Adaptação de expatriados organizacionais e voluntários: similaridades e
diferenças no contexto brasileiro
1. INTRODUÇÃO
Expatriações tornaram-se frequentes no mundo corporativo. A crescente busca
pela contratação de executivos com competências e vivências globais por parte
das empresas tem se mostrado como uma das razões para que cada vez mais pessoas
optem por viver e trabalhar fora das fronteiras de seu país de origem (OECD,
2007; STRACK et al., 2007; BROOKFIELD GLOBAL RECOLOCATION SERVICES, 2011).
Apesar de a literatura sobre expatriações tratar os executivos que trabalham e
vivem no exterior de forma homogênea, alguns autores (por exemplo, SUUTARI e
BREWSTER, 2000; VANCE, 2005; BEGLEY, COLLINGS e SCULLING, 2008; PELTOKORPI e
FROESE, 2009) têm defendido a distinção empírica e conceitual entre os
expatriados organizacionais (EOs), profissionais designados por empresas para
executar funções no exterior, e expatriados voluntários (EVs), que são aqueles
que decidem, por iniciativa própria, desenvolver uma carreira internacional.
A despeito de os expatriados no mundo hoje serem predominantemente voluntários
(MYERS e PRINGLE, 2005), poucos estudos têm buscado compreender processos
relativos à expatriação desse tipo de profissionais (PELTOKORPI e FROESE,
2009). Os EOs têm sido alvo de estudos que visam compreender as motivações das
empresas e de executivos nos projetos de expatriação organizacional (MILLER e
CHENG, 1978), explorar aspectos relacionados ao treinamento desses
profissionais (BLACK e MENDENHALL, 1990; BLACK, MENDENHALL e ODDOU, 1991) e a
respeito de sua adaptação (BLACK, 1988; CHEN e CHIU, 2009; RAMALU et al., 2010)
e do ajuste de sua família (SELMER, 2005; ANDREASON, 2008), assim como
investigações sobre as especificidades da expatriação feminina (SELMER e LEUNG,
2007; INSCH, 2008; THARENOU, 2010) e o processo de repatriação de executivos em
designação internacional (BEGLEY, COLLINGS e SCULLING, 2008). Esta não é uma
lista exaustiva, mas ilustrativa da ênfase da academia em processos relativos a
EOs, em detrimento da busca por semelhantes conhecimentos referentes a EVs.
Dentre os escassos estudos que buscam compreender empiricamente as distinções
entre EOs e EVs, destacam-se o de Doherty, Dickmann e Mills (2011), que
identificou distintas motivações para a expatriação em ambos os tipos de
profissionais, e o de Jokinen, Brewster e Suutari (2008), que avaliou os
diferentes ganhos de carreiras desses dois grupos de executivos após a
repatriação.
Apesar das contribuições desses estudos no sentido de revelar dimensões em que
ambos os grupos de expatriados se distinguem, faz-se necessário compreender
idiossincrasias do processo de adaptação de EOs e EVs, comparando-os. Entre os
temas mais relevantes na literatura sobre expatriação, destaca-se o processo de
adaptação transcultural, apontado por Black, Mendenhall e Oddou (1991) como
conceito central para a área de gestão internacional de recursos humanos. Nesse
contexto, neste estudo teve-se como objetivo diferenciar EOs e EVs conceitual e
empiricamente, ao examinar diferenças no processo de adaptação de indivíduos de
ambos os grupos no Brasil.
Pretende-se contribuir para a literatura sobre gestão internacional de recursos
humanos de algumas formas. Primeiro, este estudo contribui para que se
reconheça a importância de ampliar o foco de pesquisa, hoje mais concentrado em
EOs, de forma a incluir EVs. Segundo, ressalta aspectos que diferenciam
empiricamente os dois tipos de expatriados citados. Tais distinções, caso
ignoradas em futuras pesquisas, podem levar a resultados imprecisos. Terceiro,
fornece informações a pesquisadores e gestores a respeito da adaptação de EOs e
EVs no ambiente de negócios brasileiro.
Este artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente, apresenta-se uma
revisão de literatura a respeito da adaptação transcultural e das distinções
entre EOs e EVs. Em seguida, descreve-se a metodologia, sucedida da
apresentação e da discussão dos resultados. O estudo encerra-se com a
apresentação de sugestões práticas e acadêmicas e das limitações da pesquisa.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Adaptação transcultural
A adaptação transcultural refere-se à facilidade ou à dificuldade que as
pessoas enfrentam em relação a diversos aspectos ligados à vida e ao trabalho
no exterior (LEE e VAN VORST, 2010). Envolve redução de incertezas no sentido
de possibilitar que o indivíduo se sinta mais confortável com uma nova cultura
e nela viva em maior harmonia (BLACK, 1988; TAKEUCHI et al., 2005; PELTOKORPI e
FROESE, 2009). Expatriados bem-adaptados são abertos a novas experiências,
mostram-se tolerantes e receptivos aos padrões existentes na cultura de destino
(CHURCH, 1982) e auxiliam a organização em processos de fusões e aquisições e
entradas em novos mercados, por exemplo (PELTOKORPI e FROESE, 2009). Já aqueles
que enfrentam problemas de adaptação em outro país tendem a apresentar
insatisfação em relação ao trabalho (SHAY e BAACK, 2006) e, em situações mais
extremas, frequentemente vivenciam términos prematuros da designação no
exterior e até demissões (RAMALU et al., 2010). Esse conjunto de fatores levou
a adaptação transcultural à condição de tema frequente e atual na literatura
sobre negócios internacionais, conforme ressaltado em revisões sobre o tema
(por exemplo, BLACK, Mendenhall e Oddou, 1991; BASHKAR-SHRINIVAS et al., 2005).
Os estudos seminais de Black (1988) e Black, Mendenhall e Oddou (1991) propõem
que a adaptação transcultural de expatriados possui três facetas centrais: a
adaptação geral, a adaptação ao trabalho e a adaptação quanto à interação. A
primeira envolve aspectos como temperatura, alimentação, transporte, compras,
diversão e vida em geral na cultura de destino. A adaptação ao trabalho refere-
se ao ajuste necessário para adequar-se a padrões de trabalho, liderança e
relacionamentos profissionais com companheiros no exterior. A adaptação quanto
à interação, por sua vez, diz respeito ao conforto psicológico no que se refere
ao relacionamento com pessoas fora do ambiente profissional no país de destino.
A validação desse modelo foi verificada em diversos estudos (BASHKAR-SHRINIVAS
et al., 2005).
Alguns pesquisadores têm usado essas facetas como categorias de análise em
estudos sobre adaptação transcultural de expatriados (por exemplo, PELTOKORPI e
FROESE, 2009; JENKIS e MOCKAITIS, 2010), inclusive no Brasil (GUIGUET e SILVA,
2003). A adaptação de expatriados tem recebido atenção crescente de
organizações em razão da necessidade de criar-se uma força de trabalho capaz de
pensar globalmente. O número crescente de fusões e aquisições envolvendo
empresas de diferentes países, assim como outras formas de internacionalização
de negócios, também tem contribuído para o crescimento do interesse pelo tema.
A adaptação transcultural pode ser influenciada por diversos fatores. Algumas
características individuais, como a personalidade (FENNER JR. e SELMER, 2008;
KIM e SLOCUM, 2008; CHIU et al., 2009) e a inteligência cultural (KUMAR, ROSE e
SUBRAMANIAM, 2008; WU e ANG, 2011) do expatriado, têm sido apontadas como
importantes para a compreensão do ajuste em diferentes culturas. Alguns autores
(ANDREASON, 2008; BROWN, 2008) também têm apontado a adaptação do cônjuge do
expatriado como outro fator que influencia esse processo. Dentre os fatores
organizacionais, citam-se como facilitadores a realização de treinamentos sobre
competências sociais (PIRES, STANTON e OSTENFELD, 2006; SELMER e FENNER Jr.,
2008) e o apoio em termos de fixação de residência e locomoção (VAN DER BANK e
ROTHMANN, 2006; CHEN e CHIU, 2009; LEE e VAN VORST, 2010). Alguns fatores
contextuais, como a cultura do país de destino (TANURE, BARCELLOS e CYRINO,
2006; VARMA, BUDHWAR e PICHLER, 2010) e a distância cultural entre os países de
origem e destino (JENKIS e MOCKAITIS, 2010; SELMER, CHIU e SHENKAR, 2011),
também são apontados frequentemente como influenciadores da adaptação dos
expatriados.
No Brasil, ainda são escassos os esforços de pesquisa sobre a adaptação de
expatriados. Na pesquisa de Gonçalves e Miura (2002), foi identificado que
expatriados possuem maior dificuldade de adaptação nas dimensões de adaptação
geral e quanto ao trabalho que na de adaptação quanto à interação. Já Guiguet e
Silva (2003) identificaram a personalidade do expatriado e a falta de apoio
familiar como os principais fatores que dificultam a adaptação de executivos
estrangeiros que vivem no Brasil. Outros autores brasileiros têm se proposto a
analisar a adaptação de brasileiros no exterior (TANURE, BARCELLOS e FLEURY,
2009; ARAUJO, BROSEGHINI e CUSTODIO, 2011) e a realizar discussões teóricas
sobre o tema (PEREIRA, PIMENTEL e KATO, 2005; HOMEM e DALLAGNELO, 2006), porém
sem fazer a distinção entre EVs e EOs.
2.2. Expatriados organizacionais e voluntários
A literatura sobre expatriação tem se referido a expatriados como um grupo
homogêneo, apesar de alguns autores há alguns anos identificarem a necessidade
de distingui-los conceitualmente em dois grupos principais: organizacionais e
voluntários (SUUTARI e BREWSTER, 2000; VANCE, 2005; BEGLEY, COLLINGS e
SCULLING, 2008; PELTOKORPI e FROESE, 2009). EOs são os profissionais enviados
por empresas multinacionais ao exterior para ocuparem um cargo específico ou
para trabalharem em uma meta que tem necessidade de ser alcançada (PELTOKORPI e
FROESE, 2009); eles são motivados à expatriação principalmente por questões
financeiras e por benefícios vislumbrados para após a repatriação, o que
configura a expatriação organizacional como uma estratégia de carreira
(JOKINEN, BREWSTER e SUUTARI, 2008). Tal grupo de expatriados geralmente possui
um prazo definido para permanência no exterior (MILLER e CHENG, 1978). Os EOs
tendem a receber apoio das empresas, podendo gozar do direito a treinamento
cultural e de idioma, aporte financeiro e suporte em suas questões pessoais,
como moradia e educação para os filhos (HOWE-WALSH e SCHYNS, 2010; BROOKFIELD
GLOBAL RECOLOCATION SERVICES, 2011). Já os EVs são profissionais que atuam no
exterior com vínculo empregatício, não tendo sido transferidos por uma
instituição, mas viajado por iniciativa própria. A contratação de EVs também
tem sido uma forma encontrada por algumas empresas no sentido de diversificação
de talentos e de criação de uma força de trabalho com conhecimentos
transculturais. Os EVs têm como fatores motivadores questões de caráter
individual, primordiais à expatriação, como busca por experiências novas,
autodesenvolvimento e outras agendas pessoais (JOKINEN, BREWSTER e SUUTARI,
2008). Diferentemente dos EOs, em geral os EVs não possuem um prazo estipulado
de retorno ao país de origem e não recebem apoio organizacional para o processo
de adaptação (THARENOU, 2003, PELTOKORPI, 2007; HOWE-WALSH e SCHYNS, 2010).
Uma vez que o EV é uma pessoa que atua profissionalmente no exterior por
iniciativa própria, têm sido utilizados de forma intercambiável os termos
imigrante e expatriado voluntário. Al Ariss (2010) defende a necessidade da
distinção entre esses termos, já que o primeiro é frequentemente visto como um
produto social indesejável, que perturba a ordem social e que, portanto, não
despertaria o interesse das organizações no país de destino. Para ele, o EV
possui um maior status social no país de destino que o imigrante e, por isso, o
autor argumenta que o conceito de EV se diferencia do de imigrante. Diante
disso, Al Ariss (2010) defende que um expatriado voluntário deve,
necessariamente, ser proveniente de um país desenvolvido. Neste artigo,
considera-se que é a qualificação profissional ' e não o grau de
desenvolvimento econômico do país de origem em relação ao de destino ' que
diferencia um EV de um imigrante. Se a qualificação para que um indivíduo seja
considerado hábil para cumprir uma designação como EO não leva em consideração
o desenvolvimento de seu país de origem, mas sua qualificação gerencial e
transcultural (JOKINEN, BREWSTER e SUUTARI, 2008), entende-se aqui ser razoável
aplicar o mesmo critério ao conceito de EV. Sendo assim, assume-se o
entendimento de que expatriados voluntários são pessoas com qualificação
profissional que tomam a iniciativa de migrar para outro país buscando
desempenhar atividades profissionais.
Estudos que diferenciam tais grupos conceitualmente ainda são escassos no mundo
e, segundo o levantamento realizado nesta revisão da literatura, ainda
inexistentes no Brasil. Como a maior parte dos expatriados no mundo é formada
por voluntários (SELMER e LAURING, 2010) e por eles representarem uma opção
vantajosa para a obtenção de talentos globais (MYERS e PRINGLE, 2005), faz-se
necessário realizar pesquisas que distingam ambos os grupos conceitualmente e
que explorem suas idiossincrasias. Alguns autores têm avançado nesse sentido.
Por exemplo, Jokinen, Brewster e Suutari (2008), em um estudo com expatriados
finlandeses, identificaram que o potencial de carreira de EVs tende a ser menos
favorável que o de EOs em razão da desconfiança que sofrem no exterior pela
falta de conhecimento de suas experiências prévias. Peltokorpi e Froese (2009)
compararam quantitativamente a satisfação de EOs e EVs no Japão e identificaram
que os EVs se sentem mais satisfeitos que EOs quanto à vida em geral e aos
relacionamentos com pessoas locais (BLACK, Mendenhall e Oddou, 1991).
Mais recentemente, novos estudos foram realizados sobre o tema. Doherty,
Dickmann e Mills (2011) exploraram as diferenças entre as motivações para a
expatriação de EOs e EVs e perceberam que, enquanto EOs depositam maior ênfase
em motivos relacionados à carreira, como habilidades profissionais e impacto
salarial de longo prazo, EVs motivam-se mais pela experiência pessoal no local
de destino, resultados semelhantes aos encontrados por Mo e Jian-Ming (2010).
Tharenou e Caulfield (2010) pesquisaram as razões para a repatriação de EVs
australianos e concluíram que deficiências na adaptação e a ocorrência de
eventos isolados frustrantes na cultura de destino e a maior facilidade para
retornar ao país natal contribuem para a decisão de repatriação.
A pesquisa aqui relatada proporciona um avanço no conhecimento sobre
expatriação, ao aprofundar o conhecimento a respeito das distinções entre a
adaptação de EOs e EVs no Brasil, uma cultura hospedeira emergente como destino
para expatriação.
3. METODOLOGIA
Com o objetivo de diferenciar EOs e EVs conceitual e empiricamente, ao examinar
diferenças no processo de adaptação de indivíduos de ambos os grupos no Brasil,
realizou-se o estudo em uma abordagem qualitativa. Foram entrevistados 21 EOs e
24 EVs com perfil profissional executivo e que residem ou residiram no Brasil
por pelo menos dois anos. Esse número de entrevistados encontra-se de acordo
com a orientação de Poirier, Clapier-Valladon e Raubaut (1983) de que, em
geral, um total de 20 a 30 entrevistados permite o alcance da saturação de
dados em pesquisas qualitativas.
Inicialmente, foram enviados convites para a pesquisa para 183 endereços de e-
mails pessoais disponibilizados por executivos expatriados em blogse redes
sociais sobre designações internacionais. Dos 32 expatriados que retornaram a
mensagem e aceitaram realizar a entrevista, 15 foram efetivamente
entrevistados, sendo nove EOs e seis EVs. Com o intuito de seguir ampliando a
amostra, utilizou-se a técnica de amostragem bola de neve (HECKATHORN, 1997).
Nessa técnica de amostragem, os primeiros sujeitos da pesquisa sugerem aos
autores do estudo outros possíveis participantes em sua rede de contatos
pessoais. Ela é comumente usada em estudos com populações escondidas (SALGANIK
e HECKATHORN, 2004) e tem sido empregada em estudos com expatriados (PELTOKORPI
e FROESE, 2009). Assim, criaram-se ondas sucessivas de obtenção de informação,
o que permitiu a realização de 45 entrevistas com duração média de 30 minutos,
entre junho de 2010 e junho de 2011. As entrevistas foram realizadas em
português, inglês e espanhol, dependendo da preferência do participante. Em
diversos casos, o expatriado variava a língua utilizada ao longo da entrevista.
Quando isso ocorreu, buscou-se acompanhar a preferência do entrevistado,
expressando-se no mesmo idioma.
O quadro_1 sintetiza o perfil desses expatriados segundo nacionalidade, sexo,
idade e origem das empresas nas quais trabalham.
As entrevistas foram realizadas utilizando-se um roteiro semiestruturado com
questões baseadas no modelo de adaptação transcultural de Black, Mendenhall e
Oddou (1991) e foram analisadas por meio de análise de conteúdo (BARDIN, 1977).
Inicialmente, as três facetas do referido modelo de Black, Mendenhall e Oddou
(1991) ' adaptação geral, ao trabalho e à interação ' foram usadas como
categorias de análise das entrevistas. Assim, foram classificados separadamente
em uma grade fechada (BARDIN, 1977; KRIPPENDORFF, 1980) os trechos das
entrevistas de EOs e EVs que se referiam a cada uma das três facetas da
adaptação. Em um segundo momento, buscou-se identificar, dentro dos fragmentos
classificados em cada uma das três categorias de análise iniciais, termos que
representavam os significados recorrentes nos depoimentos dos participantes,
formando, a partir da grade fechada inicial, três grades abertas ' uma para
cada faceta da adaptação transcultural. Chegou-se, assim, à constituição de
palavras-tema sob as quais foram agrupados trechos de entrevistas que revelavam
significados comuns a respeito de como ocorre a adaptação de ambos os tipos de
expatriados sob cada uma das facetas do modelo de Black, Mendenhall e Oddou
(1991). Assim, pode-se dizer que neste estudo se empregou a grade mista de
categorias (BARDIN, 1977; KRIPPENDORFF, 1980).
A análise de conteúdo das entrevistas foi realizada com base em procedimentos
interpretativos característicos da pesquisa qualitativa. Complementarmente,
adotou-se o procedimento de contagem de ausências e presenças das palavras-tema
nas entrevistas de cada grupo de expatriados (EOs e EVs), sem levar em
consideração o número de incidências das palavras-tema em uma mesma entrevista.
Esse procedimento encontra suporte em Bardin (1977), que defende que o que se
deve levar em consideração em contagens de ausências e presenças de palavras-
tema em análises de conteúdo é a identificação ou não de uma característica de
conteúdo em uma dada entrevista, e não sua frequência no depoimento de um mesmo
participante.
Ao apresentar e analisar os resultados, foram citadas algumas evidências
empíricas que originaram os códigos encontrados na análise. Em consonância com
o objetivo do estudo, buscou-se identificar, dentre as palavras-tema, quais
delas guardavam entre si uma relação de contraste. Então, ao contar as
presenças e ausências dessas palavras-tema nos depoimentos de cada tipo de
expatriado, chegou-se à identificação de oito diferenças entre EOs e EVs, que
foram apresentadas na forma de proposições. A discussão dos resultados
encontrados foi organizada a partir dessa sistematização dos dados em função
das proposições.
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Os resultados encontrados foram analisados e classificados de acordo com as
categorias de adaptação geral, ao trabalho e à interação com locais. A análise
levou à elaboração de oito proposições que permitiram o alcance do objetivo de
diferenciar EOs e EVs conceitual e empiricamente, por meio da identificação de
distinções no processo de adaptação de indivíduos de ambos os grupos no Brasil.
A seguir, são apresentados e analisados os relatos dos entrevistados à luz da
literatura e do objetivo da pesquisa, de acordo com as categorias de adaptação
transcultural de Black, Mendenhall e Oddou (1991). A apresentação dos
resultados é feita tendo em vista as proposições apresentadas. As proposições
1, 2 e 3 dizem respeito à adaptação geral, enquanto as proposições 4 e 5 se
referem à adaptação à interação com pessoas locais e as proposições 6, 7 e 8, à
adaptação ao trabalho.
4.1. Adaptação geral
A adaptação geral de expatriados refere-se à adequação dos profissionais a
aspectos como temperatura, alimentação, transporte, compras no ambiente de
destino (BLACK, Mendenhall e Oddou, 1991). No quadro_2, apresenta-se a relação
presença-ausência de palavras-tema, obtidas durante o processo de codificação
das entrevistas realizadas com EOs e EVs, na primeira categoria de análise:
adaptação geral. No quadro_3, apresentam-se fragmentos de conteúdos das
entrevistas que forneceram suporte empírico para a constituição das palavras-
tema e proposições listadas no quadro_2. Segundo os relatos de ambos os tipos
de expatriados, o Brasil apresenta-se como um ambiente burocrático, em que
muitas dificuldades são encontradas para a resolução de atividades do cotidiano
necessárias para uma melhor adaptação geral.
Percebe-se nos depoimentos classificados na linha P1 (proposição 1) do quadro_3
que o Brasil se apresenta, na percepção de EOs e EVs, como um ambiente em que
há regras excessivas para processos rotineiros e que a dificuldade de lidar com
tais empecilhos ocasiona tensões relativas no processo de ajuste. Alguns EVs
que vieram para o Brasil já com uma rede de contatos estabelecida relataram que
foram orientados em várias ocasiões a respeito de alternativas para resolver
problemas rotineiros, entretanto a maioria dos EVs entrevistados disse que
aprendeu por si própria a lidar com esses entraves. Já a adaptação dos EOs foi
facilitada pelo suporte oferecido pelas organizações em que trabalham, conforme
salientado por Howe-Walsh e Schyns (2010). A partir dessas observações,
sugerem-se três proposições (proposições 1, 2 e 3)
4.1.1. Proposição 1
Enquanto EOs têm sua adaptação geral inicial facilitada pelo apoio
organizacional, EVs têm a sua adaptação dificultada por precisarem adaptar-se,
em termos gerais, por conta própria.
Outro aspecto salientado pelos entrevistados refere-se à facilidade de acesso
aos bairros em que os serviços de maior qualidade são oferecidos. Geralmente
oriundos de países com sistemas de transporte eficientes e com reduzida perda
de tempo com deslocamentos urbanos, os executivos entrevistados destacaram a
influência que a distância entre o local de residência e os centros de
oferecimento de serviço traz para sua adaptação.
Os fragmentos apresentados na linha P2 (proposição 2) do quadro_3 sugerem, mais
uma vez, que o suporte organizacional oferecido aos EOs favorece sua adaptação
geral, uma vez que possibilita que os executivos habitem em regiões
privilegiadas em termos de acesso a facilidades urbanas. Por outro lado, os
EVs, que já foram apontados na literatura como em desvantagem salarial em
relação aos EOs (JOKINEN, BREWSTER e SUUTARI, 2008; THARENOU, 2010), acabam por
enfrentar maiores desafios no deslocamento cotidiano, o que dificulta seu
acesso a locais de interesse no Brasil. Sendo assim, apresenta-se a proposição
seguinte.
4.1.2. Proposição 2
Enquanto EOs vivem em locais mais próximos dos centros de facilidade de
serviços da cidade, EVs costumam viver em locais mais distantes, o que
dificulta sua adaptação geral.
Apesar da dificuldade inicial de adaptação encontrada pelos EVs em razão da
falta do suporte organizacional, estes parecem passar por um processo mais
longo e intenso de evolução em termos de ajuste à nova cultura. Enquanto os EOs
entrevistados mostraram maior conformidade com a adaptação obtida nos primeiros
meses no País, os EVs alegaram adotar uma postura de maior exploração do
ambiente de destino.
Nesse aspecto, diferenças na perspectiva de tempo de ambos os tipos de
expatriados parecem trazer influência à intensidade com que eles buscam
explorar a cultura do ambiente anfitrião. Como sugerem os depoimentos listados
na linha P3 (proposição 3) do quadro_3, os EOs entrevistados tendem a limitar
sua perspectiva de tempo durante uma designação internacional pelo fato de
estarem em uma situação temporária, que geralmente dura de três meses a cinco
anos (PELTOKORPI e FROESE, 2009). Já os EVs que participaram da pesquisa
mostraram uma perspectiva de tempo mais rotineira, uma vez que dificilmente
determinam previamente uma data limite para seu tempo de permanência no
exterior (MILLER e CHENG, 1978; HOWE-WALSH e SCHYNS, 2010). Dessa forma, EVs
tendem a superar as dificuldades iniciais de adaptação ao longo do tempo, à
medida que satisfazem sua motivação por vivências culturais novas (BLACK,
Mendenhall e Oddou, 1991), enquanto EOs tendem a contentar-se com um nível que
considerem razoável em termos de adaptação geral.
4.1.3. Proposição 3
Com o tempo, EOs tendem a satisfazer-se com o conhecimento que possuem com
relação ao país de destino, enquanto EVs tendem a melhorar sua adaptação geral
à proporção que exploram o novo ambiente.
4.2. Adaptação à interação
Os entrevistados foram também perguntados sobre sua adaptação no que se refere
a seus relacionamentos com brasileiros com quem não têm relacionamento
profissional. Além de ser um componente básico da satisfação com a vida
rotineira, a adaptação à interação com pessoas locais pode fornecer apoio
social e emocional para lidar com o estresse e a ansiedade naturalmente
inerentes ao processo de expatriação. Inabilidade ou falta de interesse de
lidar com pessoas locais podem gerar sentimentos de solidão e alienação social
(PELTOKORPI e FROESE, 2009).
No quadro_4, é apresentada a relação presença-ausência de palavras-tema
referentes à categoria de análise adaptação à interação. No quadro_5, são
destacados alguns segmentos de conteúdos das entrevistas codificados nessa
categoria.
A perspectiva temporal limitada dos EOs acaba influenciando a falta de desejo
de interagir com brasileiros que não sejam relacionados a seu trabalho. A
estratégia usada para gerar uma rede social é a de tentar reproduzir em um
grupo seleto de locais e com um conjunto restrito de outros expatriados um
ambiente mais semelhante possível ao do país de origem. Os EVs, que geralmente
não possuem intenção imediata de retornar ao país de origem, mostraram maior
predisposição a interagir com brasileiros. O simples fato de terem tomado
voluntariamente a decisão de vir para o País sugere maior interesse em
vivenciar situações e uma rotina semelhantes àquelas vividas pelos locais. Os
laços familiares com brasileiros, mais comuns em EVs, também acabam
contribuindo para a produção de situações interacionais com brasileiros e para
absorção e admiração em relação a hábitos culturais típicos do Brasil. Esse
resultado concorda como as inferências feitas em estudos anteriores no sentido
de destacar a maior disposição de EVs quanto à interação com locais (PELTOKORPI
e FROESE, 2009; HOWE-WALSH e SCHYNS, 2010). Assim, sugerem-se as proposições 4
e 5.
4.2.1. Proposição 4
Enquanto EOs tendem a interagir socialmente com outros expatriados, EVs
mostram-se mais abertos e motivados à interação com locais.
O isolamento dos EOs pode ser mais bem compreendido mediante a análise das
respostas às questões que se referiam às relações não profissionais com
brasileiros. Entre os EOs, foram comuns os relatos de que o brasileiro possui
uma tendência a cobrar um relacionamento mais próximo e íntimo que o desejado
por eles. As percepções dos expatriados a respeito dessa demanda social podem
ser observadas no quadro_5 (P5).
A influência da postura dos locais referente ao estrangeiro em si na adaptação
quanto à interação de expatriados já havia sido ressaltada por Peltokorpi e
Froese (2009). Esses autores ressaltaram que no Japão há alguma resistência à
interação mais próxima com estrangeiros e que tal fator pode colaborar para o
isolamento no país. No caso do Brasil, os dados sugerem que há uma demanda
excessiva por interação com os estrangeiros, o que desperta em diversos EOs um
sentimento de rejeição por tais relacionamentos. Vários dos EVs entrevistados
também identificaram esse padrão cultural brasileiro, porém o interpretam como
uma característica desejável e que facilita a interação com locais. Dessa
forma, sugere-se a proposição 5.
4.2.2. Proposição 5
Enquanto EOs consideram que existe por parte do brasileiro uma expectativa
excessiva por intimidade e afetividade, EVs apreciam o caráter e a intensidade
dos relacionamentos com locais.
4.3. Adaptação ao trabalho
A adaptação ao trabalho refere-se ao ajuste ante os novos padrões de trabalho,
supervisão e ao relacionamento com os colaboradores na cultura de destino.
Conforme ressalta Selmer (1998), EOs frequemente são enviados ao exterior em
razão de serem considerados como executivos com habilidades especiais pela
empresa que realiza a expatriação. Eles normalmente chegam ao exterior com
objetivos e descrição de função definidos pela empresa e, por isso, não passam
por um período inicial de conquista de uma posição de destaque no novo ambiente
de trabalho, como ocorre com EVs.
Apresenta-se no quadro_6 a relação presença-ausência de palavras-tema
referentes à categoria de análise adaptação ao trabalho. No quadro_7, são
destacados alguns fragmentos de conteúdos das entrevistas que forneceram
suporte para os achados dessa categoria. As proposições 7 e 8 são as que
possuem um número menor absoluto de indivíduos que forneceram suporte empírico.
Isso se deve ao fato de a proposição 7 se referir apenas aos expatriados que
trabalham em empresas estrangeiras, e a 8 inclui somente os que são empregados
de empresas brasileiras, e não a uma fundamentação empírica mais frágil.
Os relatos apresentados no quadro_7 que oferecem suporte para a proposição 6
(P6) coadunam com a ideia encontrada na literatura de que EOs passam por uma
adaptação mais suave no que tange ao processo de conquistar confiança e
reputação no ambiente de destino. Um EV chega à organização geralmente como um
novo funcionário, sobre quem os colegas de trabalho possuem pouca ou nenhuma
referência prévia. Diversos EVs entrevistados apontaram também que percebem
certa desconfiança de seus colegas de trabalho brasileiros, que estranham o
fato de o estrangeiro ter decidido viver e trabalhar no Brasil. Eles relataram
a interpretação de que os brasileiros imaginam que eles não teriam sido bem-
sucedidos em seus países de origem e, por essa razão, teriam escolhido o Brasil
como opção de carreira. Assim, enquanto EVs se sentem como funcionários que
chegam ao trabalho em condição de igualdade e até desconfiança, os EOs
relataram sentir-se tratados como alguém que trará uma solução "que vem de
fora", a figura de um salvador para os problemas da organização. Assim,
apresenta-se a proposição 6.
4.3.1. Proposição 6
Enquanto os EVs precisam conquistar o respeito e a credibilidade ante os
colegas de trabalho, EOs chegam à empresa com as credenciais de salvador.
Os EOs que vêm ao Brasil podem tanto ter sido designados por uma empresa
estrangeira, como por uma empresa brasileira. Ao longo das entrevistas, foram
identificados, de acordo com a nacionalidade da empresa que conduz o processo
de expatriação, dois diferentes padrões no que se refere ao dilema entre
gerenciar segundo valores e práticas características brasileiras ou do país de
origem do expatriado/empresa.
Os expatriados voluntários e organizacionais que trabalham no Brasil em
empresas estrangeiras mostraram diferentes visões quanto ao modelo de liderança
a ser adotado. EOs nessa condição apresentaram a concepção de que devem impor
práticas de trabalhos que estejam alinhadas ao país de origem da empresa. Por
outro lado, EVs que também trabalham em empresas estrangeiras possuem o
entendimento de que seu papel seria o de buscar conciliar aspectos culturais
brasileiros e da cultura do país de origem da empresa contratante. Por estarem
no Brasil voluntariamente, integrarem-se de maneira mais íntima com brasileiros
em geral e até, em diversos casos, haverem constituído uma família com pessoas
brasileiras, EVs são vistos como aptos a realizar um estilo de gestão
culturalmente conciliador, minimizando os possíveis conflitos interculturais na
empresa em questão. Em vista disso, sugere-se a proposição 7.
4.3.2. Proposição 7
Em empresas estrangeiras, enquanto EVs buscam conciliar práticas competitivas
internacionais com características da cultura local, EOs lideram mais
orientados pelas práticas de trabalho da empresa de origem.
No entanto, quando a empresa contratante é de origem do país de destino da
expatriação, esse padrão parece alterar-se. Vários EOs que são empregados de
empresas brasileiras ressaltaram que levam em consideração o fato de a empresa
ser brasileira em seu estilo de liderança. Eles acreditam que as empresas
brasileiras que os designaram para vir ao país esperam que eles tragam
elementos de gestão e padrões de liderança que reflitam as melhores práticas
globais, mas sempre inseridos em um diálogo com a cultura brasileira. Os EVs
que foram contratados por empresas brasileiras, por sua vez, apresentaram uma
concepção de que, por terem sido contratados por corporações do país no qual
foram viver, devem adotar um estilo de liderança e de trabalho bastante
alinhado aos padrões locais.
Enquanto a expatriada voluntária se vê trabalhando "para uma empresa
brasileira, como qualquer brasileiro" (EV20, holandesa, mulher) e acredita
que o conhecimento global já esteja disponível na literatura e em cursos de
MBA, o expatriado organizacional entende que o fato de a empresa ser brasileira
reflete uma necessidade de aprendizagem da cultura local, embora entenda também
que é esperado que ele traga seu "conhecimento mais global" (EO3,
estadunidense, mulher) para ser compartilhado com os demais empregados. Assim,
chega-se à proposição 8.
4.3.3. Proposição 8
Em empresas brasileiras, enquanto EVs lideram sob a orientação das práticas de
trabalho locais, EOs tentam conciliar as práticas competitivas internacionais
com características da cultura local.
5. DISCUSSÃO
O propósito neste estudo foi diferenciar EOs e EVs, conceitual e empiricamente,
ao examinar diferenças na adaptação de indivíduos de ambos os grupos no Brasil.
Os resultados ressaltaram a importância de separá-los conceitual e
empiricamente, uma vez que eles se mostraram com distintas características em
termos das três dimensões de adaptação transcultural adotadas neste estudo. As
distinções aqui encontradas somam-se aos resultados de algumas pesquisas
anteriores (INKSON et al., 1997; SUUTARI e BREWSTER, 2000; PELTOKORPI e FROESE,
2009) no sentido de revelar diferenças entre EOs e EVs e, consequentemente, de
ressaltar os riscos de tratar expatriados sem considerar o tipo de expatriação.
O apoio organizacional, recebido pelos EOs e não pelos EVs, foi um aspecto
essencial para a compreensão das diferenças na adaptação entre os dois tipos de
expatriados. Os dados sugerem que no Brasil o apoio organizacional é essencial
para que os expatriados superem a burocracia existente no país. Esse suporte
também proporciona aos EOs a possibilidade de viver em locais próximos aos
centros de facilidade de serviços da cidade. Sem o apoio de uma organização que
arque com custos de transferência e acomodação, EVs possuem desvantagem no
processo de adaptação geral, que tende a ser superada à proporção que exploram
o novo ambiente e aprendem a lidar com as características da vida urbana
brasileira. Em razão das diferenças nas motivações de ambos os grupos de
expatriados para a vivência no exterior (SELMER, 1998), pode-se entender que
EVs que decidiram, por questões pessoais, mudar-se para o exterior, possuem
maior motivação para explorar o país de destino ao longo do tempo de vivência
fora. Tal motivação os faz buscar maior diversificação de opções de mobilidade
pela cidade e lugares de lazer e compras, por exemplo.
As diferenças identificadas quanto à adaptação referente à interação com locais
parecem referir-se às distintas perspectivas de tempo que os indivíduos de
ambos os grupos possuem. EOs, por possuírem um prazo determinado de permanência
no exterior (PELTOKORPI e FROESE, 2009), tendem a encarar essa permanência em
caráter temporário, o que os faz adotar um comportamento social distinto do que
adotariam em um ambiente no qual tivessem planos de viver por tempo
indeterminado. Dessa forma, eles buscam criar um círculo previsível de lugares
e contatos ' geralmente outros expatriados ' que lhes possibilitam situações de
interações suficientes para não se caracterizar um isolamento completo. Ao
mesmo tempo, consideram incômoda a demanda social por interações pessoais com
brasileiros. EVs, por outro lado, tendem a adotar uma perspectiva permanente de
tempo e estabelecer uma vida social tão sólida quanto as já estabelecidas em
sua terra natal. As relações sociais preexistentes, seja por relacionamentos
amorosos, seja por amizade, também parecem ser um fator que influencia a maior
disposição de EVs para interagir naturalmente com brasileiros. A demanda
social, também considerada intensa, nesse caso é admirada.
A nacionalidade da empresa responsável pela contratação do expatriado
apresentou-se como um aspecto-chave para a compreensão das distinções no que se
refere à adaptação quanto ao trabalho. Em empresas estrangeiras, enquanto EOs
lideram mais orientados pelas práticas de trabalho da empresa de origem, EVs
buscam conciliar práticas competitivas internacionais com características da
cultura local. Já quando trabalham para empresas brasileiras, o quadro altera-
se: EVs lideram sob a orientação das práticas de trabalho locais e EOs tentam
conciliar as práticas competitivas internacionais com características da
cultura local. Assim, percebe-se que EOs tendem a oferecer ' e empresas
estrangeiras a demandar ' práticas de gestão e liderança mais globais, ao passo
que EVs tendem a ser melhores alternativas, e empresas brasileiras a serem mais
desejosas, para um estilo de gestão mais alinhado à cultura brasileira.
Independentemente da combinação entre origem da empresa e tipo de expatriado em
questão, ficou caracterizado que a presença de expatriados no país é essencial
para a difusão da diversidade cultural nos ambientes de negócios. A cultura
organizacional brasileira, que hoje se encontra em um quadro híbrido,
transitório e em ressignificação ' típico de um período de mudança caracterizado
pela convivência entre traços pré-globalização e traços pós-globalização (CHU e
WOOD JR., 2008) ', tem sua ressignificação em parte explicada pela influência
dos expatriados no país. Eles, assim como os profissionais brasileiros que
atuam como expatriados no exterior, são agentes que compartilham vivências,
aprendem e ensinam novos padrões de trabalhos que auxiliam na construção de
novos significados para práticas e modelos predominantes no Brasil até o
período pré-globalização. Dada essa importância dos expatriados para a
compreensão do ambiente de negócios internacionais do país, a principal
contribuição desta pesquisa foi encontrar evidências empíricas no contexto
brasileiro da distinção entre expatriados organizacionais e voluntários, sob a
ótica da adaptação transcultural. Diversos estudos têm, assim como esta
pesquisa, apresentado diferenças entre EOs e EVs. Eles têm focado aspectos como
variáveis demográficas individuais, como idade e gênero, motivação para a
expatriação, colocação profissional no país de destino, decisões de carreira,
apoio organizacional e remuneração (INKSON et al., 1997; SUUTARI e BREWSTER,
2000; INKSON e MYERS, 2003; MYERS e PRINGLE, 2005; PELTOKORPI e FROESE, 2009).
Este estudo apresentou outros aspectos, até então inexplorados, referente às
diferenças entre ambos os tipos de expatriados. Apesar das evidências já
presentes na literatura, diversos pesquisadores continuam tratando ambos os
grupos de forma homogênea, o que possivelmente conduz a resultados empíricos
falaciosos. Como ressaltam Peltokorpi e Froese (2009), a maioria dos estudos
sobre expatriados conduz uma argumentação que se refere a expatriados
organizacionais, mas são realizados empiricamente com uma mescla de EOs e EVs.
O resultado é uma confusão conceitual que se reflete em recomendações pouco
confiáveis para a prática de expatriação nas empresas e desconfiança de
pesquisadores que se veem diante de estudos que não realizam tal distinção
conceitual e empírica.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados e discutidos permitem apontar sugestões para
pesquisas futuras e para a prática gerencial. Uma limitação constatada refere-
se ao fato de nesta pesquisa o fenômeno de interesse ter se restringido ao da
adaptação transcultural dos expatriados. Outros temas recorrentes na literatura
sobre EOs, como expatriação de mulheres, influência do apoio familiar e
adaptação em casos de repatriação, por exemplo, podem ser explorados em futuras
pesquisas de forma a ampliar a compreensão sobre possíveis distinções entre EOs
e EVs em outros aspectos. Outra abordagem interessante seria estudar a
adaptação de expatriados brasileiros voluntários e organizacionais em outros
países. Além disso, recomenda-se também a realização de estudos quantitativos
que mensurem possíveis diferenças na adaptação e em outras características de
EOs e EVs no Brasil, o que seria útil para conferir maior robustez à crítica
aqui feita a respeito da inadequação do tratamento dos dois grupos de forma
homogênea em pesquisas acadêmicas.
Em termos práticos, sugere-se que empresas atentem para a oportunidade pouco
explorada de recrutar e selecionar EVs como alternativa para
internacionalização da força de trabalho. Embora o Brasil se localize
geograficamente distante dos países dos quais costuma originar-se a maioria dos
expatriados, o país tem crescido em importância como ambiente hospedeiro de
estrangeiros qualificados para compor a força de trabalho de empresas com sede
ou filiais em terras brasileiras (BROOKFIELD GLOBAL RECOLOCATION SERVICES,
2011). A contratação de EVs, que, por não envolver "pacotes de
expatriação" (BROOKFIELD GLOBAL RECOLOCATION SERVICES, 2011), é menos
dispendiosa financeiramente que a de EOs (PELTOKORPI e FROESE, 2009), se
apresenta como uma opção adicional vantajosa à expatriação organizacional para
empresas multinacionais que desejam contar com executivos de origem
internacional em suas sedes. O fato de apresentarem maior facilidade em termos
de interação com locais e de conciliação entre modelos de gestão culturais
brasileiros e globais também os coloca em vantagem em relação a EOs como opção
de contratação. Não se propõe aqui que a contratação de EOs seja substituída
pela de EVs, mas complementada, uma vez que, além das vantagens já
apresentadas, EVs podem atuar como elementos-chave para intermediar processos
de adaptação transcultural de EOs e suas famílias. Dado o relativamente alto
percentual de repatriações prematuras e até demissões que ocorrem devido a
problemas de adaptação de expatriados (RAMALU et al., 2010), essa intermediação
feita por EVs poderia ser uma alternativa estratégica vantajosa para que
profissionais que trabalham diretamente com a gestão internacional de recursos
humanos alcancem melhores resultados nas expatriações realizadas. Essa sugestão
não se aplicaria em casos em que a empresa deseja contar, no país de destino,
com profissionais que já possuem experiência de trabalho na companhia. No
entanto, em casos de profissionais que são contratados no país de origem e
expatriados imediatamente, a sugestão prática aqui apresentada poderia ser
aplicada.