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BrBRCVHe0102-311X2014000300611

BrBRCVHe0102-311X2014000300611

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0102-311X
Year2014
Issue0003
Article number00611

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Autoavaliação da saúde bucal e fatores associados entre adultos em áreas de assentamento rural, Estado de Pernambuco, Brasil Introdução A autoavaliação da saúde bucal é uma medida multidimensional que reflete a experiência subjetiva dos indivíduos e sintetiza a condição objetiva da saúde bucal em termos de funcionalidade, valores sociais e culturais relacionados à essa 1. Desta forma, entender o conceito subjetivo da saúde bucal possibilita investigar quais são os fatores associados à autoavaliação positiva ou negativa da condição de saúde bucal na população em estudo.

A autoavaliação negativa da saúde em geral, e nesta está inclusa a saúde bucal, pode ser vista como resultado de sentimentos provocados pela dor ou desconforto, pelo mal-estar, em interação com fatores sociais, culturais, psicológicos e ambientais que modificam a maneira como a vida da pessoa é afetada pelo problema experimentado 2. Sendo assim, essa autoavaliação deve ser analisada sob uma ótica de múltiplos fatores, levando em consideração os diferentes entendimentos individuais de saúde, diante do contexto cultural, psicossocial e ambiental existente 3.

Neste sentido, Gift et al. 4 elaboraram um modelo explicativo para a autoavaliação da saúde bucal, adaptado por Martins et al. 5, que considera a interação de cinco subgrupos de variáveis: características demográficas; elementos de predisposição/disponibilidade de recursos; comportamentos relacionados à saúde bucal; e condições objetivas e subjetivas relacionadas à saúde bucal, na elucidação desta autoavaliação. Neste modelo, existe uma relação de retroalimentação entre os cinco grupos de variáveis supracitados.

Desta forma, as características demográficas, de predisposição e de disponibilidade de recursos, influenciam os comportamentos relacionados à saúde, que por sua vez podem predizer ou mesmo ser consequências das condições objetivas e subjetivas relacionadas à saúde geral e bucal. As condições objetivas influenciam as condições subjetivas e vice-versa, essas que, por sua vez, influenciam na autoavaliação da saúde bucal e geral.

No Brasil, diversos estudos se propuseram a investigar as desigualdades sociais em saúde bucal por meio da autoavaliação desta, entre adultos 6,7 e idosos 5,8,9, estritamente em áreas urbanas. Alguns desses estudos 4,7 têm demonstrado que a autoavaliação da saúde bucal varia de acordo com características sociodemográficas. Da mesma forma, pesquisas têm evidenciado associações da autoavaliação da saúde bucal com a utilização de serviços odontológicos 10; com as condições normativas de saúde bucal, dentre elas, o número de dentes perdidos, o número de dentes cariados e obturados, bem como o uso e necessidade de prótese 3,4; com a autopercepção da necessidade de tratamento odontológico 4. No entanto, é válido ressaltar que em se tratando de áreas rurais, poucos estudos nacionais 11,12,13 buscaram retratar a percepção subjetiva em relação à saúde bucal.

Desta forma, muito pouco se conhece quanto às áreas de assentamento rural, definidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA.

http://www.incra.gov.br) como unidades empresariais associativas, de base familiar, autônomas e geridas pelos trabalhadores, que visam ao desenvolvimento econômico e social do conjunto de assentados. De fato, nos locais onde os assentamentos se consolidaram, rendas superiores são geradas em relação àquelas em atividades equivalentes, sob outras formas de exploração da mesma área 14.

No entanto, esta situação não é uniforme para todos os assentamentos do país, nos quais se observa uma grande variabilidade nas condições socioeconômicas entre essas áreas e entre as famílias em um mesmo assentamento, a depender da região onde se localiza. É válido ressaltar a importância da organização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no processo de reforma agrária no Brasil, que surge como uma resposta às profundas transformações econômicas e formas de expropriação no campo, decorrentes da modernização agrícola dos anos do milagre econômico, situação que se agravou com a crise da industrialização brasileira e com a crise energética mundial dos anos 70 15.

Em números gerais, existem, no Brasil, 8.763 assentamentos rurais, abrigando 924 mil famílias assentadas, numa área total de 85,8 milhões de hectares, segundo dados do INCRA em 2010 (Reforma Agrágria e Assentamentos. http:// www.portal.mda.gov.br/.../Reforma%20Agraria%20e%20Assentamentos%20R.pdf, acessado em 20/Nov/2012).

Dada a escassez de dados sobre as condições de saúde bucal dos assentados, o objetivo do presente estudo foi estimar a prevalência da autoavaliação negativa da saúde bucal e identificar possíveis fatores associados, em uma amostra de adultos em áreas do Assentamento Rural Governador Miguel Arraes, no Estado de Pernambuco, Brasil.

Métodos O presente estudo foi desenvolvido nas áreas do Assentamento Rural Governador Miguel Arraes, que abrange os municípios de Água Preta, Catende, Jaqueira, Palmares e Xexéu, pertencentes a III GERES (Gerência Regional de Saúde) Palmares, localizados na mesorregião da zona da mata do Estado de Pernambuco, com uma população geral de 24 mil habitantes.

Trata-se de um estudo transversal, constituído por uma população de referência de 4.235 indivíduos de 20 a 59 anos, residentes em 48 áreas de assentamento rural, realizado entre outubro de 2010 e janeiro de 2011. A amostra, do tipo probabilística, foi calculada com base nos seguintes parâmetros: nível de 95% de confiança, erro-padrão de 5%, poder de 80% de detectar uma diferença mínima de 20% entre grupos e prevalência de percepção negativa da saúde bucal de 50%.

A amostra final, acrescida de um fator de correção (efeito de agregação) de 1,2 e de 20% de perdas, correspondeu a 651 indivíduos.

O processo de amostragem foi por conglomerado, em duplo estágio. No primeiro estágio, as famílias foram sorteadas, previamente à coleta de dados, a partir de listas fornecidas de todos os beneficiários do assentamento disponibilizadas no sistema de informações de projetos de reforma agrária do INCRA Regional Pernambuco. A princípio, foram sorteadas 12 famílias para cada uma das 48 áreas do Assentamento Rural Governador Miguel Arraes. No segundo estágio, foram sorteados os indivíduos que participaram do estudo, ou seja, em cada domicílio, foi selecionado um indivíduo com equiprobabilidade entre os moradores adultos (idade igual ou superior a 20 anos) para participar do estudo. Desta forma, as unidades amostrais primárias e secundárias foram, respectivamente, as famílias e os indivíduos.

Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou superior a 20 anos e ser morador das áreas do Assentamento Rural Governador Miguel Arraes. Foram excluídos da amostra os indivíduos que apresentavam algum impedimento físico e/ ou mental para responderem a entrevista e/ou participar do exame físico. Foi considerada perda amostral a pessoa que se recusou a participar da pesquisa, bem como os residentes ausentes em domicílios visitados, sem a obtenção de êxito por parte da pesquisadora, por, no mínimo, duas vezes, incluída ao menos uma visita em horário distinto ao anteriormente utilizado na primeira visita.

Os instrumentos utilizados na coleta de dados do presente estudo foram uma adaptação do questionário e formulário aplicados ao inquérito nacional de saúde bucal SBBrasil 2003 16. No questionário em específico, foram abordadas questões relacionadas à caracterização demográfica e socioeconômica, utilização dos serviços de saúde bucal, autopercepção da dor e da necessidade de tratamento odontológico, autoavaliação do atendimento odontológico e impacto da saúde bucal na qualidade de vida. Para o exame físico, foi utilizado um formulário específico para avaliação dos indivíduos em relação à doença cárie dentária, por meio do índice CPO-D; e para avaliação do edentulismo, pelo uso e necessidade de prótese; ambos os índices preconizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 17 e utilizados no SBBrasil 2003 16.

O procedimento de calibração interexaminador foi realizado na Clínica da Atenção Básica da Faculdade de Odontologia da Universidade de Pernambuco pelo exame de duas sequências de 12 pacientes cada, apresentando as mais variadas condições clínicas, a fim de contemplar todos os critérios de diagnóstico. A concordância verificada pelo teste kappa (k) indicou k = 0,82 (interexaminador). Para assegurar o controle de qualidade dos dados, cerca de 10% da amostra foi reexaminada um a cada dez examinados era sorteado conferindo uma concordância intraexaminador k = 0,91. Previamente à coleta de dados, realizou-se um estudo piloto envolvendo trinta indivíduos randomicamente selecionados, que não fizeram parte da pesquisa principal. Neste estudo, foram testados o questionário padronizado e o formulário específico para a realização do exame físico.

As entrevistas e os exames físicos foram realizados nos domicílios, por uma equipe de campo (uma cirurgiã-dentista e uma anotadora), sob luz natural por intermédio de inspeção tátil visual, com o auxílio de espelhos bucais planos e sondas periodontais tipo ball-point esterilizados. A equipe estava devidamente paramentada de acordo com as normas de controle de infecção (utilização de gorros, luvas e máscaras descartáveis).

A variável desfecho estudada, percepção da saúde bucal, foi obtida por meio da pergunta: De modo geral, em comparação com as pessoas de sua idade, como o(a) Sr. (Sra.) considera seu estado de saúde bucal?. A percepção da saúde bucal foi caracterizada em cinco níveis: ótimo, bom, regular, ruim e péssimo. As categorias de resposta ótimo e bom foram agrupadas na categoria percepção positiva da saúde bucal e as categorias péssimo, ruim e regular foram consideradas como percepção negativa da condição de saúde bucal. Essa forma de operacionalização foi baseada nos estudos de Peek et al. 18 e Borrel et al. 19.

É importante ressaltar que a categorização das variáveis independentes que se seguem foi elaborada ou por razões teóricas (literatura), ou por razões estatísticas (medidas de tendência central e de dispersão).

As variáveis independentes exploradas no presente estudo foram agrupadas de acordo com o modelo proposto por Gift et al. 4 adaptado por Martins et al. 5, em: características demográficas; de predisposição/disponibilidade de recursos; comportamento relacionado à saúde bucal (uso de serviços odontológicos); condições objetivas de saúde bucal e condições subjetivas relacionadas à condição de saúde bucal. As primeiras compreenderam: faixa etária (20-29, 30- 39, 40-49 e 50-59 anos); sexo (masculino/feminino) e cor da pele autorreferida (branca, negra, parda, amarela e indígena), a qual foi dicotomizada, em decorrência da homogeneidade da amostra, em branca e não-branca. A predisposição/disponibilidade de recursos foi avaliada pelas seguintes variáveis: escolaridade (analfabeto, fundamental incompleto, fundamental completo ou médio incompleto e médio completo ou superior); renda familiar (< 1 salário mínimo e 1 salário mínimo); número de pessoas por domicílio (1-3, 4- 6 e 7 ou mais pessoas) e orientações sobre como evitar problemas bucais (sim/ não). O comportamento relacionado à saúde bucal foi mediado pelas variáveis: visita ao dentista (Alguma vez na vida o Sr(a.) foi ao consultório do dentista?) (sim/não); tempo decorrido após a última visita ao dentista (Quando o Sr(a.) consultou o dentista pela última vez?) (< 1, 1-2, 3 anos) e motivo da visita ao dentista (Qual o motivo da última consulta ao dentista?) (consulta de rotina/revisão, dor, e tratamento odontológico).

As condições objetivas de saúde bucal foram mensuradas pelas variáveis: número de dentes permanentes cariados (0, 1-3, 4 ou mais dentes); número de dentes permanentes perdidos (0, 1-19, 20 dentes); número de dentes permanentes obturados (0, 1-3, 3 ou mais dentes); uso de prótese (sim/não); necessidade de prótese (não necessita, superior, inferior, superior e inferior).

As condições subjetivas relacionadas à saúde bucal incluíram a percepção de dor (Nos últimos seis meses o Sr(a.) sentiu dor de dente?), para os casos positivos de dor, foi utilizada uma Escala Visual Analógica (EVA), consistindo em uma linha de 10cm, cujos limites estão marcados com os extremos da dor (nenhuma; pouca (0-3cm); média/alta (4-10cm); necessidade autorreferida de tratamento odontológico (sim/não); avaliação do atendimento na última visita ao dentista (ótimo/bom, regular, péssimo/ruim) e o impacto da condição de saúde bucal na qualidade de vida dos indivíduos por meio da forma simplificada do questionário Oral Health Impact Profile (OHIP-14) 20, variável esta dicotomizada em OHIP-14 = 0 (sem impacto) e OHIP-14 1 (com impacto).

Os dados da presente pesquisa foram duplamente digitados e foi realizada posterior checagem de inconsistências, utilizando-se o programa Epi Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos). As magnitudes das associações entre a variável desfecho e as variáveis independentes foram obtidas pelas razões de prevalências, com nível de significância de 5% e respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%). As razões de prevalência bruta e ajustadas foram estimadas com o uso de regressão de Poisson, com ajuste robusto de variância, utilizando o teste de heterogeneidade de Wald. Para a análise estatística, utilizou-se o software Stata 10.0 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos). As análises bivariadas da percepção de saúde bucal foram testadas usando o teste qui- quadrado de heterogeneidade e teste qui- quadrado de tendência linear. Nesta análise, as variáveis com p < 0,20 foram selecionadas para o modelo multivariado. A análise ajustada foi realizada de acordo com um modelo hierárquico de determinantes em cinco níveis, nesta sequência: características demográficas; de predisposição; comportamento relacionado à saúde bucal (uso de serviços odontológicos); condições objetivas de saúde bucal e condições subjetivas relacionadas à condição de saúde bucal. A análise foi realizada de forma que o efeito das variáveis está controlado para aquelas do mesmo nível e as dos níveis superiores. Utilizou-se um nível de significância de 5% para o modelo multivariado.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sob Parecer no 074/2010, com registro no Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (SISNEP CAAE 0073.0.097.000-10).

Resultados A proporção de resposta do presente estudo foi de 85,5%. Os motivos para a não resposta foram: ausência nos domicílios nos dias pré-agendados (n = 35); recusa total em participar do estudo (n = 25) e recusa parcial em participar do estudo (n = 34), ou seja, realizaram a entrevista, mas se recusaram a participar do exame físico.

A amostra total (n = 557) foi composta por 72,4% de mulheres (n = 403) e 27,6% de homens (n = 154). A média de idade dos adultos foi de 32,8 anos. A maioria dos indivíduos (90,5%) autodeclarou-se parda ou negra, sintetizada na categoria não branco. Não houve referência à raça/cor amarela ou indígena. Quanto ao nível de escolaridade da amostra, 64,3% dos indivíduos tinham menos de quatro anos de estudo, ou seja, haviam cursado o Ensino Fundamental de maneira incompleta, conforme Tabela_1.

Tabela 1  - Caracterização da amostra, prevalência de autoavaliação negativa da saúde bucal segundo características demográficas, de predisposição/ disponibilidade de recursos, comportamento relacionado à saúde, condições objetivas e subjetivas, entre adultos, em áreas de assentamento rural.

Pernambuco, Brasil, 2010/2011 (N = 557).

Variável n (%) % IC95% Autoavaliação da saúde bucal Positiva 164 (29,5) Negativa 393 (70,5) Características demográficas Faixa etária (anos) 20-29 255 33,4 29,5- (45,8) 37,3 30-39 156 20,3 16,9- (28,0) 23,6 40-49 93 10,9 8,3-13,5 (16,7) 50-59 53 5,9 3,9-7,9 (9,5) Sexo Masculino 154 20,1 16,7- (27,6) 23,4 Feminino 403 50,4 46,3- (72,4) 54,6 Cor/Raça Branco 53 5,5 3,7-7,4 (9,5) Não branco 504 65,0 61,0- (90,5) 68,9 Predisposição/Disponibilidade de recursos Escolaridade Médio completo/Superior 47 5,4 3,5-7,2 (8,4) Fundamental completo/Médio incompleto 52 6,6 4,5-8,7 (9,3) Fundamental incompleto 358 47,0 42,8- (64,3) 51,2 Analfabeto 100 11,5 8,8-14,1 (18,0) Renda familiar (salários mínimos) 1 540 68,6 64,7- (97,0) 72,4 < 1 17 1,9 0,8-3,1 (3,0) Número de pessoas por domicílio 1-3 174 21,7 18,3- (31,3) 25,1 4-6 289 36,6 32,6- (51,8) 40,6 7 ou mais 94 12,2 9,5-14,9 (16,9) Orientações sobre como evitar problemas bucais * Sim 242 35,0 30,7- (50,1) 39,2 Não 241 36,2 31,9- (49,9) 40,5 Comportamento relacionado à saúde bucal Visita ao dentista Não 15 1,2 0,3-2,1 (2,7) Sim 542 69,3 65,4- (97,3) 73,1 Tempo decorrido após a última visita ao dentista (anos) * < 1 248 31,7 27,8- (45,8) 35,6 1-2 113 15,9 12,7- (20,8) 18,9 3 181 23,6 20,0- (33,4) 27,1 Motivo da visita ao dentista * Consulta de rotina 32 3,7 2,1-5,2 (6,0) Dor 320 43,3 39,2- (59,0) 47,5 Tratamento odontológico 190 24,2 20,5- (35,0) 27,7 Condições objetivas relacionadas à saúde bucal Número de dentes permanentes cariados 0 143 14,2 11,3- (25,7) 17,0 1-3 198 25,6 22,0- (35,5) 29,3 4 ou mais 216 30,7 26,8- (38,8) 34,5 Número de dentes permanentes perdidos 0 48 5,4 3,5-7,2 (8,6) 1-3 385 51,5 47,3- (69,1) 55,6 4 ou mais 124 13,6 10,7- (22,3) 16,5 Número de dentes permanentes obturados 0 426 53,7 49,5- (76,5) 57,8 1-3 90 11,6 9,0-14,3 (16,1) 4 ou mais 41 5,2 3,3-7,0 (7,4) Uso de prótese Sim 246 29,6 25,8- (44,1) 33,4 Não 311 40,9 36,8- (55,9) 45,0 Necessidade de prótese Não necessita 85 8,9 6,6-11,3 (15,2) Superior 34 4,7 2,9-6,4 (6,1) Inferior 143 19,4 16,1- (25,7) 22,6 Superior/Inferior 295 37,5 33,5- (53,0) 41,5 Condições subjetivas relacionadas à saúde bucal Percepção de dor * Nenhuma 332 38,3 34,3- (59,8) 42,4 Pouca 78 10,6 8,0-13,2 (14,1) Média/Alta 145 21,6 18,2- (26,1) 25,0 Necessidade autorreferida de tratamento * Não 72 4,6 2,8-6,4 (13,4) Sim 467 66,9 63,0- (86,6) 70,9 Avaliação do atendimento na última consulta odontológica * Ótimo/Bom 402 58,7 54,3- (83,4) 63,1 Regular 43 7,1 4,7-9,3 (8,9) Ruim/Péssimo 37 5,4 3,3-7,4 (7,7) Impacto (OHIP-14) Sem impacto 94 5,9 3,9-7,8 (16,8) Com impacto 463 64,6 60,6- (83,2) 68,6 Na Tabela_1, pode-se verificar que a prevalência geral estimada da percepção negativa da saúde bucal foi de 70,5% (n = 393). Ser do sexo feminino, estar na faixa etária mais jovem, ter se autodeclarado não branco, ser menos escolarizado foram características individuais que preponderaram nesta autopercepção negativa da condição de saúde bucal.

É possível observar, ainda na Tabela_2, que as variáveis que apresentaram associação estatisticamente significativa, por meio da análise bruta, foram: a cor/raça, visita ao dentista, número de dentes permanentes cariados, número de dentes permanentes perdidos, necessidade de prótese, percepção de dor, necessidade autorreferida de tratamento e impacto das condições de saúde bucal na qualidade de vida.

Tabela 2  - Prevalências e razões de prevalência (RP) bruta da autoavaliação negativa da saúde bucal segundo as características demográficas, predisposição/ disponibilidade de recursos, comportamento relacionado à saúde bucal, condições objetivas e subjetivas relacionadas à saúde bucal, entre adultos, em áreas de assentamento rural. Pernambuco, Brasil, 2010/2011 (N = 557).

Variável Prevalência de autoavaliação negativa da saúde bucal RP Valor (IC95%) de p Características demográficas Faixa etária (anos) 0,28 1,17 20-29 186 (33,4) (0,94- 1,46) 1,16 30-39 113 (20,3) (0,92- 1,47) 1,05 40-49 61 (10,9) (0,82- 1,36) 50-59 33 (5,9) 1,00 Sexo 0,48 1,04 Masculino 112 (20,1) (0,93- 1,17) Feminino 281 (50,4) 1,00 Cor/Raça Branco 31 (5,5) 1,00 0,04 1,23 Não branco 362 (65,0) (0,97- 1,55) Predisposição/Disponibilidade de recursos Escolaridade 0,23 Médio completo/Superior 30 (5,4) 1,00 1,11 Fundamental completo/Médio incompleto 37 (6,6) (0,85- 1,47) 1,15 Fundamental incompleto 262 (47,0) (0,92- 1,43) 1,00 Analfabeto 64 (11,5) (0,77- 1,30) Renda familiar (salários mínimos) 0,59 1,09 1 382 (68,6) (0,77- 1,56) < 1 11 (1,9) 1,00 Número de pessoas por domicílio 0,89 1-3 121 (21,7) 1,00 1,02 4-6 204 (36,6) (0,90- 1,15) 1,04 7 ou mais 68 (12,2) (0,89- 1,22) Orientações sobre como evitar problemas bucais 0,50 Sim 169 (35,0) 1,00 1,04 Não 175 (36,2) (0,93- 1,16) Comportamento relacionado à saúde bucal Visita ao dentista 0,04 Não 7 (1,2) 1,00 1,53 Sim 386 (69,3) (0,89- 2,63) Tempo decorrido após a última visita ao dentista (anos) * 0,41 < 1 172 (31,7) 1,00 1,10 1-2 86 (15,9) (0,96- 1,25) 1,02 3 128 (23,6) (0,90- 1,16) Motivo da visita ao dentista * 0,29 Consulta de rotina 20 (3,7) 1,00 1,18 Dor 235 (43,3) (0,89- 1,55) 1,10 Tratamento odontológico 131 (24,2) (0,83- 1,47) Condições objetivas relacionadas à saúde bucal Número de dentes permanentes cariados < 0,001 0 79 (14,2) 1,00 1,31 1-3 143 (25,6) (1,10- 1,55) 1,43 4 ou mais 171 (30,7) (1,22- 1,69) Número de dentes permanentes perdidos < 0,01 0 30 (5,4) 1,00 1,02 1-3 287 (51,5) (0,79- 1,32) 1,22 4 ou mais 76 (13,6) (1,05- 1,42) Número de dentes permanentes obturados 0,92 0 299 (53,7) 1,00 1,03 1-3 65 (11,6) (0,89- 1,19) 1,01 4 ou mais 29 (5,2) (0,82- 1,24) Uso de prótese 0,10 Sim 165 (29,6) 1,00 1,09 Não 228 (40,9) (0,98- 1,22) Necessidade de prótese 0,04 Não necessita 50 (8,9) 1,00 1,30 Superior 26 (4,7) (1,00- 1,68) 1,28 Inferior 108 (19,4) (1,05- 1,57) 1,20 Superior/Inferior 209 (37,5) (0,99- 1,46) Condições subjetivas relacionadas à saúde bucal Percepção de dor * < 0,001 Nenhuma 213 (38,3) 1,00 1,18 Pouca 59 (10,6) (1,02- 1,37) 1,29 Média/Alta 120 (21,6) (1,16- 1,44) Necessidade autorreferida de tratamento * < 0,001 Não 25 (4,6) 1,00 2,23 Sim 361 (66,9) (1,62- 3,07) Avaliação do atendimento na última consulta odontológica * 0,48 Ótimo/Bom 283 (58,7) 1,00 1,12 Regular 34 (7,1) (0,95- 1,33) 1,00 Ruim/Péssimo 26 (5,4) (0,80- 1,24) Impacto (OHIP-14) < 0,001 Sem impacto 33 (5,9) 1,00 2,21 Com impacto 360 (64,6) (1,68- 2,93) Por meio da análise multivariada, verificou- se que as variáveis que permaneceram no modelo ajustado foram: a cor/raça, necessidade autorreferida de tratamento odontológico e impacto das condições de saúde bucal na qualidade de vida mediado pelo indicador OHIP-14. Desta forma, as pessoas que se autodeclararam não brancas autoavaliaram sua saúde bucal de maneira negativa 24% mais quando comparadas aos indivíduos que se declararam brancos; em relação à necessidade autorreferida de tratamento odontológico, esse percentual foi de 94% quando comparado àqueles que não perceberam a necessidade de tratamento; e, por fim, as pessoas que relataram alguma interferência da saúde bucal na qualidade de vida autoavaliaram sua saúde bucal de maneira negativa 82% mais em relação àquelas sem impacto, de acordo com a Tabela_3.

Tabela 3  - Análise multivariada dos fatores associados à autoavaliação negativa da saúde bucal, entre adultos, em áreas de assentamento rural.

Pernambuco, Brasil, 2010/2011 (N = 557).

Autoavaliação negativa da saúde bucal Variável Modelo bruto Modelo ajustado * RP IC95% Valor de RP IC95% Valor de p p ** Cor/Raça (1) 0,04 0,04 Branco 1,00 1,00 Não branco 1,23 0,97- 1,24 1,00- 1,55 1,53 Visita ao dentista (2) 0,04 0,15 Não 1,00 1,00 Sim 1,53 0,89- 1,50 0,86- 2,63 2,53 Número de dentes permanentes cariados < 0,001 0,31 (3) 0 1,00 1,00 1-3 1,31 1,10- 1,07 0,92- 1,55 1,24 4 ou mais 1,43 1,22- 1,12 0,97- 1,69 1,30 Número de dentes permanentes perdidos <0,01 0,76 (3) 0 1,00 1,00 1-3 1,02 0,79- 1,14 0,79- 1,32 1,65 4 ou mais 1,22 1,05- 1,02 0,90- 1,42 1,20 Uso de prótese (3) 0,10 0,56 Sim 1,00 1,00 Não 1,09 0,98- 1,03 0,92- 1,22 1,16 Necessidade de prótese (3) 0,04 0,28 Não necessita 1,00 1,00 Superior 1,30 1,00- 1,25 0,89- 1,68 1,76 Inferior 1,28 1,05- 1,20 0,90- 1,57 1,61 Superior/Inferior 1,20 0,99- 1,11 0,83- 1,46 1,48 Percepção de dor (4) < 0,001 0,58 Nenhuma 1,00 1,00 Pouca 1,18 1,02- 0,99 0,86- 1,37 1,15 Média/Alta 1,29 1,16- 1,05 0,95- 1,44 1,16 Necessidade autorreferida de tratamento < 0,001 < 0,001 (4) Não 1,00 1,00 Sim 2,23 1,62- 1,94 1,41- 3,07 2,67 Impacto (OHIP-14) (4) < 0,001 < 0,001 Sem impacto 1,00 1,00 Com impacto 2,21 1,68- 1,82 1,39- 2,93 2,37 Discussão A relevância deste estudo deve-se ao fato de se tratar de pesquisa realizada em domicílios com uma amostra aleatória de adultos residentes em áreas de assentamento rural. Desta forma, ressalta-se a importância de se conhecer as condições de saúde bucal da população rural brasileira em razão da escassez de publicações acerca deste contingente populacional, que representa 15,65% (aproximadamente, 30 milhões de pessoas) da população brasileira, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2010 (IBGE. Censo Demográfico de 2010. http://www.censo2010.ibge.gov.br, acessado em 08/Ago/ 2012).

A amostra do estudo foi caracterizada por predominância das mulheres, com idade média de 35,2 anos, de raça/cor autodeclarada não branca, com escolaridade baixa, vivendo em domicílios com um número médio de pessoas que variava entre quatro e seis pessoas, e renda familiar superior a um salário mínimo. Segundo o IBGE (http://www.censo2010.ibge.gov.br), a distribuição por gênero da população brasileira na zona rural em 2010 correspondeu a 47,3% de mulheres e 52,6% de homens, enquanto que, neste estudo, a proporção correspondeu a 72,4% de mulheres e 27,6% de homens. O controle desta variável não foi possível no momento da coleta de dados tendo em vista que consistiu de uma amostra domiciliar rural, e as entrevistas e exames físicos eram realizados durante o período matutino e vespertino, quando a maioria dos homens encontrava-se no trabalho.

No âmbito coletivo, os fatores demográficos e socioeconômicos podem contribuir para as variações de autoavaliação de saúde bucal entre os diferentes indivíduos da amostra estudada. No presente estudo, os indivíduos nas faixas etárias mais jovens julgaram mais negativamente seu estado de saúde bucal. No entanto, os resultados de estudos em relação à idade são inconsistentes neste tipo associação: alguns estudos 4,7 evidenciaram que a autoavaliação negativa da saúde bucal aumenta com a idade; em outro estudo 3, entretanto, verificou-se que os mais velhos relatavam uma autoavaliação mais positiva da saúde bucal; e, em outro estudo 21, a idade não esteve associada à autoavaliação, convergindo com os achados da presente investigação. Corroborando outros estudos 4,7, não houve associação entre a autoavaliação negativa e o sexo, embora outras pesquisas 3,22 tenham evidenciado uma pior autoavaliação da saúde bucal entre as mulheres. Em relação à raça/cor, os resultados da presente investigação evidenciaram que os indivíduos que se autodeclararam brancos autoavaliaram sua saúde bucal de maneira mais positiva em relação aos não brancos, revelando uma associação estatisticamente significativa com autoavaliação negativa da saúde bucal, conforme evidenciam outros estudos 6,21. De fato, as iniquidades raciais relacionadas à saúde decorrem de violações continuadas, de longa data, dos seus direitos fundamentais, com reflexos diretos na percepção de saúde geral e bucal desses indivíduos.

As variáveis de predisposição e de disponibilidade de recursos pouco contribuíram para a identificação dos fatores associados à autoavaliação negativa da saúde bucal. Diversos estudos demonstram que, quanto maior a escolaridade do indivíduo 4,7,21 e o acesso a informações sobre como evitar problemas bucais 4,7, mais positiva tende a ser a sua autoavaliação em saúde bucal. Na presente pesquisa, constatou-se uma melhor autoavaliação da saúde bucal entre os indivíduos de maior escolaridade, no entanto, esta variável não se mostrou associada com o desfecho. A literatura é controversa em relação à renda. A renda familiar reflete o poder de consumo do domicílio de forma mais acurada que a renda individual, por representar os possíveis ganhos de todos os membros do domicílio 23, e diversos estudos 4,7,23 evidenciam a relação entre maior renda familiar e autoavaliação positiva da saúde bucal. No presente estudo, essa associação não foi verificada devido à maior homogeneidade da população em relação à renda.

A utilização de serviços odontológicos traduz a autoavaliação da saúde, das necessidades, dos desejos e das demandas dos indivíduos, sendo mediada pela oferta, pelo acesso e pela qualidade dos serviços em uma dada sociedade 5. No presente estudo, não houve associação entre a autoavaliação negativa da saúde bucal com as variáveis relacionadas à utilização de serviços odontológicos. No entanto, Afonso- Souza et al. 24 encontraram associação entre uma autoavaliação mais positiva da saúde bucal e o uso regular de serviços odontológicos. Na tentativa de explicar tal associação, os autores sugeriram duas hipóteses: que a autoavaliação positiva seria consequência de um bom tratamento, da maior oportunidade de receber tratamentos preventivos com reflexos positivos nas condições clínicas de saúde bucal; por outro lado, essa associação estaria relacionada à ocorrência de um bem-estar psicológico associado ao cuidado com a saúde.

Em relação às condições objetivas relacionadas à saúde bucal, a presente investigação observou que os indivíduos que tinham quatro ou mais dentes cariados, quatro ou mais dentes perdidos e que necessitavam de prótese superior estiveram mais fortemente associados, em termos de razões de prevalências, na análise bruta, com a autoavaliação negativa da saúde bucal, embora tal associação não tenha se mantido após o controle dessas pelas demais variáveis no modelo multivariado. De fato, Afonso-Souza et al. 24 afirmaram, com base nos achados de seu estudo, que a manutenção da dentição natural em condição satisfatória está associada com uma melhor autoavaliação da saúde bucal, e que a ausência de dentes naturais aumentava em quatro vezes a chance de classificar sua saúde bucal como ruim.

Dentre as variáveis relacionadas às condições subjetivas de saúde, a necessidade autorreferida de tratamento odontológico e o impacto das condições de saúde bucal na qualidade de vida estiveram fortemente associados à autopercepção negativa da saúde bucal, evidenciando, assim, que as medidas objetivas por si são insuficientes para avaliar a saúde bucal. É importante salientar que a autopercepção da saúde bucal 8,20 e da saúde geral 2,6 muda ao longo da vida, do dia, da semana em função do seu estado físico e/ou psicológico e de condições contextuais. Sendo assim, mensurar a subjetividade do bem-estar e do adoecer, tentar quantificar o que é tão subjetivo é sempre limitado, pois envolve valores e sentimentos nem sempre expressos 8,11,13.

Neste artigo, verificou-se que foi alta a prevalência de autoavaliação negativa da saúde bucal entre os indivíduos das áreas do Assentamento Rural Miguel Arraes, e que os fatores que estiveram associados à autoavaliação negativa da saúde bucal foram a cor/raça; a necessidade autorreferida de tratamento odontológico e o impacto da saúde bucal na qualidade de vida. No entanto, é válido ressaltar que, para entender e discutir as interações entre autoavaliação da saúde bucal, a partir de modelos multidimensionais, como o proposto neste estudo, com características demográficas, com variáveis de predisposição/disponibilidade de recursos, com o comportamento relacionado à saúde bucal, bem como, as condições objetivas e subjetivas de saúde bucal entre a população rural brasileira, será possível mediante o fortalecimento de bases conceituais e o incremento de investigações acerca do conhecimento das condições de saúde bucal deste contingente populacional, tendo em vista a lacuna existente na literatura em termos de publicações nesta área.

Tabela 1  (continuação)  Variáveln (%) % IC95% Tabela 2  (continuação)  VariávelPrevalência de autoavaliação negativa da saúde bucal RP Valor (IC95%) de p


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