatória simples. Portanto, deve-
se interpretar com cautela os intervalos de confiança obtidos. Isto porque os
intervalos reais são maiores do que aqueles observados nos dados. Como
conseqüência, pode-se eventualmente rejeitar a hipótese nula Ho: k = 0 quando
esta não deveria ser rejeitada. No entanto, não espera-se neste estudo grandes
erros padrão dado o grande tamanho da amostra. Além disso, para obter-se maior
rigor no teste de hipóteses, o intervalo de confiança utilizado nesta análise
foi de 99%. Espera-se, assim, que eventuais erros nas conclusões da pesquisa,
introduzidos pelo tipo de procedimento amostral utilizado, tenham sido bastante
minimizados.
A análise de concordância foi realizada com a utilização do programa CONCORD
desenvolvido por Klein & Coutinho (1988) para uso em microcomputadores. A
concordância foi medida com uso da estatística Kappa com intervalo de confiança
de 99% e testada a partir da hipótese nula H0 : k = 0.
Para a análise do impacto financeiro nas discordâncias observadas na variável
procedimento realizado, comparou-se o valor da informação retirada do
prontuário médico com o valor do procedimento realizado anotado pelo hospital
no formulário AIH.
Com o objetivo de fazer uma abordagem inicial da questão da validade do
diagnóstico principal nos formulários AIH, introduziu-se no questionário uma
pergunta dirigida para a avaliação da entrevistadora (todas profissionais
médicas) da adequação do diagnóstico anotado no prontuário. Esta avaliação
baseou-se em critérios implícitos.
As entrevistadoras foram também solicitadas a pesquisarem no prontuário a
existência, em cada internação, de múltiplos diagnósticos. Com esse objetivo, o
formulário desenhado para a pesquisa conteve mais campos (quatro) para
diagnósticos secundários (comorbidades e complicações), do que o formulário AIH
(um campo).
Treinamento e Trabalho de Campo
O grupo de entrevistadoras da pesquisa foi constituído por três profissionais
médicas que coletaram os dados a partir dos prontuários médicos anotando-os em
um formulário desenvolvido pela pesquisa à semelhança do formulário AIH, com
orientações para o seu preenchimento listadas em um instrutivo. O instrutivo
foi desenvolvido com base no Módulo do Hospital (Inamps/Dataprev, 1993)
publicado pelo Inamps para ser utilizado pelos hospitais privados contratados
como guia para o preenchimento dos formulários AIH. Desta forma, buscou-se
orientar o preenchimento dos formulários da pesquisa com os mesmos critérios
usados para o preenchimento dos formulários AIH. Exceção foi introduzida, para
os casos cujo diagnóstico principal anotado no prontuário era: Cicatriz
Uterina, Sofrimento Fetal ou Distócia. Nestes casos, adotou-se critérios
explícitos desenvolvidos com o objetivo de padronizar a identificação destes
diagnósticos entre os entrevistadores.
O trabalho de campo foi acompanhado por uma supervisora. As entrevistadoras
trabalharam como grupo e não como entrevistadoras individuais. Foram submetidas
a 40 horas de treinamento que envolveu:
Treinamento no uso do instrutivo.
Treinamento no uso da Tabela de Procedimentos (Inamps, 1983) publicada pelo
Inamps e utilizada para a codificação dos procedimentos.
Treinamento na coleta de informações do prontuário médico e preenchimento do
formulário.
Os dados foram coletados no próprio hospital, após a seleção dos prontuários
relativos aos formulários AIH amostrados, seleção esta realizada pela
supervisora de campo. Os diagnósticos eram transcritos diretamente para os
formulários pelas entrevistadoras e, posteriormente, codificados por
profissionais especializados em codificação de doenças.
Negociando Acesso aos Prontuários dos Hospitais
A pequena tradição no Brasil no campo da investigação em serviços de saúde,
particularmente, na realização de investigações em estabelecimentos do setor
privado, implicou um processo de negociação com os hospitais privados
contratados bastante delicado e demorado. A resposta dos hospitais foi bastante
variada: alguns hospitais colocaram seus arquivos à disposição da pesquisa logo
no primeiro contato e explicitaram interesse pela pesquisa, enquanto outros
mantiveram uma postura de desconfiança quanto aos nossos objetivos, com alguns
terminando por não permitir acesso aos seus arquivos médicos.
O primeiro contato da equipe de pesquisa com os hospitais foi, na maioria dos
casos, com o Diretor Administrativo, quando buscou-se agendar um encontro com o
responsável pelo setor de arquivo médico do hospital. A entrevista com os
responsáveis por este setor teve como objetivo conhecer a forma de organização
da informação médica nos hospitais, o processo de codificação dos diagnósticos
para sua anotação nos formulários AIH, além de programar a participação do
hospital na pesquisa.
Com exceção de dois hospitais, os arquivos médicos eram organizados em ordem
cronológica com base na data de alta dos pacientes. A maioria dos hospitais
mantinham a sua via do formulário AIH anexado ao prontuário do paciente.
Portanto, após a identificação do prontuário pela supervisora de campo o
formulário AIH era separado do prontuário.
Apenas um dos hospitais analisados adotava um resumo de alta com as principais
informações contidas no prontuário médico. Dessa forma, na grande parte dos
casos, os dados para o preenchimento dos formulários AIH eram retirados
diretamente dos prontuários médicos por pessoal administrativo sem treinamento
específico. Isto é, a maioria do pessoal administrativo, envolvido com o
preenchimento dos formulários AIH nos hospitais, não havia recebido um
treinamento detalhado para o preenchimento deste formulário, nem para a
codificação de diagnósticos. Observou-se na maioria dos hospitais que as
funções de manuseio e guarda dos prontuários médicos confundiam-se com as
funções dos setores responsáveis pelo faturamento destas unidades. Ou seja, o
uso mais rotineiro dos prontuários estava voltado para o pagamento e eventual
auditoria realizada por supervisores do Inamps. Outra característica comum aos
hospitais estudados era a inexistência de um Prontuário Único isto é,
prontuários onde a referência é o paciente e não a internação. Portanto, o
paciente era registrado como um novo caso a cada internação.
O trabalho de campo durou aproximadamente um ano, principalmente, devido a
dificuldades enfrentadas no acesso aos hospitais, que serão discutidas mais a
frente.
Perdas
A taxa de resposta obtida foi de 69%. Portanto, 31% dos formulários AIH
amostrados foram classificados como não-respostas um total de 603
observações. Uma causa importante de perda foi a recusa de hospitais de
participarem da pesquisa. No entanto, a tendência foi dos hospitais
dissimularem esta recusa. Alguns hospitais adiaram, sistematicamente, a data do
início da coleta de dados, com argumentos variados, fazendo com que um período
limite tivesse que ser estabelecido, a partir do qual o adiamento passou a ser
interpretado pela equipe de pesquisa como uma recusa indireta de acesso.
Dois hospitais negaram acesso. Em um terceiro hospital as perdas foram
extremamente altas (83% da amostra naquele hospital) o que foi interpretado
como uma forma indireta de recusa de acesso aos seus prontuários pela equipe de
pesquisa. Um quarto hospital não foi, intencionalmente, visitado pela equipe da
pesquisa, pois sua participação na amostra era de apenas três formulários.
Estes quatro hospitais concentraram 38,5% das perdas.
Uma grande proporção de perdas (33%) foram de prontuários de um grande hospital
filantrópico que concentrou um quarto dos prontuários da amostra. A explicação
para o grande número de perdas neste hospital, como nos outros hospitais, são
várias: impossibilidade de encontrar-se o prontuário em alguns casos o
próprio hospital informou que o prontuário havia extraviado ou que havia sido
jogado fora até a recusa de alguns chefes de enfermarias em dar acesso aos
prontuários de seus pacientes.
A taxa de não-resposta foi menor nas maternidades e maior nos grandes
hospitais. As perdas também foram proporcionalmente maiores naqueles hospitais
com sinal negativo no fator volume de formulários AIH preenchidos pelo
hospital. Isto é, aqueles hospitais que atendem a um maior número de pacientes
financiados pelo Inamps foram responsáveis por uma menor proporção de perdas
(Tabela_1).
As características das respostas e das nãorespostas foram comparadas, usando-se
as informações disponíveis no banco de dados de formulários AIH. Observou-se
marcadas diferenças entre os dois grupos, apresentadas na Tabela_2. As
observações classificadas como não-respostas concentraram um maior percentual
de formulários AIH com procedimentos clínicos; a taxa de mortalidade hospitalar
desses pacientes foi um pouco maior e o número de altas por parto nesse grupo
foi bem menor. Dentre o grupo de não-respostas (perdas) houve também uma sobre-
representação de formulários AIH de pacientes com diagnóstico principal Varizes
das Extremidades Inferiores CID-9 454.9. Vale ressaltar, que em outro estudo
com base neste mesmo banco de dados, observou-se freqüências pouco usuais de
atendimentos com o diagnóstico acima, levantando-se a suspeita de fraude
(Veras, 1992).
TABELA 2. Distribuição de Freqüência de Algumas Variáveis do Formulário AIH
para Respostas e Não-Respostas
<formula/>
Pelo exposto acima, tem-se como hipótese que a confiabilidade nas perdas seria
menor do que a confiabilidade verificada no grupo de formulários analisados.
Como conseqüência, a confiabilidade verificada neste estudo seria maior do que
a confiabilidade verdadeira.
RESULTADOS
Local de Moradia
Indicadores de uso de serviços de saúde só podem ser referidos a uma população
quando o local de moradia dos usuários é conhecido. Além do mais, o local de
moradia dos usuários dos serviços é um dado fundamental para a análise do fluxo
de pacientes entre municípios e distritos sanitários, informação importante
para o planejamento/programação da oferta de serviços de saúde e para a
alocação de recursos financeiros.
Observou-se neste estudo que a grande maioria dos pacientes admitidos nos
hospitais privados contratados 81,5% residiam na cidade do Rio de Janeiro.
Por outro lado, a grande maioria dos pacientes não-residentes, residiam nos
municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Em 10,6% dos
prontuários médicos analisados não havia anotação do endereço do paciente.
A confiabilidade da variável local de moradia - Código de Endereçamento Postal
(CEP) - não pode ser medida pois esta informação não estava presente no banco
de dados por não estar sendo digitada.
Confiabilidade das Variáveis Idade e Sexo
A confiabilidade das variáveis idade e sexo foi julgada alta (Tabela_3). Estes
resultados estão de acordo com aqueles obtidos por Lebrão (1978). Vale
ressaltar, no entanto, que em 259 prontuários não havia informação sobre a data
de nascimento, impedindo, assim, o cálculo da idade desses pacientes. A
ausência desta informação de importância tanto para a avaliação clínica como
epidemiológica é de per se um indicador da baixa qualidade do prontuário
médico.
TABELA 3. Índices de Concordância (k) para Variáveis Demográficas e
Administrativas no Formulário AIH
<formula/>
Confiabilidade das Variáveis de Processo
Confiabilidade da variável Tipo de Admissão foi julgada como insatisfatória
(Tabela_3), limitando o seu uso tanto para a pesquisa como para o planejamento.
Entretanto, a variável Tempo de Permanência apresentou boa confiabilidade. A
confiabilidade desta variável foi melhor do que aquela obtida pelo estudo
realizado em 1974 com base nas informações produzidas pelos hospitais da cidade
de São Paulo (Lebrão, 1978). Uma melhoria na qualidade desta informação pode
ter sido influenciada pelo novo mecanismo de pagamento introduzido no país em
1983. O tempo de permanência do doente no hospital é um elemento da produção de
serviços influenciado diretamente por esta nova lógica de reembolso (Veras,
1992).
Serviços Profissionais
No Mecanismo de Pagamento Fixo por Procedimento é exigido, para fins de
pagamento, a identificação, no formulário AIH, dos profissionais que compuseram
a equipe cirúrgica nos casos de procedimentos cirúrgicos realizados por
profissionais sem vínculo empregatício com o hospital. Existem, também, normas
que estabelecem a composição mínima das equipes cirúrgicas para cada grupo de
procedimentos. Entretanto, a confiabilidade observada para as variáveis
relativas à composição da equipe cirúrgica tendeu a ser baixa (Tabela_3).
A confiabilidade da variável presença do cirurgião principal foi maior do que a
confiabilidade das variáveis relativas à presença dos cirurgiões auxiliares.
Observou-se uma maior freqüência de anotação da presença dos cirurgiões
auxiliares nos formulários AIH do que nos prontuários médicos. Este resultado
pode estar indicando que o Inamps estava reembolsando médicos por serviços que
não foram prestados, apesar das normas de boa prática adotadas exigirem a
prestação destes serviços, com objetivo de resguardar a qualidade da
assistência prestada aos pacientes.
Tendência oposta foi observada com relação aos anestesistas que apresentaram
maior freqüência de anotação de sua presença na equipe cirúrgica nos
prontuários médicos comparativamente à freqüência observada nos formulários
AIH. A explicação desse padrão não transparece de imediato, já que a anotação
dessa informação no formulário AIH é condição necessária para o reembolso deste
profissional. O que parece explicar esse fato, é a prática adotada por muitos
anestesistas de cobrar os serviços prestados diretamente do paciente, com base
na Tabela de Procedimentos da Associação Médica Brasileira (AMB) que remunera
melhor do que a Tabela de Procedimentos do Inamps (Comunicação Pessoal). A
ausência de anotação deste ato no prontuário seria intencional, de forma a
evitar duplo faturamento. Apesar da ausência de anotação no formulário do
profissional responsável pelo ato anestésico e a cobrança dos serviços
profissionais diretamente do paciente ferirem as normas do Inamps, estas têm
sido prática rotineira dentre os anestesistas.
A confiabilidade da variável número de consultas médicas durante a internação
também foi bastante baixa (Tabela_3). Esta alta discordância explica-se
basicamente pela tendência dos hospitais em não anotarem nos formulários essa
informação, pois o reembolso das consultas médicas é realizado
independentemente do anotado. Isto é, os hospitais são reembolsados uma
consulta médica por dia, independentemente do que está escrito no formulário.
Exceção a esta regra ocorre, somente, naqueles casos de consultas
especializadas.
A confiabilidade da informação sobre os Serviços Auxiliares de Diagnóstico e
Terapia (SADT) mostrou-se no geral baixa. Esta é uma informação bastante
objetiva (realização ou não de determinados exames) e, portanto, passível de
concordância entre as fontes analisadas. As exceções foram os seguintes exames:
Patologia Clínica, Radiologia e Eletroencefalograma ou Eletrocardiograma que
apresentaram melhor índice de concordância (Tabela_4). Esta análise considerou
apenas se a informação estavaescrita em cada uma das fontes analisadas, não
levando em conta o número de vezes que cada tipo de exame foi realizado em cada
internação. Isto sugere que, no conjunto, a qualidade da informação sobre os
SADT é melhor para aqueles serviços que apresentaram alta confiabilidade neste
estudo. A confiabilidade dos exames: Cardioversão e Medicina Nuclear não pode
ser medida devido a ausência destes procedimentos na amostra.
TABELA 4. Índices de Concordância (k) para Serviços Auxiliares de Diagnósticos
e Terapia (SADT) nos Formulários AIH
<formula/>
Confiabilidade das Variáveis Clínicas
Diagnóstico
Seguindo o padrão descrito por outros estudos, observou-se que a
confiabilidade, para os diagnósticos com alta freqüência no banco de dados,
tendeu a ser mais alta quando analisada com base em diagnósticos codificados
com maior nível de agregação (três dígitos) do que com menor nível de agregação
(quatro dígitos) ver Tabela_5 e 6. Os diagnósticos, codificados com quatro
dígitos, com base na Classificação Internacional de Doenças - CID 9 (OMS,
1975), apresentaram um k = 0,72 e diagnósticos codificados com três dígitos
apresentaram um k = 0,82.
TABELA 5. Índices de Concordância (k) para as Variáveis Clínicas nos
Formulários AIH
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TABELA 6. Índices de Concordância (k) para Alguns Diagnósticos Selecionados
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No estudo realizado por Maria Lúcia Lebrão (1978) o nível de concordância
observado para os diagnósticos foi de 82,5% para codificação em três dígitos, o
que pode ser considerado um resultado próximo ao obtido por esse estudo.
Entretanto, os resultados dessas investigações não podem ser diretamente
comparados, devido a diferenças metodológicas.
As medidas de confiabilidade variaram muito entre os diagnósticos com alta
freqüência no banco de dados: a confiabilidade foi julgada alta para Parto
Completamente Normal CID-9 650.9 e para Hérnia Inguinal sem Menção de Obstrução
ou Gangrena CID-9 550.9 e foi julgada moderada para os diagnósticos
Insuficiência Cardíaca Congestiva CID-9 428.0 e Doenças Cerebrovasculares Aguda
Mal Definida CID-9 436.9. Entretanto, para Obstrução Causada por Má Posição do
Feto no início do Trabalho de Parto CID-9 660.1; Pneumonia Bacteriana Não-
Especificada CID-9 482.9; Diabetes Mellitus com Complicações Não-Especificadas
CID-9 250.9 e Fratura do Colo do Fêmur Parte Não-Especificada, Fechada CID-
9 820.8 os índices de concordância observados não foram considerados diferentes
daqueles que poderiam ter sido obtidos ao acaso (Tabela_6).
A ausência de concordância no caso de Pneumonia Bacteriana refletiu
principalmente discrepâncias em nível da identificação do agente etiológico.
Isto é, nos prontuários médicos com diagnóstico principal de Pneumonia a
pesquisa tendeu a codificar este diagnóstico como Pneumonia Devido a
Microorganismo não Especificado CID-9 486.9, enquanto nos formulários AIH a
tendência foi de codificá-los como Pneumonia Bacteriana Não-Especificada CID-
9 482.9.
Já, no caso do diagnóstico principal Diabetes Mellitus e Fratura do Colo de
Fêmur, a confiabilidade foi maior para as categorias com três dígitos do que
aquelas com quatro dígitos, indicando que as discordâncias se deram
principalmente em nível da especificação da doença (Tabela_6).
Observou-se que os diagnósticos anotados nos formulários AIH são freqüentemente
codificados nos dígitos 8 ou 9, considerados como classificações inespecíficas
e residuais para a categoria diagnóstica, denotando a pouca precisão obtida no
processo de codificação desta variável.
Por fim, a ausência de concordância para Obstrução Causada por Má Posição do
Feto no início do Trabalho de Parto CID-9 660.1, uma categoria diagnóstica
fortemente associada a realização de cesariana, questiona a adequação da
indicação de parto cirúrgico para as pacientes classificadas nos formulários
AIH no diagnóstico acima. Vale lembrar que nesta pesquisa, no caso do
diagnóstico Obstrução do Trabalho de Parto, foi desenvolvido critério explícito
para a sua identificação. O critério utilizado exigia, para o estabelecimento
do diagnóstico de Trabalho de Parto Obstruído, a anotação no prontuário médico
do resultado do exame (manual, RX ou ultrassonografia) que indicasse a
existência de desproporção de origem materna ou fetal.
Na grande maioria (98,5%) dos prontuários médicos analisados havia um
diagnóstico principal anotado, sendo que em 85,4% destes a equipe da pesquisa
avaliou esse diagnóstico como sendo correto. Nos casos que não houve
concordância com o diagnóstico escrito no prontuário, a razão principal
apontada pelas entrevistadoras para justificar essa discordância foi a ausência
de compatibilidade entre as informações clínicas e o diagnóstico principal
anotados no prontuário.
A análise da freqüência de múltiplos diagnósticos (comorbidades e complicações)
demonstrou que a anotação do diagnóstico secundário no formulário AIH é
bastante incompleta. Observou-se a anotação de algum diagnóstico secundário em
apenas 1,9% dos formulários AIH amostrados, enquanto nos prontuários relativos
a essas internações, verificou-se a existência de pelo menos um diagnóstico
secundário em 42,4% destes. Observou-se, também, em 11,7% dos prontuários, a
ocorrência de pelo menos quatro diagnósticos secundários.
Procedimentos Realizados
A confiabilidade dos procedimentos realizados, dentre aqueles mais freqüentes
no banco de dados, foi alta (k = 0,907), maior do que a confiabilidade
verificada para os diagnósticos principais mais freqüentes, codificados com
quatro dígitos. Observou-se, também, um maior k para os procedimentos
cirúrgicos comparativamente aos procedimentos clínicos - o que reflete a menor
subjetividade da informação cirúrgica (ver Tabela_5).
A análise do impacto das discordâncias (341 observações) no reembolso dos
hospitais apontou para a ocorrência, com uma freqüência considerada alta, de
discordâncias que resultam no aumento deste valor em favor do hospital (Figura
1). Isto é, em 31% das discordâncias o procedimento identificado pelo hospital
tinha valor de pagamento superior ao procedimento identificado pela pesquisa.
Já, em 29% das discordâncias, o hospital e a pesquisa identificaram diferentes
códigos de procedimento para as altas hospitalares que tinham, no entanto,
mesmo valor de pagamento. Essas últimas foram consideradas discordâncias
menores. Em 20% das discordâncias, o procedimento identificado pelo hospital
tinha valor de reembolso menor do que o procedimento identificado pela pesquisa
e em 20%, não pode-se proceder a análise por razões diversas, como ausência de
informação.
FIGURA 1. Nível de Concordância da Variável Procedimento Realizado e Impacto
das Discordâncias no Valor do Reembolso
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Confiabilidade das Variáveis de Resultado
Dentre as variáveis rotineiramente presentes nas estatísticas hospitalares, o
óbito é a variável mais freqüentemente utilizada para avaliação do resultado
(outcome) da assistência prestada. Tanto o óbito hospitalar como a ocorrência
de transferência do paciente para outro hospital foram variáveis de resultado
da assistência cuja confiabilidade foi considerada alta (Tabela_7). No entanto,
é necessário destacar que 55 observações foram excluídas desta análise por
falta de informação nos prontuários médicos sobre o desenlace da internação.
TABELA 7. Índices de Concordância (k) para Variáveis de Resultados Presentes no
Formulário AIH
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Já, a variável óbito no recém-nato apresentou baixa confiabilidade: os
entrevistadores da pesquisa identificaram, com base nos prontuários médicos,
maior freqüência de óbitos em recém-natos do que aquela medida com base nas
informações anotadas nos formulários AIH. Este resultado vai implicar
distorções no cálculo da mortalidade perinatal que vai variar entre as fontes,
sendo menor quando baseada nos dados do formulário AIH. Já a confiabilidade da
variável nascido vivo, outro componente para o cálculo da taxa de mortalidade
perinatal foi alta (k = 0,99). No cálculo desta taxa, com base nos dados da
AIH, os óbitos do recém-nato referem-se àqueles ocorridos no hospital no
período entre o nascimento e o óbito.
DISCUSSÃO
Este estudo mostrou que a qualidade dos dados nos formulários AIH preenchidos
pelos hospitais privados contratados de pacientes agudos da cidade do Rio de
Janeiro no ano de 1986 variou bastante entre variáveis. Dentre as variáveis
administrativas e demográficas: sexo, idade e tempo de permanência apresentaram
alta confiabilidade. Os erros existentes foram, provavelmente, resultado de
problemas menores ocorridos durante a transcrição dos dados. Entretanto, a
confiabilidade da variável tipo de admissão foi baixa, restringindo a sua
utilização como informação para avaliação da produção hospitalar.
A confiabilidade para as variáveis relacionadas com a composição da equipe
cirúrgica também foi baixa. Estas são variáveis diretamente relacionadas com o
pagamento dos serviços profissionais. Segundo a lógica do Mecanismo de
Pagamento Fixo por Procedimento, na medida em que aumenta o número de
profissionais médicos envolvidos em cada internação, particularmente no caso de
internações classificadas em procedimentos cirúrgicos, maior é a chance de cada
profissional receber um menor valor de reembolso pelos serviços prestados. Com
o objetivo de prevenir reduções inaceitáveis na composição das equipes
cirúrgicas, com impacto negativo sobre a qualidade da assistência, foram
definidas normas que indicam a composição mínima das equipes cirúrgicas para
cada grupo de procedimentos. No entanto, parece que o cumprimento dessa norma
não estava sendo checado regularmente. Este estudo apontou para uma maior
freqüência de cirurgiões nos dados anotados nos formulários AIH do que nos
dados anotados nos prontuários médicos, sugerindo que alguns hospitais anotavam
informação no formulário com objetivo de reembolso, sem ter prestado o serviço
ao paciente. Situação inversa foi observada com os anestesistas, já que a
anotação referente a participação destes profissionais na equipe cirúrgica
apresentou maior freqüência nos prontuários do que nos formulários. Como já
discutido anteriormente, esse padrão provavelmente resulta da prática adotada
pelos anestesistas de cobrarem valores acima da tabela diretamente dos
pacientes: para evitar duplo faturamento, seus nomes não aparecem nos
formulários. Esse último fato, também, aponta para ausência de crítica de dados
dirigida para o monitoramento de práticas ilegais, já que a cobrança direta ao
paciente é proibida.
Com relação às variáveis clínicas, observou-se grande variabilidade na
confiabilidade. De modo geral, os Serviços Auxiliares Diagnósticos e
Terapêuticos (SADT) apresentaram baixa confiabilidade. Entretanto, a
confiabilidade desta informação pode ser melhorada, tendo como parâmetro a
melhor confiabilidade observada para alguns serviços diagnósticos tais como:
Patologia Clínica e Radiologia. Por outro lado, observou-se uma maior
freqüência de SADT nos formulários AIH do que nos prontuários, sugerindo que
nem todos os serviços anotados nos formulários foram efetivamente realizados.
Isto pode resultar da prática de anotar informações padronizadas nos
formulários de pacientes classificados em um mesmo procedimento realizado,
independentemente de verificação dos serviços efetivamente prestados. Tais
desvios só poderão ser corrigidos com um sistema de crítica da informação
prestada pelos hospitais, com posterior análise mais detalhada das distorções
observadas.
A confiabilidade do diagnóstico principal observado nesse estudo foi similar
àquela observada pelo estudo (Lebrão, 1978) realizado em São Paulo na década de
1970, apontando que pouco foi feito no país, no período entre estes dois
estudos, que tenha tido impacto na melhoria da qualidade da informação
diagnóstica. Os resultados indicam que os estudos de qualidade da assistência
médica e de morbidade baseados nesses dados devem se concentrar em categorias
diagnósticas mais agregadas: diagnósticos com três dígitos apresentaram maior
confiabilidade do que os diagnósticos com quatro dígitos. Estes resultados se
aplicam aos diagnósticos mais freqüentes nos hospitais privados contratados da
cidade do Rio de Janeiro em 1986.
Por outro lado, a confiabilidade variou de forma importante entre diagnósticos,
com alguns diagnósticos apresentando maiores problemas. Por exemplo, a
concordância foi zero no caso de Trabalho de Parto Obstruído CID-9 660,
levantando óbvias dúvidas quanto a adequação da indicação do procedimento mais
associado a estes diagnósticos: a cesariana.
Considera-se que os maiores problemas associados com a qualidade da informação
diagnóstica diz respeito aos processos de anotação, coleta e codificação desta
informação. A maioria dos hospitais estudados não dispunham de um formulário do
tipo sumário de alta para anotação das informações básicas sobre a internação.
No caso dos hospitais analisados neste estudo, os dados para o preenchimento
dos formulários AIH eram retirados diretamente dos prontuários por um
profissional administrativo. Com grande freqüência, esses prontuários continham
informação ilegível, incompleta e imprecisa, dificultando a correta transcrição
da informação. O processo de codificação dos diagnósticos também era realizado,
na maioria dos casos, por pessoal administrativo sem nenhum treinamento para
esta atividade. Além do mais, a base de classificação adotada pelo Inamps é um
resumo da Classificação Internacional de Doenças (CID-9) publicada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), que omite os termos de inclusão e de
exclusão para cada categoria diagnóstica, aumentando assim as chances de
classificações erradas ou maldefinidas.
Observou-se que, em parte, as discordâncias podem resultar de erro médico na
identificação do diagnóstico principal: os médicos entrevistadores da pesquisa
tenderam a discordar com cerca de 14% dos diagnósticos anotados nos
prontuários.
Um outro problema sério identificado na informação diagnóstica foi a baixíssima
freqüência de anotação do diagnóstico secundário, limitando o uso desses dados
para avaliação da ocorrência de múltiplos diagnósticos, dado a enorme
freqüência de falsos negativos. Os sumários de alta e os sistemas de
informações hospitalares deveriam não só ter alta taxa de preenchimento do
diagnóstico secundário, como os campos destinados para as comorbidades e
complicações deveriam ser ampliados para quatro ou cinco, de forma a permitir
uma análise mais refinada dos tipos de pacientes que o hospital atende;
discriminando doentes por níveis de gravidade e permitindo a classificação das
internações em grupos de pacientes homogêneos todas estas informações de
absoluta relevância para programação e gerência dos serviços, avaliação de
qualidade e análise de custos hospitalares.
A confiabilidade da variável procedimento realizado foi considerada alta,
apesar desta constituir a unidade de pagamento do Mecanismo de Pagamento Fixo
por Procedimento, isto é, de ser uma variável que define os valores de
reembolso dos hospitais. Apesar deste resultado favorável, observou-se que nos
casos de discordâncias que envolveram procedimentos com valores de reembolso
diferentes, a probabilidade maior foi do hospital classificar a internação em
procedimentos de maior valor comparativamente ao procedimento anotado pelo
entrevistador da pesquisa. A possibilidade de manipulação da informação com
objetivos de maximização do valor do reembolso aponta para necessidade de
medidas mais efetivas de controle.
Por fim, dentre as variáveis de resultado, óbito e transferência apresentaram
alta confiabilidade e morte perinatal apresentou baixa confiabilidade. A baixa
confiabilidade das mortes perinatais resultarão em taxas de mortalidade
perinatal hospitalar subestimadas.
No geral, considera-se que os resultados obtidos por este estudo indicam que a
qualidade das informações disponíveis no banco de dados constituído pelos dados
anotados nos formulários AIH era, de alguma forma, melhor do que a qualidade
corriqueiramente imputada a esse banco de dados. Entretanto, problemas sérios
de qualidade existem que inviabilizam o uso de algumas variáveis e restringem o
uso de outras, indicando a necessidade de implementação de medidas dirigidas
para o seu aprimoramento, tais como: melhoria da qualidade no preenchimento dos
prontuários médicos; introdução de sumários de alta estruturados para alimentar
os sistemas de informações dos hospitais; clara atribuição de responsabilidades
pelas informações produzidas o médico assistente deveria preencher o sumário
de alta e assumir a responsabilidade pela informação anotada, como ocorre em
outros países; treinamento de pessoal para codificação de diagnósticos;
utilização da versão original da Classificação Internacional de Doenças da OMS
em substituição à versão resumida publicada pelo Inamps e introdução de novos e
efetivos mecanismos de monitoramento da qualidade dos dados fornecidos pelos
hospitais. Sugere-se também a introdução de um Prontuário Único nos hospitais
que poderá impactar positivamente no acompanhamento clínico do paciente como
para a pesquisa. Possibilitaria, também, o controle de duplo faturamento,
prática conhecida e destacada por alguns autores (Gay & Kronenfeld, 1990),
utilizada pelos serviços para contornar a remuneração insuficiente ou,
simplesmente, aumentar o valor de seu reembolso.
Por fim, vale ressaltar que em alguns problemas de saúde e/ou procedimentos não
identificou-se código adequado na Tabela de Procedimentos, fato que por si só
aponta para a importância de rever-se este documento. No caso da amostra de
formulários AIH estudada observou-se os seguintes problemas e procedimentos
para os quais não identificou-se um código na Tabela de Procedimentos: Retirada
de Prótese, Curetagem Pós-Parto, Isquemia Cerebral Transitória, Curetagem,
Glaucoma e Hanseníase Tuberculóide. Na realidade, as mudanças freqüentes na
prática médica, como resultado de novos conhecimentos e inovações tecnológicas,
indicam a necessidade de revisões periódicas nesta tabela.
As recomendações acima se fazem necessárias tanto para evitar-se gastos
desnecessários no reembolso dos hospitais financiados por dinheiro público,
como para permitir que usuários, gerentes, provedores de serviços e
pesquisadores disponham de uma fonte de informações confiável como instrumento
para a melhoria da eficiência e da qualidade dos serviços prestados à
população.
AGRADECIMENTOS
Esta investigação recebeu apoio financeiro da Organização Panamericana da
Saúde/Organização Mundial da Saúde. Os resultados apresentados e as opiniões
apresentadas neste artigo são de responsabilidade unicamente das autoras.
Gostaríamos, também, de agradecer à Profa. Célia Landman pelo apoio dado na
análise estatística e às médicas Nair Navarro de Miranda, Carla Simone D. de
Gouveia e Georgina Sarantakos pela importante contribuição dada durante o
trabalho de campo e na interpretação de alguns resultados e ao pesquisador Iuri
da Costa Leite pela colaboração no processamento dos dados.