Impactos da implantação das normas internacionais de contabilidade na
controladoria: um estudo à luz da teoria da estruturação em uma empresa têxtil
1. INTRODUÇÃO
Os estudos que versam sobre controladoria estão, de maneira geral, respaldados
nas teorias econômicas. No entanto, cada vez mais nota-se a importância de
entender questões comportamentais e sociais que impactam o ambiente
organizacional e, consequentemente, as práticas contábeis que orientam suas
operações. A teoria da firma neoclássica tem sido criticada como base para o
desenvolvimento de técnicas de contabilidade gerencial, porque não foi
concebida para a explicação do comportamento dos gestores das empresas
(SCAPENS, 1994).
Em função das limitações da teoria neoclássica, bem como da negligência a
aspectos organizacionais, sociais e institucionais, segundo Aguiar, Rezende e
Frezatti (2007), os estudos do ambiente organizacional, social e institucional
em que as práticas de contabilidade gerencial são utilizadas, têm permitido aos
pesquisadores a obtenção de resultados que até então não eram possíveis. Espejo
et al. (2009, p.26) citam que
"a exploração do potencial contributivo das teorias
organizacionais, considerando as ciências da sociologia e da
psicologia, associadamente à contabilidade gerencial, representa uma
oportunidade de pesquisa".
Ittner e Larcker (2002) ressaltam que a base para a tomada de decisão não é
privilégio da racionalidade econômica e propõem que estudos interdisciplinares
relativos à contabilidade gerencial mereçam maior atenção. Observa-se a
necessidade de investigar a contabilidade levando em consideração outras
ciências, principalmente em um momento de tantas mudanças, como a decorrente da
convergência das normas brasileiras de contabilidade àquelas internacionais.
O processo de convergência altera profundamente a estrutura de governança
organizacional. A aplicação das normas internacionais não se limita às áreas de
contabilidade e de tecnologia da informação. A exposição que as empresas
passarão a vivenciar, ao aderir ao modelo de convergência às normas
internacionais de contabilidade, exige que todas as áreas da organização
estejam envolvidas e que processos internos sejam adequados, a fim de gerar
informações com precisão e tempestividade (DELOITTE, 2010). Segundo Dias Filho
e Machado (2008, p.43), a contabilidade "influencia o contexto em que
opera e, ao mesmo tempo, é por ele influenciada".
A implantação dessas normas impactará não somente a contabilidade financeira,
em termos de divulgação dos relatórios contábeis, mas também na contabilidade
gerencial, no que se refere à geração de informações mais próximas da realidade
(PINZÓN, 2003). Desse modo, a controladoria passará a envolver-se também com
atividades relativas a aplicação do valor justo, impairment test, ajuste a
valor presente, custo atribuído, entre outros conceitos, que vão influenciar as
informações geradas para o ambiente interno (gestores, funcionários) e ambiente
externo (acionistas, fornecedores, clientes) da empresa.
Depreende-se do exposto, que tais alterações se refletirão nas atividades da
controladoria e nas ações dos controllers e dos demais envolvidos na área
organizacional controladoria. Frezatti et al. (2009) destacam que vários
eventos têm influenciado de forma acentuada a mudança e a evolução do papel do
controller nas empresas, como a crise financeira de 2008, os problemas de
contabilização dos derivativos, que exercem forte impacto na regulação das
normas contábeis e por ela são impactados.
No entanto, as funções da controladoria podem variar de empresa para empresa,
isso em decorrência de aspectos estruturais, financeiros, econômicos e também
sociais. Concebe-se a controladoria, no estudo, como órgão administrativo
responsável pelo provimento de informações de suporte ao processo de gestão.
Nesse sentido, elaborou-se a seguinte pergunta de pesquisa:
Como a implantação das normas internacionais de contabilidade
impacta a controladoria à luz da teoria da estruturação?
Assim, neste estudo objetiva-se verificar os impactos da implantação das normas
internacionais de contabilidade na controladoria à luz da teoria da
estruturação.
A pesquisa fundamenta-se na teoria da estruturação de Giddens (1979; 1996;
2003). Embora esteja em desenvolvimento nova literatura na área, observa-se a
falta de um quadro teórico para orientar a pesquisa empírica na contabilidade
gerencial como prática social. A teoria da estruturação pode contribuir no
sentido de auxiliar profissionais da área a entender a forma como a
contabilidade gerencial está implícita na criação e na reprodução da ordem
social das organizações (MACINTOSH e SCAPENS, 1991).
Junquilho (2003, p.108) entende que
"o modelo da dualidade da estrutura em interação de Giddens
constitui um poderoso instrumento para a compreensão da ação humana
nas organizações, na medida em que permite um olhar mais ampliado
sobre ela".
O modelo permite analisar a controladoria sob três pilares: significação,
legitimação e dominação. Fazendo-se a transposição para a área organizacional
controladoria, acredita-se que ele permitirá uma análise mais integrada do
sistema contábil.
O pressuposto é que o processo de implantação das normas internacionais vem
contribuir para a produção e a reprodução da ordem social da área
organizacional controladoria. Segundo Busco (2009, p.257),
"a contabilidade gerencial fornece aos gerentes um meio de
compreensão das atividades de sua organização e permite que eles se
comuniquem de forma significativa sobre essas atividades".
Por isso, há a possibilidade de analisar a controladoria sob a ótica da teoria
da estruturação.
A relevância da pesquisa está em conferir à investigação um olhar especial aos
aspectos sociais da controladoria, e não apenas um olhar econômico sobre suas
atividades. Justifica-se também o estudo porque no Brasil não foi identificada
pesquisa sobre a controladoria que tenha adotado como teoria de base a teoria
da estruturação, sinalizando para uma linha de pesquisa que pode ser explorada
por estudiosos voltados à perspectiva sociológica da contabilidade.
Em estudos internacionais, como os de Macintosh e Scapens (1990; 1991),
Dirsmith, Heian e Covaleski (1997), Busco (2009) e Moore (2011), a teoria da
estruturação foi, de maneira geral, estudada no contexto de implantação de
sistemas de controles dentro da contabilidade gerencial. Isso motivou este
estudo sob outro enfoque, ou seja, a implantação das normas internacionais de
contabilidade, analisando, diante da normatividade, a produção e a reprodução
da área organizacional controladoria.
2. TEORIA DA ESTRUTURAÇÃO
A teoria da estruturação surgiu nos estudos organizacionais na década de 1980,
com o artigo de Ranson, Hinings e Greenwood (1980), momento em que os autores
utilizaram o conceito principal da teoria, dualidade da estrutura, com o
objetivo de mudar a maneira de pensar as organizações, por meio da estrutura e
da ação (JUNQUILHO, 2000). Na contabilidade, o primeiro estudo que utilizou a
teoria da estruturação foi o de Macintosh e Scapens (1990), que discorreu sobre
como essa teoria é uma forma mais focada, informativa, integrativa e eficaz,
para analisar a implicação dos sistemas de contabilidade na construção,
manutenção e alterações da ordem social de uma organização.
Os elementos principais que explicam a teoria da estruturação são: estrutura,
sistema e dualidade de estrutura. Estruturas, conforme Busco (2009, p.259),
"são os modelos abstratos que guiam o comportamento humano em
ambientes sociais. Em particular, eles representam as regras e os
recursos, ou conjuntos de relações de transformação, que permitem a
ligação do tempo e do espaço social em sistemas".
Os sistemas sociais são formados pelas atividades de agentes humanos,
desenvolvidas através do tempo e do espaço. Estudar a estruturação significa
estudar os modos como tais sistemas são produzidos e reproduzidos, por meio das
atividades de conhecimento dos atores por intermédio de regras e recursos
(GIDDENS, 2003). Analisar
"a estruturação das práticas sociais é procurar explicar como é
que a estrutura se produz por intermédio da ação e, reciprocamente,
como é que a ação é constituída estruturalmente" (GIDDENS, 1996,
p.183).
Tais elementos formam a dualidade da estrutura conforme se observa no quadro_1.
No que concerne ao exposto no quadro_1, Macintosh e Scapens (1991, p.137)
explicam que estruturas são os códigos, regras ou fórmulas que dão ritmo ao
comportamento social e preveem a ligação das práticas sociais em todo tempo e
espaço. A estrutura é o DNA de interação social e ação. "Agência e
estrutura são, paradoxalmente, independentes, mas relacionadas". O
processo de estruturação vai acontecer justamente pela ligação entre a
estrutura e a interação.
Nota-se que o conceito central da teoria da estruturação está na dualidade da
estrutura, que permite o estudo da ação desenvolvida por atores individuais e o
impacto da estrutura sobre esses agentes, promovendo assim a alteração do
comportamento dos indivíduos e tornando-se um processo contínuo de mudança
social (JUNQUILHO, 2003). Pensar a ação humana nas organizações como construção
ou fenômeno social envolve a análise conjunta da própria ação, bem como os
efeitos de determinadas propriedades estruturais sobre essa ação, seja
restringindo-a e/ou facilitando-a (GIDDENS, 1984, apud JUNQUILHO, 2003).
Giddens (2003) utiliza três modalidades de estruturação que representam as
dimensões das estruturas sociais, conforme se observa na figura 1.
Observa-se, na figura_1, que a modalidade é mediadora entre a interação e a
estrutura, e expressa a cognoscitividade dos agentes sociais em cada dimensão
da estrutura, sendo formada pelo esquema interpretativo, pela facilidade e pela
norma. Tais modalidades são utilizadas pelos agentes para realizar a interação
e provocar a produção/reprodução das estruturas. Segundo Giddens (2003, p.440),
a cognoscitividade é
"tudo que os atores sabem (creem) acerca das circunstâncias de
sua ação e da de outros, apoiados na produção e reprodução dessa
ação, incluindo tanto o conhecimento tácito quanto o discursivamente
disponível".
Os esquemas interpretativos
"representam os condicionamentos (constraints) da dimensão
estrutural, isto é, comportam 'significados' que dizem respeito a
regras sociais que, ao mesmo tempo, informam, restringem, bem como
tornam possível a 'comunicação' no nível da interação"
(JUNQUILHO, 2003, p.107).
As facilidades representam os meios que os atores utilizam para atingir seus
objetivos e alcançar os resultados, por meio dessas facilidades surge o poder.
O poder é a capacidade que o agente possui de agir de uma ou outra maneira e
influenciar/dominar o meio em que vive (JUNQUILHO, 2003).
As normas representam o conjunto de regras, códigos, definindo o que é certo, o
que é errado, os direitos e as obrigações no meio social, permitindo a
legitimação de determinada ordem e sua sanção. As normas, segundo Junquilho
(2000, p.48),
"são responsáveis pela articulação, bem como pela sustentação de
comportamentos legitimados institucionalmente, reforçando ordens
normativas na vida social cotidiana".
3. CONTROLADORIA E A GESTÃO COMO PRÁTICA SOCIAL
A controladoria pode ser definida sob dois enfoques: como unidade
administrativa e como área do conhecimento. Os autores Mosimann e Fisch (1999,
p.88) concebem a controladoria
"como um órgão administrativo com missão, funções e princípios
norteadores definidos no modelo de gestão do sistema empresa; e como
uma área do conhecimento humano com fundamentos, conceitos,
princípios e métodos oriundos de outras ciências".
Em função do objetivo desta pesquisa, aborda-se a controladoria como órgão
administrativo.
Como órgão administrativo, a controladoria pode configurar-se como sendo de
staff ou de linha. Segundo Oliveira (2000, p.148), as unidades organizacionais
de controladoria configuradas como
"de linha, têm ação de comando, enquanto as unidades
organizacionais de assessoria não têm ação de comando, pois apenas
aconselham as unidades de linha no desempenho de suas
atividades".
A posição hierárquica da controladoria focalizada neste estudo é como órgão
administrativo de staff, visando às funções que deem suporte ao processo
decisório dos gestores.
A controladoria como órgão administrativo tem por finalidade gerar informações
adequadas ao processo decisório, colaborando com os gestores no desenvolvimento
de suas funções e assegurando a eficácia empresarial (OLIVEIRA, 2009). Para
Borinelli (2006, p.198),
"a controladoria é o órgão do sistema formal da organização
responsável pelo controle do processo de gestão e pela geração e
fornecimento de informações de ordens operacional, econômica,
financeira e patrimonial".
Para o controle do processo de gestão e para a geração de informações, a
controladoria desenvolve várias atividades e funções.
"O delineamento e o detalhamento das atividades da controladoria
podem ser específicos para cada empresa e dependem das definições
constantes do modelo de gestão adotado pela organização e dos
diversos mecanismos por meio dos quais a gestão ocorre"
(PELEIAS, 2002, p.14).
A controladoria materializa-se no ambiente empresarial por meio de suas
diversas funções e atividades, presentes no processo de gestão, seja no
planejamento, no orçamento, na execução, no controle, seja na avaliação do
desempenho. De acordo com Borinelli (2006), diversas são as funções da
controladoria, destacando-se as seguintes: contábil, gerencial-estratégica,
custos, tributária, controle interno, proteção e controle de ativos, controle
de riscos, gestão da informação.
Depreende-se que a controladoria precisa participar do processo de gestão da
entidade como um todo. Reed (1995, p.79) conceitua gestão
"como uma configuração frouxamente integrada de práticas sociais
dirigidas à junção de controle sobre diversos recursos e atividades
requeridas à produção".
A prática social pode ser definida como o conjunto de ações entendidas a partir
de conceitos que as formam, dirigidas para fins específicos e compartilhadas
por todos os membros de uma comunidade. Essas ações são definidas pelos meios
adotados para o alcance daqueles fins, entendidos estes como determinados pelos
contextos sob os quais a prática é desenvolvida (HARRIS, 1980).
Junquilho (2000, p.107) destaca que
"o entendimento da gestão como prática social sugere como foco
de estudos as diversas práticas que os gerentes desenvolvem, visando
ao controle sobre a atividade produtiva, num contexto de complexidade
e diferenciações em que eles operam".
Observa-se que as diversas práticas de gestão desenvolvidas por gestores/
controllers constituem práticas sociais, já que envolvem procedimentos,
métodos, técnicas, ou seja, ações que visam ao desenvolvimento de suas
atividades num cenário de diferenças, complexidades, limitações e mudanças.
Embora não se reportem à amplitude possível da concepção da controladoria em
uma organização, mas consubstanciando a abordagem em um de seus principais
elementos, Macintosh e Scapens (1990) mencionam que os sistemas de
contabilidade gerencial representam modalidades de estruturação em três
dimensões: significação, legitimação e dominação. Tais dimensões podem ser
retiradas da interpretação da natureza e papel das práticas contábeis.
A estrutura de significação, de acordo com Busco (2009), compreende as regras
comuns, os conceitos e as teorias que são desenhados por meio das atividades
organizacionais. O autor destaca que a contabilidade gerencial apresenta-se aos
gestores como um meio de compreensão das atividades da organização, permitindo
que eles se comuniquem de forma significativa sobre as atividades.
No que concerne à estrutura de legitimação, Dias Filho e Machado (2008, p.53)
ressaltam que
"as informações contábeis podem ser utilizadas para reforçar
determinadas relações de poder, modificar sistemas, legitimar
decisões, enfim, promover alterações na própria vida da sociedade.
Assim, tanto ela pode modificar a sociedade como ser modificada por
esta".
Sobre a terceira dimensão, Busco (2009, p.259) afirma que a dominação
"está fortemente relacionada com o conceito de poder". De acordo com
Macintosh e Scapens (1990, p.461), em sentido amplo, poder é considerado como
"a capacidade de fazer as coisas e fazer a diferença no mundo"; e em
sentido estrito, implica simplesmente dominação. Busco (2009, p.258) ressalta
que
"os sistemas de contabilidade gerencial são conceituados como
recursos socialmente construídos que podem ser desenhados sobre o
exercício do poder em ambos os sentidos".
Macintosh e Scapens (1990) destacam que os istemas de contabilidade participam
na institucionalização dos direitos e obrigações de atores sociais,
demonstrando a ligação com a estrutura de legitimação. Segundo Busco (2009,
p.259),
"eles estão profundamente implicados na reprodução de valores, e
são um meio o qual a estrutura de legitimação pode ser utilizada na
interação social dentro da organização".
4. ESTUDOS ANTERIORES
Ainda são poucos os estudos na área de contabilidade envolvendo a teoria da
estruturação. Na verdade, segundo Frezatti, Nascimento e Junqueira (2008,
p.13),
"ainda são poucos os trabalhos que buscam a aplicação de novas
teorias para a solução de problemas relacionados à contabilidade
gerencial".
A seguir apresentam-se estudos anteriores que utilizaram a teoria da
estruturação como pano de fundo de suas pesquisas.
Macintosh e Scapens (1990) propuseram a teoria de estruturação de Giddens como
um valioso quadro de investigação para a contabilidade gerencial, expandindo
seu domínio para além de um foco técnico e incluindo fenômenos sociais e
políticos. Neste artigo, descreve-se a teoria, discutem-se suas limitações e
apresenta-se uma análise de um estudo de caso longitudinal. Os autores
concluíram que a teoria da estruturação é uma forma mais focada, informativa,
integrativa, eficaz, para analisar como os sistemas de contabilidade estão
implicados na construção, manutenção e alterações do social de uma organização.
Macintosh e Scapens (1991) exploraram o potencial da teoria da estruturação
para compreender o papel dos sistemas de contabilidade gerencial na
estruturação das organizações. Para tanto, desenvolveram dois estudos de caso
longitudinais, um sobre o novo sistema de controle financeiro da General Motors
e outro sobre a contabilidade de custos do Departamento de Defesa. Os achados
da pesquisa apontaram que, a partir da teoria da estruturação, é possível
compreender o papel que os sistemas de contabilidade gerencial podem
desempenhar na mudança organizacional.
Dirsmith, Heian e Covaleski (1997) analisaram os exercícios de resistência e
transformação de controle de seis grandes empresas de contabilidade por meio da
teoria institucional, da sociologia das profissões e da teoria da estruturação.
O foco principal foi compreender a interação entre aspectos estruturais e
sociais dessas empresas e como formam o poder de seus agentes administrativos.
Por meio de um estudo de caso interpretativo, concluíram que as empresas
implementaram práticas estruturais de gestão por objetivos (Management-by-
Objectives' MBO) como um elemento para racionalizar as estratégias, na
expectativa de que MBO proporcionaria uma abordagem integrada para efetuar o
controle da gestão. Descobriram também que a orientação se tornou uma
importante força social, que dá forma e é, por sua vez, moldada por meio do
exercício do controle formal.
Barley e Tolbert (1997) descrevem que tanto a teoria institucional como a
teoria da estruturação afirmam que as instituições e as ações são
indissociavelmente ligadas e que a institucionalização é mais bem compreendida
como um processo dinâmico e contínuo. Assim, os autores discutiram as
semelhanças entre a teoria institucional e a teoria da estruturação,
argumentando que a fusão das duas permite avançar significativamente.
Desenvolveram, então, um modelo de institucionalização como um processo de
estruturação e sugeriram orientações metodológicas para investigar o processo
empiricamente.
Junquilho (2003) identificou condutas gerenciais oriundas da ação humana nas
organizações à luz da teoria da estruturação, tendo como pressuposto que aquela
mesma ação não é determinada por estruturas sociais, mas por elas condicionada.
Os achados da pesquisa revelaram que os gestores contribuem, com sua ação, para
a reprodução de propriedades estruturais.
Busco (2009) realizou uma breve revisão dos pilares e dos fundamentos da teoria
de Giddens e do impacto dessas ideias na pesquisa em contabilidade gerencial. O
ensaio apresentou os conceitos da teoria da estruturação como dualidade de
estrutura, trabalhando os principais pontos da obra de Giddens, de 1984,
Constituição da sociedade. Esboçou também o trabalho de Macintosh e Scapens
(1990), fazendo a relação entre os sistemas de contabilidade gerencial e a
teoria da estruturação.
Moore (2011) analisou a contribuição de Norman Macintosh para o desenvolvimento
da teoria da estruturação, utilizando como dispositivo de investigação a
introdução do Sistema do Comércio Europeu de Licenças de Emissão de Gases com
Efeito Estufa (European Union Emissions Trading System' EU ETS) e a
interpretação da contabilidade à luz do IFRIC 3 do Comitê Internacional de
Interpretação de Relatórios Financeiros (International Financial Reporting
Interpretations Committee' IFRIC). Estendendo a perspectiva crítica da obra de
Norman Macintosh à investigação da contabilidade e da EU ETS sob a ótica da
teoria da estruturação, o autor demonstrou como o Regime Comunitário de
Comércio de Licenças de Emissão da União Europeia (RCLE-UE) e a interpretação
de relatórios financeiros para a emissão de direitos representam as dimensões
de significação, legitimação e dominação. A contradição estrutural, resultando
em desencontros, medição da tensão entre duas posturas morais e problemas de
alocação de recursos, levou à retirada do IFRIC 3, que resultou na aliança do
Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade (International Accounting
Standards Board' IASB) e do Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira
(Financial Accounting Standards Board' FASB) para desenvolver orientações em
matéria de contabilidade para o ETS.
Observa-se que a teoria da estruturação foi utilizada em vários contextos de
pesquisa na contabilidade. A teoria da estruturação, como teoria social,
contempla questões que dizem respeito a todas as ciências sociais relativas à
conduta humana e sua relação com as organizações sociais. Portanto, não se
limita aos estudos organizacionais, mas também pode ser utilizada para
responder várias questões que se queira analisar e que envolvam a estrutura e a
ação social.
5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Pesquisa exploratória com abordagem qualitativa foi realizada por meio de um
estudo de caso. Gil (2002, p.42) destaca que as "pesquisas exploratórias
têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a
torná-lo mais explícito". Pode-se dizer que essas pesquisas têm como
finalidade principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. A
abordagem qualitativa, conforme Martins e Theóphilo (2007, p.61), "é
caracterizada pela descrição, compreensão e interpretação de fatos e
fenômenos".
A empresa selecionada para o estudo de caso consiste de uma sociedade anônima
de capital aberto do ramo têxtil. A empresa possui mais de 7.000 funcionários e
em 2007 aderiu ao Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O
estudo de caso, segundo Martins e Theóphilo (2007, p.61), diz respeito a uma
investigação que
"pesquisa fenômenos dentro de seu contexto real (pesquisa
naturalística), onde o pesquisador não tem controle sobre eventos e
variáveis, buscando apreender a totalidade de uma situação".
A pesquisa compreendeu o período de 2008 a 2010, uma vez que, a partir do ano
de 2008, tornou-se obrigatória a adoção das normas internacionais de
contabilidade por meio dos CPCs editados pelo Comitê de Pronunciamentos
Contábeis (CPC). Em 2008, as empresas já estavam obrigadas a aplicar os
pronunciamentos (CPCs) 01 a 10 e 12 a 14, os quais foram editados no mesmo ano.
Já os CPCs 15 a 43, editados em 2009, passaram a ser obrigatórios a partir de
2010. Presume-se que tais acontecimentos também tenham provocado mudanças na
controladoria, tanto no que se refere a sua estrutura (regras e recursos) como
no comportamento dos agentes que a formam (ações).
De acordo com Giddens (1979; 2003), a teoria da estruturação como pano de fundo
permite o enquadramento metodológico em dois níveis: a análise institucional e
a análise da conduta estratégica. No primeiro nível, o foco é centrado nas
estruturas, que são formadas pelas regras e recursos. O segundo, centrado na
agência humana, refere-se às ações dos atores sociais. Ambos os níveis são
complementares em função do princípio da dualidade da estrutura. Scapens e
Macintosh (1996) destacam que a análise institucional centra-se nas regras e
nos recursos, enquanto a análise do comportamento estratégico se concentra em
como os agentes recorrem a essas regras e recursos no processo de interação.
A figura_2 evidencia o esquema de análise seguido neste estudo. Nela são
apresentados o sistema social e suas propriedades estruturais, por meio dos
quais o controller e os demais envolvidos na controladoria, por suas regras e
recursos, orientam-se em suas ações do dia a dia.
Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram a observação direta, a
análise documental e as entrevistas. Yin (2005) menciona que a maioria dos
melhores estudos baseia-se em várias fontes, não ficando limitados a uma única
fonte de evidência. O autor destaca que no estudo de caso consideram-se as
entrevistas como uma das mais importantes fontes de informações, em que o
pesquisador possui duas tarefas: seguir uma linha própria de investigação e
fazer as questões de forma não tendenciosa.
As entrevistas realizadas foram do tipo individual e grupo focal, com perguntas
abertas, realizadas nas próprias dependências da empresa. Para Vergara (2009),
a entrevista individual é aquela que acontece entre um entrevistador e um
entrevistado, já a grupo focal é aquela conduzida por um entrevistador, que é o
catalisador da comunicação entre os entrevistados. O grupo focal possui como
objetivo gerar a discussão de um item específico e pode triangular-se com a
entrevista individual, com a observação participante e outros instrumentos. O
número de participantes é arbitrário, cabe ao pesquisador definir os limites
(VERGARA, 2009).
Para analisar a dualidade da estrutura (estrutura/interação) foram elaboradas
12 perguntas, quatro para avaliar a significação/comunicação, quatro para
dominação/poder e quatro para legitimação/sanção. Cabe destacar que tais
perguntas foram elaboradas com base nos estudos de Macintosh e Scapens (1991) e
Giddens (2003). No quadro_2, apresenta-se o construto da pesquisa com as
respectivas perguntas.
Primeiramente foi entrevistado o controller da empresa, cuja entrevista teve
duração de 55 minutos, com gravação autorizada pelo respondente. Em um segundo
momento, utilizando-se a entrevista grupo focal, foram entrevistados o
coordenador da Contabilidade Financeira (contador), uma analista sênior e um
analista júnior. A entrevista com o grupo focal também foi gravada e teve
duração de 85 minutos. Por fim, entrevistou-se o coordenador da Contabilidade
Gerencial, e a duração da entrevista foi de 40 minutos.
Cabe destacar que a seleção das pessoas entrevistadas ocorreu em função de seu
envolvimento no processo de implantação das normas internacionais. Antes de
iniciar as perguntas, tanto no grupo focal como nas entrevistas individuais,
foi realizada uma breve apresentação sobre os principais conceitos da teoria da
estruturação e sua relação com a implantação das normas internacionais e a
controladoria, com a finalidade de tornar as perguntas mais claras.
As entrevistas gravadas foram analisadas com o auxílio do software Atlas.ti
5.0, utilizando-se da sistemática proposta por Straus e Corbin (2008), na qual
expõem que a codificação para a análise dos dados qualitativos pode ser aberta,
axial e seletiva. Neste estudo, para a análise dos dados, utilizou-se a
codificação seletiva, tendo como parâmetro as categorias do construto da
pesquisa.
Utilizou-se também a observação direta. Na visita para a realização das
entrevistas, foi possível conhecer o ambiente de trabalho dos agentes da
controladoria, o que proporcionou uma melhor avaliação em termos
comportamentais, particularmente no que concerne ao conhecimento, segurança e
clareza na condução das respostas. Segundo Yin (2005), as observações podem
ocorrer por meio de atividades formais e informais de coleta de dados. De
maneira informal, podem acontecer observações diretas durante a visita de campo
em que estão sendo coletadas outras evidências, como aquelas provenientes de
entrevistas.
A análise documental foi realizada a partir das Notas Explicativas do período
de 2008 a 2010, em que se identificaram os CPCs implantados pela empresa. Para
Marconi e Lakatos (1999, p.64),
"a característica da pesquisa documental é que a fonte de coleta
de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o
que se denomina de fontes primárias".
Após a análise dos dados, solicitou-se ao controller que realizasse uma leitura
dos resultados obtidos, pois, de acordo com Yin (2005), a revisão do estudo de
caso por pessoas informantes do caso objeto de estudo é um procedimento que
garante qualidade ao trabalho. Após a leitura e a análise do documento, alguns
poucos ajustes de redação foram recomendados.
6. DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Para atingir o objetivo da pesquisa, que consiste em verificar os impactos da
implantação das normas internacionais de contabilidade na controladoria à luz
da teoria da estruturação, a análise dos dados foi realizada em quatro etapas.
Nas etapas iniciais abordam-se:
etapa 1 ' significação e comunicação;
etapa 2 ' dominação e poder;
etapa 3 ' legitimação e sanção;
etapa 4 ' expõe-se a estruturação da controladoria por meio da
análise simultânea da estrutura (análise institucional) e da
interação (análise da conduta estratégica).
6.1. Significação e comunicação
Com a implantação das normas internacionais, surgiram várias atividades que a
controladoria precisou desenvolver, alterando os procedimentos e,
consequentemente, a rotina das pessoas envolvidas. Foram 22 CPCs analisados e/
ou implantados entre os períodos de 2008 a 2010 e uma Interpretação Técnica
ICPC, sendo 7 CPCs em 2008 e 2009, 15 em 2010 e uma ICPC em 2010. Alguns dos
CPCs a seguir não geraram impactos nas demonstrações financeiras, mas foram
analisados para verificar se poderiam causar mudanças, como os CPCs 18, 25, 30
e 36. No quadro_3, demonstram-se os CPCs implantados e/ou analisados.
Na empresa objeto deste estudo, todas as funções desenvolvidas pela
controladoria ' função contábil, patrimonial, gerencial e de custos ' tiveram
atividades alteradas. Algumas com maior impacto, como as funções relacionadas à
contabilidade financeira, outras com menor impacto. A figura_3 demonstra as
funções desempenhadas pela área organizacional da controladoria.
Do que até aqui exposto, depreende-se que todas as áreas da controladoria da
empresa, expostas na figura_3, tiveram atividades alteradas com a implantação
das normas internacionais de contabilidade. Assim, para cada uma das categorias
de análise do pilar significação/comunicação, da teoria da estruturação,
realizou-se na sequência uma análise à luz do objetivo proposto no estudo.
6.1.1. Procedimentos
A função contábil passou a ter atividades adicionais, como apurar o ajuste a
valor presente (AVP), reconhecer e mensurar o patrimônio e o resultado, e
principalmente o nível de evidenciação que aumentou substancialmente. Na função
patrimonial, atividades novas surgiram, como test impairment, deemed cost,
valor justo, avaliação da vida útil. As funções gerencial e custos passaram a
ter informações, baseadas nestes novos conceitos, que refletem melhor a
realidade. Questionados sobre mudanças nos procedimentos das funções de
controladoria, alguns dos entrevistados responderam:
Participante 4: "Tivemos não só novas atividades, como também
remodelação de atividades. A forma de fazer o trabalho, hoje em dia,
está totalmente mudada, tem o valor justo, o impairment test, todo
ano é preciso verificar a vida útil dos bens".
Participante 3: "Entendo que teve várias mudanças, mais na nossa
atividade, que é a parte de elaboração das demonstrações e a parte
das notas explicativas".
6.1.2. Transformações
A controladoria também precisou do apoio de outras áreas, que são as chamadas
áreas de apoio, como a fiscal, a financeira, a de estoques, a importação. Elas
passaram a fornecer informações para viabilizar a implantação das normas
internacionais de contabilidade. Também foi necessária a contratação de uma
empresa de consultoria no início do processo, em 2008, além de terceiros para a
elaboração de laudos. Um dos entrevistados relatou transformações ocorridas com
a implantação das normas internacionais de contabilidade:
Participante 1: "Fizemos o laudo, como o deemed cost é
facultativo, se não for implantado, é preciso justificar, então
estamos avaliando se é necessário implantá-lo ou não. Tudo que
depende de laudo técnico, conhecimento que não é contábil, que
precisa de especialista, recorremos a terceiros. O que é conhecimento
contábil é resolvido internamente. Claro que temos uma consultoria
nos dando apoio na questão de disclosure, orientando como a auditoria
espera, mas a decisão técnica contábil é nossa".
6.1.3. Atividades
Novas atividades precisaram ser desenvolvidas pela controladoria para
implantação das normas internacionais de contabilidade. A maior complexidade
dessas atividades exigiu descentralização de diversos procedimentos inerentes à
aplicação de novos conceitos. No relato de um dos entrevistados é possível
observar regras desenhadas pelas atividades organizacionais:
Participante 1: "A parte de impairment test a analista sênior
está produzindo. Os registros, a apuração dos valores que envolvem o
patrimônio é a pessoa do patrimônio (analista júnior). O laudo para
analisar a vida útil, o laudo que envolve o ativo, geralmente a
análise é feita por mim ou pelo contador. A solicitação, a pesquisa
de preços e a discussão dos critérios são feitos por mim, com o
auxílio do contador quando precisa de base de dados, de informações
específicas".
6.1.4. Comunicação
A necessidade de um contato maior com as áreas de apoio, as discussões, a troca
de ideias, reuniões sobre a interpretação dos CPCs quanto a seu entendimento e
aplicabilidade, as mudanças de processos e sistemas, para atender às novas
exigências, levou a maior comunicação entre os envolvidos e, consequentemente,
maior interação na área organizacional controladoria. Nas transcrições que
seguem, verificam-se regras sociais que tornam possível a comunicação:
Participante 2: "Foi preciso estudar as mudanças, ler, discutir
internamente. Quando começamos a implantar, houve muita conversa, e
ainda conversamos".
Participante 3: "Por exemplo, o pessoal da parte fiscal
conversou com o coordenador para entender e discutir quais os
impactos que essa mudança teria na parte tributária no que se refere
ao Regime Tributário de Transição (RTT) e tudo mais".
Participante 2: "Na área financeira, também precisamos bastante
da ajuda deles, na parte de clientes, fornecedores, para reformular a
forma de passar as informações".
Depreende-se da transcrição de trechos das entrevistas individuais e do grupo
focal que na empresa analisada ocorreram diversas mudanças que impactaram a
área organizacional controladoria no período considerado. No quadro_4,
apresenta-se uma síntese das categorias analisadas no pilar da significação e
comunicação.
Observa-se no quadro_4 que a implantação das normas internacionais de
contabilidade na empresa, no período de 2008 a 2010, criou um conjunto de
relações de transformação da área organizacional controladoria. Isso permitiu a
compreensão das várias atividades decorrentes, por meio da comunicação de forma
significativa sobre aspectos relacionados a tais atividades.
6.2. Dominação e poder
Como no pilar significação/comunicação, realizou-se na sequência para cada uma
das categorias de análise do pilar dominação/poder, da teoria da estruturação,
uma análise à luz do objetivo proposto no estudo.
6.2.1. Objetivos
A controladoria na empresa em estudo foi a principal responsável pela condução
do processo de normatização. Na verdade, é o setor que mais apresenta
capacidades para gerenciar os meios e alcançar os objetivos necessários na
realização desse processo. Questionados se a controladoria foi a principal
responsável pelo processo, um dos entrevistados reportou:
Participante 1: "Se não na maioria, boa parte, sim. Teve a área
de tecnologia da informação para aperfeiçoar processos, alguma coisa
envolveu a área fiscal. Mas, em 95%, foi a área da controladoria a
responsável".
6.2.2. Facilidades
Para viabilizar o processo de implantação das normas internacionais de
contabilidade na empresa, um dos respondentes apontou como facilidades o que
segue:
Participante 1: "Para a implantação dos CPCs, houve três passos
importantes:
a) contratar uma empresa de consultoria para fazer o diagnóstico;
b) designar uma pessoa específica para trabalhar com este assunto,
uma pessoa que já tinha um know how de auditoria, de como lidar com
isso; e
c) acompanhar o que estava sendo feito pelas demais empresas e
discutir todos os pontos com a auditoria".
6.2.3. Recursos
Na condução do processo de implantação, houve também a necessidade de
investimentos em recursos humanos e tecnológicos, conforme relatos que seguem:
Participante 1: "Houve investimentos em tecnologia da
informação. Para serem aprimorados os controles, estamos
automatizando os processos, reformulando algumas questões, que é o
caso do imobilizado. Se é necessário controlar o custo atribuído,
temos que ter duas bases de ativos, o mesmo ativo com duas funções,
valor original e valor atribuído. O AVP foi automatizado uma parte,
mas vai ter que ser automatizado o restante. O controle de estoques
ainda está manual, mas tem que ser automatizado. Em geral, o impacto
foi dentro da infraestrutura tecnológica. Foi contratada também uma
pessoa para conduzir o processo de IFRS, fazendo o link entre a
consultoria e a gente, provavelmente ela vai continuar tocando este
assunto".
Participante 3: "Tivemos uma consultoria que nos ajudou. Também
teve um treinamento para algumas pessoas-chave das áreas, para que
quando surge algum assunto diferente eles também analisem com outros
olhos, porque às vezes a gente também não consegue visualizar
tudo".
6.2.4. Poder
Sobre a capacidade que o agente possui de agir e, consequentemente, de
influenciar, foi informado que as novas atividades precisaram ser delegadas às
pessoas que apresentavam as capacidades necessárias, o que aconteceu
naturalmente:
Participante 1: "Lemos o CPC e discutimos, é dado um
direcionamento, eles começam a trabalhar, no caso de dúvidas, vai se
discutindo e aprimorando. Assim, a delegação foi natural, acaba
resumindo-se em três pessoas: eu; o contador, que é o responsável; e
a analista, que vai ter que conduzir o processo. Em alguns pontos,
ligamos para a consultoria. Quando chega um laudo atuarial, por
exemplo, não temos conhecimento, então é preciso envolver a
consultoria, para analisar qual a melhor forma de tratamento
contábil, mas foi uma coisa natural".
Participante 2: "Aconteceu de forma gradual. À medida que
surgiam os CPCs, fomos estudando e trabalhando em sintonia sempre com
bastante apoio do controller".
Os agentes diretamente envolvidos com a implantação apresentaram-se confiantes,
mas não preparados, conforme depoimento de dois entrevistados:
Participante 1: "Eu me senti confiante, porque preparado não se
estava, sempre foi preciso pesquisar o assunto".
Participante 2: "No primeiro momento assusta e se fica
preocupado. No entanto, vai se percebendo que, aos poucos, se torna
normal a nova forma de ver alguns processos e, assim, acaba se
sentindo mais preparado".
Os relatos dos entrevistados evidenciaram a presença de dominação/poder no
órgão controladoria durante a fase de implantação dos CPCs. No quadro_5,
apresenta-se uma síntese das categorias analisadas no pilar da dominação e
poder.
Depreende-se do quadro_5 que a controladoria apresentou dominação e poder
durante o processo de implantação das normas, possuindo ou adquirindo os
recursos tecnológicos e humanos necessários, bem como agentes, de maneira
geral, capazes de realizar as atividades. Embora não tenha sido um processo
simples desenvolver as atividades e atender aos objetivos necessários, conforme
se observou na categoria de análise que trata das facilidades.
6.3. Legitimação e sanção
No pilar legitimação/sanção da teoria da estruturação, conforme segue, também
foram analisadas as respectivas categorias à luz do objetivo proposto no
estudo.
6.3.1. Comportamentos legitimados
As novas obrigações que os agentes passaram a ter foram enfrentadas em meio a
muito esforço, dedicação, leitura, discussão. Isso permitiu que todos os CPCs
exigidos fossem implantados nas duas fases, em 2008 e em 2010. Tais obrigações
geraram mudanças de processos, rotinas, controles e condutas dos agentes, como
segue:
Participante 4: "Antes de começar o trabalho, o controller fez
uma reunião com todos e explicou: 'Não adianta vocês ir contra, é
melhor vocês remarem junto porque não tem volta', ou seja, a ordem
foi lançada".
Participante 1: "Este processo leva a mudanças de condutas. A
gente passa a olhar com mais cuidado as notas explicativas, temos que
ser mais cuidadosos com o que se vai publicar. Vamos ter que olhar
duas vezes a mesma coisa, sabemos que a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) já vem fazendo isto, já vem questionando, então a
mudança é ser mais rigoroso na questão do disclosure, na base para a
auditoria, na argumentação".
Durante a implantação dos CPCs, a conduta dos agentes envolvidos contribuiu
para que o processo fosse conduzido com tranquilidade, diálogo, presteza,
responsabilidade e clareza. Percebeu-se esse aspecto na condução das respostas
durante as entrevistas realizadas:
Participante 1: "Tais características já estão
institucionalizadas na empresa, o que torna possível trabalhar desta
forma".
Participante 5: "A empresa tenta implantar o não pessimismo, a
não visão negativa das pessoas".
6.3.2. Obrigações
Em alguns momentos, foi necessário ter cobranças mais firmes das áreas de
apoio. No momento de solicitar uma determinada informação para uma área de
apoio, por exemplo:
Participante 4: "Tem que ir com a postura mais firme, e com a
informação fundamentada do que se precisa".
Participante 2: "Alguns mencionavam: 'Ah! Mas eu sempre fiz
assim'".
Normas responsáveis pela articulação de comportamentos legitimados
institucionalmente foram observadas. Por exemplo, a diretoria procura apoiar
tanto a pessoa que possui pouca como aquela com muita importância no processo.
No quadro_6, tem-se uma síntese das categorias analisadas no pilar de
legitimação/sanção.
Observou-se que, durante o processo de legitimação de comportamentos dentro da
área organizacional da controladoria, alguns já eram institucionalizados e
outros surgiram com a implantação das normas. O atendimento de todos os CPCs
exigiu a adaptação dos agentes às mudanças, ao cumprimento de suas obrigações,
havendo pouca presença de direitos e de sanções, o que pode ser justificado
pelo processo que se reveste de algo normativo.
Os resultados desta pesquisa coadunam com os do estudo de Macintosh e Scapens
(1991), em que concluíram que os sistemas de contabilidade podem dar
legitimidade às ações e interações de gestores de toda a organização. Isso
porque oferecem valores e ideais sobre o que deveria acontecer, o que é
considerado justo, eles institucionalizam as obrigações recíprocas e os
direitos dos gestores em toda a organização.
6.4. Estruturação da controladoria
Com vistas ao cumprimento do objetivo da pesquisa, nesta etapa expõe-se a
estruturação da controladoria por meio de uma análise simultânea da estrutura
(análise institucional) e da interação (análise da conduta estratégica). Nesta
etapa, consideraram-se as anteriores, ou seja, a análise da estruturação da
controladoria à luz da teoria da estruturação, contemplando seus três pilares:
significação/comunicação; dominação/poder; legitimação/sanção.
A dualidade da estrutura, principal conceito da teoria da estruturação e que é
formada pela estrutura e pela interação por meio dos pilares de significação,
dominação e legitimação, pode ser observada no sistema social controladoria, no
contexto da implantação das normas internacionais de contabilidade. A figura_4
demonstra de forma sintetizada a estruturação da controladoria.
Durante o processo de implantação das normas internacionais de contabilidade, a
estrutura da controladoria da empresa objeto de estudo foi impactada por novas
atividades nas funções contábeis, patrimonial, gerencial e custos. Isso gerou
constantes discussões e reuniões, mudanças de processos, controles, os quais
foram desenvolvidos por meio de investimentos em recursos tecnológicos,
humanos, da delegação de tarefas, entre outras regras e recursos. Busco (2009)
destaca em sua pesquisa que as práticas contábeis possuem um papel crucial na
relação recursiva entre agência e estrutura como modalidades de estruturação.
Essa estruturação foi influenciada pela interação dos agentes por meio da
comunicação, da adaptação às novas atividades, das posturas, da compreensão,
das capacidades, da preparação, da confiança e da presteza, entre outras ações
dos agentes envolvidos. Esses resultados corroboram os achados de Junquilho
(2003), quando destaca que os gestores, por meio de sua ação, contribuem para a
reprodução de propriedades estruturais. Tais ações também foram influenciadas
pelas condições existentes na estrutura.
Dos três pilares da teoria de estruturação, no processo de implantação das
normas internacionais de contabilidade, a área organizacional da controladoria
inicialmente teve maior presença da significação/comunicação, seguida da
dominação/poder e, por fim, da legitimação/sanção. O gráfico a seguir sintetiza
o exposto nos quadros_4, 5 e 6. Para sua elaboração, inicialmente foi atribuído
aleatoriamente um valor para cada categoria analisada nos respectivos pilares,
sendo: 3 = Forte Presença; 2 = Alguma Presença e 1 = Pouca Presença. Em
seguida, totalizaram-se os valores das categorias. Por exemplo, no pilar
significação/comunicação todas as categorias analisadas receberam 3 = Forte
Presença, totalizando 12 pontos.
![](/img/revistas/rausp/v47n4/a11quadro.jpg)
Com base no exposto no gráfico abaixo, pode-se inferir que a implantação das
normas internacionais de contabilidade contribuiu para a produção e a
reprodução da área organizacional controladoria da empresa pesquisada,
evidenciando a dualidade da estrutura, uma vez que a estrutura impactou a
interação e a interação impactou a estrutura. Ainda que os resultados não
possam ser extrapolados do caso estudado, os achados coadunam com a pesquisa de
Macintosh e Scapens (1990), que observaram que as práticas contábeis estão
envolvidas nas questões de ordem social de uma organização.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo objetivou verificar os impactos da implantação das normas
internacionais de contabilidade na controladoria à luz da teoria da
estruturação. Pesquisa exploratória, com abordagem qualitativa, foi realizada
por meio de um estudo de caso em uma empresa industrial têxtil, utilizando-se
como instrumentos de coleta de dados a observação direta, a análise documental
e as entrevistas individuais e de grupo focal.
O pressuposto de que o processo de implantação das normas internacionais vem
contribuir para a produção e a reprodução da ordem social da área
organizacional controladoria, foi confirmado no caso estudado. A teoria da
estruturação vem contribuir para analisar as práticas da contabilidade sob
outro enfoque, um olhar social, que permite avaliar aspectos estruturais e de
ação, favorecendo o entendimento das atividades organizacionais sob um prisma
diferente da tradicional visão econômica.
Durante o processo de implantação das normas internacionais de contabilidade, a
estrutura da controladoria na empresa objeto de estudo foi impactada por novas
atividades nas funções contábil, patrimonial, gerencial e custos. Foram
necessárias várias reuniões, leituras, mudanças de processos e controles, que
implicaram investimentos em recursos tecnológicos, humanos e delegação de
tarefas. Tal estrutura foi influenciada por várias ações dos agentes
envolvidos, como comunicação, postura, compreensão, capacidade, preparação,
confiança e presteza. Por outro lado, tais ações também foram influenciadas
pelas condições existentes na estrutura.
Entre os três pilares ' significação/comunicação, dominação/poder e
legitimação/sanção ', o primeiro apresentou forte presença durante o processo,
ou seja, as categorias que o compõem (procedimentos, transformações, atividades
da controladoria e comunicação) impactaram significativamente a área
organizacional da controladoria. Seguem-se na ordem de presença durante o
processo os pilares da dominação/poder e legitimação/sanção.
Portanto, conclui-se que a implantação das normas internacionais de
contabilidade contribuiu para a produção e a reprodução da ordem social da área
organizacional controladoria, evidenciando a dualidade da estrutura em
interação preconizada por Giddens (1979; 1996; 2003). Ressalta-se que os
resultados obtidos são restritos ao caso estudado, sendo alcançados com base
nas características de uma única empresa e, portanto, não podem ser
generalizados.
Considerando-se o caráter exploratório do estudo, os resultados ensejam
pesquisas adicionais. Assim, recomenda-se para pesquisas futuras sobre o tema
verificar os impactos da implantação das normas internacionais de contabilidade
na controladoria à luz da teoria da estruturação em uma amostra maior de
empresas, bem como a utilização dessa teoria em outras práticas da
contabilidade.