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BrBRCVHe0102-311X2014000100161

BrBRCVHe0102-311X2014000100161

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0102-311X
Year2014
Issue0001
Article number00161

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Insegurança alimentar no Nordeste e Sul do Brasil: magnitude, fatores associados e padrões de renda per capita para redução das iniquidades Introdução A Segurança Alimentar e Nutricional é a realização do direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem o comprometimento do acesso a outras necessidades essenciais. Sua realização plena é estratégica para o desenvolvimento e deve ser embasada em práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e a sustentabilidade social, econômica e ambiental 1 , 2 , 3 , 4.

Embora a segurança alimentar constitua um direito fundamental, amplamente reconhecido 5, o número de pessoas com fome no mundo permanece inaceitavelmente alto. Estima-se que a escassez crônica de alimentos afete aproximadamente 15% da população mundial 6. Considerada o maior problema solucionável do mundo 7, a fome lidera a lista dos dez maiores riscos à saúde, matando mais pessoas todos os anos que doenças como AIDS, malária e tuberculose combinadas 6 , 8. Agravado pela crise financeira mundial, o contingente de aproximadamente 870 milhões de pessoas vulneráveis à fome em todo o mundo não deverá apresentar redução expressiva na próxima década, conforme projeções do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ ONU) 7. O número de famintos poderá se agravar em algumas regiões do mundo, como por exemplo, na África (regiões norte e abaixo do Saara) e no oeste da Ásia, possivelmente porque as políticas direcionadas à solução do problema não estão surtindo os efeitos esperados 6. O destaque positivo na redução da fome e da miséria extrema na última década foram os países da América Latina, em especial o Brasil 1 , 7. Políticas bem-sucedidas de inclusão social e de ampliação da renda dos mais pobres continuarão críticas para a plena efetivação do direito à segurança alimentar no país e no mundo 9 , 10.

A relevância social do problema e a necessidade de entender seus riscos e de subsidiar a tomada de decisão mobilizaram a realização de estudos em diversos países, estimulando o desenvolvimento de instrumentos e escalas de avaliação da segurança alimentar 4 , 11 , 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , 17. A medida direta da segurança alimentar é um indicador essencial na avaliação de iniquidade social, delimitando com propriedade os grupos com vulnerabilidade social 18. A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), adaptada da versão produzida pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos 12 , 19, engloba questões que identificam desde a angústia com a incerteza de dispor regularmente de comida (insegurança leve), até a vivência de não ter o que comer por todo um dia (insegurança grave) 20 , 21.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), em 2004, 33% das famílias residindo na zona urbana do Brasil estavam em insegurança alimentar e 6% apresentavam a forma grave. A prevalência de insegurança alimentar grave foi maior no Nordeste (13,2%) e menor no Sul (3,9%) 22. Em 2006, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) identificou uma prevalência de 32% de insegurança alimentar em domicílios com mulheres de 15 a 49 anos de idade 23. Estudo realizado em Campinas (São Paulo) em 2003 identificou a prevalência de insegurança moderada ou grave de 20,4%, enfatizando a utilidade da medida combinada para a análise e, principalmente, para identificar indivíduos em situações de falta quantitativa e/ou qualitativa de alimentos 18.

Apesar dos avanços das políticas de inclusão social do país nos últimos anos, a insegurança alimentar ainda é um grave problema, especialmente entre os 16 milhões de brasileiros vivendo na pobreza extrema 9. Além disso, o país apresenta grandes variações inter e intrarregionais na ocorrência de insegurança alimentar, sendo importante realçá-las e analisá-las criteriosamente para subsidiar as políticas públicas.

Nesse contexto, o artigo examina a insegurança alimentar em domicílios urbanos com crianças menores de sete anos de idade das áreas de abrangência de unidades básicas de saúde (UBS) do Nordeste e do Sul, regiões de maior contraste do problema no país, além de identificar diferenças na ocorrência da forma moderada ou grave e fatores associados. O artigo também estima a iniquidade na ocorrência da insegurança alimentar e discute esforços no enfrentamento do problema, avaliando as contribuições de diferentes padrões de renda per capita mínima na redução proporcional da magnitude do problema.

Metodologia Estudo transversal, de base comunitária, em setores censitários urbanos da área de abrangência de UBS tradicionais e de saúde da família, buscou domicílios nas regiões Nordeste e Sul, nos quais residissem crianças menores de sete anos e suas famílias. O estudo da segurança alimentar integra o projeto Perfil Epidemiológico dos Beneficiários do Programa Bolsa Família e Desempenho dos Serviços Básicos de Saúde , com o objetivo de avaliar a situação de saúde, de utilização de serviços e de qualidade da atenção básica à saúde entre beneficiários do Programa Bolsa Família e não beneficiários com e sem perfil de elegibilidade.

Os domicílios estudados nas regiões Nordeste e Sul foram selecionados por meio de amostras independentes. O ponto de partida do plano amostral foi o cálculo do tamanho de amostra necessário ao exame dos objetivos do projeto em cada região. Com nível de 95% de confiança e poder estatístico de 80%, uma amostra de cerca de 5 mil domicílios localizados em cada região, incluindo o acréscimo de 10% para compensar perdas e recusas e de 50% para minimizar o efeito de delineamento, seria suficiente para examinar diferenças nas prevalências de insegurança alimentar moderada ou grave a partir de 2% em não expostos e 4% em expostos.

A amostra foi localizada em municípios cuja cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) variava entre 30% e 70%. Essa opção decorrente do Projeto maior buscou viabilizar a identificação de UBS de saúde da família e tradicionais, em municípios de diferentes portes populacionais. Com base nos dados disponibilizados pelo Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (DAB/MS) e atualizados para setembro de 2009, entre os 1.794 municípios da Região Nordeste, 124 (6,9%) foram classificados nessa faixa de cobertura. Entre os 1.188 municípios da Região Sul, 120 (10,1%) estavam na mesma faixa de cobertura.

Para a seleção aleatória, os municípios foram estratificados em quatro portes de população, de 10 mil a menos de 20 mil habitantes; de 20 mil a menos de 50 mil; de 50 mil a menos de 100 mil; e de 100 mil a um milhão de habitantes.

Somando-se as populações urbanas desses municípios foi possível calcular uma distribuição porcentual da população urbana em cada porte dos municípios elegíveis. A amostra foi alocada proporcionalmente à distribuição da população urbana em cada porte. Os municípios selecionados aleatoriamente na Região Sul foram: no Rio Grande do Sul Candelária, Ijuí, São Francisco de Assis, São José do Norte, São Lourenço do Sul, Sarandi, Serafina Corrêa e Soledade; em Santa Catarina Blumenau, Brusque, Criciúma, Curitibanos e Itajaí; no Paraná Araucária, Cianorte, Guaíra, Mandaguari e Palmas. Na Região Nordeste, a seleção aleatória incluiu os seguintes municípios: na Bahia Camaçari, Ipiaú, Maracás, Miguel Calmon, Santo Amaro, Senhor do Bonfim, Una e Vitória da Conquista; em Pernambuco Barreiros, Bom Conselho, Cabo de Santo Agostinho, Cabrobó, Jaboatão dos Guararapes e São José do Belmonte; no Ceará Boa Viagem, Caucaia e Independência.

Estimando-se em 1.000 pessoas por setor censitário, obteve-se o número de setores por porte populacional. Objetivando a dispersão da amostra, optou-se por localizar uma cota de 27 crianças em cada setor. As UBS urbanas de cada município foram selecionadas aleatoriamente, com base em lista com identificação do endereço, do modelo de atenção (saúde da família ou tradicional) e dos setores censitários em sua área de abrangência. Por conveniência foram selecionados dois setores censitários para cada UBS amostrada, um incluindo o serviço e outro contíguo. Em cada domicílio foram entrevistadas todas as crianças da faixa etária.

A coleta dos dados foi realizada entre agosto e outubro de 2010, por 32 entrevistadores treinados divididos em 16 equipes. Metade dos entrevistadores foi alocada em trajeto na Região Nordeste e a outra em trajeto no Sul. Em cada trajeto foi utilizado no mínimo um supervisor de campo por município, além do acompanhamento presencial e a distância realizado por equipe de coordenação do projeto. Utilizou-se um personal digital assistant (PDA) para a coleta eletrônica dos dados, que dispunha de Sistema de Posicionamento Global (GPS Global Positioning System ). A programação eletrônica do instrumento foi desenvolvida pela própria equipe de pesquisa. O questionário foi respondido pela mãe biológica ou, na sua ausência, por um responsável da criança menor de sete anos residente no domicílio. O chefe da família foi identificado pela pessoa entrevistada. O controle de qualidade da coleta de dados foi realizado por supervisores de campo em 5% dos domicílios estudados.

A variável dependente foi avaliada com a EBIA, que por meio de 15 questões classifica um domicílio em segurança ou em insegurança alimentar, que pode ser leve, moderada ou grave. O domicílio é considerado seguro quando tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente. A insegurança alimentar leve está presente quando em um domicílio preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro e a qualidade é considerada inadequada. A insegurança moderada expressa a redução da quantidade de alimentos entre adultos e o comprometimento da qualidade da alimentação. a insegurança grave é constatada com a redução quantitativa de alimentos entre crianças e a ocorrência de fome entre pessoas adultas e/ou crianças de uma família (quando alguém fica o dia inteiro sem comer por falta de dinheiro) 12 , 22. Na análise de fatores associados optou-se por agregar a insegurança moderada ou grave tanto para análise bivariada como para a multivariada. Essa combinação evidencia a prevalência de indivíduos que vivenciavam a fome e também aqueles que experimentavam falta regular de alimentos. Essa opção também reforça a eficiência estatística na análise dos dados 18.

As variáveis independentes utilizadas para a análise dos fatores associados foram: sexo do chefe da família (masculino, feminino); idade do chefe da família em anos completos (até 29, 30 a 44, 45 a 59, 60 ou mais); cor da pele materna autorreferida (branca, parda ou mestiça, preta, indígena), amarela); número de moradores com menos de sete anos (um, dois, três ou mais); número de moradores entre sete e 17 anos (nenhum, um, dois ou mais); número de moradores entre 18 e 59 anos (até um, dois, três, quatro ou mais); número de moradores com 60 anos ou mais (nenhum, um ou mais); trabalho atual do chefe da família (com carteira assinada, sem carteira assinada, conta própria, não está ou nunca trabalhou, outros); escolaridade materna em anos ( 4, 5 a 8, 9); renda familiar per capita em reais incluindo o valor do Bolsa Família (0 a 70, > 70 a 105, > 105 a 140, > 140 a 175, > 175 a 210, > 210 a 300, > 300); e recebimento de Bolsa Família (não, sim). As variáveis maternas cor da pele e escolaridade foram utilizadas na caracterização domiciliar por ausência desta informação para o chefe da família. O salário mínimo à época da coleta de dados era de R$510,00.

Os dados foram analisados no programa Stata, versão 12.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). Realizou-se análise multivariável usando-se a regressão de Poisson com estimativa robusta da variância, adotando o ajuste para trás ( backward elimination ). Essa estratégia analítica pressupõe a inclusão no modelo de ajuste de todas as variáveis em estudo. Após o primeiro ajuste, identificou-se a variável com maior valor de p > 0,20, sendo excluída do próximo ajuste. Em seguida, realizamos sucessivos ajustes, excluindo, a cada vez, a variável com maior valor de p > 0,20. Esse processo foi repetido enquanto restaram, no modelo, variáveis com valor de p > 0,20. Essa estratégia analítica e a manutenção no modelo de variáveis com valor de p < 0,20 tem sido recomendada por diversos autores 24 , 25 para o melhor ajuste de fatores de confusão e a obtenção de um modelo sintético na explicação da variabilidade do desfecho. Em consequência, os valores de p, as razões de prevalência e os intervalos de confiança do modelo final refletem o ajuste para todas as variáveis com valor de p < 0,20. Associações com valor de p 0,05 foram consideradas estatisticamente significativas. A estratégia também é útil considerando que as variáveis independentes examinadas são de natureza demográfica e socioeconômica, incluídas, portanto, em um mesmo nível de determinação, dispensando a necessidade de modelos de análise com múltiplos níveis de determinação.

Para verificar a fração atribuível (FAP) a diferentes padrões de renda per capita mínima (R$70,00, R$140,00 e R$175,00) na redução de insegurança alimentar moderada ou grave na população, utilizou-se a seguinte fórmula: FAP = (% exposição * RR bruto 1) / [1+ (% exposição *RR bruto 1)] 26. As diferenças entre médias e medianas de renda familiar per capita entre as variáveis associadas ao desfecho após ajuste foram verificadas usando-se o valor de p.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, conforme ofício n o 133/09, de 21 de dezembro de 2009, e o consentimento informado foi obtido de todos os entrevistados.

Resultados A amostra foi composta por 5.419 domicílios na Região Nordeste e por 5.081 na Região Sul. Perdas e recusas totalizaram 2% em ambas as regiões.

A proporção de domicílios com mulheres chefe da família foi 24% maior no Nordeste (31,5%) do que no Sul (25,5%). A média de idade dos chefes de família, em anos, foi de 39,3 (DP = 13,4) no Nordeste e 37,5 (DP = 11,6) no Sul.

Domicílios do Nordeste e do Sul apresentaram proporções semelhantes de moradores nos diferentes grupos etários. O porcentual de mães com até quatro anos de estudos foi de 15,3% nos domicílios do Nordeste e 11,1% no Sul.

Diferenças marcantes foram evidenciadas em relação à cor da pele materna, trabalho atual do chefe da família, renda per capita e recebimento do Bolsa Família. Nos domicílios do Nordeste, a cor da pele materna predominante foi parda/mestiça (72,6%), mais de um quarto dos chefes de família estava sem emprego, em apenas 22,1% a renda mensal per capita era superior a R$300,00 e 47,4% recebiam Bolsa Família, sendo 85,8% mais de seis meses. Na Região Sul, a expressiva maioria dos domicílios apresentava mães com cor da pele branca (70%), quase a metade dos chefes de família (48,6%) estava trabalhando com carteira assinada, 62,8% das famílias possuíam renda per capita maior que R$300,00 ao mês e 16,3% eram contempladas com Bolsa Família, sendo 81,4% mais de seis meses ( Tabela_1 ). Apenas 1,0% dos domicílios do Nordeste (n = 64) e 0,4% dos domicílios do Sul (n = 18) foram identificados na categoria sem rendimento.

Tabela 1 Descrição das características sociodemográficas de domicílios urbanos com crianças menores de sete anos das regiões Nordeste e Sul do Brasil, 2010.

Região Nordeste (n = Região Sul (n = Variáveis 5.419) 5.081) n % n % Sexo do chefe da família           Masculino 3.500 68,5 3.699 74,5   Feminino 1.612 31,5 1.263 25,5 Idade do chefe da família (anos         completos)   Até 29 1.359 26,7 1.344 27,2   30-44 2.184 43,0 2.447 49,5   45-59 1.064 20,9 882 17,9   60 ou mais 478 9,4 267 5,4 Cor da pele materna           Branca 1.090 21,6 3.512 70,0   Parda/Mestiça 3.587 71,2 1.328 26,5   Preta 325 6,5 133 2,7   Indígena/Amarela 36 0,7 39 0,8 Moradores com menos de 7 anos           1 3.594 70,0 3.648 73,4   2 1.244 24,3 1.071 21,5   3 ou mais 290 5,7 253 5,1 Moradores entre 7 e 17 anos           Nenhum 2.640 51,5 2.693 54,1   1 1.561 30,4 1.476 29,7   2 ou mais 927 18,1 803 16,2 Moradores entre 18 e 59 anos           Até 1 561 10,9 389 7,8   2 3.178 62,0 3.298 66,3   3 697 13,6 759 15,3   4 ou mais 692 13,5 526 10,6 Moradores com 60 anos ou mais           Nenhum 4.409 86,0 4.415 88,8   1 ou mais 719 14,0 557 11,2 Situação de trabalho atual do chefe da        família   Com carteira assinada 1.628 32,0 2.402 48,6   Sem carteira assinada 933 18,3 493 10,0   Conta própria 908 17,8 960 19,4   Não está trabalhando/Nunca trabalh1.388 27,3 844 17,1   Outros 236 4,6 240 4,9 Escolaridade materna (em anos         completos)   Até 4 710 15,3 531 11,1   5-8 1.540 33,2 1.690 35,3   9 ou mais 2.392 51,5 2.570 53,6 Renda familiar per capita (em R$)           0-70 666 14,5 110 2,5   > 70-105 505 11,1 136 3,0   > 105-140 623 13,6 205 4,5   > 140-175 617 13,4 264 5,8   > 175-210 465 10,1 273 6,0   > 210-300 695 15,2 699 15,4   > 300 1.017 22,1 2.844 62,8 Bolsa Família           Não 2.685 52,6 4.148 83,7   Sim 2.418 47,4 806 16,3 As estimativas sociodemográficas da Tabela_1 apresentaram padrões variáveis de perda de informação. De modo sistemático, a perda de informação foi maior no Nordeste (média 7,4%) do que no Sul (média 3,4%), e para as variáveis socioeconômicas (média 7,9%) do que as demográficas (média 4,0%). Escolaridade materna (média 10,0%) e renda familiar per capita (média 13,1%) apresentaram as maiores perdas.

A insegurança alimentar foi observada em 54,2% dos domicílios do Nordeste e em 27,3% dos domicílios do Sul. Na Região Nordeste as prevalências de insegurança alimentar leve (31,3%), moderada (13,4%) e grave (9,5%) foram significativamente maiores quando comparadas às respectivas prevalências de 19,8%, 4,7% e 2,8% na Região Sul. A insegurança alimentar moderada ou grave alcançou 22,9% (IC95%: 21,7%-24,1%) dos domicílios do Nordeste e 7,5% (IC95%: 6,7%-8,2%) dos domicílios da Região Sul ( Figura_1 ).

Figura 1 Prevalência (%) de segurança e insegurança alimentar de domicílios urbanos com crianças menores de sete anos das regiões Nordeste e Sul do Brasil, 2010.

Em ambas as regiões, maiores prevalências de insegurança alimentar moderada ou grave foram evidenciadas em domicílios nos quais a mulher era a chefe da família, a cor da pele materna era preta ou parda, havia maior número de moradores com até sete anos, entre 7 e 17 anos e no máximo um entre 18 e 59, o chefe da família trabalhava sem carteira assinada ou não estava trabalhando/ nunca havia trabalhado, a escolaridade materna e a renda per capita eram menores e recebiam o Bolsa Família (Tabela_2).

Tabela 2 Prevalência (%) de insegurança alimentar segundo as características sociodemográficas de domicílios urbanos com crianças menores de sete anos das regiões Nordeste e Sul do Brasil, 2010.

Região Nordeste (n = Região Sul (n = Variáveis 5.419) 5.081) Leve Moderada Grave Leve Moderada Grave Sexo do chefe da família               Masculino 31,6 11,8 7,6 18,3 3,7 1,9   Feminino 30,8 16,8 13,7 24,3 7,5 5,5 Idade do chefe da família (anos             completos)   Até 29 32,8 15,3 9,7 20,8 5,3 2,2   30-44 30,8 11,7 9,2 18,3 4,7 3,1   45-59 31,8 15,0 10,1 21,9 3,8 3,1   60 ou mais 28,6 12,2 8,3 22,7 4,7 2,7 Cor da pele materna               Branca 30,1 10,2 6,7 18,5 3,8 2,0   Parda/Mestiça 31,4 14,2 9,7 22,3 7,2 4,4   Preta 34,3 12,6 14,8 28,1 4,7 7,0   Indígena/Amarela 26,5 14,7 14,7 25,0 0,0 8,3 Moradores com menos de 7 anos               1 32,0 11,8 7,0 18,4 3,9 2,2   2 30,2 15,9 14,0 22,5 6,6 3,7   3 ou mais 28,1 21,2 21,6 28,8 8,0 7,6 Moradores entre 7 e 17 anos               Nenhum 31,4 11,8 6,0 17,7 3,4 1,5   1 30,0 13,8 9,4 20,3 4,9 2,5   2 ou mais 33,1 17,1 19,8 26,0 8,6 7,7 Moradores entre 18 e 59 anos               Até 1 29,4 18,3 15,1 24,5 8,4 7,1   2 31,4 12,4 8,1 18,9 4,5 2,2   3 33,7 12,8 11,3 21,1 4,5 3,1   4 ou mais 30,2 14,4 10,0 20,2 3,4 3,2 Moradores com 60 anos ou mais               Nenhum 31,6 13,7 9,9 19,5 4,6 2,8   1 ou mais 29,4 11,4 7,3 22,4 5,1 2,6 Situação de trabalho atual do chefe da            família   Com carteira assinada 31,6 9,3 4,5 18,3 3,5 1,5   Sem carteira assinada 33,6 16,4 11,8 22,5 5,6 5,6   Conta própria 29,0 12,1 9,1 20,0 3,6 2,4   Não está trabalhando/Nunca trabalh31,8 17,2 14,4 25,4 9,2 6,1   Outros 25,6 12,6 8,4 8,8 2,6 0,9 Escolaridade materna (em anos             completos)   Até 4 30,1 18,0 18,0 27,3 9,8 7,0   5-8 33,9 15,8 11,1 24,0 6,1 4,1   9 ou mais 30,4 9,9 4,0 15,2 2,3 0,8 Renda familiar per capita (em Reais)               0-70 30,6 23,0 27,0 26,9 18,5 21,3   > 70-105 33,9 20,0 18,8 35,1 17,2 18,7   > 105-140 38,7 17,8 12,6 35,0 14,8 8,4   > 140-175 37,9 15,8 7,5 31,2 10,4 6,9   > 175-210 35,3 13,4 4,2 32,2 9,9 2,7   > 210-300 32,8 8,4 3,1 24,9 5,7 2,9   > 300 20,7 3,5 0,8 14,6 1,8 0,5 Bolsa Família               Não 28,9 9,4 5,5 17,1 3,2 1,7   Sim 34,0 17,7 14,0 33,5 12,2 8,4 Na Região Nordeste, a análise bruta evidenciou associações significativas (p < 0,05) entre insegurança alimentar moderada ou grave e todas as variáveis independentes. Na Região Sul, as exceções foram idade do chefe da família e moradores na casa com 60 anos ou mais. Na análise ajustada perderam significância estatística, em ambas as regiões, as associações com moradores entre 7 e 17 anos, entre 18 e 59 e trabalho atual do chefe da família. Ainda perdeu associação o número de moradores até sete anos, na Região Sul, e a idade do chefe da família e moradores com 60 anos ou mais, na Região Nordeste. Assim, após ajustes, domicílios chefiados por mulheres apresentaram 1,32 e 1,42 vezes mais probabilidade de insegurança moderada ou grave quando comparados aos domicílios chefiados por homens, nas regiões Nordeste e Sul, respectivamente.

No Nordeste, domicílios cujas mães referiram cor da pele parda/mestiça e preta apresentaram 1,18 e 1,50 vezes mais insegurança moderada ou grave do que os com mães de cor da pele branca, respectivamente. na Região Sul, essas razões foram de 1,37 para a cor da pele parda/mestiça e 1,69 para a cor da pele preta (Tabela_3).

Tabela 3 Razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas de insegurança alimentar moderada ou grave, segundo características sociodemográficas de domicílios urbanos com crianças menores de sete anos das regiões Nordeste e Sul do Brasil, 2010.

Região Nordeste (n = Região Sul (n = 5.419) 5.081) Variáveis RP RP RP RP % bruta ajustada % bruta ajustada (IC95%) * (IC95%) * (IC95%) (IC95%) Sexo do chefe da família   p < p <   p < p = 0,001 0,001 0,001 0,004   Masculino 19,4 1,00 1,00 5,6 1,00 1,00 1,58 1,32 2,31 1,42   Feminino 30,5 (1,42; (1,18; 13,0 (1,89; (1,12; 1,75) 1,47) 2,81) 1,80) Idade do chefe da família (anos completos)   p = p =   p = p = 0,007 0,580 0,842 0,422   Até 29 25,0 1,00 1,00 7,5 1,00 1,00 0,84 0,92 1,04 0,95   30-44 20,9 (0,74; (0,80; 7,8 (0,82; (0,74; 0,95) 1,05) 1,32) 1,21) 1,00 0,95 0,91 0,76   45-59 25,1 (0,87; (0,80; 6,8 (0,67; (0,54; 1,16) 1,14) 1,25) 1,07) 0,82 1,06 1,00 0,85   60 ou mais 20,5 (0,67; (0,74; 7,4 (0,62; (0,52; 1,01) 1,51) 1,60) 1,42) Cor da pele materna   p < p =   p < p = 0,001 0,012 0,001 0,011   Branca 16,9 1,00 1,00 5,8 1,00 1,00 1,41 1,18 2,02 1,37   Parda/Mestiça 24,0 (1,22; (1,01; 11,6 (1,65; (1,11; 1,64) 1,38) 2,48) 1,70) 1,62 1,50 2,04 1,69   Preta 27,4 (1,28; (1,18; 11,7 (1,24; (1,04; 2,05) 1,90) 3,34) 2,75) 1,74 1,04 1,45 1,09   Indígena/Amarela 29,4 (1,01; (0,58; 8,3 (0,49; (0,43; 2,97) 1,85) 4,32) 2,79) p < p = p < p = Moradores com menos de 7 anos   0,001 0,006   0,001 0,698 ** **   1 18,8 1,00 1,00 6,1 1,00 1,00 1,58 1,14 1,69 1,11   2 29,9 (1,42; (1,02; 10,3 (1,36; (0,88; 1,77) 1,29) 2,12) 1,40) 2,27 1,28 2,56 1,04   3 ou mais 42,8 (1,95; (1,08; 15,6 (1,87; (0,74; 2,65) 1,51) 3,51) 1,47) p < p = p < p = Moradores entre 7 e 17 anos   0,001 0,290   0,001 0,468 ** **   Nenhum 17,7 1,00 1,00 4,9 1,00 1,00 1,31 1,05 1,52 1,14   1 23,2 (1,15; (0,91; 7,4 (1,18; (0,88; 1,48) 1,20) 1,95) 1,48) 2,08 1,12 3,35 1,17   2 ou mais 36,9 (1,84; (0,97; 16,3 (2,65; (0,89; 2,35) 1,28) 4,22) 1,54) Moradores entre 18 e 59 anos   p < p =   p < p = 0,001 0,509 0,001 0,933   Até 1 33,4 1,00 1,00 15,5 1,00 1,00 0,61 0,92 0,43 0,98   2 20,5 (0,53; (0,77; 6,7 (0,33; (0,73; 0,71) 1,09) 0,57) 1,33) 0,72 1,02 0,49 1,07   3 24,0 (0,60; (0,84; 7,6 (0,35; (0,73; 0,86) 1,25) 0,70) 1,56) 0,73 0,93 0,43 0,95   4 ou mais 24,4 (0,61; (0,76; 6,6 (0,28; (0,60; 0,88) 1,14) 0,64) 1,51) Moradores com 60 anos ou mais   p = p =   p = p = 0,006 0,360 0,841 0,710   Nenhum 23,6 1,00 1,00 7,5 1,00 1,00 0,79 0,92 1,03 1,09   1 ou mais 18,7 (0,67; (0,77; 7,7 (0,76; (0,69; 0,94) 1,10) 1,41) 1,73)   Situação de trabalho atual do chefe da  p < p =   p < p = família 0,001 0,256 0,001 0,127   Com carteira assinada 13,8 1,00 1,00 5,0 1,00 1,00 2,05 1,11 2,22 1,15   Sem carteira assinada 28,2 (1,74; (0,93; 11,2 (1,63; (0,84; 2,41) 1,33) 3,03) 1,60) 1,54 1,03 1,19 0,87   Conta própria 21,2 (1,29; (0,85; 6,0 (0,87; (0,63; 1,84) 1,25) 1,62) 1,19) 2,29 1,16 3,05 1,34   Não está trabalhando/Nunca trabalhou 31,5 (1,98; (0,97; 15,3 (2,40; (1,01; 2,66) 1,39) 3,87) 1,78) 1,52 1,30 0,70 0,91   Outros 20,9 (1,14; (0,97; 3,5 (0,35; (0,44; 2,03) 1,73) 1,42) 1,91) p < p < p < p < Escolaridade materna (em anos completos)   0,001 0,001 **   0,001 0,001 ** ** ** 2,59 1,43 5,40 1,87   Até 4 35,9 (2,24; (1,23; 16,8 (4,03; (1,36; 2,99) 1,66) 7,24) 2,58) 1,94 1,25 3,28 1,65   5-8 27,0 (1,70; (1,09; 10,2 (2,52; (1,25; 2,22) 1,43) 4,28) 2,19)   9 ou mais 13,9 1,00 1,00 3,1 1,00 1,00 p < p < p < p < Renda familiar per capita (em reais)   0,001 0,001 **   0,001 8 0,001 ** ** ** 11,73 8,38 17,48 7,78   0-70 50,1 (8,64; (5,87; 39,8 (12,50; (5,03; 15,93) 11,96) 24,44) 12,04) 9,09 6,85 15,72 8,10   > 70-105 38,8 (6,63; (4,77; 35,8 (11,28; (5,36; 12,46) 9,83) 21,91) 12,25) 7,11 5,69 10,16 5,84   > 105-140 30,3 (5,17; (3,97; 23,2 (7,17; (3,87; 9,78) 8,16) 14,40) 8,80) 5,45 4,77 7,60 4,76   > 140-175 23,3 (3,92; (3,31; 17,3 (5,30; (3,21; 7,58) 6,86) 10,88) 7,06) 4,11 3,88 5,49 3,56   > 175-210 17,5 (2,88; (2,63; 12,5 (3,68; (2,32; 5,87) 5,73) 8,19) 5,47) 2,69 2,57 3,77 2,74   > 210-300 11,5 (1,87; (1,73; 8,6 (2,67; (1,89; 3,86) 3,80) 5,32) 3,98)   > 300 4,3 1,00 1,00 2,3 1,00 1,00 Bolsa Família   p < p <   p < p = 0,001 0,001 0,001 0,001   Não 14,9 1,00 1,00 4,9 1,00 1,00 2,13 1,26 4,17 1,48   Sim 31,7 (1,91; (1,11; 20,5 (3,43; (1,17; 2,38) 1,42) 5,05) 1,87) Nota: valor de p: teste de Wald de heterogeneidade.

* Análise de regressão de Poisson para trás excluindo sucessivamente no modelo ajustado as variáveis com valor de p > 0,20; ** Valor de p: teste de Wald de tendência linear.

Na Região Nordeste, o aumento do número de moradores na casa com até sete anos implicou o crescimento linear do desfecho, sendo a probabilidade de insegurança moderada ou grave 1,28 vez maior em domicílios com três ou mais crianças. Em ambas as regiões, a prevalência de insegurança moderada ou grave cresceu linearmente com a diminuição da escolaridade materna, sendo 43% maior no Nordeste e 87% maior no Sul em domicílios com mães de até quatro anos de estudos, em comparação àqueles com maior escolaridade materna (nove anos ou mais). Famílias com renda per capita de até R$70,00 apresentaram 8,38 e 7,78 vezes mais insegurança moderada ou grave quando comparadas às famílias com renda maior que R$300,00 per capita nas regiões Nordeste e Sul, respectivamente. No Nordeste, o recebimento do Bolsa Família se associou com um incremento do desfecho de 26%, em comparação às famílias que não recebiam o benefício, enquanto no Sul, esse aumento foi de 48% ( Tabela_3 ).

O cálculo da fração atribuível a diferentes padrões de renda per capita mínima na redução da insegurança alimentar na população, indica que um padrão mínimo de renda familiar per capita mensal de R$70,00 reduziria a insegurança alimentar moderada ou grave em 19,5% no Nordeste e 10,5% no Sul. Caso a renda familiar per capita mensal fosse, no mínimo, de R$140,00 a redução seria de 46,4% no Nordeste e 34,1% no Sul. Projetando uma renda familiar per capita mínima de R$175,00 ao mês, a redução seria de 59,5% no Nordeste e 45,4% no Sul.

A Tabela_4 mostra a média e a mediana de renda familiar per capita segundo as variáveis que apresentaram associação com a insegurança alimentar moderada ou grave, na análise ajustada. Em ambas as regiões, a média e a mediana da renda familiar foram menores em domicílios nos quais: o sexo do chefe da família era feminino; a cor da pele materna era preta, parda/mestiça e indígena/amarela; havia mais de dois moradores com menos de sete anos; a escolaridade materna era menor que nove anos e recebiam Bolsa Família.

Tabela 4 Média e mediana de renda familiar per capita (R$) segundo variáveis sociodemográficas escolhidas * de domicílios urbanos com crianças menores de sete anos das regiões Nordeste e Sul do Brasil, 2010.

Região Nordeste (n = Região Sul (n = 5.081) Variáveis associadas com o 5.419) desfecho Média (DP) Mediana Média (DP) Mediana (Q25; Q75) (Q25; Q75) Sexo do chefe da família p < 0,001 ** p < 0,001 p < 0,001 ** p < 0,001 *** ***   Masculino 255 (304) 179 (119; 518 (439) 408 (250; 300) 633)   Feminino 197 (211) 145 (83; 403 (350) 326 (197; 253) 503) Cor da pele materna p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001   Branca 300 (379) 200 (124; 526 (442) 420 (255; 353) 660)   Parda/Mestiça 221 (249) 167 (102; 404 (363) 315 (195; 266) 500)   Preta 246 (208) 197 (110; 414 (278) 337 (221; 315) 483)   Indígena/Amarela 194 (179) 150 (100; 411 (412) 261 (191; 220) 555) Moradores com menos de 7 p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001 anos   1 264 (278) 200 (123; 535 (439) 428 (267; 320) 667)   2 189 (297) 140 (89; 387 (347) 300 (181; 206) 475)   3 ou mais 120 (110) 100 (57; 273 (295) 211 (129; 149) 323) Escolaridade materna (em p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001 anos completos)   Até 4 151 (220) 120 (66; 310 (294) 243 (147; 178) 400)   5-8 176 (143) 150 (93; 360 (253) 300 (193; 217) 467)   9 ou mais 316 (350) 225 (150; 621 (493) 500 (328; 375) 750) Renda familiar per capita p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001 p < 0,001 (em R$)   0-70 39 (20) 40 (25; 57) 35 (25) 40 (11; 59)   > 70-105 89 (11) 89 (80; 100) 91 (10) 93 (83; 100)   > 105-140 124 (10) 127 (117; 125 (9) 128 (118; 131) 133)   > 140-175 160 (10) 160 (150; 162 (10) 163 (153; 170) 170)   > 175-210 195 (9) 200 (188; 196 (9) 200 (189; 200) 200)   > 210-300 253 (25) 255 (231; 259 (27) 260 (236; 270) 281)   > 300 564 (442) 440 (360; 667 (441) 525 (402; 613) 750) Bolsa Família p < 0,001 ** p < 0,001 p < 0,001 ** p < 0,001 *** ***   Não 316 (354) 233 (140; 541 (434) 433 (276; 383) 667)   Sim 151 (108) 130 (80; 223 (201) 189 (124; 198) 289) DP: desvio-padrão; Q25: percentil 25; Q75: percentil 75.

* Associadas com a insegurança alimentar moderada ou grave; ** Valores de p: teste t de student; *** Valores de p: teste Ranksum; Valores de p: ANOVA de uma entrada; Valores de p: Kruska-Wallis.

Discussão A prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave foi alta em ambas as regiões estudadas (Nordeste = 22,9%, Sul = 7,5%), sendo três vezes maior no Nordeste, onde alcança praticamente um em cada quatro domicílios com crianças menores de sete anos. Condição humana inaceitável, a insegurança alimentar moderada ou grave confirma sua utilidade enquanto indicador de iniquidades em saúde, cuja avaliação criteriosa contribui para o dimensionamento de investimentos e esforços dirigidos à sua solução 18.

As prevalências identificadas são menores do que as observadas na PNAD, em 2004, cujo somatório das prevalências de insegurança alimentar moderada ou grave foi de 34%, no Nordeste, e 10,8%, no Sul, respectivamente 22. Estudo realizado em Campinas encontrou 60,5% das famílias vivendo com algum grau de insegurança alimentar, sendo 40,1% em condição leve e 20,4% em insegurança moderada ou grave 18. Comparações internacionais mostram que os nossos resultados são menores do que os encontrados na Nigéria 27, porém maiores do que os evidenciados no Canadá 3, em 1998/1999, e em domicílios de baixa renda em Los Angeles, Estados Unidos, em 1999/2000 28, mesmo que estas duas últimas pesquisas tenham verificado a insegurança alimentar nos últimos 12 meses.

Em comparação com estudos nacionais anteriores, é plausível supor que as menores prevalências encontradas neste inquérito decorram da redução da pobreza extrema ocorrida no Brasil no intervalo entre as pesquisas. A redução observada tem sido atribuída ao crescimento da cobertura de benefícios sociais (Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada), do emprego formal e, também, ao aumento real do salário mínimo 18 , 22.

Em relação aos fatores associados, o estudo confirmou as evidências de publicações internacionais 27 e nacionais 18 , 20 , 29 , 30, que destacam o papel fundamental da renda na determinação da insegurança alimentar e de iniquidades em sua ocorrência. Portanto, as estratégias de incremento de renda em populações vulneráveis por meio do Bolsa Família e de outros benefícios sociais são essenciais e precisam ser mais efetivas e equânimes.

Considera-se um cenário ideal a garantia de uma renda mínima per capita capaz de zerar o problema da insegurança alimentar moderada ou grave no país, mas a redução do problema à metade pode ser mais factível em um contexto de crise financeira internacional. Assim, projetando uma renda familiar per capita de, no mínimo, R$175,00, a insegurança alimentar moderada ou grave seria reduzida em 59,5% no Nordeste e 45,4% no Sul. O resultado expressa a fração atribuível bruta na população em estudo 26, pois a renda per capita é o maior determinante da insegurança alimentar 30 e está fortemente associada com as outras variáveis que aumentaram a probabilidade de insegurança alimentar moderada ou grave ( Tabela_4 ).

Após ajuste, baixa escolaridade materna, cor da pele materna parda e/ou preta, maior número de crianças com menos de sete anos e famílias chefiadas por mulheres também aumentaram significativamente as prevalências, evidenciando a complexidade contextual que marca a ocorrência de desigualdades e iniquidades na insegurança alimentar moderada ou grave 31.

As análises evidenciaram um padrão de renda familiar per capita (tanto de média como de mediana) inferior para os domicílios da Região Nordeste e para todas as associações listadas anteriormente. A probabilidade aumentada de insegurança alimentar em domicílios chefiados por mulheres também foi observada em outros estudos 20 , 22 , 23 e necessita de aprofundamento 30. Em ambas as regiões, a renda média per capita em domicílios com mulheres chefes de família foi cerca de 30% menor do que em domicílios chefiados por homens. Além disso, a prevalência de mulheres chefes de família é de, aproximadamente, 75% em domicílios com apenas um morador com idade entre 18 e 59 anos, passando para 25% quando duas ou mais pessoas do domicílio apresentam esta faixa etária.

Portanto, a maioria das mulheres chefes de famílias vive em domicílios com menor renda e monoparentais, o que dificulta a dupla atividade do cuidado dos filhos e da obtenção de alimentos de qualidade em quantidade suficiente.

As maiores probabilidades de insegurança alimentar moderada ou grave observadas em domicílios onde a cor da pele materna era preta ou parda e naqueles com menor escolaridade materna, foram marcantes em ambas as regiões e refletem a situação econômica diferenciada destes domicílios. Em ambas as regiões, a renda média per capita foi no mínimo 20% menor em domicílios cujas mães referem a cor da pele preta ou parda/mestiça, em comparação aos domicílios onde a cor da pele materna é branca, sendo duas vezes menor se a escolaridade materna era de até quatro anos, comparada com a escolaridade materna de nove anos e mais. Essas associações ratificam ainda mais as raízes de iniquidades étnicas e sociais na ocorrência da insegurança alimentar 32 , 33.

Quanto maior o número de crianças menores de sete anos na casa, maior foi a prevalência de insegurança alimentar, achado semelhante ao encontrado nos Estados Unidos 28 e no Brasil 22, em 2004. A renda média per capita foi cerca de duas vezes menor em domicílios com três e mais moradores com até sete anos de idade, comparados com domicílios com apenas um morador nesta faixa etária. O resultado indica especificidades na contribuição da aglomeração domiciliar no aumento da insegurança alimentar, aprofundando os resultados de outros estudos 20 , 22. Considerando que apenas o número de crianças menores de sete anos se manteve associado ao desfecho, recomenda-se a utilização de variáveis desagregadas por faixa etária para melhor entendimento da aglomeração domiciliar na ocorrência de insegurança moderada ou grave.

Domicílios beneficiados com o Bolsa Família apresentaram uma probabilidade maior de insegurança alimentar moderada ou grave, em comparação com os sem o benefício. Os domicílios com o Bolsa Família apresentavam renda média per capita duas vezes menor do que os sem o benefício, justificando sua maior vulnerabilidade à insegurança alimentar. O achado é indicativo da necessidade de aumento dos valores pagos pelo benefício para se obter uma redução expressiva da insegurança alimentar moderada ou grave.

Entre as limitações do estudo, destaca-se que embora a insegurança alimentar seja estudada desde 1989 e exista uma guia para mensuração da insegurança alimentar 19, cada país tem realizado adaptações no instrumento ou construído novos questionários 3 , 11 , 20 , 27 , 28, dificultando a comparação dos níveis de insegurança. Não obstante, essa limitação não inviabiliza a comparação da presença ou não de segurança alimentar. Outra limitação, diz respeito à impossibilidade de analisar as variáveis de cor da pele e escolaridade do chefe da família. Para minimizar esse problema, utilizaram-se variáveis maternas que mostraram diferenças significativas na probabilidade de insegurança alimentar moderada ou grave, mesmo após ajuste.

O estabelecimento de grupos de comparação, a composição de uma amostra de múltiplos níveis, a coleta de dados primários usando-se instrumento eletrônico padronizado, a realização de análise estatística estratificada e a utilização de critérios bem definidos para julgar os achados reforçam a adequação do estudo 34, cuja abrangência permitiu avaliar de forma detalhada a insegurança alimentar em duas regiões díspares do Brasil.

A insegurança alimentar moderada ou grave foi maior no Nordeste, mas foi associada à pobreza extrema em ambas as regiões. A falta de poder aquisitivo, agravada pela volatilidade e alta dos preços dos alimentos, pode ser mais relevante do que a disponibilidade de alimentos para a permanência do problema.

Além disso, outros fatores estiveram associados à insegurança alimentar moderada ou grave, e precisam ser considerados no delineamento de políticas sociais para identificação das famílias mais vulneráveis. A expansão de cobertura, a focalização criteriosa e o incremento dos valores pagos por benefícios sociais, como, por exemplo, o Bolsa Família, combinados com as demais estratégias de aumento de emprego, renda e escolaridade das famílias, poderão maximizar as contribuições na redução da insegurança alimentar no país.

Agradecimentos Os autores agradecem o apoio na realização do trabalho à população estudada, ao Ministério da Saúde, à Organização Pan-Americana da Saúde, aos gestores municipais do SUS, aos trabalhadores das unidades básicas de saúde, aos entrevistadores e ao Departamento de Medicina Social da UFPel.


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