Avaliação tecnológica em saúde: densitometria óssea e terapêuticas alternativas
na osteoporose pós-menopausa
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Introdução
O intenso processo de inovação tecnológica em curso nos últimos trinta anos tem
ampliado a gama de alternativas de assistência à saúde a serem consideradas e
está associado a um expressivo crescimento no custo da assistência médica,
levando a maioria dos países a implementar reformas no setor saúde. A
necessidade de justificar cortes nos orçamentos do setor saúde enfatizou a
importância de otimizar a relação entre custos e benefícios de saúde
resultantes dos serviços prestados, incrementando as atividades de avaliação
tecnológica em saúde em países desenvolvidos a partir da década de 80.
A avaliação tecnológica em saúde pode ser definida como um tipo de pesquisa que
sintetiza as evidências científicas disponíveis sobre as implicações da
utilização da tecnologia médica. As avaliações tecnológicas abrangem o
conhecimento relativo às dimensões de segurança, eficácia, efetividade, custos
e custo-efetividade das alternativas de tecnologias médicas alternativas para
um mesmo problema de saúde, levando ainda em conta seu potencial de eqüidade e
questões éticas e culturais.
O seu objetivo primeiro é fornecer aos formuladores de políticas subsídios
relativos a alternativas tecnológicas, contribuindo para a definição de
políticas de regulação do uso das tecnologias. Outro objetivo importante da
avaliação tecnológica, paralelo ao primeiro, é subsidiar a elaboração de
guidelines de condutas clínicas e de instrumentos para avaliação e melhoria da
qualidade da atenção à saúde (Banta & Luce, 1993). Países em
desenvolvimento como o Brasil tendem a incorporar as tecnologias médicas de
forma a produzir uma assistência de baixa efetividade e relações de custo-
efetividade insatisfatórias diante das evidências científicas.
O presente trabalho pretende apresentar de forma sucinta os fatores
considerados e as metodologias de síntese empregadas (revisões sistemáticas/
metanálises, análise de decisão e análise custo-efetividade) em uma avaliação
tecnológica (parcial) e a lógica subjacente à sua elaboração e utilização no
campo da saúde pública. O exemplo utilizado focaliza o problema osteoporose na
pós-menopausa, analisando a oportunidade da incorporação, no momento atual, da
densitometria óssea e de tecnologias antiosteoporose em nosso país, isto é,
considerando, inclusive, a diferença (e a incerteza) nos valores dos fatores/
parâmetros em nosso país com relação aos de países desenvolvidos, o que pode
modificar as estimativas e implicações da incorporação da tecnologia e as
conclusões da avaliação tecnológica, e limita a transferência de ATS entre
países e regiões.
Nesse sentido, introduz-se inicialmente o problema osteoporose, aspectos
clínicos e epidemiológicos, apresentando as questões a serem resolvidas para a
tomada de decisão sobre a incorporação de tecnologias, tentando aproximá-las da
realidade brasileira. A seguir, são apresentadas, de forma crítica, ainda que
bastante resumida e muito pouco referenciada, em virtude das limitações de
espaço, as evidências disponíveis, atualmente, sobre os efeitos das tecnologias
envolvidas: (a) as acurácias diagnósticas e prognósticas de tecnologias
diagnósticas importantes, particularmente de métodos relevantes de
densitometria óssea; (b) a eficácia e segurança de tecnologias terapêuticas
selecionadas, em alternativas que associam ou não a densitometria.
Tais evidências foram sintetizadas com base na revisão da literatura e análise
de avaliações tecnológicas e de metanálises de efeitos de tecnologias, já
produzidas acerca do assunto, e de ensaios antigos e recentes. Esses estudos
foram examinados quanto a sua qualidade, utilizando a metodologia recomendada
por Clarke & Oxman (2000), e a sua pertinência ao SUS/ Brasil, procurando-
se ressintetizar um conhecimento mais atualizado e aplicado ao nosso país,
embora não tenhamos reprocessado sob forma de metanálises as evidências
analisadas sobre os efeitos de cada tecnologia.
Os custos das alternativas analisadas foram estimados do ponto de vista do SUS,
assumindo que os reembolsos efetuados atualmente, para os procedimentos
considerados, sejam correspondentes aos custos. Uma análise custo-efetividade
preliminar das alternativas de intervenção frente à de não-intervenção
(alternativa tradicional), com o cálculo da razão dos diferenciais de custo e
de efetividade, é apresentada com o objetivo de suscitar a reflexão sobre a
tomada de decisão. Finalmente, complementos, correções e limitações dessa
avaliação básica são apontados.
Osteoporose
A osteoporose é atualmente considerada, nos países desenvolvidos, um dos
problemas de saúde mais comuns e mais sérios da população idosa, especialmente
a do sexo feminino. É caracterizada pela baixa densidade óssea e pela
degeneração da microarquitetura óssea, que aumentam a fragilidade óssea e o
risco de fratura (WHO, 1994). É reconhecida clinicamente pela ocorrência de
fraturas não traumáticas, especialmente da coluna lombar (fraturas vertebrais)
e do antebraço, e ainda pela ocorrência de fratura de fêmur após queda da
própria altura (Riggs & Melton III, 1995). A perda mais acentuada de massa
óssea que ocorre nas mulheres a partir da perimenopausa é associada à
insuficiência de estrogênio, condição da menopausa (Sowers et al.,1998).
A incidência da osteoporose vem aumentando no mundo devido, em parte, ao
envelhecimento da população, já que as taxas de osteoporose, bem como as de
fratura de fêmur, ajustadas por idade, também vêm crescendo nas ultimas
décadas, possivelmente em razão do sedentarismo (Kannus et al., 1996; Lau &
Woo, 1994). Um comitê de especialistas organizado pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) sugeriu, valendo-se de dados sobre a relação entre densidade
mineral óssea e risco de fratura, a definição para osteoporose atualmente mais
utilizada: densidade mineral óssea igual ou abaixo de 2,5 desvios-padrão da
densidade média local para o adulto jovem (T score) (WHO, 1994). Abaixo dessa
densidade óssea, o risco de fratura não traumática aumenta de forma não linear.
Osteopenia foi então também definida como densidade mineral óssea entre 1 e 2,5
desvios-padrão abaixo da média para o adulto jovem.
Essa definição de osteoporose foi baseada em dados obtidos em populações de
raça branca/caucasiana, com mais de 65 anos de idade (WHO, 1994), devendo ser
validada para outras etnias e para mulheres mais jovens. Além disso, trabalhos
mais recentes têm confirmado a suspeita de que a variação de sítio ósseo e de
densitômetro resultam em grandes diferenças na proporção da população
considerada osteoporótica ou osteopênica quando se utiliza o critério proposto
pela OMS (Faulkner et al., 1999).
Vários fatores, além da idade, aumentam o risco de a mulher apresentar
osteoporose (e fratura osteoporótica), na menopausa: raça caucasiana ou
asiática, baixo peso, baixo índice corporal, menopausa precoce, menarca tardia
(baixo pico de massa óssea), sedentarismo, história prévia de fratura após
cinqüenta anos, história familiar, ingesta deficiente em vitamina D e em
cálcio, baixa exposição ao sol, além de várias patologias, como o
hiperparatireoidismo, e uso de medicamentos, como os corticóides (Cummings et
al., 1995; Lau & Woo, 1994; Ling et al., 2000; Johnell et al., 1995).
Embora outros fatores contribuam para o risco de fraturas em idosos como
a geometria óssea, a demência senil e a propensão à queda, derivada, entre
outros fatores, da força muscular no quadríceps, da estabilidade postural e da
acuidade visual (Dargent-Molina et al., 1996; Nguyen et al., 1993) as
fraturas em idosos raramente ocorrem na ausência de redução da massa óssea
(Johnell et al.,1995; Nelson et al., 2000; Riggs & Melton III, 1995).
Utilizando a citada definição da OMS, estimava-se que, nos Estados Unidos, no
início da década de 90, cerca de 20% das mulheres de origem caucasiana, na pós-
menopausa, tinham osteoporose, e 50% tinham osteopenia, sendo a prevalência de
osteoporose na raça negra estimada em 8%, taxas ajustadas por idade, com base
na densidade óssea do fêmur (Looker et al., 1995). Estima-se ainda que o risco
de fratura osteoporótica no decorrer da vida após a menopausa, para uma mulher
branca americana, seja de cerca de 40%, sem contar as fraturas assintomáticas
de vértebras. Para fraturas de colo de fêmur, especificamente, o risco é de 14-
17% (Eddy et al., 1998; Riggs & Melton III, 1995). Na raça negra, nos
Estados Unidos, o percentual de mulheres com fratura de fêmur após cinqüenta
anos é de somente 6% (Eddy et al., 1998). A diferença interetnias é geralmente
explicada pela diferença de densidade óssea, mas fatores relacionados à
geometria óssea e à força muscular podem também ser importantes (Kannus et al.,
1996; Nelson et al., 2000).
Os estudos brasileiros sobre densidade óssea e prevalência de osteoporose,
disponíveis no sistema MEDLINE, LILACS e no periódico Radiologia Brasileira, do
Colégio Brasileiro de Radiologia, são muito escassos apenas dois e
se referem a amostras populacionais pequenas e não aleatórias, utilizando
padrões de densidade óssea de validade limitada (Azevedo et al., 1997; Marone
et al., 1989). Não encontramos estudos brasileiros sobre fatores de risco/
prognósticos naquelas fontes. Por outro lado, foi surpreendentemente reduzido,
pouco mais de 17 mil, o total de admissões hospitalares por fratura de fêmur de
mulheres a partir de cinqüenta anos, registradas no SUS, em 2001, sendo que os
Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo responderam por mais de 40% dessas
internações (DATASUS, 2001). As fraturas registradas pelo SUS corresponderiam a
uma incidência de fratura de fêmur, na Região Sudeste, com ou sem as correções
levantadas por Pinheiro (1999) para estimar o número de casos atendidos, de
cerca de um quarto da observada na população branca de países desenvolvidos, no
inicio da década de 70 (Kannus et al., 1996; Lau & Woo, 1994),
considerando-se uma cobertura de 80% pelo SUS, mesmo que se devam levar em
conta outras limitações desses dados para fazer inferências sobre a incidência
da doença.
Dentre as fraturas decorrentes da osteoporose na pós-menopausa, a mais grave é
a fratura de fêmur que resulta, nos Estados Unidos, em até 20% de mortalidade
no primeiro semestre após o evento, acarretando ainda uma perda de autonomia
importante: metade dos pacientes que deambulavam antes da fratura ficam
incapazes de fazê-lo e um quarto dos pacientes requerem cuidado domiciliar de
longo prazo depois do evento (Riggs & Melton III, 1995). A perda de
qualidade de vida devida à fratura osteoporótica de fêmur, estimada por Eddy et
al. (1998), foi superior a 60%, em média, no primeiro ano pós-evento.
Os custos sociais da doença são altos, em grande parte graças aos custos das
fraturas de fêmur. Os gastos médicos diretos com fraturas osteoporóticas foram
estimados em 13,8 bilhões de dólares nos Estados Unidos, em 1995, relativos a
432 mil internações hospitalares, consultas médicas e admissões em nursing
homes, sem levar em conta os gastos com o cuidado domiciliar de longo prazo
(Eddy et al., 1998).
As questões a serem respondidas para o Brasil seriam: (a) quantas fraturas de
fêmur (dentre outros danos) poderiam ser evitadas, ou quantos anos de vida com
qualidade poderiam ser ganhos, por diferentes intervenções antiosteoporose? (b)
estas deveriam atualmente incluir procedimentos diagnósticos (prognósticos)
como a densitometria óssea? (c) qual o custo de cada alternativa
antiosteoporose por fratura evitada? (d) o que seria mais vantajoso para a
sociedade/governo: adotar os procedimentos antiosteoporose atuais, ou apenas
cuidar das fraturas osteoporóticas?
Avaliação do risco de fratura: tecnologias diagnósticas
Densitometria_óssea_e_risco_de_fratura
Os métodos para medir a densidade óssea dependem da absorção de radiação pelo
esqueleto, provendo medidas quantitativas da massa óssea (g/cm2, g/cm3). Sua
acurácia é medida em termos do coeficiente de variação (CV) entre o peso das
cinzas ósseas e o peso do conteúdo mineral ósseo (osso intacto) registrado pelo
densitômetro (Hailey et al., 1996). Além da acurácia na medida da densidade
óssea, ou seja, acurácia diagnóstica, tem-se a acurácia prognostica, vale
dizer, aquela que mede a capacidade de prognosticar (sensibilidade,
especificidade e valores preditivos), a partir da densidade óssea (classificada
como normal, osteopenia ou osteoporose), num momento determinado, se uma mulher
terá ou não fraturas osteoporóticas no futuro.
Para analisar a incorporação/difusão da tecnologia de densitometria óssea (DMO)
no Brasil, que entrou na tabela do SUS ao final de 1999, é importante atentar
para o fato de que o performance do equipamento pode ser alterado, sobretudo
pelo software utilizado. O uso, nos programas dos densitômetros, de padrões
derivados de populações caucasianas (jovens) em populações não caucasianas tem
baixa validade diagnóstica, visto que isso pode modificar significativamente o
percentual de mulheres consideradas osteopênicas/osteoporóticas (Chen et al.,
1998; Faulkner et al., 1999; Looker et al., 1995), e tem também baixa validade
preditiva, na medida em que a densidade óssea é, conforme já referido, somente
um dos fatores de risco para fratura óssea e que os outros fatores de risco
(relacionados à estrutura óssea ou não) incidem diferencialmente em outras
regiões, culturas e etnias (Eddy et al., 1998).
Métodos_densitométricos_baseados_em_raios_X
A radiografia tradicional é pouco sensível, detectando perda óssea quando ela
já alcança entre 30-50%. Os métodos densitométricos mais relevantes são
abordados a seguir.
Absorciometria de EnergiaDupla de Raios X (DEXA)
A absorciometria de energia dupla de raios X (DEXA) é capaz de medir partes
centrais do esqueleto (coluna e fêmur). Tem acurácia diagnóstica (CV: 3-10%)
alta (Genant et al., 1996) e dose de radiação baixa, quando comparadas aos
outros métodos (Njeh et al., 1999). É a técnica de densitometria mais utilizada
atualmente no mundo, e é a incluída na tabela do SUS. Nos Estados Unidos, o
custo do equipamento variava entre 80 e 140 mil dólares em meados dos anos 90.
Tomografia ComputadorizadaQuantitativa (TCQ)
É a tomografia computadorizada aplicada à medida da absorção de raios X, pela
utilização de um programa especial. A TCQ também é capaz de aferir a densidade
de ossos axiais, sendo mais comumente usada para avaliar a densidade da coluna.
Embora seja bastante difundida no mundo, é uma técnica menos acurada (CV: 5-
15%), mais demorada, mais cara e menos segura que a DEXA (Eddy et al., 1998).
Avaliação_óssea_com_ultra-som
É uma técnica relativamente nova e barata. Os custos de capital foram estimados
em 25 mil dólares. Não mede, todavia, a densidade mineral óssea propriamente
dita (Homik & Hailey, 1998). Quanto à capacidade de prever fraturas, as
tentativas de comparação da sensibilidade do ultra-som com a da DEXA, para a
coluna e fêmur, indicam que o ultra-som é menos sensível que a DEXA. Também o
risco relativo de fratura ajustado por idade associado a um decréscimo no valor
do parâmetro (RR/SD) é menor na densitometria por ultra-som do que na
densitometria por DEXA (Homik & Hailey, 1998). A maioria desses estudos é,
entretanto, do tipo transversal, o que limita a sua validade.
Acurácia_prognóstica_da_densitometria_óssea_(DMO)
Uma metanálise de estudos prospectivos de coorte, realizada para a agência
sueca de avaliação tecnológica (Marshall et al., 1996), analisou 12 trabalhos,
selecionados pela qualidade metodológica, que incluíram, aproximadamente, 11
populações de mulheres e 90 mil pessoas-ano. A média de tempo de seguimento foi
de 5,8 anos, e a idade das pacientes ao início dos estudos variou de 57 a 83
anos. O método densitométrico mais utilizado pelos estudos foi a DEXA.
Analisando a capacidade preditiva para fratura de fêmur, o estudo de Marshall
et al. (1996) obteve uma sensibilidade de 38%, uma especificidade de 88% e um
valor preditivo positivo de 36%, tomando como ponto de corte um desvio-padrão
abaixo da média de densidade óssea ajustada por idade (RR/SD) da coorte e
considerando normal a curva de distribuição da densidade óssea. Para o ponto de
corte de 2 desvios-padrão, a sensibilidade baixou para 9%, a especificidade
aumentou para 99% e o valor preditivo positivo ficou em 56%. Portanto, a
densitometria óssea pode predizer risco de fratura mas tem baixa acurácia para
identificar os indivíduos que terão (e não terão) fratura.
Além disso, para analisar alternativas de intervenção no problema da
osteoporose, é importante considerar que a população analisada pela maioria dos
estudos de coorte acima não era perimenopáusica, ou seja, tinha mais de 65 anos
de idade. Alguns estudos foram recentemente publicados com populações na
perimenopausa; contudo, seus resultados são inconclusivos. Dessa forma, ainda
não é seguro generalizar os resultados de estudos em mulheres acima de 65 anos
para uma população no início da menopausa, com cerca de cinqüenta anos de
idade, época que tem sido indicada para a realização do exame densitométrico, a
fim de predizer fraturas a ocorrer entre 20 e 30 anos depois, quando outros
fatores de risco para fraturas estarão em jogo.
Avaliação_óssea_com_base_em_fatores_de_risco
Múltiplos fatores de risco, por mais que possam explicar grande parte da
variação da densidade óssea e da ocorrência de fraturas em mulheres na pós-
menopausa, conseguem classificar, no máximo, 70% das mulheres com densidade
óssea baixa, de acordo com a DMO, e uma proporção ainda menor de mulheres que
tiveram fraturas; não obstante, são instrumentos de especificidade muito baixa,
mesmo os mais recentes (Cadarette et al., 2001). Considerando a limitação da
sensibilidade da DEXA para fratura óssea em países desenvolvidos e a
relativamente baixa incidência de fraturas osteoporóticas em nosso país, parece
necessário estudar a sensibilidade e o poder preditivo de modelos de risco com
relação à ocorrência de fraturas em populações brasileiras para melhor avaliar
sua utilidade para substituir ou fazer a triagem de pacientes para uma
tecnologia diagnóstica/prognóstica mais cara (DMO).
Racionalidade para o uso da densitometria óssea ou outro instrumento
diagnóstico
A racionalidade para o uso da densitometria óssea ou outro instrumento
diagnóstico em uma estratégia de intervenção para o problema da osteoporose é a
de que a identificação de um subgrupo de mulheres com baixa densidade óssea, e
com risco aumentado de fraturas, serviria de base a uma terapia efetiva
(prevenção secundária), resultando em menos fraturas no futuro.
Enquanto não existem dados de longo prazo de ensaios de programas de screening
(incluindo procedimentos diagnósticos e terapêuticos) e não screening (sem
procedimento diagnóstico/prognóstico) para osteoporose, a alternativa é
analisar as evidências parciais disponíveis, a saber, as relativas a cada uma
das etapas do processo de screening, e combiná-las de forma a nos aproximarmos
da evidência desejada. Assim, é possível ter uma indicação do impacto de um
programa de screening compreendendo, por exemplo, densitometria e uma terapia
antiosteoporose.
Estimativa do impacto de possíveis screenings
A análise dos estudos disponíveis sobre os efeitos das principais terapias e
intervenções preventivas antiosteoporose não cabe, todavia, neste trabalho. É
possível apenas registrar, de forma bastante sumária, os efeitos de três
terapias que nos parecem interessantes para o fim de exemplificar a análise de
alternativas de intervenção, enquanto subsídio a políticas de incorporação/
financiamento de tecnologias na área da saúde.
Efeitos_do_alendronato_de_sódio
O alendronato de sódio, um anti-reabsortivo ósseo, é uma alternativa
terapêutica recentemente incorporada pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) do Ministério da Saúde (MS) enquanto medicamento genérico.
Ensaios clínicos controlados indicam que a terapia com o alendronato de sódio
aumenta a densidade óssea de forma estatisticamente significativa, medida pela
DEXA, e reduz em aproximadamente 50% a incidência de fraturas na coluna
vertebral em pacientes com osteoporose (prevenção secundária).
Metanálise de ensaios clínicos estimou em cerca de 54%, sem significância
estatística, a queda na incidência de fraturas de colo de fêmur em mulheres com
osteoporose (Karpf et al., 1997). Dois ensaios recentes, não incluídos naquela
metanálise, observaram 51% (RR: 49%, IC: 0,23-0,99) e 56% (RR: 0,44, IC: 0,18-
0,95) de eficácia, respectivamente, para fraturas de fêmur em mulheres
osteoporóticas, não encontrando efeito significativo em mulheres não
osteoporóticas. Reanálise do primeiro desses ensaios para o resultado fraturas
por pacientes-ano, mostrou uma eficácia de 53% (p < 0,01) para fratura de fêmur
em mulheres osteoporóticas, sendo a redução absoluta do risco na faixa de 50-65
anos bem menor do que em mulheres mais idosas (Thompson, 2000).
Praticamente todos os ensaios de alendronato suplementaram ambos os grupos,
tratado e controle, com cálcio e vitamina D, fato que pode ter incrementado (na
hipótese de interação multiplicativa) a eficácia daquele agente, e tiveram
duração entre 3 e 4 anos. Não se sabe se os efeitos observados persistem após
cessação do tratamento medicamentoso. Efeitos colaterais, não detectados nos
ensaios acima, começam a ser registrados na era pós-comercialização, sendo de
natureza gastro-esofágica (Seeman, 2000).
Estimativa do impacto da densitometria associada ao alendronato de sódio
Conforme assinalado, combinando as evidências relativas aos procedimentos
diagnósticos e terapêuticos, seria possível estimar o efeito de diferentes
propostas de screening para osteoporose. Nesse sentido, tomando a fratura de
fêmur (terço superior) como indicador de resultado/efetividade, estimou-se o
número de casos de fratura de fêmur em mulheres acima de cinqüenta anos
atendidas pelo SUS, em 12.750 casos. Essa estimativa, que apresenta uma
imprecisão em torno de 10 a 15%, foi feita com base em dados de produção
referentes a cada subtipo de fratura (principalmente colo de fêmur e
intertrocantérica) (Hoffman & Haas, 2002) e aos procedimentos
correspondentes (DATASUS, 2001 inclusive processamentos especiais) e de
dados da literatura nacional (Pinheiro, 1999) e internacional (Borgquist et
al., 1991; Rissanen et al., 1997), descontando-se percentuais de internação
relativos a primeiro atendimento, retirada de pino etc. e reoperações. A
estimativa de 12.750 casos, admitindo que a cobertura dessa população é de
cerca de 80%, resultou numa probabilidade estimada de fratura de fêmur, durante
o resto da vida, para a coorte de mulheres usuárias do SUS que atingem hoje a
menopausa, de apenas 5%, considerando que sua expectativa de vida, ganho
absoluto na esperança de vida e incidência do dano por faixa etária tenderiam a
aumentar, sendo o aumento da esperança de vida estimado em quatro anos e o da
incidência de fratura em 2% ao ano (DATASUS, 2001; IBGE, 2001).
Então, considerando para a coorte de usuárias do SUS que atingem hoje a
menopausa, cerca de 480 mil mulheres: (a) uma probabilidade de fraturas
osteoporóticas da ordem de 5% (aproximadamente 24 mil fraturas); (b) uma
sensibilidade para a densitometria óssea de 38% e uma especificidade de 88%,
para o ponto de corte de 1 desvio-padrão, performance observado em países
desenvolvidos, com estrutura de fatores prognósticos provavelmente diferente da
nossa (não existem dados nacionais, nem para a acurácia da DMO nem para a
importância de outros fatores de risco de fraturas); e (c) para o alendronato
de sódio, uma aceitação inicial de 70%, uma aderência de 40% e uma eficácia de
50% para fratura de fêmur em mulheres com baixa densidade óssea, para a
utilização por mais de dez anos, teríamos um decréscimo de fraturas de fêmur na
ordem de apenas 4,8% do total de fraturas a ocorrer nas mulheres triadas, dado
que a baixa incidência de fraturas em nosso meio reduz o poder preditivo
positivo da DMO. Assume-se que o benefício do alendronato, tomado pelo período
de dez anos, duraria pelo resto da vida, hipótese ainda não testada.
O algoritmo da árvore de decisão correspondente à alternativa DMO-alendronato
de sódio aparece na Figura_1, que considera o fluxo de mil mulheres com cerca
de cinqüenta anos em cada alternativa e apresenta o número aproximado de
fraturas correspondente a cada alternativa. A escolha dessa idade para a
triagem, uma aproximação da perimenopausa, coincide com uma das mais utilizadas
no mundo, e é uma das indicadas (dependendo da presença de fator de risco) pela
portaria do MS, a despeito das limitações do conhecimento sobre o performance
da densitometria nessa faixa etária, conforme visto.
Principais_efeitos_da_Hormonioterapia_de_Reposição
O uso de estrogênio, combinado ou não a progestagênio, de acordo com grande
número de estudos do tipo caso-controle e de coorte (desenhos que podem
enviesar seus resultados de várias formas), segundo as metanálises
correspondentes e, também, alguns grandes ensaios clínicos, aumenta a densidade
óssea e reduz em cerca de 25% a 50% a probabilidade de fratura de colo de fêmur
em mulheres a partir de cinqüenta anos, sendo maior esse efeito nas mulheres
com densidade óssea mais baixa e com tempo de uso superior a dez anos (Cauley
et al., 1995; Col et al., 1997; Grady et al., 1992; The Writing Group for the
PEPI Trial, 1996; Stampfer & Colditz, 1991). Todavia, a evidência quanto à
perda de grande parte do ganho de massa óssea nos primeiros anos após o
cessamento da terapia é escassa e contraditória.
Também segundo metanálises de dezenas de estudos caso-controle e longitudinais,
com possíveis vieses de seleção e monitorização, a hormonioterapia com
estrogênio reduziria em cerca de 30% a 40% o risco de morte por doença
coronariana e infarto não fatal em mulheres na pós-menopausa (Barrett-Connor
& Grady, 1998; Grady et al., 1992; Stampfer & Colditz, 1991). O uso de
estrogênio combinado, segundo quatro estudos caso-controle, dois estudos de
coorte e um ensaio clínico controlado, reduziria esse risco em percentual
semelhante (Barrett-Connor & Grady, 1998; Grodstein et al., 2000). Por
outro lado, existe alguma evidência, especialmente para o subgrupo de mulheres
coronariopatas, de aumento de eventos cardiovasculares durante o primeiro ano
de reposição hormonal, havendo decréscimo da mortalidade com o aumento da
duração do tratamento (Barrett-Connor & Stuenkel, 1999; Grodstein et al.,
2001; Hulley et al., 1998). Alguns grandes ensaios clínicos estão em andamento
para esclarecer essa e outras questões da hormonioterapia, em mulheres
relativamente saudáveis (The Women's Health Initiative Study Group, 1998;
Vickers & Collins, 2002) e em mulheres cardiopatas (Kahn et al., 2000).
Quanto aos efeitos adversos, segundo três metanálises de estudos caso-controle
e de coorte, com possíveis vieses de monitorização e confundimento por
indicação, o uso de estrogênio na pós-menopausa por oito anos e mais aumentaria
o risco de câncer de mama em 25% (Grady et al., 1992), e, por 15 anos e mais,
em 30% (Dupont & Page, 1991; Steinberg et al., 1991). Quanto à
hormonioterapia de reposição (HTR) combinada, os estudos mostram resultados
pouco consistentes. O estudo prospectivo com maior tempo de seguimento, 15
anos, observou aumento de câncer de mama de 40% (IC: 1,15-1,74) (Colditz et
al., 1995). A análise segundo tempo de uso para o mesmo grupo de mulheres
mostrou que o risco de câncer de mama seria aumentado em até 20% naquelas sob
HTR por até cinco anos; para uma duração de uso maior, ficaria próximo de 50%
(Col et al., 1997).
A reposição feita com estrogênio apenas aumenta a incidência de câncer de
endométrio em cerca de 130%, enquanto a HTR combinada não implicaria esse
efeito adverso, segundo metanálise de estudos caso-controle e longitudinais
(Grady et al., 1992). Os estudos sobre eventos trombo-embólicos são bastante
limitados (Grady et al., 2000).
Aderência à hormonioterapia
As intervenções antiosteoporóticas, inclusive a HTR, são de longo prazo, o que
torna relevante as questões da adesão e da aderência. Embora a hormonioterapia
seja a terapia antiosteoporótica mais utilizada até o momento, a adesão em
países desenvolvidos fica em torno de 50% e a aderência varia entre 30 e 80% no
curto prazo (menos de três anos) e entre 10 e 30% no longo prazo (mais de dez
anos), sendo mais altas nas mulheres de classes sociais mais favorecidas e nas
mais educadas e mais jovens (Barrett-Connor et al., 1998).
Estimativa do impacto dadensitometria associada à HTR
Combinando as evidencias relativas aos procedimentos diagnósticos e
terapêuticos, seria possível estimar o efeito ("grande efetividade") da DMO
quando associada à HTR. Focalizando apenas o problema osteoporose, se
considerarmos para mulheres entrando na menopausa no Brasil/SUS os mesmos
parâmetros considerados para o alendronato de sódio, inclusive uma eficácia de
50% para mulheres com baixa densidade óssea, teríamos um decréscimo de fraturas
de fêmur também da ordem de 4,8% do total de fraturas a ocorrer nas mulheres
triadas. Se considerarmos a hipótese menos otimista de uma adesão inicial de
50%, o benefício diminuiria para cerca de 3,8%. Assume-se que o benefício da
hormonioterapia, tomada pelo período de dez anos, duraria pelo resto da vida,
hipótese ainda em questão, conforme visto.
Assim, assumindo para o Brasil as taxas de sensibilidade e especificidade
observadas na raça branca em países desenvolvidos, e uma probabilidade de
fraturas osteoporóticas da ordem de 5%, o valor preditivo positivo da DMO baixa
para 14%. Portanto, conformar-se-ia para a nossa realidade um cenário ainda
menos interessante que o dos países desenvolvidos, no qual a grande maioria das
mulheres aconselhadas a usar alendronato ou hormonioterapia, com base na
densitometria, estaria tomando a medicação sem benefício para a prevenção de
fraturas. Além disso, mais da metade das mulheres a sofrer fratura no futuro
seria incorretamente assegurada do contrário.
Não é difícil concluir que, do ponto de vista do governo, os gastos com
densitometria óssea e, eventualmente, com medicação antiosteoporose, nas
primeiras duas alternativas mostradas na árvore de decisão (Figura_1), teriam
pouco retorno em termos de benefícios para a população, considerando apenas o
problema osteoporose. Para a alternativa de uso de HTR a longo prazo (acima de
dez anos), seria necessário computar ainda os benefícios na área cardiovascular
e o aumento na incidência de câncer de mama nas mulheres aderentes, se forem
confirmados pelos ensaios. Essa questão é retomada adiante.
Alternativas_de_intervenção_sem_densitometria_óssea
Na árvore de decisão (Figura_1), foram colocadas duas alternativas de
intervenção no problema osteoporose que não incluem a densitometria óssea.
Essas alternativas "populacionais" supõem tecnologias com perfil de risco-
benefício bastante favorável e de baixo custo e devem ser levadas em conta
quando as alternativas de triagem são pouco acuradas ou muito caras.
Consideramos que a HTR, particularmente pelo seu efeito sobre a doença
coronariana (mesmo que a evidência seja limitada) e relativo baixo custo (face
aos custos da doença coronariana), deveria ser incluída.
Hormonioterapia
Assumindo para a nossa população que os efeitos da hormonioterapia combinada
para a população pós-menopáusica em geral na prevenção de fraturas de fêmur
seria de cerca de 30% para utilizadoras correntes de longo prazo (> 10 anos)
sem densidade óssea previamente aferida, ter-se-ia, considerando-se as taxas de
incidência, adesão e aderência utilizadas anteriormente, um percentual de
fraturas evitadas de cerca de 7,8%, percentual ainda reduzido, mas superior ao
da alternativa que associa DMO (Figura_1). Todavia, a alternativa HTR
dissociada da DMO, normalmente contabiliza, além do problema câncer, os
benefícios dessa tecnologia com relação à área cardiovascular, dada a sua
relevância no quadro de problemas de saúde, o que também deveria ser feito para
a alternativa DMO-HTR.
Considerando que para o Brasil a eficácia da hormonioterapia combinada na
prevenção de doença coronariana para a população pós-menopáusica em geral seria
de cerca de 35%, que o excesso de câncer de mama seria de aproximadamente 40%
para usuárias de longo prazo (> 10 anos) e que o excesso de câncer de
endométrio seria zero porcento, pode-se estimar, utilizando basicamente dados
do sistema DATASUS sobre população, número de internações hospitalares e
mortalidade segundo coronariopatia, faixa etária e sexo, que para cada 280
mulheres efetivamente em tratamento com HTR combinada por dez anos, seriam
evitados cerca de nove casos de infarto agudo do miocárdio/óbitos por doença
coronariana. Para essa estimativa, assumiu-se que o aumento da sobrevida da
população feminina acima de cinqüenta anos, e portanto da morbidade por doença
coronariana, esperado na próxima década, seria contrabalançado pela queda da
mortalidade por essa doença. Quanto ao câncer de mama, a alternativa HTR
acrescentaria quatro casos ao número esperado com a alternativa tradicional,
considerando-se as estimativas de casos novos feitas pelo Instituto Nacional de
Câncer (INCA, 2001) (Figura_1).
No intuito de tornar mais facilmente comparáveis as alternativas, assim como
torná-las menos grosseiras do ponto de vista da sociedade, poder-se-ia estimar
os referidos benefícios em medidas comuns aos três efeitos medidos, como anos
de sobrevida, o que incorporaria o longo prazo na comparação, ou ainda, anos de
sobrevida ajustados por qualidade de vida (QALY).
Suplementação com cálcio e vitamina D
Vários ensaios clínicos controlados de suplementação de cálcio, durante 1,5 a 4
anos, para mulheres pós-menopáusicas, em várias faixas etárias, sem
densitometria prévia, mostraram redução da perda óssea no fêmur e em outros
sítios, mais intensa no primeiro ano da intervenção. Quanto ao resultado
fraturas, três ensaios em mulheres com média de idade inferior a 75 anos
indicam eficácia para fraturas vertebrais e não vertebrais, não tendo sido
ainda evidenciada redução estatisticamente significativa especificamente para
fraturas de fêmur.
Dois ensaios clínicos controlados randomizados de suplementação de cálcio e
vitamina D em idosos tiveram resultados positivos em termos de redução de
fraturas osteoporóticas. No primeiro ensaio (Chapuy et al., 1994), com média de
idade de 84 anos, a eficácia foi de 20,5%, p < 0,02; o segundo ensaio (Dawson-
Hughes et al., 1997), com média de idade de 71 anos, resultou em 60% (20%-80%)
de redução de fraturas não vertebrais nas pacientes de sexo feminino. Em ambos
os ensaios, a duração foi de três anos e as populações faziam ingestão prévia
de cálcio insuficiente; os resultados não tiveram relação com os níveis séricos
de vitamina D.
Logo, a evidência em relação à eficácia da suplementação com cálcio ou cálcio e
vitamina D é limitada. Por outro lado, os efeitos adversos desses suplementos
são mínimos. Assim, a alternativa cálcio + vitamina D foi considerada na árvore
de decisão para abordagem "populacional" especialmente por não apresentar
efeito adverso relevante e ser de extremo baixo custo.
Assumindo, para a nossa população, que a eficácia, na prevenção de fraturas de
fêmur, da suplementação de mulheres na pós-menopausa com cálcio e vitamina D
combinados seria de cerca de 20% para usuárias correntes de longo prazo (> 10
anos), sem densidade óssea previamente medida, ter-se-ia, considerando-se os
parâmetros de probabilidade de fratura de fêmur, adesão e aderência utilizados
anteriormente, um percentual de fraturas evitadas na ordem de 5,6%, semelhante
aos percentuais das alternativas anteriores (Figura_1).
Custos, custo médio, custo-efetivida de (custo-incremental) e seleção de
alternativa
Os custos anuais para o SUS da alternativa tradicional, isto é, não-intervenção
específica quanto à osteoporose, considerando-se aqui os gastos com reembolsos
efetuados relativos a fraturas de fêmur em mulheres acima de cinqüenta anos, em
2001, aparecem na Tabela_1. Os gastos registrados pelo sistema DATASUS com
internações para reduções cirúrgicas, reduções incruentas, "tratamento
conservador", e gastos estimados com base na tabela do Serviço de Internações
Hospitalares (SIH) com internações do tipo primeiro atendimento, cirurgias para
a retirada de prótese e reoperações, internações de longa permanência,
consultas médicas e fisioterapia somaram pouco mais de 20 milhões de reais.
Utilizando a estimativa de 12.750 casos de fratura, temos um custo médio para o
SUS de cada fratura de fêmur em mulheres acima de cinqüenta anos de cerca de
1.700 reais.
Passando aos custos para o SUS das alternativas de intervenção, estimou-se que
o custo da densitometria óssea, tomando como base do cálculo o valor pago pelo
SUS pelo procedimento (54 reais), e multiplicando-o por 480 mil (cerca de 80%
do número de mulheres que alcançam anualmente a menopausa), seria de
aproximadamente 26 milhões, sem contar os custos de educação e propaganda para
o screening. Assume-se que os gastos correspondentes às diferentes terapias em
pauta seriam assumidos pelo SUS, utilizando-se preços de mercado com desconto
de 30% para medicamentos não genéricos ou preço de mercado para medicamento
genérico.
Para a alternativa DMO-alendronato de sódio, teríamos, além da densitometria, o
gasto estimado com o alendronato de sódio para o subgrupo de mulheres com baixa
densidade óssea, aderentes (sem contar os gastos com a eventual co-intervenção
com cálcio e vitamina D), e a redução dos gastos correspondentes à redução da
incidência de fraturas, da ordem de 4,8%, conforme visto, considerando-se o
parâmetro de incidência da árvore de decisão, de 5%. Para a alternativa DMO-
HTR, focalizando apenas o problema osteoporose, a composição de gastos para o
SUS, seguindo a árvore de decisão, seria alterada apenas quanto aos gastos com
a terapia correspondente.
Os diferenciais de custos, relativos à triagem, terapias, hospitalizações e
outros elementos, e o diferencial de efetividade (número de fraturas evitadas)
entre cada alternativa considerada na árvore de decisão e a alternativa
tradicional, tendo em conta a coorte da população feminina brasileira na
perimenopausa (cerca de cinqüenta anos), são apresentados na Tabela_2, assim
como o custo-efetividade daquelas alternativas em relação à alternativa
tradicional, ou seja, a razão entre o diferencial total de custos (total do
custo incremental) e o diferencial de efetividade de cada alternativa comparada
à alternativa tradicional. Para a alternativa DMO-alendronato de sódio, o
custo-efetividade foi de cerca de 140 mil reais por fratura evitada, enquanto,
para a alternativa DMO-HTR, ele ficou próximo de 40 mil reais por fratura
evitada. Quanto às duas outras alternativas, que não incluem a densitometria, o
custo-efetividade da alternativa HTR, focalizando apenas a osteoporose, foi
estimado em cerca de 1,5 milhão de reais por fratura evitada, enquanto o da
opção cálcio/vitamina D foi de 12.700 reais, aproximadamente, por fratura
evitada, conforme a Tabela_2.
Caso a intervenção fosse iniciada aos 65 anos, idade em que (a) é prevista na
portaria ministerial, independentemente de fatores de risco e (b) cerca de 15%
das fraturas pós-menopausa já teriam ocorrido, mas para a qual tem-se
parâmetros melhor estudados, a coorte a ser atendida pelo SUS seria de
aproximadamente 304 mil mulheres e a probabilidade estimada de fratura de fêmur
no restante da vida dessa coorte seria de cerca de 6%, um pouco maior que para
a coorte de cinqüenta anos, tendo em conta as diferenças de expectativa de
vida, de ganhos absolutos nas esperanças de vida e de incidência de fraturas
entre as duas coortes (DATASUS, 2001; IBGE, 2001). Considerando constantes os
demais parâmetros, essa intervenção mais tardia resultaria em um pequeno
aumento do percentual de fraturas evitadas pelas diferentes alternativas
examinadas, passando a, aproximadamente, 5,5% na opção DMO/alendronato (ou DMO/
HTR) e a 5,7% para a alternativa cálcio/vitamina D. Resultaria ainda em uma
queda significativa no total do custo incremental das diferentes alternativas,
ficando a da DMO/alendronato em torno de 100 milhões e a do cálcio/vitamina D
perto de 13 milhões; cairia também o custo-efetividade das alternativas,
sobremodo o das opções dependentes de densitometria, baixando para cerca de 100
mil por fratura evitada a opção DMO/alendronato e para 12.400 reais a
alternativa cálcio/vitamina D (Tabela_3).
Conclusões/comentários
As estimativas de custo incremental por fratura evitada mostradas na Tabela_2
são bastante elevadas, em comparação com o custo médio das fraturas assistidas
dentro da alternativa tradicional. Para estimar o custo incremental por ano de
sobrevida e por QALY, seria necessário estimar o número médio de anos de vida,
e de QALYs, ganhos por cada fratura evitada, levando em conta: (a) a
distribuição de fraturas segundo idade e a sobrevida correspondente, lembrando
que a mediana de idade das fraturas de fêmur em mulheres acima de cinqüenta
anos já ocorre próximo a oitenta anos, no Brasil; (b) a letalidade decorrente
das fraturas assistidas pelo SUS, provavelmente maior que nos países
desenvolvidos; e (c) a qualidade de vida pós-fratura, possivelmente menor que
em países desenvolvidos, dado a baixa qualidade da atenção prestada. Ambos os
custos incrementais, por ano de sobrevida e por QALY, seriam menores que o por
fratura evitada, sendo o segundo (QALY) maior que o primeiro.
Essas estimativas implicam a questão: alguma das alternativas de intervenção
analisadas seria de interesse para o SUS, ou poderia ser razoavelmente bancada
pelo SUS, dentro de um programa de atenção à saúde de idosos quanto ao problema
osteoporose? A resposta para essa pergunta pode ser a comparação do custo-
efetividade da alternativa mais favorável para o problema osteoporose com o
custo-efetividade relativo a outros problemas de saúde, ou com um parâmetro
estimado de custo máximo por ano de vida, ou por QALY, ganho, assimilável pelo
orçamento do sistema de saúde, tendo por suposto o objetivo de eqüidade
(Drummond et al., 1997, Laupacis et al., 1992). Qual o parâmetro a ser usado no
caso Brasil? Na ausência de parâmetros brasileiros e a julgar pelo volume de
recursos per capita correspondente ao SUS, em comparação com o de outros países
e seus respectivos parâmetros de custo máximo por QALY, a implementação de
quaisquer das alternativas apresentadas seria questionável.
Tais parâmetros e comparações, todavia, embora freqüentemente utilizados em
países desenvolvidos, precisam ser vistos com cautela, levando em conta a
metodologia para o cálculo dos diferentes parâmetros, a alternativa-base
utilizada por cada parâmetro e, ainda, se possível, o custo-oportunidade das
alternativas examinadas diante de alternativas de setores como o da educação, e
lembrando que tais parâmetros são pouco generalizáveis de região para região
(Drummond et al., 1997).
Por outro lado, assim como a análise de efeitos precisa dar conta, no caso da
hormonioterapia, de conseqüências outras, positivas ou não, dessa intervenção,
a análise de custo-efetividade deveria incluir no algoritmo para o cálculo dos
diferenciais de custos e de efetividade, os custos correspondentes aos outros
efeitos, diminuição da morbi-mortalidade por doença coronariana e aumento de
casos de câncer de mama, pendendo confirmação pelos ensaios. Conforme já
referido anteriormente, a medida do benefício necessitaria de ser uniformizada
e, preferencialmente ajustada por qualidade de vida. É importante notar, para o
cálculo dos QALYs, que as condições envolvidas no exemplo da hormonioterapia
implicam estruturas de sobrevida bastante diversas, assim como em diferenças
nas médias de qualidade de vida nos anos sobrevividos, e que tanto a
mortalidade por condição quanto a qualidade de vida variam no tempo e segundo
região/país.
Custos_indiretos
Do ponto de vista da sociedade, seria muito importante acrescentar à análise
das diferentes alternativas os custos que recaem sobre o paciente, a família e
a comunidade. Assim, no caso da fratura de fêmur, teríamos, no Brasil,
principalmente, o custo do tempo dos familiares com cuidados e tarefas
domésticas, pós alta hospitalar, associado à incapacidade freqüentemente
decorrente da fratura de colo de fêmur (Gold et al., 1996), o que poderia
aumentar consideravelmente o custo médio da alternativa tradicional e reduzir
um pouco o custo incremental das outras alternativas, sem mudar, nesse caso, o
resultado da análise. Por outro lado, caso as alternativas terapêuticas
consideradas fossem assumidas pelas pacientes, o custo incremental por fratura
seria reduzido para o SUS, enquanto os custos indiretos seriam, à exceção de
cálcio e vitamina D, muito altos, inviabilizando a aderência ao programa para
grande parte da população e reduzindo o já discreto impacto do programa.
Análise_de_sensibilidade
A análise de sensibilidade deve recair sobre parâmetros utilizados para a
estimativa do custo incremental sobre os quais existe incerteza, quando a
análise preliminar não mostra que a variação de tais parâmetros é
negligenciável para os resultados do estudo. Recalculam-se, então, os
resultados do estudo com base nos extremos da variação tida como plausível para
aqueles parâmetros.
No exemplo em pauta, focalizando apenas o problema osteoporose e o resultado
fratura, e considerando os limites orçamentários atuais do SUS e a sua ótica, a
análise de sensibilidade não parece necessária para a tomada de decisão, ainda
que ocorra incerteza sobre vários parâmetros, já que os padrões assumidos nas
estimativas foram em geral otimistas quanto ao impacto das tecnologias.
Baixa_efetividade_e_análise_de_custo-efetividade
Por outro lado, a análise de alternativas de custo-efetividade assume uma
qualidade de assistência (efetividade) adequada. No caso das fraturas
osteoporóticas, por exemplo, a qualidade (efetividade) da assistência no país é
insatisfatória, dado que parcela relevante da população tem apenas assistência
clínica, de baixa eficácia, quando comparada à alternativa cirúrgica, custo-
efetiva. Além disso, a atenção domiciliar e ambulatorial relativa à
incapacidade decorrente da fratura, que é freqüente, é escassa e precária.
Assim, o custo médio da fratura na alternativa tradicional, caso a assistência
fosse de maior qualidade, seria consideravelmente mais elevado (Borgquist et
al., 1991; Zethraeus & Gerdtham, 1998) e as razões de custo-efetividade
estimadas seriam um pouco mais baixas, mais favoráveis, embora sem afetar as
relações entre as alternativas, para o resultado fratura. Entretanto, para o
resultado anos de vida ganhos, e principalmente para o resultado em QALY, tendo
em conta apenas o problema osteoporose, a análise custo-efetividade deveria
ainda levar em consideração o aumento de QALYs resultante da melhoria da
qualidade da atenção tradicional. Desse modo, o custo-efetividade das
alternativas de intervenção ficaria mais alto que na situação atual, enquanto o
custo médio ficaria menor. Essa análise ajudaria a responder a questão do
melhor uso de recursos do SUS, no momento, quanto ao problema osteoporose: a
resposta provavelmente seria melhorar a qualidade da atenção (tradicional) à
fratura de fêmur.
Desconto
Geralmente aplicado nas análises custo-efetividade, o desconto de custos
futuros, no caso das alternativas relativas à osteoporose, implicaria que a
alternativa tradicional ficasse mais atraente e que as alternativas com
desembolso relativamente importante ao início da intervenção, como é o caso
daquelas que incluem a densitometria, ficassem mais caras, sem todavia, nesse
exemplo, alterar o resultado da análise.
Observações finais
O objetivo do presente trabalho foi apresentar de forma sucinta as metodologias
e a lógica subjacente à elaboração das ATS, inclusive a estruturação de
alternativas de intervenção, e sua utilização no campo da saúde pública com o
suposto da eqüidade. Nesse sentido, as etapas metodológicas de análise e
síntese percorridas para a consecução de uma ATS não foram detalhadas, nem as
limitações metodológicas do presente trabalho foram discutidas, sendo, em
parte, apenas apontadas. Dessa maneira, não foram considerados os diferenciais
de difusão, acesso e adesão entre as diversas tecnologias, nem aprofundadas
questões relativas à qualidade dos dados e às estimativas feitas. Além disso,
outras tecnologias antiosteoporose poderiam ter sido examinadas. Procurou-se,
porém, apontar diferenças e incertezas no processo de elaboração de uma ATS
para aplicação no Brasil.
Complementos e correções básicas às análises preliminares apresentadas foram
apenas esquematizados, uma vez que seu desenvolvimento exigiria dados não
disponíveis e modelagens mais ou menos complexas, fugindo aos objetivos
principais e ultrapassando o espaço destinado a esse trabalho. Em decorrência,
a discussão dos resultados é limitada e não são elaboradas recomendações.
As evidências recentes advindas de dois ensaios, anteriormente citados, que
estavam em andamento (Grady et al., 2002; The Writing Group for the Women's
Health Initiative Investigators, 2002), especialmente as do WHI de grande
porte, bem desenhado e bem executado, relativo a mulheres em geral saudáveis
publicadas após a submissão desse trabalho, contradizem os achados de
dezenas de estudos caso-controle e prospectivos não randomizados sobre o efeito
da terapia de reposição hormonal combinada com relação à doença coronariana:
apontam a não-eficácia da terapia, ressaltando-se que para mulheres saudáveis,
especificamente, observou-se aumento de eventos coronarianos, inclusive infarto
agudo. Os ensaios confirmam, no entanto, a direção e a grandeza dos efeitos da
HTR com relação ao câncer de mama e a suspeita de aumento da incidência de
acidentes vasculares cerebrais e embolia pulmonar e apontam, por outro lado, a
queda da incidência de câncer de colo, tanto para mulheres saudáveis quanto
para mulheres cardiopatas (Hulley et al., 2002; The Writing Group for the
Women's Health Initiative Investigators, 2002). O WHI também confirmou a
eficácia da HTR na prevenção de fraturas de fêmur. Embora essas conclusões
tenham sido derivadas de ensaios que utilizaram uma hormonioterapia combinada
oral específica, não existe evidência suficiente, proveniente de ensaios, que
permita afirmar que o perfil de risco-benefício de outras combinações, ou da
hormonioterapia estrogênica, seja igual ou diferente, especialmente para
mulheres saudáveis.
Esses novos dados sobre o conjunto de efeitos da HTR combinada a tornam
questionável como alternativa para a osteoporose. Assim, a árvore de decisão da
Figura_1 perderia não somente a alternativa de HTR combinada sem densitometria,
apoiada no suposto efeito positivo da tecnologia sobre a doença coronariana,
como também a alternativa de HTR combinada precedida de densitometria, já que
os efeitos positivos da HTR sobre a osteoporose (e câncer de colo) não
suplantam seus efeitos negativos. Assim sendo, a avaliação tecnológica em pauta
ficaria bem mais simplificada, dado que se eliminaria o esforço complementar
para estimar os custos e combinar o conjunto de efeitos da HTR na população
brasileira, de acordo com o assinalado acima. Tal mudança não implicaria
alterar as conclusões preliminares acima referidas, visto que a HTR,
focalizando-se apenas seu benefício relativo à osteoporose, não aparecia como
alternativa custo-efetiva.
Essa reversão de expectativas quanto à HTR, produzida por aqueles dois grandes
ensaios, para além de apontar a necessidade de contínua atualização das ATS,
está sendo considerada uma demonstração retumbante de que os resultados de
estudos com desenhos considerados insatisfatórios (com baixa força de
evidência) para a avaliação da eficácia de tecnologias terapêuticas, como os do
tipo caso-controle e prospectivos não randomizados, não devem servir de base
para a tomada de decisões.