Percepção de mudança individual e organizacional: o papel das atitudes, dos
valores, do poder e da capacidade organizacional
1. Introdução
Nas últimas décadas, as organizações passaram por muitas intervenções com o
propósito de efetuar mudanças significativas. Publicações na área de
Administração, como as de Noer (1999) e Tienari e Tainio (1999), fornecem
manuais de autoajuda para organizações em crise, cujo propósito é ensinar e
indicar estratégias para implantação de programas de reengenharia,
reorganização, programas de qualidade, programas com foco em resultados, dentre
outros. Não têm sido incomum ambientes organizacionais sofrerem sucessivas
intervenções para adaptação aos propósitos do mundo globalizado, o que pode
acarretar sofrimento exacerbado aos indivíduos que compõem tais organizações,
expostos a uma situação extremamente instável e a processos de mudança por
vezes mal direcionados e malsucedidos.
Estudos que realizem avaliações da mudança organizacional são extremamente
importantes no atual contexto socioeconômico, cujas mudanças nas dimensões
tecnológica, econômica e social são incontestáveis. A dimensão tecnológica
reduz problemas e desafios a sua dimensão técnica, buscando acentuadamente
eficiência a qualquer custo. A dimensão econômica faz prevalecer as transações
comerciais sobre as relações humanas, sociais, ambientais, ecológicas,
organizacionais, de forma que o mundo é percebido como um mercado, sem
sociedades nem cidadãos. A dimensão sociocultural - com os movimentos
feministas, ambientalistas, dos direitos humanos, de justiça social, dentre
outros - tem revelado a necessidade de novas premissas para um desenvolvimento
apropriado ao tempo presente e comprometido com as gerações futuras (Castells,
1996; 1997; 1998). Essas mudanças têm questionado dimensões relevantes para o
futuro da humanidade e certamente têm impactado a dinâmica das organizações de
trabalho. Assim, são fundamentais estudos científicos que explorem modelos de
avaliação de mudança organizacional, tendo em vista dar suporte para orientação
e aplicação dos programas de intervenção e contribuir para as formulações
teóricas da área.
No presente estudo, atende-se a essa perspectiva, uma vez que se propõe a
compreender os fatores que influenciam a percepção de mudanças em uma
organização pública, relacionando variáveis do nível organizacional e do nível
individual à implantação de um programa de mudança. O estudo da mudança
organizacional pode subsidiar a gestão organizacional no planejamento e na
intervenção que visem a mudanças nas organizações.
A abordagem utilizada no estudo em foco é cognitiva, baseada na percepção das
pessoas sobre os processos de mudança. Essa concepção alinha-se com o que
Merton (1957, apud Tamayo, 1999, p.241) chama de teorema de Thomas: "Se as
pessoas definem uma situação como sendo real, ela certamente é real em suas
consequências", uma vez que do ponto de vista comportamental a organização
relevante é a organização percebida pelas pessoas.
Esta é uma pesquisa quantitativa, com definições de variáveis a partir da
literatura e proposição de um modelo teórico que especifica relações entre
essas variáveis. O modelo teórico é representado pela figura_1 e mostra
relações entre variáveis no nível organizacional (valores organizacionais,
configurações de poder e capacidade organizacional para mudanças) e variáveis
no nível individual (atitudes em relação a mudanças) como fatores que
influenciam a percepção de mudanças organizacionais e individuais.
O principal objetivo na presente pesquisa foi testar relações entre variáveis
do tema de mudança organizacional identificando os fatores que influenciam
mudanças individuais e organizacionais percebidas pelos funcionários de uma
organização pública brasileira. Os fatores indicados como aqueles que
influenciam as mudanças percebidas foram: configurações de poder, valores
organizacionais, capacidade organizacional para a mudança e atitudes em relação
à mudança organizacional. Foram usados instrumentos de pesquisa (questionários
e escalas) validados para o Brasil, além de alguns estudos serem construídos
para a presente pesquisa. A análise dos dados foi realizada por meio de
estatística inferencial, com o uso de regressões múltiplas para o teste
empírico do modelo de relações proposto na pesquisa.
2. Referencial Teórico
Apesar da necessidade da mudança organizacional (TIENARI e TAINIO, 1999), do
ponto de vista científico muitas questões sobre esse processo permanecem sem
respostas. O conceito de mudança é uma dessas questões. Muitos são os aspectos
a considerar na formulação do conceito: escopo, intensidade, tempo de reação,
pessoas envolvidas, dentre outros (NEIVA, 2004). Atreladas às questões
conceituais, estão ainda as dificuldades relativas à tipologia de mudança,
considerando-se que há necessidade de especificar qual tipo de mudança está
sendo mencionada e qual é o objeto ou o conteúdo da mudança. Autores como Weick
e Quinn (1999), Bruno-Faria (2003) e Lima e Bressan (2003) investiram nesse
sentido na tentativa de suprir tais lacunas. Reformulando as proposições de
Lima e Bressan (2003), o conceito de mudança organizacional proposto por Neiva
(2004, p.23) e adotado nesta pesquisa é o seguinte:
* "Qualquer alteração, planejada ou não, em componentes que
caracterizam a organização como um todo - finalidade básica, pessoas,
trabalho, estrutura formal, cultura, relação da organização com o
ambiente -, decorrente de fatores internos e/ou externos à organização,
que traz alguma consequência, positiva ou negativa, para os resultados
organizacionais ou para sua sobrevivência".
O conjunto de fatores que influenciam a percepção de mudanças investigado neste
estudo foi extraído dos modelos explicativos de mudança organizacional
(DAMANPOUR, 1991; GREENWOOD e HININGS, 1996).
O modelo de mudança organizacional de Greenwood e Hinings (1996) estabelece
que, a partir de pressões do contexto em que a organização está inserida,
surgem pressões internas para as mudanças ativadas pelo jogo de poder
decorrente da insatisfação de interesses entre os membros da organização e pelo
grau em que os indivíduos se comprometem com os valores organizacionais. As
organizações são arenas nas quais coalizões com diferentes interesses, graus
diferenciados de envolvimento com os valores preponderantes na organização e
capacidades de influenciar tentam dominar.
Considerando que há poucos modelos explicativos da mudança organizacional, na
presente pesquisa partiu-se do modelo de Greenwood e Hinings (1996) para
identificar alguns fatores que influenciam as mudanças individuais e
organizacionais percebidas por funcionários de uma organização pública. O
referido modelo foi utilizado como ponto de partida ou inspiração teórica para
a construção de relações hipotéticas entre variáveis extraídas de outras
fundamentações teóricas da área de organizações. Esses autores abordam no
modelo as variáveis poder nas organizações, valores organizacionais, capacidade
da organização para efetuar mudanças. Para incluir essas variáveis como fatores
que influenciam as mudanças em organizações, foram agregados, a partir da
literatura de organizações, aportes teóricos que permitissem investigar
empiricamente tais fenômenos. Além das variáveis organizacionais citadas, foram
incluídas na pesquisa variáveis individuais, na medida em que a literatura
sobre mudança organizacional ressalta o papel da cognição humana como fator que
influencia o processo de mudança organizacional (DAMANPOUR, 1991; GEORGE e
JONES, 2001).
2.1. Da relação entre as características organizacionais (poder, valores
organizacionais e capacidade organizacional para mudanças), as atitudes
individuaise a percepção de mudança
Inúmeros autores têm apontado a relação entre valores e mudança organizacional.
Alguns abordam os valores organizacionais como conteúdo para mudanças profundas
e culturais na organização (WIENER, 1988; KABANOFF, WALDERSEE e COHEN, 1995);
outros apontam a relação entre alguns tipos de valores e a ocorrência de
mudanças em práticas organizacionais (TAMAYO, MENDES e PAZ, 2001; BHARGAVA e
MATHUR, 2002; MENON, 2002; SAGIE, 2002); outros, ainda, falam do envolvimento
com os valores como fator que influencia a ocorrência de mudanças na
organização. Em outras palavras, se os indivíduos forem envolvidos com os
valores organizacionais - e dessa forma são valores fortes -, menor a
probabilidade de ocorrência de mudança organizacional (GREENWOOD e HININGS,
1996).
Neste estudo, valores organizacionais são conceituados como "princípios
orientadores da vida organizacional" (TAMAYO, 1997, p.182) e são
estruturados em três eixos que representam um contínuo: autonomia versus
conservação, hierarquia versus estrutura igualitária e harmonia versus domínio.
Esses valores são avaliados a partir do que é característico da organização e
do que é desejado por seus membros. Tamayo (1997) propõe que esses eixos
envolvem questões a serem resolvidas pelo grupo no que diz respeito à
manutenção da sobrevivência da organização.
Valores de conservação enfatizam na organização a manutenção do status quoe a
interdição de comportamentos que perturbem normas e tradições, enquanto valores
de autonomia estão relacionados a criatividade e responsabilidade individual, a
testagem de novas soluções e novas formas de pensar, agir e executar o
trabalho. Valores de hierarquia enfatizam diferenciação e status como forma de
garantir o cumprimento da missão organizacional, dando ênfase a autoridade,
fiscalização e supervisão, enquanto valores de estrutura igualitária expressam
justiça social, igualdade e responsabilidade.
Valores de domínio, que caracterizam a relação organização-ambiente, retratam a
exploração do meio ambiente e o domínio sobre o mercado, com imposição de
produtos e imagem, enquanto valores de harmonia retratam respeito à natureza e
bom contato com outras organizações. Assim, esses tipos de valores permitem
avaliar em que medida valores específicos influenciam mudanças na organização e
permitem avaliar se, quanto mais os indivíduos são envolvidos com valores,
menor a probabilidade de ocorrência de mudanças na organização.
Para resolver a questão do grau de envolvimento entre os indivíduos e os
valores das organizações, Tamayo e Borges (2000) estabelecem o coeficiente de
satisfação com as prioridades axiológicas da organização, que é obtido por meio
da avaliação dos valores no nível do que é real, que é desejado ou esperado por
seus membros. O grau de satisfação com os valores organizacionais e do
postulado pela literatura como precipitador de mudanças é calculado para cada
um dos polos avaliados dos valores organizacionais. O coeficiente é calculado a
partir da subtração dos valores reais daqueles que são desejados pelos membros
da organização.
Para a abordagem do fenômeno do poder, foi selecionada a teoria do poder
organizacional de Mintzberg (1983). Segundo essa teoria, mudança organizacional
consiste na alteração de uma configuração de poder para outra configuração,
possibilitada pela ação política dos jogadores que confrontam o sistema de
influência legítimo e promovem realinhamento do poder, de maneira imprevisível,
instalando a arena política na organização. A arena política pode ser
antecessora de mudança nas características fundamentais da organização, quando
caracteriza a crise de passagem de uma configuração para outra. Há tempo para
coerência e estabilidade e tempo para mudar. Assim, ocorrem períodos de
estabilidade relativa em determinado estágio de desenvolvimento organizacional,
que são interrompidos por saltos ocasionais bastante significativos para gerar
novos estágios. Esses estágios sucessivos de configuração e períodos de
transformação podem ordenar-se ao longo do tempo em sequências padronizadas,
descrevendo ciclos de vida de organizações. Para esse autor, as mudanças nas
organizações seriam um quantum: a mudança quântica significa mudança de muitos
elementos ao mesmo tempo, em comparação com a mudança gradativa - um elemento
por vez.
Mintzberg (1983) propõe seis configurações de poder organizacional que retratam
características organizacionais presentes nesses estágios: arena política,
autocracia, meritocracia, missionária, instrumento e sistema fechado, essa
última denominada sistema autônomo por Paz, Martins e Neiva (2004). As seis
configurações propostas são assim concebidas:
* autocracia - o poder é concentrado no mais alto chefe da organização, que
define e maximiza as metas a serem atingidas;
* instrumento - as organizações servem de instrumento para o alcance de
objetivos claramente estabelecidos por um indivíduo ou grupo de fora da
organização;
* missionária - o grande influenciador é a ideologia, que mantém a coalizão
passiva e favorece a forte identificação de seus membros com as metas e
os objetivos ideológicos;
* meritocracia - os especialistas têm o poder com base nas habilidades e no
domínio de conhecimento e são os mais fortes influenciadores internos;
* sistema autônomo - os próprios membros da organização, especialmente seus
administradores, são os grandes controladores das decisões
organizacionais;
* arena política - ocorre o aumento da atividade política e a diminuição
das forças de integração, é típica de organizações em crise.
Além dos valores organizacionais e do poder nas organizações, para alguns
autores, certas organizações possuiriam maior capacidade para mudar que outras.
A existência da mudança organizacional, segundo Greenwood e Hinings (1996),
também depende do grau de recursos internos que a organização consegue
mobilizar para promovê-la. Os fatores que habilitam para a mudança são
dependência de recursos externos para sobreviver e capacidade de ação na
dinâmica intraorganizacional. O conceito de capacidade organizacional para a
mudança está relacionado à existência de condições ou características
organizacionais, ou dos membros, que são positivamente relacionadas à
implantação do programa de mudanças, ou talvez, ainda, funcionem como
facilitadores da implantação desse programa (DAMANPOUR, 1991; HUBER et al.,
1993; GRAVENHORST, WERKMAN e BOONSTRA, 2003).
A partir do trabalho de Fisher (2002), os fatores listados como facilitadores
da mudança organizacional foram os seguintes: trabalho em grupo envolvendo
unidades e pessoas; direção, flexibilidade e confiança na atuação gerencial;
coalizões políticas de apoio à mudança; fluxo de informação abrangente, rápido
e preciso; estratégia que reflete as demandas do ambiente externo; turbulência
no ambiente externo; autonomia das unidades e das pessoas. O único fator
apontado como restritor de mudanças foi a existência de burocracia e lentidão
organizacionais. Os oito fatores avaliados pelo instrumento são definidos a
seguir.
* Turbulência no ambiente externo
Refere-se às forças do ambiente externo que atuam como estímulos para a mudança
na organização. Inclui inovação tecnológica, novas regulamentações, políticas
do governo, crises econômicas, forças competitivas de mercado, política
mundial, modificações no comportamento dos consumidores, modificações no
comportamento dos membros da sociedade.
* Estratégia de atuação
Refere-se à existência de um plano de ação para médio e longo prazos que
delimita ações desenvolvidas para a organização garantir coerência interna e
externa da ação organizacional. Inclui coerência da estratégia com as demandas
do ambiente externo, visão de futuro para a organização, conhecimento da
estratégia organizacional pelos empregados, uso de debate interno e externo na
decisão da estratégia organizacional, avaliação periódica da estratégia e uso
das demandas do ambiente externo para as decisões operacionais, regularidade na
mudança de estratégia de atuação.
* Dinâmica de coalizões
Refere-se ao modo como as coalizões se organizam para apoiar ou resistir às
mudanças propostas. Inclui alianças para promover mudanças, interesse em
promover mudança, patrocínio de grupos influentes e da liderança, pressão das
lideranças para mudança, resistência de grupos ou lideranças, satisfação de
grupos influentes com o padrão atual de funcionamento da organização.
* Autonomia de unidades e pessoas na organização
Refere-se ao processo de descentralização das decisões na organização,
enfatizando a possibilidade de as pessoas e de as unidades tomarem decisões
importantes sobre a organização. Inclui centralização e descentralização da
tomada de decisão, com possibilidade de tomar decisões sobre projetos
inovadores sem barreiras no ambiente organizacional, unidades responsáveis por
projetos inovadores e autonomia na execução do trabalho que envolva indivíduos
e grupos.
* Trabalho em grupo envolvendo pessoas e unidades
Refere-se à forma com que o trabalho é coordenado, dividido e executado na
organização, dando ênfase à atuação focalizada em grupos ou equipes de
trabalho. Inclui centralização e descentralização da tomada de decisão,
execução de atividades ou tarefas que envolvam grupos de pessoas, e atuação
conjunta de várias unidades.
* Burocracia (burocracia e continuísmo organizacional)
Refere-se à existência de barreiras que impedem a adoção de inovações na
organização. Inclui existência de uma intensa diferenciação vertical (com
vários números de níveis hierárquicos), formalização e padronização de
procedimentos, repetição de práticas rotineiras.
* Fluxo de comunicação na organização
Refere-se às características do processo de comunicação que favorecem a mudança
na organização. Inclui clareza, objetividade e rapidez na transmissão de
informações; acesso às informações necessárias ao trabalho; intercâmbio com
outras organizações e unidade.
* Direção e flexibilidade na atuação gerencial
Referem-se às práticas adotadas pelos gerentes para administrar seus recursos
no curso normal de suas ações que favorecem a mudança na organização. Enfatizam
a existên-
cia de direção, flexibilidade e confiança na atuação gerencial. Incluem ter
objetivos claros, estabelecer metas claras e definidas, permitir a criação,
valorizar opinião, iniciativas e ideias dos empregados, estimular a
aprendizagem, confiar e inspirar confiança, ter coerência entre o discurso e a
prática, estar disposto a correr riscos, sentir-se responsável pela mudança,
reconhecer as diferenças individuais e prioridades de execução das atividades.
Além desses fatores, Damanpour (1991) aponta que as atitudes dos gerentes ante
a mudança determinam a participação dos empregados e o sucesso da implantação
do programa de mudanças, o que indica que o processo cognitivo dos indivíduos é
determinante no que diz respeito a mudança. Ademais, muitos programas de
mudança nas organizações têm seu fracasso atribuído às resistências dos
indivíduos (BOVEY e HEDE, 2001). Esse argumento somente justifica a análise do
processo cognitivo dos indivíduos como componente da mudança organizacional.
Neiva, Ros e Paz (2004) apresentam um trabalho em que atitudes de ceticismo,
temor e aceitação são exibidas pelos membros da organização em momentos de
mudança. A validação prévia foi realizada com uma amostra de 409 sujeitos de
duas organizações brasileiras. A escala possui três fatores (ceticismo, temores
e aceitação), que representam as três atitudes típicas apresentadas pelos
indivíduos em situação de mudança organizacional. As atitudes de aceitação
retratam uma avaliação sobre crenças e comportamentos positivos dos membros
organizacionais em relação aos processos de mudança. As atitudes de temor
retratam o medo da perda de poder, da perda de benefícios e das incertezas
vividas pelos membros da organização em situações de mudança. As atitudes de
ceticismo, por sua vez, englobam crenças e comportamentos negativos em relação
aos processos de mudança, com ênfase no descrédito e na não colaboração com os
programas de mudança.
A cognição humana tem sido associada sempre a formulações sobre mudança
organizacional. O processo cognitivo constitui a mola para inferência de
mudança organizacional e, por tal fato, também se configura como um dos
impedimentos para que o indivíduo se vincule ao processo de mudança, o
reconheça como tal e apresente novos comportamentos adequados às mudanças
propostas. A cognição também é ressaltada como influenciadora do engajamento
das pessoas nos grandes programas de mudança implantados. Ela tem sido apontada
como o vínculo entre aspectos organizacionais (características e cultura
organizacionais) e aspectos individuais. Assim sendo, neste trabalho tenta-se
também abordar tal relação por meio da avaliação de algumas variáveis
especificas: atitudes dos indivíduos ante a mudança organizacional e as
mudanças percebidas nos níveis individual e organizacional. Atitudes de
oposição, medidas em suas formas de temor e cinismo, e aceitação da mu-
dança foram avaliadas após o processo de mudança.
De maneira sistemática, o estudo aglutina várias proposições teóricas
apresentadas por autores de modo isolado, procurando formas de mensurar e
analisar tais proposições, fornecendo respostas para espaços vazios e
sistematizando conhecimento fragmentado e prescritivo. Conjugando proposições
sobre fenômenos da capacidade organizacional, dos valores e do poder nas
organizações e suas funções na mudança organizacional, o estudo integra
variáveis de cognição individual com percepções sobre as características
organizacionais.
A avaliação de mudanças percebidas, nos níveis individual e organizacional, foi
adotada como estratégia para começar a lançar subsídios empíricos sobre
relações entre mudanças nos indivíduos e mudanças na organização como um todo.
Essa medida perceptual foi a medida de mudança usada no estudo.
3. Objetivos do estudo
O primeiro objetivo da presente pesquisa foi testar um modelo teórico de
mudança organizacional identificando os fatores que influenciam mudanças
individuais e organizacionais percebidas pelos funcionários de uma organização
pública brasileira. Os fatores indicados como aqueles que influenciam as
mudanças percebidas foram: configurações de poder, valores organizacionais,
capacidade organizacional para a mudança e atitudes em relação à mudança
organizacional.
Considerando que o estudo se iniciou antes da implantação de um programa de
mudança, foi estabelecido o segundo objetivo: identificar se variáveis do nível
macro - características da organização - afetariam a percepção de mudança
individual e organizacional após a implantação do referido programa. Para tal,
os valores e as configurações de poder organizacionais foram identificados
antes e depois da implantação do referido programa de mudança.
A proposição de relações explicativas entre variáveis organizacionais e
individuais gerou uma representação gráfica das relações entre as variáveis
estudadas em que se tentam explicar, por meio da regressão hierárquica, as
mudanças individuais e organizacionais percebidas. As relações entre as
variáveis da pesquisa estão apresentadas na figura_1.
4. Metodologia
Neste estudo quantitativo, com duração de quatro anos, utilizaram-se escalas
validadas psicometricamente para investigar os fatores preditores de mudanças
organizacional e individual percebidas. As entrevistas semiestruturadas com os
coordenadores do programa de mudanças e com os profissionais de recursos
humanos da instituição e os documentos analisados subsidiaram a construção do
instrumento de percepção de mudanças individuais e organizacionais. Para a
construção do questionário de percepção de mudanças individuais e
organizacionais foram entrevistados cinco profissionais (entre profissionais da
área de Recursos Humanos e coordenadores do programa de mudanças).
Os preditores das mudanças percebidas foram avaliados nas aplicações 1 e 2
(aplicações ocorridas em 1999 e em 2003) dos instrumentos que avaliam
características organizacionais e dos demais instrumentos aplicados no momento
2 (quatro anos após a aplicação inicial). No primeiro momento, foram aplicados
somente os instrumentos de configurações de poder e valores organizacionais. No
segundo momento, além dos instrumentos de configurações de poder e valores
organizacionais, foram aplicados também o instrumento de atitudes em relação à
mudança organizacional, a escala de capacidade organizacional para a mudança e
o instrumento de percepção de mudança individual e organizacional.
A pesquisa foi desenvolvida em dois momentos diferenciados. No momento 1, ano
de 1999, foram investigadas as características organizacionais - valores e
configurações de poder - anteriores às intervenções realizadas na organização
relativas ao programa de mudanças. No momento 2, ano de 2003, foram
investigadas as características das organizações mensuradas em 1999
(configurações de poder e valores organizacionais), assim como as atitudes dos
indivíduos em relação a mudança, capacidade organizacional para a mudança e
mudanças individuais e organizacionais percebidas.
No intervalo de tempo entre 1999 e 2003 foram construídos e validados os demais
instrumentos de coleta de dados, conforme apresentado a seguir:
* em 2000, foram levantadas as demandas de mudança por meio de entrevistas
e de análise documental que serviram de base para a construção do
instrumento de percepção de mudanças individuais e organizacionais;
* em 2001/2002, foram realizadas intervenções na organização que incluíram
processo de implantação do planejamento estratégico na organização e
organização do trabalho por projetos e equipes;
* para facilitar a compreensão do período de pesquisa e das etapas
mencionadas anteriormente, foi elaborado o esquema temporal da pesquisa e
das intervenções na organização, como consta na figura_2.
4.1. Instrumentos
Foram utilizadas como instrumentos de pesquisa cinco escalas validadas
psicometricamente, aplicadas por meio eletrônico.
4.1.1. Configurações de poder organizacional
Para investigação das configurações de poder organizacional, utilizou-se a
escala de configuração de poder organizacional (Paz, 1997), baseada na teoria
do poder organizacional, composta por seis fatores correspondentes às
configurações de poder propostas por Mintzberg (1983). Essa escala, já aplicada
em várias organizações (VARGAS, 1997; MARTINS e PAZ, 2000; ANDRADE-MELO, 2001),
tem corroborado seu poder discriminador e, portanto, sua aplicabilidade.
4.1.2. Inventário de valores organizacionais
Para identificação dos valores organizacionais, foi utilizado o inventário de
valores organizacionais (Tamayo, Mendes e Paz, 2001). A escala é composta por
seis dimensões que representam os três eixos da estrutura de valores
organizacionais: autonomia versus conservação; hierarquia versus estrutura
igualitária; harmonia versus domínio. As várias aplicações da escala em
diversas organizações (Oliveira, 2004; Tamayo, 2005; Paschoal, 2008) dão
suporte para sua aplicação na pesquisa em foco.
4.1.3. Atitudes diante da mudança
Para o presente estudo, foi construída uma escala de atitudes diante da
mudança, construída e validada para esta pesquisa, com uma estrutura de três
fatores: um de aceitação à mudança e dois de oposição a ela - temor e cinismo.
A escala foi construída a partir de entrevistas com profissionais de recursos
humanos sobre o processo de mudança organizacional e as reações dos indivíduos
a ele. Os dados de validação da escala encontram-se em Neiva, Ros e Paz (2004).
4.1.4. Capacidade organizacional ou recursos organizacionais que facilitam a
mudança
A partir do trabalho de Fisher (2002), foi reformulado o instrumento para a
pesquisa aqui relatada. Foram construídas duas escalas de avaliação da
capacidade organizacional para mudanças que mensuram os seguintes fatores:
trabalho em grupo envolvendo unidades e pessoas; burocracia e lentidão
organizacionais; direção, flexibilidade e confiança na atuação gerencial;
coalizões políticas de apoio à mudança; fluxo de informação abrangente, rápido
e preciso; estratégia que reflete as demandas do ambiente externo; turbulência
no ambiente externo e autonomia das unidades e das pessoas. Os demais dados de
validação da escala de capacidade organizacional para a mudança encontram-se em
Neiva (2004).
4.1.5. Instrumento de percepção de mudanças individuais e organizacionais
O instrumento de percepção de mudanças individuais e organizacionais foi
construído a partir da análise de documentos e entrevistas semiestruturadas com
todos os coordenadores do programa de mudanças e com os profissionais de
recursos humanos da instituição envolvidos, num total de cinco participantes.
Foram analisadas 300 páginas de documentos submetidas à análise de conteúdo.
Partindo de entrevistas semiestruturadas e de análise de documentos, foram
investigadas as demandas de mudança apontadas pelos atores organizacionais que
serviram de base para o planejamento das intervenções para a mudança. Das
categorias encontradas na análise de conteúdo e na análise dos documentos,
foram construídos itens para o instrumento de percepção de mudanças. O
instrumento de percepção de mudança individual avalia se o comportamento mudou
em relação à organização e à unidade de trabalho. O primeiro fator, com dez
itens, alfa de Cronbach de 0,85, engloba os itens que avaliam a percepção de
mudança comportamental em relação à organização como um todo. O segundo fator,
com doze itens, alfa de Cronbach de 0,80, engloba os itens que avaliam a
percepção de mudança comportamental em relação à unidade de trabalho do
respondente. Esse fator avalia se o indivíduo percebe o que mudou em sua
participação na equipe de trabalho, em seu conhecimento das metas da equipe e
na autonomia para realização do trabalho. Os dados de validação desse
instrumento encontram-se em Neiva (2004). A mudança individual em relação à
unidade aborda o quanto o indivíduo percebe que participa das decisões e
atividades da unidade. A mudança comportamental em relação à organização avalia
o quanto o indivíduo considera que defende mais suas posições na organização,
participa das decisões e atua com foco em metas e resultados.
O instrumento de percepção de mudança organizacional mostrou-se adequado para
submissão à análise de dimensões, que foram as seguintes: busca de resultados e
alcance de metas da organização e de seus grupos; horizontalidade e aproximação
dos diversos grupos que compõem a organização; busca por desenvolvimento dos
servidores de acordo com a competência técnica; participação dos servidores nas
equipes de trabalho e nas decisões da organização; valorização dos servidores e
preocupação com o seu bem-estar; melhoria da imagemexterna da organização e
busca por transparência de ações. Todos os índices de precisão das dimensões,
alfas de Cronbach, foram superiores a 0,70.
Apesar de as escalas de configurações de poder e valores organizacionais terem
validade e precisão previamente confirmadas, para maior certeza de sua
confiabilidade, os parâmetros psicométricos foram verificados a partir dos
dados recolhidos na organização (na primeira e na terceira etapas do estudo).
Assim, foram calculados coeficientes de precisão (alfa de Cronbach) para cada
um dos fatores do instrumento e realizadas novas análises fatoriais para
confirmar sua validade nas duas amostras. Os resultados mostraram que os
índices de adequação das amostras para realização de análises fatoriais dos
instrumentos - o KMO - ficaram sempre acima de 0,90, o que, segundo Pasquali
(1998), indica que essas amostras são muito adequadas para realização das
análises fatoriais.
Outro dado importante das análises fatoriais refere-se à extração do mesmo
número de fatores indicados por análises anteriores para a escala de
configurações de poder organizacionais e para o instrumento de valores
organizacionais. Além do mesmo número de fatores, os itens que compõem cada
fator foram também basicamente os mesmos, com cargas fatoriais acima de 0,30.
Esse resultado confirma a adequação do instrumento para investigação das
variáveis indicadas. Quanto aos índices de confiabilidade dos fatores, estes
ficaram sempre acima de 0,80 para as amostras da primeira e da terceira
aplicações, indicando bom grau de precisão da medida.
4.2. Procedimentos
A aplicação dos instrumentos foi realizada por meio de um site da Internet,
atrelado a um banco de dados, em que o indivíduo respondia às questões, que
eram enviadas e armazenadas no banco. Os instrumentos ficaram disponíveis aos
funcionários da organização pelo período de 30 dias Os funcionários receberam
correspondências que incentivavam a participação na pesquisa, além da repetição
de informações sobre como preencher os formulários do site.
A organização estudada foi uma entidade pública brasileira, com certa autonomia
administrativa, destinada a fiscalizar a aplicação dos recursos públicos, com
sede no Distrito Federal.
As intervenções realizadas foram: alterações na estrutura organizacional;
planejamento e reestruturação do trabalho realizado; criação e aprovação de
plano de carreira e reformulação das formas de atribuição de recompensas;
criação de programas de especialização e investimento em treinamentos;
implantação do programa de avaliação de desempenho por resultados e
comportamentos; atuação dos componentes organizacionais com base em projetos
com equipes específicas designadas; programa de desenvolvimento de líderes e
equipes.
4.3. Amostra
A amostra do estudo caracteriza-se por ser de conveniência, nos dois momentos
do estudo.Na primeira aplicação dos instrumentos, 949 sujeitos responderam ao
instrumento de configurações de poder e de valores organizacionais. Os 949
sujeitos representam 56% dos funcionários da organização. Os instrumentos da
segunda aplicação do estudo foram utilizados no mesmo universo de onde se
extraiu a primeira amostra do estudo. No total, foram respondidos 456
questionários, que representam 21,75% dos 2.100 funcionários da organização. As
características da amostra em termos de dados demográficos foram mantidas na
segunda aplicação.
4.4. Procedimento de análise de dados
Para testar quais fatores influenciam a percepção de mudança nos níveis
individual e organizacional, foram realizadas regressões hierárquicas tendo
como variáveis dependentes: percepções de mudança em relação à unidade; à
organização, aos resultados da organização; à horizontalidade da organização;
ao bem-estar e à participação dos funcionários; ao desenvolvimento da
competência técnica; à imagem externa da organização, etc. Como variáveis
independentes, entraram na equação de regressão, no primeiro bloco: todos os
polos de valores reais; todos os polos de valores desejáveis; todas as
configurações de poder; todos os graus de satisfação com os polos de valores;
todos os fatores de capacidade organizacional para a mudança. No segundo bloco,
foram: todos os tipos de atitudes diante da mudança. Há uma comparação entre a
influência das características organizacionais percebidas em 1999 e as
características percebidas em 2003. Nas regressões foram utilizados os dados
obtidos na primeira e na terceira etapas do estudo. Esses resultados são
apresentados com separação por variáveis dependentes analisadas.
5. Resultados e Discussão
5.1. Mudança individual em relação à unidade de trabalho
Conforme mostra a tabela_1, a mudança individual em relação à unidade de
trabalho, tão ressaltada como objetivo do projeto de intervenção, foi explicada
pelos valores desejados de autonomia, pelos valores do polo autonomia, pela
insatisfação com os valores de domínio, pela insatisfação com os valores do
polo autonomia, pelas atitudes de ceticismo e aceitação da mudança. Em outras
palavras, quanto mais as pessoas percebem que mudaram em relação à unidade de
trabalho, mais percebem que os valores do polo autonomia são desejados na
organização. Percebem também a presença de valores de autonomia e apresentam
insatisfação quanto aos valores de autonomia, além de menos atitudes de temor e
mais atitudes de aceitação das mudanças.
Quando comparadas as duas aplicações dos instrumentos, percebe-se que o polo de
valores desejáveis "autonomia" permanece como preditor da mudança
individual nas duas situações. As pessoas que mais desejam que os valores de
autonomia façam parte da organização também são aquelas que mais percebem
mudança individual em relação à unidade de trabalho. Os valores de autonomia no
trabalho, principalmente quando desejados, parecem ter papel importante em
relação à mudança individual, o que corrobora os estudos e as proposições de
Bhargava e Mathur (2002) e Menon (2002) sobre a influência dos valores na
introdução de mudanças na organização. Os resultados dos valores de autonomia
também corroboram as afirmações de Lewis (1994) sobre a mudança nos indivíduos
ser precedida por valores reais ou desejados pelos respondentes.
A mudança individual em relação à organização foi explicada pelos valores do
polo autonomia e domínio, pela insatisfação com valores de domínio, pela
adequação da estratégia organizacional ao ambiente externo e pelas atitudes de
aceitação da mudança organizacional.
No caso da mudança individual em relação à organização, a atitude de aceitação
frente à mudança e o polo de valores autonomia permanecem como preditores nas
duas situações. Mudança individual em relação à organização é explicada por
indivíduos que apresentam predisposição para aceitar a mudança e por aqueles
que consideram que a organização é orientada por valores de autonomia. Ao
observar o conjunto de preditores da mudança individual percebida, tanto em
relação à organização quanto em relação à unidade de trabalho, os grandes
influenciadores do fato das mudanças nas pessoas são os valores do polo
autonomia e as atitudes de aceitação da mudança. Aqui, novamente, os dados
corroboram as proposições de Bhargava e Mathur (2002) e Menon (2002) sobre a
influência dos valores na introdução de mudanças na organização. Esses achados
também corroboram as hipóteses de Lewis (1994) sobre a mudança nos indivíduos
ser precedida por valores.
A intervenção inicialmente investigada nesta pesquisa tinha como objetivo
primordial contribuir para a mudança dos indivíduos em seus comportamentos em
relação à unidade de trabalho e em relação à organização. Como implicação
prática, parece que a existência na organização de valores de autonomia, além
de indivíduos que aceitam as mudanças organizacionais, é prerrequisito para que
as mudanças sejam percebidas pelos membros da organização. Assim, valores que
indiquem maior autonomia para as pessoas parecem ser primordiais para que a
mudança organizacional ocorra.
5.2. Mudança em relação aos resultados organizacionais
Conforme consta na tabela_2, página 32, a mudança em relação aos resultados
organizacionais obteve sua melhor explicação estatística na regressão em que os
dados da segunda aplicação dos instrumentos foram utilizados. O preditor comum
em ambos os casos é a atitude de temor em relação às mudanças organizacionais,
pois aqueles que menos temem a introdução de mudanças são aqueles que mais
percebem a existência de mudanças no modo como a organização busca seus
resultados.
A percepção de mudança nos resultados organizacionais é explicada por vários
aspectos, entre eles as atitudes de temor em relação à mudança organizacional,
as atitudes de aceitação, os valores do polo harmonia, os valores do polo
igualitarismo (desejados e reais). Como essa foi uma das mudanças
organizacionais mais percebidas na organização pesquisada, a manutenção de
relações harmônicas com outras organizações e relações igualitárias
internamente parecem ser importantes para as mudanças nos resultados
organizacionais.
Tratando-se de uma organização pública que trabalha com auditoria, fiscalização
e julgamento de processos sobre o uso do dinheiro público, parece que a
manutenção de relações harmônicas com outras organizações e de relações
igualitárias internamente são fundamentais para que os trabalhos sejam
realizados com resultados satisfatórios.
5.3. Mudança na horizontalidade da organização
As mudanças na horizontalidade da organização são explicadas por fatores que
possuem íntima relação com a preponderância de relações de trabalho mais
igualitárias: a configuração missionária, que possibilita relações igualitárias
na organização; os valores do polo igualitarismo; os valores do polo hierarquia
e as atitudes de aceitação e temor em relação à mudança organizacional.
A configuração missionária e os valores de igualitarismo corroboram as
proposições teóricas de Mintzberg (1983) e Tamayo (1997), que afirmam serem
tais fatores característicos de organizações que privilegiam relações
igualitárias.
A percepção de que a organização está mais horizontal, com menos diferenciação
hierárquica, foi explicada, em am-
bas as etapas, pela atitude de temor em relação à mudança organizacional.
Entretanto, um dado interessante está no fato de as pessoas, que em um primeiro
momento consideravam a organização menos igualitária, hoje perceberem que ela
está mais horizontalizada. Esse parece ser um dado que corrobora alguma mudança
na horizontalidade da organização, ainda que tímida.
5.4. Mudança no desenvolvimento da competência profissional
A mudança percebida no desenvolvimento da competência profissional dos membros
da organização foi explicada pela ausência de turbulência no ambiente externo,
pela ausência de temor às mudanças organizacionais e pela presença de aceitação
das mudanças.
A ênfase na escolha de ocupantes de cargo de confiança e na divisão e
organização do trabalho pela competência profissional foi bastante ressaltada
pelos entrevistados na segunda etapa do estudo. Os respondentes perceberam
alguma mudança nesse aspecto, mas essa percepção esteve bastante relacionada,
nas duas etapas, aos respondentes que indicaram ausência de turbulência no
ambiente externo e por aqueles que apresentavam temor em relação à mudança.
Parece que a ausência de turbulência no ambiente externo, como fator
explicativo da percepção de mudança no desenvolvimento da competência
profissional, é um dado inesperado, por ser contrário a toda uma onda de
prescrições que apontam para a necessidade de desenvolvimento de múltiplas
competências num contexto de reformulação dos contratos de trabalho e de
construção de novas habilidades. Como se trata de organização pública, a
ausência de turbulência no ambiente
externo é comum, mas o discurso da competência profissional está bastante
difundido e isso pode favorecer mais investimentos na competência dos
servidores, ou fornecer argumentos para isso.
5.5. Mudança na participação dos servidores
A mudança na participação dos funcionários não apresentou preditores comuns nas
duas aplicações dos instrumentos. Valores do polo autonomia e do polo
igualitarismo, grau de satisfação com valores de conservação, valores desejados
de harmonia com outras organizações, valores de
harmonia, ausência de turbulência no ambiente externo e temores em relação à
mudança estão relacionados às mudanças percebidas na participação dos
funcionários na tomada de decisões.
Os respondentes que apresentaram percepção dos valores de autonomia, aqueles
que estavam satisfeitos com os valores de conservação, os que desejavam que a
organização mantivesse relações mais harmoniosas com outras organizações e os
que não percebiam a organização orientada pelos valores de igualitarismo foram
os que mais perceberam que houve mudanças na participação dos funcionários.
Após alguns anos (quase quatro), os indivíduos que consideravam a organização
mais harmoniosa com outras organizações, que não percebiam turbulência no
ambiente externo e que apresentavam menos atitudes temerosas em relação à
mudança organizacional foram os mais observadores de que os funcionários
estavam participando mais das decisões organizacionais.
Os valores de autonomia parecem estar relacionados às mudanças na participação
dos funcionários nas decisões da organização, corroborando assim os achados de
Bhargava e Mathur (2002) e Menon (2002) com os programas de empowerment. Os
demais preditores da mudança na participação dos servidores nas decisões
organizacionais parecem fazer mais sentido quando se observam as
características da organização que atua com fiscalização de gastos públicos,
possui como características valores de conservação e não sofre muitas
influências das turbulências do ambiente externo, tendo sua sobrevivência
financeira minimamente garantida.
5.6. Mudança no bem-estar dos servidores
A mudança no bem-estar dos servidores foi influenciada pela configuração
missionária, pelos valores de autonomia e igualitarismo, pelo fluxo de
informações na organização e pelas atitudes de temor e aceitação da mudança
organizacional, conforme os dados da tabela_2. O que parece promover o bem-
estar dos funcionários e influenciar mudanças nesse aspecto são valores que
promovem autonomia na realização do trabalho, configuração missionária e
valores de igualitarismo que privilegiam relações igualitárias entre membros da
organização, além do fato de os indivíduos não temerem e aceitarem a mudança
organizacional. Esse resultado vem ao encontro dos resultados do grau de
satisfação com valores organizacionais e com demandas de mudança na
organização, que ressaltam insatisfação com valores de hierarquia (no segundo
momento de aplicação dos instrumentos), indicando a hierarquia como
característica organizacional atrelada a privilégios e diferenciação de alguns
grupos. Esse resultado também corrobora algumas prescrições que enfatizam o
fato de estruturas igualitárias favorecerem o bem-estar dos membros da
organização (WIENER, 1988; KABANOFF, WALDERSEE e COHEN, 1995).
Atitudes de aceitação da mudança são aquelas que mais influenciam as mudanças
percebidas no bem-estar dos servidores da organização. Valores organizacionais
de autonomia e de falta de igualitarismo, percebidos na primeira aplicação do
estudo, foram aqueles que mais influenciaram a mudança no bem-estar dos
servidores. Nos resultados obtidos quatro anos depois, os que demonstraram
atitudes de aceitação, os que menos temiam a mudança e aqueles que percebiam
fluxo de informações eficiente na organização foram os que melhor perceberam a
mudança no bem-estar dos servidores.
5.7. Mudança na imagem externa da organização
As mudanças na imagem externa da organização foram explicadas pelas
configurações arena política e missionária, pelos valores de autonomia e
hierarquia, pelos polos de valores desejáveis, igualitarismo e atitudes de
temor, bem como pela aceitação da mudança organizacional.
Uma estrutura de relações mais frequentes encontradas na pesquisa pode ser
resumida pela figura_3, página 34. A presença de valores de autonomia na
organização, de valores de igualitarismo, de atitudes de temor e atitudes de
aceitação são as características da organização e as características dos
membros organizacionais que mais influenciam as mudanças individuais e
organizacionais percebidas.
A atitude de temor diante da mudança parece ser o fator que mais influencia a
percepção de mudança na imagem externa da organização. Aqueles que menos temem
a mudança organizacional são os que mais percebem mudança na imagem externa da
organização estudada. Aqueles que menos percebem a organização como uma arena
política são também os que mais percebem mudança na imagem externa da
organização. A instabilidade no ambiente interno da organização, caracteriza-
da pela luta entre grupos, parece não favorecer a percepção de mudanças na
atuação externa da organização, o que aparenta ser bastante lógico porque,
quando há muita instabilidade interna, os membros organizacionais dedicam
esforços a essa situação de luta, e a imagem externa da organização pode ficar
prejudicada.
Os indivíduos que menos temem mudanças e aqueles que mais as aceitam são os que
mais percebem alterações nas características organizacionais pesquisadas. As
atitudes de ceticismo não apareceram como preditoras em momento algum. Em
relação aos preditores de percepção de mudança organizacional, os valores de
igualitarismo, autonomia e harmonia são aqueles que melhor explicam os
resultados apresentados, por aparecerem, respectivamente, como preditores mais
frequentes. Os valores de autonomia como importantes fatores explicativos de
mudanças podem ser bastante característicos de organizações públicas que se
inserem em contextos institucionalizados com compartilhamento de valores e
crenças similares e manutenção de relações harmoniosas com outras organizações.
Configurações de poder e aspectos da capacidade organizacional para mudança
apareceram em menor frequência como preditores da percepção de mudança
organizacional. Entre es-
ses, as configurações arena política e missionária são as preditoras mais
frequentes, o que parece estar de acordo com a teoria de Mintzberg (1983), na
medida em que arena política designa instalação de crise e reorganização dos
grupos na organização. Essa crise pode vir a ser antecessora de mudanças. A
configuração missionária é uma configuração intermediária no processo de
desenvolvimento organizacional que antecede a maturidade da organização.
Da capacidade organizacional para mudança, os fatores de turbulência no
ambiente externo, a adequação da estratégia organizacional ao ambiente externo
e a presença de fluxo de informações eficiente parecem ser os aspectos que mais
influenciam as mudanças percebidas, o que, de maneira geral, corrobora achados
e proposições de Damanpour (1991), Burke e Litwin (1992), Huberet al. (1993),
Nadler, Shaw e Walton (1994), Mignerey e Rubin (1995), Mintzberg, Ahlstrand e
Lampel (2000), Bressan (2001). Contudo, esses componentes da capacidade
organizacional para mudança necessitam de maior suporte empírico e outros
estudos que os investiguem.
Considerando a percepção de mudança tanto no nível individual quanto no
organizacional, atitudes de temor, aceitação da mudança organizacional, polo de
valores autonomia e igualitarismo, respectivamente, foram os preditores mais
frequentes de percepção de mudança, como ilustrado pela figura_3.
Atitudes diante da mudança são ressaltadas na literatura como antecedentes dos
programas de mudança que apresentam sucesso (DAMANPOUR, 1991; LAU e WOODMAN,
1995; VALLEY e THOMPSON, 1998; PIDERIT, 2000; BOVEY e HEDE, 2001; GEORGE e
JONES, 2001). Os dados encontrados por meio das regressões corroboram essa
afirmação, tendo em vista que as mudanças percebidas foram explicadas com maior
frequência por essas variáveis. É necessário ressaltar, entretanto, que, pela
proximidade com o objeto de estudo - percepção de mudanças -, seria esperado
que tais relações ocorressem. É necessário adotar outros indicadores de
mudança, que não percepção, para essas proposições ganharem maior força na
lógica do pensamento indutivo.
Aliadas aos valores de autonomia e igualitarismo, atitudes de aceitação e
inexistência do temor podem atuar como bons antecedentes de programas e
intervenções para mudança nas organizações. Esses resultados corroboram as
postulações de Tamayo (1997), Tamayo e Borges (2000) e Tamayo, Mendes e Paz
(2001), além de achados empíricos correlatos que apontam a relação entre
valores e introdução de intervenções na organização (WIENER, 1988; BHARGAVA e
MATHUR, 2002; MENON, 2002; SAGIE, 2002).
6. Conclusões
De maneira geral, pode-se concluir que o modelo proposto agrega variáveis
capazes de explicar as mudanças individuais e organizacionais percebidas pelos
membros da organização. Assim sendo, o modelo pode ser considerado como
validado pelo estudo e apresenta suporte para algumas fundamentações teóricas
citadas no referencial deste trabalho. Contudo, as relações entre as variáveis
podem ser mais bem exploradas, pois trata-se de estudo inicial, com abordagem
quantitativa com amostra restrita a uma única organização.
O papel dos valores organizacionais, tanto os desejados quanto aqueles
presentes na organização, fica ressaltado na medida em que explicam em grande
parte das situações as mudanças percebidas. Aliadas aos valores de autonomia e
igualitarismo, atitudes de aceitação e inexistência do temor podem atuar como
bons antecedentes de programas e intervenções para mudança nas organizações.
Como implicação desse resultado, é necessário ressaltar que os valores da
organização necessitam ser estudados antes da implantação de programas de
mudanças. Além disso, valores que reforcem a autonomia dos indivíduos e a
igualdade entre as pessoas podem facilitar e muito a introdução das mudanças
desejadas.
Uma configuração de poder que ressalte a igualdade e a identificação dos
membros com a missão da organização também afeta a percepção de mudanças,
favorecendo maior sucesso do programa de mudanças.
As atitudes em relação às mudanças organizacionais são fatores que podem também
facilitar a introdução de mudanças. As organizações que se preocupam em
preparar seus membros para programas de mudanças constroem uma base para
atitudes de aceitação em relação aos programas, o que pode evitar o sofrimento
e impulsionar o sucesso do programa.
Fluxo de informações rápido e eficiente e estratégia organizacional planejada,
bem discutida e conhecida pelos colaboradores podem alterar a percepção das
pessoas sobre um programa de mudanças. O conhecimento sobre informações e
pretensões futuras da organização favorece uma situação de segurança que
permite aos indivíduos encarar as alterações de maneira positiva, ser
favoráveis a elas e engajar-se no processo, o que desencadeia intervenções bem-
sucedidas.
Por fim, a avaliação dos membros da organização de que as mudanças ocorreram é
fator bastante contundente, pois a realidade social é construída pelos atores
sociais que compartilham percepções e cognições.