Óbitos infantis evitáveis nas coortes de nascimentos de Pelotas, Rio Grandedo
Sul, Brasil, de 1993 e 2004
Introdução
Projeções de mortalidade indicam que, até 2015, o Brasil deverá atender ao
quarto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, traçados pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento: redução em dois terços da mortalidade de
menores de cinco anos registrada em torno do ano de 1990 1. Em nível global, a
redução da mortalidade entre menores de cinco anos, no período de 2000 a 2010,
deveu-se à diminuição nas taxas de óbitos por pneumonia, sarampo e diarreia,
enquanto a diminuição das mortes neonatais por causas associadas à
prematuridade e complicações intraparto foi mínima 2.
No Brasil, desde o ano 2000, os coeficientes de mortalidade dos menores de um
ano de idade (mortalidade infantil) vêm apresentando padrão de queda constante,
passando de 26,1 óbitos por mil nascidos vivos em 2000, para 15,3 por mil
nascidos vivos em 2011 3. Em 2011, a prematuridade, complicações intraparto e
infecções perinatais foram as principais causas de mortes neonatais, ao passo
que as infecções (influenza e pneumonia), juntamente com as malformações
congênitas, responderam pelos óbitos pós-neona- tais 3. No entanto,
desigualdades ainda persistem no país, com taxas mais elevadas de óbitos
infantis nas regiões Norte (19,9 por mil nascidos vivos) e Nordeste (18 por mil
nascidos vivos) em 2011 3.
Em Pelotas, Rio Grande do Sul, as três coortes de nascimentos mostraram que o
coeficiente de mortalidade infantil caiu de 36,4 por mil nascidos vivos em
1982, para 21,1 em 1993 e 19,4 em 2004, uma redução de 42% entre as duas
primeiras coortes (p < 0,001) e de apenas 8% entre as duas últimas (p = 0,545)
4. As principais causas de mortalidade infantil na coorte de 2004 foram as
perinatais e as infecções respiratórias, muitas das quais seriam evitáveis com
os recursos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) 5,6. Como os óbitos
infantis da coorte de 2004 ocorreram em um período de franca redução da
mortalidade infantil no país, o presente estudo teve como objetivos avaliar se
houve mudança no coeficiente de mortalidade infantil evitável e comparar seus
determinantes entre as crianças das coortes de nascimentos de Pelotas de 1993 e
2004.
Metodologia
Em 1993 e 2004, cerca de 99% de todos os nascimentos hospitalares ocorridos em
Pelotas de 1o de janeiro a 31 de dezembro dos referidos anos foram
acompanhados, dando origem às coortes infantis. A metodologia empregada nas
duas coortes e nos subestudos da mortalidade infantil foram semelhantes e estão
disponíveis 7. Foram monitorizados todos os óbitos infantis ocorridos no
período de 1o de janeiro do ano da coorte a 31 de dezembro do ano seguinte,
quando a última criança nascida no estudo completava um ano de idade.
Nas duas coortes, foram incluídos os óbitos neonatais precoces (ocorridos nos
primeiros sete dias de vida), os neonatais tardios (ocorridos do oitavo até
antes de completar o 28o. dia de vida) e os pós-neonatais (de 28 até 364 dias
de vida). Os óbitos foram monitorizados mediante idas regulares aos principais
hospitais da cidade, onde eram visitadas as unidades de tratamento intensivo,
berçários, enfermarias pediátricas e serviços de pronto-socorro. Para detectar
óbitos extra-hospitalares, foram visitados os cartórios, os cemitérios e a
Delegacia Regional de Saúde. A base de dados do Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM) do Estado do Rio Grande do Sul foi também rastreada em busca
de mortes que houvessem ocorrido fora da cidade de Pelotas.
A causa básica do óbito foi investigada através de entrevista com o pediatra
responsável. No caso de crianças hospitalizadas, foi realizada uma revisão
sistemática do prontuário hospitalar, sendo colhidas informações sobre motivo
da internação, história e evolução da doença, exames complementares realizados,
tratamento e diagnóstico. Se necessário, as informações contidas no
questionário perinatal aplicado à mãe, logo após o nascimento, eram também
utilizadas.
Para crianças falecidas entre sete e 364 dias de vida, realizou-se entrevista
domiciliar com a mãe, quando era investigada a história clínica da doença e
seus antecedentes. Para essa entrevista, foram empregados os questionários da
Investigação Interamericana de Mortalidade na Infância 8, adaptados para a
realidade local. Para os óbitos ocorridos fora do hospital ou em outras
cidades, as informações foram coletadas dos atestados de óbito, complementadas
por entrevista domiciliar com familiares. Em cada coorte, dois pediatras
independentes foram responsáveis pela determinação da causa básica do óbito por
meio de revisão cuidadosa de toda a informação disponível. Em caso de
discordância, um terceiro pediatra era convidado a discutir o caso para uma
decisão final. Os atestados foram codificados conforme as 9a e 10a revisões da
Classificação Internacional de Doenças (CID-9 e CID-10) 9,10.
Para a presente análise, os óbitos das duas coortes foram classificados quanto
à evitabilidade 11, em quatro grupos: reduzíveis por ações de imunoprevenção;
reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém-
nascido; reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento; e
reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde, vinculadas às ações
adequadas de atenção à saúde.
De acordo com essa classificação, as causas reduzíveis por adequada atenção à
mulher na gestação e parto e ao recém-nascido subdividem-se ainda em 11
reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação (como sífilis congênita,
doenças causadas pelo vírus da imunodeficiência humana, afecções maternas que
afetam o feto ou o recém-nascido, não obrigatoriamente relacionadas com a
gestação em curso, sendo transmitidas pela placenta ou leite materno,
complicações maternas da gravidez que afetam o feto ou o recém-nascido,
crescimento fetal retardado e desnutrição fetal, transtornos relacionados com
gestação de curta duração e baixo peso ao nascer etc.); reduzíveis por adequada
atenção à mulher no parto (como outras complicações do trabalho de parto ou do
parto que afetam o recém-nascido, transtornos relacionados com gestação
prolongada e peso elevado ao nascer, traumatismos de parto, hipóxia intra-
uterina e asfixia ao nascer, aspiração neonatal etc.); e reduzíveis por
adequada atenção ao recém-nascido (como pneumonia congênita, desconforto
respiratório do recém-nascido, hemorragia pulmonar originada no período
perinatal, septicemia bacteriana do recém-nascido, onfalite do recém- nascido
etc.).
Para cada coorte, as causas básicas de óbito foram revisadas por três
pediatras, os quais, separadamente, analisaram e classificaram cada morte
quanto à evitabilidade. As classificações foram posteriormente comparadas e as
diferenças discutidas até o consenso.
Como variáveis independentes, foram utilizadas informações obtidas na fase
perinatal de cada uma das coortes, quando foram investigadas características
familiares, maternas, assistenciais e do recém-nascido. Para fins de
comparabilidade, essas informações foram coletadas de forma semelhante nas duas
coortes. A renda familiar foi definida como a soma de todos os valores
percebidos por todos os moradores do domicílio no mês anterior à entrevista,
sendo posteriormente categorizada em salários mínimos vigentes à época da
coleta dos dados (≤ 1,0; 1,1-3,0; 3,1-6,0; 6,1-10,0; > 10,0 salários mínimos)
para facilitar a comparação entre coortes. A escolaridade materna corresponde
aos anos de educação formal cursados com aprovação.
Dentre as variáveis demográficas maternas, investigaram-se a idade em anos
(posteriormente categorizada em < 20, 20-34 e > 34 anos); a cor da pele, que,
na coorte de 2004, foi autorreferida pela mãe como branca, preta, morena ou
parda, amarela ou asiática e indígena, sendo, posteriormente, dicotomizada em
branca e preta/outra, para comparabilidade com a coorte de 1993, que havia
coletado essa informação em três categorias (branca, preta e outra); e a
situação conjugal dicotomizada em “casada/com companheiro” ou “sem
companheiro”, independentemente do estado civil.
O peso pré-gestacional foi relatado pela mãe no perinatal. Na coorte de 1993, a
altura materna foi aferida ainda no hospital do parto (no estudo perinatal) e,
na de 2004, na primeira visita de acompanhamento no domicílio das crianças, aos
três meses de idade. Em ambas as coortes, para aferição da altura, empregou-se
estadiômetro de metal confeccionado especialmente para a pesquisa. O índice de
massa corporal (IMC) pré-gestacional foi calculado como o peso em quilos
dividido pelo quadrado da altura em metros, sendo categorizado em quatro grupos
para as análises (< 18,5; 18,5-24,9; 25,0-29,9; ≥ 30kg/m2).
O número de recém-nascidos vivos ou mortos, anteriores à criança da coorte, foi
categorizado em 0, 1 e ≥ 2. O tabagismo materno foi definido como o consumo de
pelo menos um cigarro por dia em qualquer dos trimestres da gestação.
Adicionalmente, investigou-se se a gestação havia sido planejada (sim ou não).
Dentre as variáveis assistenciais, investigaram-se o tipo de financiamento do
parto (SUS ou particular/convênios); o trimestre de início e o número de
consultas pré-natais; realização de vacinação antitetânica (sim ou não);
diagnóstico médico de anemia, hipertensão arterial, diabete mellitus e infecção
do trato urinário durante a gestação (sim ou não); tipo de parto (vaginal ou
cesariana); parto assistido por médico (sim ou não); e recém-nascido assistido
por pediatra na sala de parto (sim ou não).
Entre as características das crianças, além do sexo, coletou-se o peso de
nascimento e calculou-se a idade gestacional ao nascer. Os recém-nascidos com
peso inferior a 2.500g foram classificados como com baixo peso ao nascer. A
idade gestacional foi calculada com base no algoritmo proposto pelo National
Center for Health Statistics (NCHS) 12, usando-se a data da última menstruação
sempre que consistente com peso, comprimento e circunferência da cabeça ao
nascer, conforme as curvas normais para esses parâmetros para cada semana de
idade gestacional 13. Quando a data da última menstruação era desconhecida ou
inconsistente, empregou-se a idade estimada pelo método de Dubowitz et al. 14,
que foi realizado em todos os recém-nascidos.
Os nascimentos com menos de 37 semanas de gestação foram classificados como
pré-termos. A presença de restrição do crescimento intrauterino foi definida
pela comparação com os valores da curva de Williams et al. 15. Foram
classificadas como pequenas para a idade gestacional as crianças que estavam
abaixo do percentil 10 do peso para a idade gestacional e sexo, e como grandes
para a idade gestacional (GIG) aquelas acima do percentil 90. O escore de Apgar
no 5o minuto foi dicotomizado em ≥ 7 e < 7. A ocorrência de complicações
neonatais foi registrada, sendo a variável posteriormente dicotomizada para
análise em sim ou não.
Os coeficientes de mortalidades neonatal, pós-neonatal e infantil evitáveis das
duas coortes foram calculados e comparados. Os nascimentos com idade
gestacional desconhecida foram excluídos apenas das análises específicas por
idade gestacional. Foram calculadas a incidência e a razão de incidências
cumulativas para cada coorte separadamente, conforme as variáveis
independentes. As razões de incidências cumulativas brutas e ajustadas foram
obtidas por regressão logística, seguindo um modelo hierárquico construído
pelos autores 16, com quatro níveis de determinação (primeiro nível: variáveis
socioeconômicas; segundo nível: características demográficas e reprodutivas
maternas e tabagismo na gravidez; terceiro nível: características do parto e do
pré-natal e intercorrências na gravidez; quarto nível: características da
criança ao nascer e complicações neonatais). As variáveis associadas ao óbito
evitável com valor de p ≤ 0,20 foram mantidas na análise ajustada, para ajuste
das demais. As análises foram realizadas com o pacote Stata versão 11 (Stata
Corp., College Station, Estados Unidos). Antes das análises ajustadas, os
bancos das duas coortes foram unificados e realizados testes de interação entre
a variável “ano de nascimento (1993 e 2004)” e as demais variáveis
independentes. Embora não tenham sido identificadas interações estatisticamente
significativas, as análises controladas foram realizadas e apresentadas para
cada coorte separadamente, a fim de se compararem os determinantes de
mortalidade de uma coorte com os da outra.
O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Pelotas. Em 1993, foi obtido consentimento
verbal das mães para participar no estudo. Em 2004, solicitou-se também o
consentimento por escrito.
Resultados
O coeficiente de mortalidade infantil por mil nascidos vivos segundo causas
evitáveis foi de 15,2, em 1993, e de 15,4 (p = 0,933), em 2004. Os coeficientes
de mortalidade neonatal e pós-neonatal por mil nascidos vivos segundo causas
evitáveis foram, respectivamente, de 11,2 e 4,0, em 1993, e de 10,9 e 4,5, em
2004.
A Tabela_1 apresenta o número absoluto de óbitos e seu percentual entre todas
as mortes de menores de um ano, por grupos de causas evitáveis, separadamente
para cada coorte. Em nenhuma das coortes foram verificados óbitos por doenças
preveníveis por imunização. Não se observou diferença estatisticamente
significativa entre as coortes quanto aos óbitos por cada um dos grupos de
causas evitáveis, mas, entre 1993 e 2004, houve diminuição nas mortes
decorrentes de causas reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido (de 7,2%
para 3,7%) e por ações adequadas de promoção à saúde (de 15,3% para 8,5%). Já a
proporção de óbitos preveníveis por adequada atenção à mulher na gestação e por
ações adequadas de diagnóstico e tratamento aumentou, respectivamente, de 36,9%
para 50% e de 7,2% para 12,2%.
Tabela 1 Número de óbitos infantis por causas evitáveis nas coortes de
nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, de 1993 e 2004.
1993 2004 Valor
Classificação de p
n (%) n (%) *
Reduzíveis por ações de imunoprevenção 0 0 -
Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e parto e ao recém-n cido
Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação 41 41 0,070
(36,9) (50,0)
Reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto 6 (5,4) 4 (4,9) 0,870
Reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido 8 (7,2) 3 (3,7) 0,293
Reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento 8 (7,2) 10 0,239
(12,2)
Reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde 17 7 (8,5) 0,158
(15,3)
Demais causas não evitáveis (malformações congênitas) 26 13 0,195
(23,4) (15,9)
Mal definidas 5 (4,5) 4 (4,9) 0,903
Total 111 82 -
(100,0) (100,0)
As Tabelas 2 e 3 mostram que, entre 1993 e 2004, ocorreram mudanças
estatisticamente significativas na distribuição de determinantes sociais (renda
familiar, escolaridade materna e situação conjugal), biológicos (idade, cor,
altura, IMC pré-gestacional e número de recém-nascidos vivos ou mortos,
anteriores à criança da coorte,), comportamentais (tabagismo e planejamento da
gravidez) e de morbidade materna (prevalências de anemia, hipertensão arterial
e infecção urinária). O mesmo se deu na utilização de serviços de saúde (idade
gestacional de início e número de consultas pré-natais, cobertura vacinal
contra o tétano, tipo e modo de financiamento do parto e presença de pediatra
na sala de parto) e nas características do recém-nascido (sexo, idade
gestacional, crescimento intrauterino e prevalência de complicações neonatais).
Nas duas coortes (Tabela_2), a incidência de óbitos evitáveis no primeiro ano
de vida foi maior entre as crianças de famílias com menor renda (risco cerca de
nove vezes maior em 1993 e seis vezes maior em 2004); filhos de mães com menor
escolaridade (cinco e 11 vezes maior, respectivamente, em 1993 e 2004, entre os
filhos de mães com zero a quatro anos de escolaridade, em comparação aos de
mães com mais de 11 anos de educação formal); com cor de pele preta/outra, em
comparação às brancas (risco 84% maior em 1993 e duas vezes maior em 2004); que
não fizeram acompanhamento pré-natal (risco 6,6 e 18,7 vezes maior do que o dos
filhos de mães que consultaram sete vezes ou mais) ou que consultaram de uma a
três vezes durante a gestação (7,5 e 11 vezes maior, respectivamente, em 1993 e
2004, em comparação aos de mães que consultaram sete vezes ou mais); e cujo
parto foi financiado pelo SUS (cinco e 2,8 vezes maior em 1993 e 2004,
respectivamente, em comparação aos particulares e mediante convênios).
Tabela 2 Incidência de mortes evitáveis entre os nascidos vivos das coortes de
nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, de 1993 (N = 5.249) e 2004
(N = 4.231), de acordo com características maternas.
1993 2004
IncidênciaRisco IncidênciaRisco Valor
Características n (%) relativo Valor n (%) relativo Valor de p
n (%) (IC95%) de p n (%) (IC95%) de p *
Renda familiar (salários mínimos) ** 0,008 0,095 <
0,001
967 9,56 884 6,05
≤ 1,0 (18,4) 24 (2,4) (1,30; (20,9) 22 (2,5) (0,82;
70,40) 44,65)
2.260 6,98 1.939 3,63
1,1-3,0 (43,1) 41 (1,8) (0,96; (45,9) 29 (1,5) (0,50;
50,63) 26,56)
1.204 3,52 945 3,34
3,1-6,0 (22,9) 11 (0,9) (0,46; (22,4) 13 (1,4) (0,44;
27,16) 25,43)
433 2,67 243
6,1-10,0 (8,2) 3 (0,7) (0,28; (5,8) 1 (0,4) 1,00
25,54)
> 10,0 385 1 (0,3) 1,00 207 0 (0,0) -
(7,3) (4,9)
Escolaridade (anos) 0,011 0,018 <
0,001
1.468 5,09 655 10,90
0-4 (28,0) 35 (2,4) (1,23; (15,6) 17 (2,6) (1,46;
21,08) 81,62)
2.424 2,91 1.731 7,52
5-8 (46,2) 33 (1,4) (0,70; (41,3) 31 (1,8) (1,03;
12,07) 54,95)
923 2,31 1.382 4,56
9-11 (17,6) 10 (1,1) (0,51; (33,0) 15 (1,1) (0,60;
10,51) 34,42)
> 11 427 2 (0,5) 1,00 420 1 (0,2) 1,00
(8,1) (10,0)
Situação conjugal 0,288 0,001 <
0,001
Casada/Com companheiro 4.600 67 (1,5) 1,00 3.536 44 (1,2) 1,00
(87,6) (83,6)
649 1,38 695 2,43
Sem companheiro (12,4) 13 (2,0) (0,76; (16,4) 21 (3,0) (1,45;
2,48) 4,06)
Idade (anos) 0,085 0,27 <
0,001
915 0,93 800 1,30
< 20 (17,4) 12 (1,3) (0,50; (18,9) 16 (2,0) (0,74;
1,73) 2,30)
20-34 3.756 53 (1,4) 1,00 2.866 44 (1,5) 1,00
(71,6) (67,8)
577 1,84 563 0,58
> 34 (11,0) 15 (2,6) (1,05; (13,3) 5 (0,9) (0,23;
3,25) 1,45)
Branca 4.058 52 (1,3) 1,00 3.090 36 (1,2) 1,00
(77,3) (73,0)
1.189 1,84 1.141 2,18
Preta/Outra (22,7) 28 (2,4) (1,17; (27,0) 29 (2,5) (1,34;
2,90) 3,54)
Altura (cm) 0,424 0,498 <
0,001
≥ 150 4.964 72 (1,5) 1,00 3.833 41 (1,1) 1,00
(95,4) (92,6)
239 1,44 305 0,61
< 150 (4,6) 5 (2,1) (0,59; (7,4) 2 (0,7) (0,14;
3,54) 2,52)
IMC pré-gestacional (kg/m2) 0,279 0,846 <
0,001
< 18,5 451 11 (2,4) 1,00 192 2 (1,0) 1,00
(8,8) (4,9)
3.507 0,56 2.382 0,85
18,5-24,9 (68,8) 48 (1,4) (0,29; (61,3) 21 (0,9) (0,20;
1,07) 3,58)
894 0,64 895 1,18
25,0-29,9 (17,5) 14 (1,6) (0,29; (23,0) 11 (1,2) (0,26;
1,40) 5,28)
245 0,33 418 0,92
≥ 30,0 (4,8) 2 (0,8) (0,07; (10,7) 4 (1,0) (0,17;
1,50) 4,97)
Número de recém-nascidos vivos ou mortos, anteriores à criança da 0,029 0,217 <
coorte 0,001
1.843 1,26 1.666 1,05
0 (35,1) 24 (1,3) (0,67; (39,4) 22 (1,3) (0,54;
2,40) 2,04)
1 1.457 15 (1,0) 1,00 1.111 14 (1,3) 1,00
(27,8) (26,3)
1.949 2,04 1.453 1,58
≥ 2 (37,1) 41 (2,1) (1,14; (34,3) 29 (2,0) (0,84;
3,68) 2,98)
Tabagismo na gravidez 0,083 0,002 <
0,001
Não 3.497 46 (1,3) 1,00 3.069 36 (1,2) 1,00
(66,6) (72,5)
1.752 1,48 1.162 2,13
Sim (33,4) 34 (1,9) (0,95; (27,5) 29 (2,5) (1,31;
2,29) 3,45)
Gravidez planejada 0,18 0,167 0,003
3.294 1,38 2.780 1,47
Não (62,8) 56 (1,7) (0,86; (65,7) 48 (1,7) (0,85;
2,22) 2,55)
Sim 1.953 24 (1,2) 1,00 1.450 17 (1,2) 1,00
(37,2) (34,3)
Parto pelo SUS 0,005 0,026 0,009
Não 886 3 (0,3) 1,00 801 5 (0,6) 1,00
(16,9) (18,9)
4.363 5,21 3.425 2,81
Sim (83,1) 77 (1,8) (1,65; (81,1) 60 (1,8) (1,13;
16,48) 6,97)
Início do pré-natal (trimestre) 0,353 0,298 <
0,001
1o 3.579 44 (1,2) 1,00 3.032 37 (1,2) 1,00
(72,3) (72,9)
1.168 1,39 1.020 1,29
2o (23,6) 20 (1,7) (0,82; (24,5) 16 (1,6) (0,72;
2,35) 2,30)
201 1,62 106 2,32
3o (4,1) 4 (2,0) (0,59; (2,5) 3 (2,8) (0,73;
4,46) 7,40)
Número de consultas pré-natais < < <
0,001 0,001 0,001
251 6,57 73 18,66
0 (4,8) 10 (4,0) (3,11; (1,8) 9 (12,3) (8,74;
13,89) 39,83)
354 7,46 222 10,91
1-3 (6,8) 16 (4,5) (3,90; (5,5) 16 (7,2) (5,69;
14,26) 20,91)
1.333 4,08 881 2,92
4-6 (25,4) 33 (2,5) (2,35; (21,7) 17 (1,9) (1,52;
7,09) 5,59)
≥ 7 3.300 20 (0,6) 1,00 2.875 19 (0,7) 1,00
(63,0) (71,0)
Vacina antitetânica 0,991 0,003 <
0,001
2.067 1,00 983 2,23
Não (41,5) 29 (1,4) (0,63; (23,8) 23 (2,3) (1,31;
1,61) 3,77)
Sim 2.914 41 (1,4) 1,00 3.141 33 (1,1) 1,00
(58,5) (76,2)
Anemia na gravidez 0,209 0,019 <
0,001
Não 2.785 44 (1,6) 1,00 1.409 30 (2,1) 1,00
(54,6) (33,5)
2.319 0,74 2.791 0,56
Sim (45,4) 27 (1,2) (0,46; (66,4) 33 (1,2) (0,34;
1,19) 0,91)
Hipertensão arterial na gravidez 0,196 0,449 <
0,001
Não 4.336 60 (1,4) 1,00 3.221 47 (1,5) 1,00
(84,3) (76,3)
806 1,43 1.002 1,23
Sim (15,7) 16 (2,0) (0,83; (23,7) 18 (1,8) (0,72;
2,48) 2,11)
Diabetes na gravidez 0,449
Não 4.986 75 (1,5) 1,00 4.102 60 (1,5) 1,00
(97,2) (97,0) 0,029 0,543
142 0,47 126 2,71
Sim (2,8) 1 (0,7) (0,07; (3,0) 5 (4,0) (1,11;
3,34) 6,64)
Diabetes na gravidez 0,449
Não 4.986 75 (1,5) 1,00 4.102 60 (1,5) 1,00
(97,2) (97,0) 0,029 0,543
142 0,47 126 2,71
Sim (2,8) 1 (0,7) (0,07; (3,0) 5 (4,0) (1,11;
3,34) 6,64)
Infecção urinária na gravidez 0,013 0,407 <
0,001
Não 3.413 39 (1,1) 1,00 2.648 37 (1,4) 1,00
(66,4) (62,8)
1.726 1,77 1.569 1,23
Sim (33,6) 35 (2,0) (1,13; (37,2) 27 (1,7) (0,75;
2,79) 2,01)
Tipo de parto 0,555 0,168
Vaginal 3.647 58 (1,6) 1,00 2.309 41 (1,8) 1,00
(69,5) (54,6) <
1.602 0,86 1.922 0,70 0,001
Cesariana (30,5) 22 (1,4) (0,53; (45,4) 24 (1,3) (0,43;
1,41) 1,16)
Parto atendido por médico 0,899 0,229 0,157
607 0,96 453 1,51
Não (11,7) 9 (1,5) (0,48; (10,8) 10 (2,2) (0,77;
1,90) 2,93)
Sim 4.580 71 (1,6) 1,00 3.752 55 (1,5) 1,00
(88,3) (89,2)
Pediatra na sala de parto 0,112 0,966 <
0,001
2.503 0,69 749 0,98
Não (53,1) 31 (1,2) (0,43; (21,7) 9 (1,2) (0,47;
1,09) 2,05)
Sim 2.214 40 (1,8) 1,00 2.703 33 (1,2) 1,00
(46,9) (78,3)
*Valor de p da diferença entre coorte de 1993 e 2004. ** Salários mínimos
vigentes no mês de nascimento da criança.
Na Tabela_3, a incidência de óbitos evitáveis foi 15 vezes mais frequente, em
ambas as coortes, entre os nascidos com baixo peso, em comparação aos nascidos
com 2.500g ou mais, e aumentou com a diminuição da idade gestacional ao nascer.
Entre os pré-termos limítrofes (34-36 semanas de idade gestacional), os óbitos
evitáveis foram cerca de três vezes mais frequentes do que entre os nascidos a
termo. O Apgar < 7 no quinto minuto associou-se a uma incidência 34 vezes maior
de óbitos evitáveis em 1993 e 17 vezes maior em 2004, associando-se ainda à
ocorrência de complicações neonatais, com incidência 26 e 16 vezes maior,
respectivamente, em 1993 e 2004 (Tabela_3).
Tabela 3 Incidência de mortes evitáveis entre os nascidos vivos das coortes de
nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, de 1993 (N = 5.249) e 2004
(N = 4.231), de acordo com as características da criança ao nascer.
1993 2004
IncidênciaRisco IncidênciaRisco Valor
Característicasn relativo Valor n relativo Valor de p
n (%) (IC95%) de p n (%) (IC95%) de p *
Sexo 0,007 0,752 0,008
2.667 0,53 2.035 0,92
Feminino (50,8) 28 (1,1) (0,34; (48,1) 30 (1,5) (0,57;
0,84) 1,50)
Masculino 2.580 51 (2,0) 1,00 2.196 35 (1,6) 1,00
(49,2) (51,9)
Baixo peso ao < < 0,649
nascer 0,001 0,001
Não 4.722 28 (0,6) 1,00 3.804 23 (0,6) 1,00
(90,3) (90,0)
510 15,21 424 15,99
Sim (9,7) 46 (9,1) (9,59; (10,0) 41 (9,7) (9,69;
24,12) 26,39)
Idade < < <
gestacional 0,001 0,001 0,001
(semanas)
43 93,24 76 66,39
< 32 (0,8) 21 (48,8) (56,39; (1,8) 28 (36,8) (39,19;
154,16) 112,45)
75 25,46 65 11,09
32-33 (1,4) 10 (13,3) (12,62; (1,5) 4 (6,2) (3,90;
51,34) 31,54)
471 2,84 472 2,67
34-36 (9,1) 7 (1,5) (1,23; (11,2) 7 (1,5) (1,14;
6,55) 6,29)
≥ 37 4.582 24 (0,5) 1,00 3.604 20 (0,6) 1,00
(88,6) (85,5)
Pequeno para <
idade 0,171 0,668 0,001
gestacional
Não 4.677 53 (1,1) 1,00 3.712 53 (1,4) 1,00
(90,6) (88,0)
487 1,63 505 0,83
Sim (9,4) 9 (1,9) (0,81; (12,0) 6 (1,2) (0,36;
3,29) 1,93)
Grande para
idade 0,255 0,108 0,001
gestacional
Não 4.802 60 (1,3) 1,00 3.989 53 (1,3) 1,00
(93,0) (94,6)
362 0,44 228 1,98
Sim (7,0) 2 (0,6) (0,11; (5,4) 6 (2,6) (0,86;
1,80) 4,56)
Complicações < < <
neonatais 0,001 0,001 0,001
Não 4.849 25 (0,5) 1,00 3.811 22 (0,6) 1,00
(92,5) (90,4)
391 25,80 403 16,33
Sim (7,5) 52 (13,3) (16,19; (9,6) 38 (9,4) (9,76;
41,10) 27,34)
Apgar 5o minuto < < 0,142
0,001 0,001
≥ 7 3.744 28 (0,8) 1,00 4.112 44 (1,1) 1,00
(98,3) (97,8)
66 34,44 92 17,27
< 7 (1,7) 17 (25,8) (19,84; (2,2) 17 (18,5) (10,26;
59,78) 29,05)
*Valor de p da diferença entre coorte de 1993 e 2004.
O sexo do recém-nascido, a maior paridade materna e a história de infecção do
trato urinário na gestação associaram-se ao maior risco de morte entre as
crianças em 1993, mas não foram estatisticamente significativos em 2004. Em
1993, o risco entre os meninos era 53% maior do que o das meninas (Tabela_3);
os filhos de mães com dois ou mais partos anteriores tinham risco duas vezes
maior do que os primogênitos (Tabela_2); e os filhos de mães com história de
infecção urinária na gestação tinham 77% mais risco de morrer, em comparação
aos filhos de mães que não relataram infecção urinária (Tabela_2).
Em 1993, características como serem filhos de mães que viviam sem companheiro,
fumantes, com história de diabetes e que não receberam imunização antitetânica
na gestação não se associaram ao risco de morrer; entretanto, em 2004,
apresentaram tal associação (Tabela_2). O risco de morrer entre os filhos de
mães solteiras, fumantes, diabéticas na gestação ou que não receberam vacina
antitetânica foi duas vezes maior que entre suas contrapartes.
A Tabela_4 apresenta o odds ratio(OR) para mortalidade infantil na coorte de
1993, de acordo com o modelo final da análise multivariável. A maioria dos
achados observados na análise bruta confirmou-se na ajustada. Foram
estatisticamente significativas as associações com as seguintes variáveis:
menor renda familiar mensal em salários mínimos, cor da pele preta/outra, idade
materna maior de 34 anos, menor número de visitas pré-natais, infecção urinária
na gestação e prematuridade. Entre as crianças que não foram assistidas por
pediatras na sala de parto, o OR para morrer por causa evitável foi 55% menor,
em comparação com as que contaram com esse recurso ao nascer.
Tabela 4 Incidência de mortes evitáveis entre os nascidos vivos da coorte de
nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, de 1993 (N = 5.249), de
acordo com variáveis independentes (análise ajustada).
NívelCaracterísticas Risco relativo Valor de p
ajustado
Renda familiar mensal (salários mínimos)
≤ 1,0 9,56 (1,30; 70,40)
1 1,1-3,0 6,98 (0,96; 50,63) 0,008
3,1-6,0 3,52 (0,46; 27,16)
6,1-10,0 2,67 (0,28; 25,54)
> 10,0 1,00
Cor da mãe
Branca 1,00 0,05
Preta/Outra 1,57 (1,00; 2.45)
2 Idade materna (anos)
< 20 0,82 (0,44; 1,53) 0,026
20-34 1,00
> 34 2,04 (1,16; 3,61)
Parto pelo SUS
Não 1,00 0,089
Sim 4,03 (0,80; 20,05)
Número de visitas pré-natais
0 9,01 (3,63; 22,35)
1-3 6,08 (2,84; 13,00) < 0,001
3 4-6 4,21 (2,25; 7,89)
≥ 7 1,00
Infecção urinária na gravidez
Não 1,00 0,014
Sim 1,82 (1,13; 2,94)
Pediatra na sala de parto
Não 0,45 (0,28; 0,74) 0,002
Sim 1,00
Idade gestacional ao nascer (semanas)
< 32 20,89 (4,52; 96,58)
32-33 6,25 (1,40; 27,89) < 0,001
34-36 1,89 (0,47; 7,63)
≥ 37 1,00
4 Complicações neonatais
Não 1,00 0,141
Sim 2,79 (0,71; 10,93)
Apgar 5o minuto
≥ 7 1,00 0,089
< 7 1,83 (0,91; 3,66)
SUS: Sistema Único de Saúde.
*Renda familiar mensal em salários mínimos vigentes no mês de nascimento da
criança.
Em 2004 (Tabela_5), as variáveis maternas que permaneceram estatisticamente
associadas ao risco de morrer por causa evitável foram baixa escolaridade,
ausência de companheiro, cor da pele preta/outra, tabagismo durante a gestação,
menor número de visitas pré-natais e história de diabetes na gestação. Dentre
as características do recém-nascido, mantiveram-se associadas prematuridade,
complicações neonatais e Apgar < 7 no quinto minuto. Crianças da coorte de 2004
que eram filhas de mães com história de anemia durante a gestação apresentaram
menor risco de morrer por causa evitável no primeiro ano de vida.
Tabela 5 Incidência de mortes evitáveis entre os nascidos vivos da coorte de
nascimentos de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, de 2004 (N = 4.231), de
acordo com variáveis independentes (análise ajustada).
NívelCaracterísticas Risco relativo ajustado Valor de p
Escolaridade materna (anos)
0-4 7,22 (0,96; 54,46)
5-8 4,82 (0,65; 35,65) 0,042
1 9-11 3,10 (0,41; 23,58)
>11 1,00
Situação conjugal
Casada/Com companheiro 1,00 0,001
Sem companheiro 2,33 (1,39; 3,91)
Cor da mãe
Branca 1,00 0,04
2 Preta/Outra 1,66 (1,02; 2,71)
Tabagismo na gravidez
Não 1,00 0,048
Sim 1,65 (1,00; 2,71)
Número de visitas pré-natais
0 -
1-3 5,82 (2,58; 13,12) < 0,001
4-6 1,98 (0,97; 4,01)
≥ 7 1,00
Vacina antitetânica na gravidez
3 Não 1,66 (0,93; 2,98) 0,088
Sim 1,00
Anemia na gravidez
Não 1,00 0,049
Sim 0,58 (0,33; 1,00)
Diabetes na gravidez
Não 1,00 0,001
Sim 4,68 (1,95; 11,23)
Idade gestacional (semanas)
< 32 12,10 (4,69; 31,25)
32-33 5,78 (1,95; 17,13) < 0,001
34-36 1,15 (0,47; 2,85)
≥ 37 1,00
4 Complicações neonatais
Não 1,00 0,001
Sim 3,67 (1,67; 8,03)
Apgar 5o minuto
≥ 7 1,00 0,033
< 7 2,28 (1,07; 4,85)
Discussão
Este estudo apresenta aspectos positivos e limitações. Entre os aspectos
positivos incluem-se a coleta primária dos dados de mortalidade no primeiro ano
de vida em duas coortes de nascimento, da mesma cidade, com 11 anos de
intervalo entre ambas; a monitorização simultânea de várias fontes de
informação de mortalidade; e o fato de a metodologia de coleta das informações,
tanto dos óbitos, quanto das variáveis independentes, haverem sido semelhantes
nas duas coortes, garantindo a comparabilidade dos desfechos e exposições. As
principais limitações referem-se à possibilidade de viés de informação sobre as
exposições de interesse, uma vez que a maioria foi obtida por relato da mãe.
Ainda, o tempo decorrido desde os óbitos das crianças das duas coortes até o
momento em que as análises do presente estudo foram processadas pode ser
considerado uma limitação. No entanto, não foi comprovada a hipótese testada de
que, diante do cenário de melhora nos indicadores regionais e nacionais no
período 3, os resultados em Pelotas revelariam as causas não evitáveis como as
principais envolvidas na persistência dos indicadores de mortalidade infantil,
enfatizando a reconhecida importância da constante monitorização desse
indicador e das causas de óbito nele envolvidas 2.
Entre as 9.480 crianças nascidas vivas nos anos de 1993 e 2004, na cidade de
Pelotas, 193 faleceram antes de completar um ano de idade. Destas, em ambas as
coortes, cerca de três quartos (72% entre as crianças de 1993 e 79% entre as de
2004) morreram por causas potencialmente evitáveis. Tal resultado indica que o
risco de morrer por causas evitáveis manteve-se praticamente inalterado por
mais de uma década em Pelotas, ao contrário do que ocorreu na Região Sul e no
país como um todo entre 1997 e 2006 17. Neste período, houve uma redução de
32,4% no coeficiente de mortes infantis evitáveis no Sul (de 12,8 para 8,64 por
mil nascidos vivos) e de 37,3% no Brasil (de 22,8 para 14,3 por mil nascidos
vivos) 17.
O progresso nos indicadores de mortalidade infantil verificado no Brasil em
2011, com taxas de 15,3 mil nascidos vivos (neonatal precoce de 8,1 por mil
nascidos vivos; neonatal tardia de 2,5 por mil nascidos vivos; e pós-neonatal
de 4,7 por mil nascidos vivos) 3 refletem o efeito de inúmeras intervenções
bem-sucedidas, tanto sociais quanto na organização do sistema de saúde,
implementadas no país a partir da década de 80 18. Contudo, inequidades sociais
decorrentes, principalmente, do nível econômico (renda e escolaridade materna),
cor da pele e grupo étnico, com reflexos negativos sobre os indicadores de
mortalidade infantil, ainda persistem e se repetem nos dias atuais, até mesmo
em países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos 3,19,20.
Como verificado neste estudo, a população de gestantes das duas coortes eram
diferentes quanto a importantes indicadores socioeconômicas, biológicos,
comportamentais e de qualidade dos serviços de saúde. Alguns desses indicadores
melhoraram entre 1993 e 2004, como aumento da escolaridade materna, diminuição
do tabagismo e da prevalência de anemia na gravidez, planejamento da gravidez
por maior proporção de mulheres, aumento do número de consultas pré-natais,
início do acompanhamento em idade gestacional mais precoce, aumento da
cobertura da vacinação antitetânica e presença de pediatra na sala de parto
para a maioria dos recém-nascidos. Por outro lado, houve diminuição da renda
familiar das gestantes, aumento da proporção de mulheres sem companheiro,
adolescentes, com baixa estatura e com sobrepeso ou obesidade, nulíparas e com
relato de hipertensão arterial durante a gestação; registrou-se, ainda, aumento
da taxa de cesarianas no período.
Embora estatisticamente não significativas, as variações de causas de mortes
evitáveis entre 1993 e 2004 em Pelotas apresentaram as mesmas direções das
variações observadas no país entre 1996 e 2007: aumento dos óbitos decorrentes
de causas reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação e redução das
mortes em virtude de causas reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto e
ao recém-nascido e por ações de promoção à saúde 17.
Já os óbitos evitáveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento, que
apresentaram redução no país, tiveram um aumento de cerca de 70% em Pelotas no
mesmo período, ficando o coeficiente de mortalidade acima do nacional para
essas causas (1,65 por mil nascidos vivos em Pelotas em 2004, contra 1,35 por
mil nascidos vivos no Brasil em 2007).
Entre 1993 e 2004, houve um aumento de 27,5% no número de recém-nascidos que
apresentaram complicações neonatais, um marcador de risco de mortalidade
neonatal. Cerca da metade desses recém-nascidos (45,9%) era pré-termo, a
maioria (86,1%) necessitou de hospitalização em unidade de tratamento intensivo
e 14,6% vieram a falecer. Em 1993, 38 (47%) dos oitenta óbitos evitáveis foram
de pré-termos, enquanto, em 2004, essa proporção foi 30% maior (39 de 65). A
sobrevida de pré-termos com idade gestacional ao nascer inferior a 34 semanas
aumentou entre 1993 e 2004, o que indica a melhoria da qualidade do cuidado
prestado pelas unidades de cuidados intensivos disponibilizados na cidade.
Particularmente, a incidência de óbitos evitáveis entre os nascidos com 32-33
semanas de idade gestacional caiu à metade em 2004, comparativamente a 1993
(6,2% contra 13,3%, respectivamente, em 2004 e 1993). No entanto, redução
semelhante não se observou entre os pré-termos limítrofes (34-36 semanas), os
quais, em 2004, corresponderam a dois terços de todos os pré-termos de Pelotas
21, ou entre os nascidos com 37 semanas ou mais.
A despeito da ampla oferta, utilização e cobertura da atenção pré-natal e
independentemente de os nascimentos ocorrerem quase que exclusivamente em
ambiente hospitalar, o número de óbitos infantis por causas que seriam
evitáveis com os atuais recursos do SUS é muito alto em Pelotas. As
desvantagens socioeconômicas e biológicas das mães de 2004, em comparação com
as de 1993, associadas ao aumento dos nascimentos de pré-termos, possivelmente
tenham contribuído para a persistência das taxas de óbitos evitáveis observada
no período. Intervenções para combater a inversa e significante associação
entre nível socioeconômico e mortalidade infantil, que no Brasil se expressa
tanto entre regiões, como no âmbito dos estados e municípios, continuarão sendo
um desafio no combate às iniquidades. A necessidade de manter um foco
permanente na saúde infantil permanece nos dias atuais.
Agradecimentos
As coortes de nascimentos de Pelotas de 1993 e 2004, conduzidas pelo Programa
de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas, são
atualmente financiadas pelo The Wellcome Trust, UK. Fases anteriores foram
financiadas pela União Européia, Organização Mundial da Saúde, Programa de
Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX), CNPq, Ministério da Saúde e Pastoral da
Criança. As análises deste artigo foram realizadas com recursos provenientes do
Departamento de Análise de Situação em Saúde (DASIS) do Ministério da Saúde. I.
S. Santos, A. Matijasevich e A. M. Menezes são bolsistas de produtividade
científica do CNPq.