Perfil da demanda por microcomputadores no Brasil: o que os microdados da POF-
IBGE indicam?
1. INTRODUÇÃO
Pode-se discutir a importância dos computadores na vida das pessoas ou
questionar sua eficiência na educação ou no desenvolvimento econômico de um
país. Entretanto, dados mostram que é inegável que o consumo de
microcomputadores vem aumentando rapidamente nos últimos anos. Assim, uma
parcela cada vez maior da população compromete parte de sua renda e de seu
tempo na compra e no uso de computadores. Para se ter uma ideia desse aumento,
segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a
porcentagem de domicílios com computadores no Brasil passou de 12,23% em 2001
para 31,2% em 2008. E segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de
Telecomunicações (TELEBRASIL, 2009), no ano de 2008 o número de computadores
vendidos no Brasil foi superior ao número de televisores vendidos.
Esse aumento desperta o interesse em saber quem consome esses computadores, uma
vez que existem disparidades na presença de computadores nos domicílios
brasileiros.
Segundo dados da PNAD, no ano 2008 enquanto entre os dez por cento mais ricos a
porcentagem de computadores chegou a 74,92%, no restante da população esse
número alcançou apenas 12,5%. Em relação ao nível de instrução não é diferente.
Enquanto entre os domicílios com ao menos uma pessoa com pós-graduação a
presença de computadores chegou a 93,64%, entre os domicílios com pessoas com
no máximo primeiro grau completo chegou a apenas 18,25%. Muita disparidade
também é encontrada na comparação entre regiões do Brasil. Dados da mesma fonte
indicam que a maior presença de computadores nos domicílios está na região
Sudeste, chegando a quase 40% em 2008, já a pior região é a Nordeste com apenas
15,71%, menos da metade da apresentada pela região Sudeste. Grandes diferenças
também ocorrem quando comparadas as áreas urbanas com as áreas rurais do país.
Em 2008, enquanto 35,32% dos domicílios localizados em área urbana possuíam um
computador, nas áreas rurais o computador estava presente em apenas 7,23% dos
domicílios.
Apesar de haver pesquisas que levantem informações sobre a posse e o uso de
computadores no Brasil, como a PNAD e a Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias da
Informação e da Comunicação no Brasil (TIC domicílios), há uma carência de
pesquisas que analisem de forma mais direta a despesa domiciliar com a compra
de computadores. O objetivo geral neste artigo é suprir essa lacuna analisando
de forma mais aprofundada a relação entre a despesa domiciliar com a compra de
computadores e as características socioeconômicas dos moradores dos domicílios.
Mais especificamente, pretende-se aproveitar a riqueza de informações para a
realização de análises empíricas sobre os consumidores brasileiros contida nos
microdados de duas Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF), realizadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): a de 2002-2003 e a de
2008-2009.
"Microdados consistem no menor nível de desagregação de uma
pesquisa, geralmente retratando o conteúdo do questionário,
preservado o sigilo das informações. Os microdados possibilitam aos
usuários, com conhecimento de linguagens de programação ou software
de cálculo, criar suas próprias tabelas de planos tabulares de dados
numéricos. Acompanham o arquivo de microdados a documentação que
fornece as descrições e códigos das categorias das variáveis,
adicionada, quando necessários, dos elementos para o cálculo dos
erros amostrais" (IBGE, 2010a)
Em especial, será possível utilizar a variável despesa total per capita como
medida do poder aquisitivo de cada domicílio. A utilização de duas pesquisas
permite que se tenha uma visão mais dinâmica da evolução do padrão de consumo
no período desse tipo de bem.
O artigo foi dividido em mais quatro partes além desta introdução. Na próxima
seção é feita uma breve análise sobre o mercado de computadores no Brasil. Na
seção três é apresentada a metodologia e as bases de dados utilizadas para
analisar a despesa domiciliar com a compra de computadores, na quarta são
discutidos os resultados. Por fim, na quinta seção são expostas algumas
considerações finais.
2. BREVE ANÁLISE SOBRE O MERCADO DE COMPUTADORES NO BRASIL
A história dos computadores
(1)
no Brasil começa basicamente no início da década de 1960 com a importação dos
primeiros computadores para uso da Marinha e de algumas universidades. Ainda
durante a década de 1960 algumas empresas estrangeiras instalaram filiais no
país para a fabricação de componentes eletrônicos. Durante a década de 1970 o
governo passa a estimular a criação de uma indústria nacional de informática
dando incentivos fiscais às empresas em que o controle fosse exercido pela
parte nacional. Com os problemas enfrentados na balança comercial durante a
década de 1980, o governo publica a Lei n.7.272 de 29 de outubro de 1984, que
ficou conhecida como Lei da Informática (NASSIF, 2002). Com a Lei, o governo
criou uma reserva de mercado para a indústria nacional de informática e, assim,
reduziu fortemente a importação de componentes eletrônicos. Já em 1985 os
índices de nacionalização de CPUs, teclados e monitores chegavam a 95% (TIGRE,
1993).
Essa Lei acabou por criar uma indústria nacional ineficiente (TIGRE, 1993). Um
computador nacional chegava a custar entre 70% e 100% mais caro que um similar
estrangeiro, e a defasagem tecnológica situava-se entre três e cinco anos
(LUZIO e GREENSTEIN, 1995). Como a produção era quase toda voltada para atender
o setor público e as grandes empresas, o mercado voltado para o consumo
domiciliar era basicamente suprido por produtos contrabandeados. Com a
revogação da Lei n.7.272 no início da década de 1990, muitas empresas nacionais
migraram para o atendimento de setores específicos, foram adquiridas por
empresas estrangeiras ou encerraram suas atividades. Com a abertura do mercado,
os consumidores passaram a ter mais opções de bens de informática e com
melhores preços (TIGRE, 1993).
Até o final da década de 1990 havia poucos dados referentes ao número de
domicílios com computador no Brasil. No ano 2001 a PNAD incluiu em seu
questionário as perguntas: "Este domicílio tem microcomputador?" e
"Esse microcomputador é utilizado para acessar a Internet?". Segundo
dados da PNAD, a porcentagem de domicílios que possuíam computador no Brasil
passou de 12,21% em 2001 para 31,18% em 2008. Já a porcentagem de domicílios
que tinham acesso à Internet passou de 8,23% para 23,83%
(2)
.
Informações publicadas na imprensa mencionam a venda 10,7 milhões de
computadores no Brasil em 2007
(3)
. Desse modo, o Brasil tornou-se o quinto maior mercado consumidor de
computadores do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos (64 milhões), da China
(36 milhões), do Japão (13 milhões) e do Reino Unido (11,2 milhões).
Entre 2006 e 2007, o número de domicílios com computador aumentou em mais de
três milhões, uma expansão de quase 30%. Essa melhora pode estar relacionada
com a queda nos preços, a expansão do crédito, os incentivos do governo e com o
aumento da qualidade e da diversidade dos computadores. Observando os gráficos
1 e 2, pode-se identificar que a queda nos preços mais expressiva e o aumento
mais acelerado no número de domicílios com computador ocorrem a partir de 2005.
Parte da queda nos preços pode ser explicada pelo câmbio mais favorável e pelos
incentivos governamentais. Por exemplo, em 2005 houve uma isenção de Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI) e Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (Cofins) sobre computadores com valor de até R$ 2.500,00.
Contudo, mesmo tendo um grande mercado consumidor, a penetração de computadores
no Brasil ainda é muito pequena se comparada com a de países desenvolvidos. Os
principais obstáculos à maior disseminação da prática de aquisição desse tipo
de equipamento podem estar no poder aquisitivo, uma vez que computadores ainda
são caros em comparação à renda média, ou mesmo no nível educacional dos
brasileiros. Segundo dados publicados pelo Comitê Gestor de Internet no Brasil
(CGI.br) e divulgados na Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias da Informação e
da Comunicação no Brasil 2008 (TIC domicílios 2008)
(4)
, 75% dos entrevistados disseram não ter um computador por não terem condições
financeiras de adquirir um. Nota-se também que essa resposta não se restringe
apenas aos domicílios mais pobres. Entre os domicílios com renda igual ou
superior a cinco salários mínimos (mais do que R$ 2.076,00), 40% declararam o
preço como o principal motivo para não adquirirem um computador. A questão
educacional também se mostrou relevante, pois apesar de a interface dos
computadores e da Internet estar evoluindo para padrões mais simples e
intuitivos, seu uso ainda não é trivial, e muitas pessoas com baixo nível de
educação podem ter dificuldades em utilizá-los. Segundo dados da TIC domicílios
2008, o terceiro motivo mais importante apontado pelos entrevistados por não
ter um computador foi a falta de habilidade para sua utilização.
3. METODOLOGIA E BASES DE DADOS
Com a metodologia empregada buscou-se analisar a relação entre a variável de
interesse (despesa domiciliar com a aquisição de microcomputadores) e algumas
vaiáveis que representam características do domicilio e de seus moradores.
Como computadores ainda são relativamente caros, em uma pesquisa sobre a
despesa domiciliar com computador, número elevado de observações da amostra irá
reportar o valor zero. Muitos são os motivos que levam um domicílio a não ter
gasto com computador. Os mais prováveis são que os moradores não quiseram ou
não puderam comprar um. Dessa forma, as informações sobre a despesa domiciliar
com a aquisição de computador são incompletas, pois há um limite inferior
representado pela ausência de despesa, ou seja, o valor zero. Devido a essa
característica, não é adequado utilizar o método de Mínimos Quadrados
Ordinários (MQO) para analisar os dados sobre despesas domiciliares com
computadores, pois a variável de interesse não é linear.
A especificação adequada a esse tipo de problema é conhecida na literatura como
modelo de seleção de Heckman. Uma característica desse modelo, que o diferencia
do modelo de MQO, é que ele separa a análise em dois estágios. No caso da
despesa com algum produto, o modelo de MQO faz a relação direta entre a despesa
e as variáveis explicativas. Já o modelo de Heckman associa a despesa com a
probabilidade de o indivíduo ou domicílio ter aquela despesa. Em outras
palavras, no primeiro estágio analisam-se os fatores associados à probabilidade
de ocorrência da despesa e no segundo analisam-se os fatores associados aos
valores da despesa efetuada
(5)
.
O modelo de Heckman pode ser especificado pelas funções [1], [2] e [3], em que
y* e d* são variáveis latentes, xi é um vetor 1xk das k variáveis
explicativas,βeγsão vetores de parâmetros 1x1, ui e ϵi são os termos de erros
não observados eσϵu é a covariância de u e ϵ.
[/img/revistas/rausp/v47n4/a13frm03.jpg]
A variável observada é yi que, nesse caso, corresponde ao valor das despesas
com computadores e observa-se yi apenas quando di = 1, ou seja, quando o
domicílio decide despender com computadores.
[/img/revistas/rausp/v47n4/a13frm04.jpg]
Essencialmente, essa especificação possui duas equações, [1] e [2], sendo a
primeira a equação de seleção que modela a probabilidade de determinado
domicílio decidir adquirir microcomputador. Essa equação incorpora
explicitamente a não aleatoriedade existente na amostra, que é característica
intrínseca desse tipo de modelo. A segunda equação corresponde ao modelo das
despesas com computadores. Com essa estrutura, as variáveis que afetam a
decisão de ter a despesa podem ser distintas das variáveis relativas ao valor
das despesas ou, sendo as mesmas, permite-se que possam apresentar impactos em
direções e de dimensões diferentes para cada uma das decisões
(6)
.
3.1. Pesquisa de orçamentos familiares: 2002-2003 e 2008-2009
Conforme mencionado anteriormente, foram utilizados os microdados de duas POF-
IBGE, a de 2002-2003 e a de 2008-2009, cujos levantamentos de informações
ocorreram, respectivamente, entre julho de 2002 e junho de 2003 e entre maio de
2008 e maio de 2009. Foi utilizada a terceira edição dos microdados da POF
2002-2003 e a primeira edição da POF 2008-2009
(7)
.
A POF 2002-2003 é constituída por uma amostra de 48.470 domicílios e a POF
2008-2009, de 55.970 domicílios. Cada domicílio representa um setor geográfico,
e para cada domicílio entrevistado foi estabelecida uma ponderação que equivale
à sua participação na população, chamada de fator de expansão. Assim, no caso
da POF 2002-2003, a amostra de domicílios entrevistados equivale a uma
população de aproximadamente 48 milhões de domicílios e, no caso da POF 2008-
2009, de 58 milhões de domicílios
(8)
.
A estrutura da POF é complexa e justamente por essa razão o grau de dificuldade
na sua manipulação é elevado. A seguir pretende-se dar uma visão sintética
sobre essa estrutura e a necessidade de compatibilização para a análise das
duas bases de microdados. Mais detalhes podem ser encontrados em Diniz et al.,
2007 e IBGE, 2010a.
A POF 2002-2003 é constituída por seis questionários (POF 1 até POF 6) e
separada em 14 tipos de registro. A POF 2008-2009 possui sete questionários e
15 tipos de registro. Desses registros, foram utilizados aqueles que apresentam
informações sobre o domicilio, sobre os moradores e sobre os gastos coletivos e
individuais.
No registro tipo 01 (POF 1) há informações sobre as características de cada um
dos domicílios entrevistados. No registro tipo 02 (POF 1) constam informações
sobre cada um dos moradores identificados na pesquisa. O registro tipo 04 da
pesquisa 2002-2003 (POF 2) e o registro tipo 05 da 2008-2009 contém informações
sobre a posse de bens duráveis em cada domicílio, assim como ano da última
aquisição, estado (novo ou usado) e forma de aquisição de cada bem. As despesas
de cada domicílio estão separadas por tipo em três questionários: questionário
de despesa ou aquisição coletiva (POF 2), caderneta de despesa ou aquisição
coletiva (POF 3) e questionário de despesa ou aquisição individual (POF 4). Os
valores das despesas são apresentados tanto em sua forma nominal quanto
deflacionada para 15 de janeiro de 2003 (POF 2002-2003) ou 15 de janeiro de
2009 (POF 2008-2009), constando também informações a respeito da forma de
obtenção
(9)
. No registro tipo 05 de 2002-2003 ou 06 de 2008-2009 ' despesas coletivas de
90 dias (POF 2) ' há dados sobre despesas correntes com habitação: gastos com
energia elétrica, água, pequenos reparos no imóvel, consertos de
eletrodomésticos, entre outros. No registro tipo 06 de 2002-2003 ou 07 de 2008-
2009 ' despesas coletivas realizadas no período de 12 meses de referência da
pesquisa (POF 2) ' há informações sobre despesas com habitação: aquisição de
imóveis, construção, reformas, taxas de serviços, entre outros. Nesse registro
também constam informações sobre aluguel de microcomputadores. O registro 07
(POF 2) de 2002-2003 ou 08 de 2008-2009 possui informações sobre despesas
coletivas com habitação: aquisição de eletrodomésticos, móveis, utensílio de
decoração e microcomputadores, entre outros. No registro tipo 08 (POF 2) de
2002-2003 ou 09 de 2008-2009 constam as despesas coletivas com habitação
relativas à contratação de serviços domésticos. No registro tipo 09 (POF 3) de
2002 ou 11 de 2008-2009 há dados sobre as despesas coletivas com habitação
relativas à aquisição de produtos de limpeza, despesas com alimentação dentro
do domicílio e despesas com produtos de higiene pessoal. No registro tipo 10
(POF 4) de 2002-2003 ou 12 de 2008-2009 constam dados sobre despesas pessoais
com alimentação fora do domicílio, saúde, despesas diversas, educação, fumo,
outras despesas correntes, recreação e cultura, serviços pessoais, transporte
(menos aquisição de veículos) e vestuário. No registro tipo 11 (POF 4) de 2002-
2003 ou 13 de 2008-2009 constam informações sobre aquisição de veículos. No
registro tipo 12 (POF 5) de 2002-2003 ou 14 de 2008-2009 há informações sobre
rendimentos e deduções individuais. No registro tipo 13 (POF 5) de 2002-2003 ou
15 de 2008-2009 constam informações sobre outros rendimentos e movimentações
financeiras individuais. No registro tipo 14 (POF 4) de 2002-2003 constam
informações sobre despesas com medicamentos e assistência à saúde. Esses dados
não estão disponíveis na primeira edição da pesquisa de 2008-2009.
3.2. Variáveis selecionadas
Foram selecionadas variáveis que podem influenciar tanto na decisão de comprar
um computador como na decisão de quanto gastar na aquisição. No quadro a seguir
apresenta-se a descrição das variáveis selecionadas e na tabela_1 as
estatísticas descritivas das variáveis. Na tabela_2 mostram-se a média de
despesa anualizada e deflacionada com computador e a média de despesa também
anualizada e deflacionada dos domicílios que tiveram despesa com computador. Os
valores são referentes aos dados de cada uma das bases com a aplicação do fator
de expansão
(10)
.
[/img/revistas/rausp/v47n4/a13quadro.jpg]
A variável de interesse é a despesa domiciliar per capitacom a aquisição de
microcomputadores
(11)
. Dos domicílios entrevistados em 2002-2003, apenas 2,69% apresentaram alguma
despesa com aquisição de computador. No período de seis anos transcorrido entre
a realização das pesquisas esse percentual triplicou, atingindo 8,28%
(12)
. A média da despesa anual domiciliar per capita com a compra de computador
calculada a partir da amostra completa, ou seja, incluindo domicílios sem
despesas com computador foi de apenas R$ 17,92 em 2002-2003 e de R$ 41,24 em
2008-2009. O valor é baixo se comparado com a despesa apresentada para outros
bens. Como exemplo, pode-se citar que em 2002-2003 o gasto médio domiciliar per
capita com fumo foi de R$ 39,63. Acontece que o número de domicílios que
incorreu nessa despesa, mesmo com o crescimento verificado no período, ainda é
pequeno. Desse modo, é relevante avaliar também somente aqueles domicílios que
apresentaram despesas com computadores. Nota-se que, para esse grupo, em 2002-
2003 a média de gastos per capita foi de R$ 666,92, caindo para R$ 497,79 em
2008-2009. Esse resultado reflete a queda de preços verificada no gráfico_2.
Segundo os dados de inventário da POF 2002-2003, 12,97% dos domicílios possuíam
computador. Em 2008-2009 esse percentual já se aproximava de 29%
(13)
.
Em termos de perfil etário dos domicílios analisados, observa-se uma queda no
percentual de domicílios chefiados por indivíduos com menos de 45 anos de
idade, que representavam 52,5% dos domicílios em 2002 e um aumento nos
domicílios chefiados por indivíduos mais velhos (45 anos ou mais), que passaram
a representar 54% dos domicílios em 2008-2009.
Em termos de escolaridade, nota-se que as despesas com computadores também
estão ocorrendo em domicílios com indivíduos de baixa escolaridade. Isso se
verifica, em 2008-2009, pelo fato de 15,35% dos domicílios que apresentaram
despesas com computadores corresponderem a habitações em que o indivíduo com
mais alta escolaridade possuía o ensino fundamental.
Uma variável importante, ou a mais importante, para analisar a despesa com a
aquisição de computadores é a variável definidora do poder aquisitivo do
domicílio. Foi utilizada a despesa total per capita como medida do poder
aquisitivo.
Essa escolha baseia-se em fundamentação apresentada por vários autores
(14)
que defendem com argumentos teóricos e empíricos a utilização da variável
correspondente ao consumo como melhor representação do poder aquisitivo
familiar ou individual.
O argumento de natureza teórica apoia-se essencialmente na hipótese da renda
permanente que divide a renda corrente em dois componentes, um de caráter
permanente e outro de caráter transitório. A parte permanente consiste na renda
média que cada indivíduo espera receber durante sua vida. A parte transitória
corresponde aos desvios dessa média esperada. Por exemplo, pode-se considerar
que um bom nível educacional garante uma renda permanentemente mais elevada
para o indivíduo, enquanto um ano com bom tempo garante apenas uma renda
transitoriamente mais elevada ao agricultor.
Teoricamente, o consumo dependeria da parte permanente da renda e não da renda
corrente. Desse modo, essa variável mostraria um comportamento mais estável,
refletindo de maneira mais efetiva o nível de bem-estar das famílias ou
indivíduos. Não parece haver muitas dúvidas quanto ao fato de que no curto
prazo ocorre certa suavização nos movimentos dos gastos correntes dos
indivíduos/famílias em relação às variações na renda.
Estudos recentes também justificam a adoção da variável correspondente às
despesas como medida do poder aquisitivo em vez da renda, por motivos de
natureza empírica. O trecho a seguir sintetiza bem os aspectos envolvidos.
"The differences between income and consumption measures that we
document renew the question as to why these measures differ. We
consider two primary explanations: measurement error and saving/
dissaving. Increased under-reporting of income is likely to play a
critical role, particularly for some groups. Given that the extent of
income under-reporting seems to be especially pronounced at the very
bottom, measurement error is likely to play an important role in
explaining the large differences between income and consumption
measures that focus on the distribution below the poverty line such
as poverty gaps and deep poverty. For these measures, those based on
consumption often move in the opposite direction from those based on
income." (MEYER e SULLIVAN, 2009, p.39)
Na tabela_2 pode-se observar que no Brasil, em 2002-2003, em média os
domicílios chefiados por homens gastavam em termos per capita mais com
computadores. Essa situação se modificou em 2008-2009, quando domicílios
chefiados por mulheres apresentaram valores equivalentes de despesa per capita
com computadores (R$ 41,28) aos de domicílios chefiados por homens (R$ 41,22).
Outro dado interessante apresentado na tabela_2 é que entre os domicílios que
apresentaram alguma despesa com computador ocorreu o contrário, ou seja, entre
os domicílios em que o chefe era uma mulher e tiveram gasto com computador, em
média o gasto per capita (R$ 773,55 em 2002-2003 e R$ 557,70 em 2008-2009) foi
maior do que o apresentado nos domicílios em que o chefe era homem (R$ 642,04
em 2002-2003 e R$ 475,94 em 2008-2009).
Em média, existiam diferenças na despesa com computadores quando levada em
consideração a cor da pele do chefe do domicílio. Boa parte dessa diferença
talvez possa ser explicada pela diferença, em média, da renda. Assim, essa será
uma variável a ser testada no modelo. Como o número de observações sobre
despesa com computador nos domicílios em que o chefe era negro, amarelo ou
indígena era muito pequena, a cor da pele foi separada em apenas duas
categorias. Ela assumiu o valor 1 para os domicílios em que a pessoa de
referência era branca ou amarela, e 0 caso contrário. Essa característica é
semelhante à encontrada por Yin, Devany e Stahura (2006). Segundo os autores,
nos Estados Unidos a porcentagem de domicílios com computador em que a pessoa
de referência era amarela também é maior do que a porcentagem entre brancos
que, por sua vez, era maior do que a porcentagem entre negros. Entretanto, os
autores preferiram analisar os dados deixando os amarelos separados dos
brancos.
Os resultados indicam que enquanto em 2002-2003 a média das despesas per capita
com computadores em domicílios chefiados por brancos ou amarelos era R$ 25,98,
a dos demais era R$ 8,54. Em 2008-2009, as diferenças continuaram existindo
apesar de serem menores (R$ 55,16 para brancos e amarelos e R$ 26,99 para os
demais).
Entre os domicílios que tiveram gasto com computador, verifica-se na tabela_1
que a maior parte está entre aqueles em que o chefe tinha entre 45 e 59 anos,
tanto em 2002-2003 como em 2008-2009, respondendo por 36,98% e 34,40% dos
domicílios com despesas nesse item, respectivamente.
Deve-se destacar, entretanto, que aqueles em que o chefe tinha menos de 25 anos
tiveram em média a maior despesa (R$ 1.104,38 em 2002-2003 e R$ 588,19 em 2008-
2009). Dados divulgados na TIC 2008
(15)
sobre o valor máximo declarado para aquisição de computador mostram que a
disposição a gastar com computador cai conforme aumenta a idade do chefe do
domicílio.
Como computadores são relativamente caros, dificilmente são adquiridos à vista.
Dessa forma, ter acesso a crédito facilita sua aquisição. Para identificar a
influência do acesso a crédito na decisão de despesa com computador foi gerada
a variável credito, tomando como base as informações sobre posse de cartão de
crédito e/ou cheque especial de cada morador. Essa variável assumiu o valor 1
se ao menos uma pessoa do domicilio possuía cartão de crédito e/ou cheque
especial e 0 caso contrário. Essa variável mostrou-se relevante, pois a despesa
dos domicílios com crédito foi, em média, maior do que a dos outros domicílios.
Nos dados da POF é possível identificar se os moradores apresentaram alguma
despesa com educação. Na tabela_1 pode-se observar que entre todos os
domicílios da amostra, 40,71% em 2002-2003 e 33,40% em 2008-2009 apresentaram
alguma despesa com educação. Já entre os domicílios que compraram computador a
porcentagem sobe, respectivamente, para 75,75% e 62,52%. Os domicílios que
apresentaram alguma despesa com educação gastaram, em média, mais com
computador do que aqueles que não apresentaram. Já entre os que gastaram com
computador, o gasto foi maior para aqueles que não tiveram despesa com
educação. O padrão é o mesmo nos dois períodos.
No caso do nível de instrução, a média de gasto domiciliar per capita com
computador aumentou conforme aumentou o nível de instrução no domicílio.
Entretanto, como nível de instrução e de renda geralmente são correlacionados,
o aumento no gasto pode estar mais associado ao aumento na renda, que, por sua
vez, decorreria de um nível de instrução maior, do que a um aumento no gasto
devido exclusivamente aos anos de estudo adicionais.
Domicílios localizados em área urbana tiveram em média uma despesa maior com
computador se comparados com os domicílios em área rural. Em relação à
desagregação regional, observa-se que em 2002-2003 domicílios situados no
Sudeste apresentaram despesas médias per capita (R$ 25,94) maiores do que as
médias de outras regiões do Brasil. Em 2008-2009, a região Sul ocupou essa
posição com média de R$ 51,49, comparativamente aos R$ 49,96 da região Sudeste.
A análise dos domicílios que compraram computador mostra, entretanto, que em
média o gasto foi maior nos dois períodos na região Centro-Oeste.
Na tabela_3 mostram-se a média de despesa total per capita e a média de despesa
total per capita dos domicílios que tiveram despesa com computador. Conforme
discutido anteriormente, essa variável foi utilizada para caracterizar a
condição socioeconômica dos domicílios.
Deve-se destacar que os números apresentados evidenciam que o perfil de
domicílios que apresentaram despesas com computador é diferenciado, pois o seu
poder aquisitivo mostrou-se superior, considerando-se todos os aspectos
analisados.
Por exemplo, pode-se observar claramente que o poder de compra aumenta conforme
aumenta o nível de instrução. Assim, enquanto para os domicílios em que a
pessoa com maior nível de instrução possuía apenas até o ensino primário a
despesa média anual foi de R$ 3.082,68 (2002-2003) ou R$ 4.397,57 (2008-2009),
domicílios em que a pessoa com maior nível de instrução era de no mínimo pós-
graduação foi de R$ 21.630,81 (2002-2003) ou R$ 31.479,58 (2008-2009). Nota-se
que entre os domicílios que apresentaram despesas com computador esses valores
foram de, respectivamente, R$ 7.765,59 e R$ 29.677,03, em 2002-2003, e R$
8.816,25 e R$ 33.169,77, em 2008-2009.
4. RESULTADOS
Os resultados das estimações do modelo foram produzidos pelo comando heckman do
software econométrico STATA 10.0. A variável de interesse (despesa per capita
com a aquisição de microcomputadores no domicílio) foi utilizada em sua forma
logarítmica
(16)
.
Deve-se notar que os resultados apresentados nas tabelas_4 e 5 correspondem aos
efeitos marginais, ou seja, aos impactos de variações em cada uma das
explicativas sobre a explicada em cada um dos estágios do modelo. Na tabela_4
encontram-se os resultados da equação de seleção (ddsp_comp). Os coeficientes
representam os efeitos marginais de cada uma das variáveis sobre a
probabilidade da variável dependente ser observada, ou seja, o domicílio
apresentar despesas positivas com computador
(17)
. A tabela_5 contém os efeitos marginais do modelo de interesse, ou seja, o das
despesas com computador ' ln(dsp_comp) ', que indicam o impacto de variações em
cada uma das explicativas sobre o valor esperado da variável dependente,
condicional à que tenha sido observada, isto é, E(ln(dsp_comp)│ln(dsp_comp)
observado).
[/img/revistas/rausp/v47n4/a13tab04.jpg]
[/img/revistas/rausp/v47n4/a13tab05.jpg]
As variáveis explicativas utilizadas foram: o logaritmo da despesa per capita,
se a pessoa de referência do domicílio é homem, a faixa de idade da pessoa de
referência, se a pessoa de referência é branca, o nível de instrução da pessoa
com o nível de instrução mais alto do domicílio, a informação de se os
moradores tiveram alguma despesa com educação, a informação de se ao menos um
dos moradores tem acesso a cartão de crédito e/ou cheque especial, se o
domicílio está localizado em área urbana e a região geográfica do domicílio.
Note-se que as variáveis explicativas utilizadas foram as mesmas tanto para a
decisão de comprar quanto para a decisão de quanto gastar.
Como as despesas estão na forma logarítmica, pode-se interpretar os resultados
como impactos percentuais. Em especial, o coeficiente da variável
caracterizadora da condição socioeconômica (ln da despesa total per capita -
dsp_per) corresponde à elasticidade que relaciona despesas com computador às
despesas totais. Assim, representa o impacto percentual sobre as despesas com
computadores associado a aumento de um por cento nas despesas totais, isto é,
no poder aquisitivo dos domicílios.
Foram suprimidas dos modelos as variáveis idade -24, pri e sudeste. Dessa
forma, a referência é um domicílio em que o chefe possui no máximo 24 anos de
idade, o morador com maior nível de instrução tem no máximo primeiro grau
completo e localiza-se na região Sudeste do Brasil. Todas as variáveis ficaram
estatisticamente significativas ao nível de 1%.
O coeficiente de correlação (ρ
ϵu) mostrou-se estatisticamente significativo nos modelos 2002-2003 e 2008-
2009, pois no Teste da Razão de Verossimilhança (LR) rejeitou-se a hipótese
nula de que os erros são independentes. Desse modo, pode-se considerar que as
decisões de gastar e sobre o valor a ser gasto sejam inter-relacionadas
(18)
.
Como esperado, o poder de compra do domicilio tem influência na despesa com a
aquisição de um computador, mesmo controlados todos os demais aspectos (idade,
gênero e cor do chefe, acesso a crédito, escolaridade dos membros do domicílio
e localização). Os resultados de 2002-2003 indicam que a elasticidade que
relaciona despesas com computador às despesas totais é 0,56763. Assim, um
aumento de um por cento nas despesas totais, ou seja, no poder aquisitivo dos
domicílios, estaria associado a um aumento de pouco menos de 0,57 por cento nas
despesas com computador. Em 2008-2009 essa elasticidade foi menor: 0,41546.
Esse resultado pode ser explicado pela queda no preço dos computadores e pelo
aumento do poder de compra das famílias (tabela_5).
Em relação à idade do chefe, nota-se que em 2002-2003 a probabilidade de gastar
com computador comparativamente a domicílios chefiados por jovens com até 24
anos de idade é maior entre domicílios chefiados por indivíduos com idade entre
35 e 59 anos de idade. Domicílios chefiados por idosos apresentam probabilidade
menor de adquirir computadores do que aqueles chefiados pelos mais jovens. Em
2008-2009, nota-se uma pequena mudança nesse padrão, pois domicílios chefiados
por indivíduos com idade entre 35 e 44 anos de idade apresentam uma
probabilidade 2,22 pontos percentuais superior de apresentar despesas com
computadores do que os domicílios chefiados por jovens de até 24 anos de idade.
Domicílios chefiados por indivíduos com 60 anos ou mais de idade apresentam
probabilidade de adquirir computadores 1,825 pontos percentuais menor do que
aqueles chefiados pelos mais jovens (tabela_4).
Na tabela_5, verifica-se que em 2008-2009 o impacto da idade do chefe sobre o
valor da despesa com computador apresenta um padrão claro. Domicílios chefiados
por indivíduos com idade entre 25 e 34 anos de idade apresentam gastos com
computadores aproximadamente 16,8% menores do que aqueles chefiados por
indivíduos com idade até 24 anos de idade, controlados todos os demais
aspectos. Já domicílios chefiados por indivíduos mais idosos apresentam gastos
com computadores 30,7% inferiores àqueles domicílios chefiados por indivíduos
mais jovens.
Domicílios em que o chefe é homem e domicílios em que o chefe é branco têm
maior probabilidade de gastar (tabela_4).
Contudo, em relação ao valor a ser gasto, verifica-se que domicílios chefiados
por homens, controlados todos os demais fatores, tendem a gastar menos do que
domicílios chefiados por mulheres (-2,6% em 2002-2003 ou -16,5% em 2008-2009).
Por outro lado, domicílios em que o chefe é branco ou amarelo além de
apresentarem maior probabilidade de gasto, controlados todos os demais fatores,
tendem a gastar valores aproximadamente 16% maiores em 2002-2003 ou 5% maiores
em 2008-2009 com computadores do que domicílios chefiados por indivíduos
negros, pardos ou indígenas (tabela_5).
São interessantes os resultados relativos às variáveis relativas ao acesso a
crédito e despesas com educação. Em ambos os casos, apesar de mostrarem
impactos positivos sobre a probabilidade de gasto com computador, a relação com
a despesa mostrou-se negativa. Assim, domicílios com acesso a crédito e que
realizaram despesas com educação tendem a apresentar gastos com computadores
inferiores àqueles domicílios sem acesso a crédito e sem despesa com educação.
Relativamente ao grau de instrução, a probabilidade de apresentar despesa com
computador é maior para os domicílios em que a pessoa com maior nível de
instrução tem no mínimo pós-graduação. Por outro lado, nota-se uma mudança de
padrão da relação do nível de escolaridade com o valor da despesa entre as
pesquisas. Em 2002-2003, nos domicílios em que o indivíduo de maior
escolaridade possui no máximo primeiro grau a despesa é maior do que a despesa
em domicílios em que se observam maiores níveis de escolaridade. Uma possível
explicação para esse resultado é que pessoas com menor nível de instrução não
consigam identificar tão bem quanto aqueles com maior nível de instrução qual
equipamento seja mais adequado às suas necessidades, e acabem pagando mais caro
por equipamentos com funções que não vão utilizar.
Em 2008-2009, esse impacto negativo ocorre apenas na comparação com domicílios
em que o maior grau de escolaridade é o ensino médio. Quando o domicílio possui
algum membro com ensino superior ou pós-graduação, os valores das despesas
tendem a ser aproximadamente 8,8% e 16,4% superiores. A disseminação do uso e o
maior acesso parecem ter modificado a relação, tornando-a positiva, como
esperado.
Os domicílios localizados em áreas urbanas apresentaram maior probabilidade de
gastar com computador do que domicílios situados na região rural. Verifica-se
que em 2002-2003 o gasto é maior nas áreas rurais, enquanto em 2008-2009 o
gasto maior também ocorre nas áreas urbanas. Parece bastante razoável supor que
dada a dificuldade de aquisição evidenciada pela menor probabilidade de
ocorrência de gasto nas áreas rurais em 2002-2003, quando ele ocorre, acaba por
gerar uma despesa maior do que aquela observada nas áreas urbanas.
Em relação às grandes regiões, verificou-se que todas apresentaram menor
probabilidade de gasto com computadores comparativamente à região Sudeste nos
dois períodos, à exceção da região Sul em 2008-2009. Em relação à despesa,
verifica-se que, comparativamente à Região Sudeste, todas as demais regiões
tendem a apresentar despesas maiores, à exceção da Região Nordeste que apenas
em 2002-2003 apresenta despesas menores. Uma possível explicação pode decorrer
das características do mercado, que apresente maiores níveis de concorrência ou
mesmo menores custos decorrentes de economias de escala existentes nos estados
da região Sudeste.
Esses resultados que distinguem os efeitos das variáveis explicativas sobre as
duas decisões analisadas evidenciam a superioridade da especificação adotada, a
qual permite a mensuração de impactos distintos para as decisões de gastar ou
não gastar e do valor a ser gasto.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há ainda poucos estudos dedicados à análise dos determinantes de gastos
domiciliares com produtos tecnológicos, especialmente computadores e software.
Um dos estudos importantes que avalia o mercado norte-americano é o de Yin,
Devany e Stahura (2006). Desse modo, é relevante estudar as características dos
consumidores brasileiros de computadores, a partir dos microdados da Pesquisa
de Orçamento Familiar (POF), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) nos anos de 2002-2003 e 2008-2009, os mais recentes
disponíveis.
Destaca-se que a comparação com os resultados obtidos para os Estados Unidos
deve ser feita com cautela, pois algumas das variáveis utilizadas são
diferentes das aqui utilizadas, e Yin, Devany e Stahura (2006) desagregaram as
despesas com hardware e software. De qualquer modo, os resultados mostraram-se
semelhantes àqueles obtidos pelos autores relativamente à decisão de gastar, em
que as probabilidades de gastar com computadores aumentam com a idade do chefe
do domicílio até uma determinada faixa etária, a partir da qual o aumento de
idade passa a reduzir a probabilidade de gasto com computadores. Semelhanças
também foram encontradas em relação aos seguintes resultados: domicílios em que
a pessoa de referência é homem, domicílios em que a pessoa é da cor branca e
domicílios com pessoas com maior nível de instrução também possuem maior
probabilidade de gastar com computadores. No caso brasileiro, domicílios
chefiados por homens, controlados todos os demais fatores, tendem a gastar a
menos 2,6% em 2002-2003 ou 16,5% em 2008-2009 do que domicílios chefiados por
mulheres. Por outro lado, domicílios em que o chefe é branco ou amarelo além de
apresentarem maior probabilidade de gasto, controlados todos os demais fatores,
tendem a gastar aproximadamente 16% a mais em 2002-2003 ou 5% a mais em 2008-
2009 com computadores do que domicílios chefiados por indivíduos negros, pardos
ou indígenas.
Relativamente à decisão do valor a ser gasto, resultados análogos aos obtidos
aqui com a POF 2002-2003 foram obtidos no estudo sobre o mercado norte-
americano quanto aos impactos da escolaridade do domicílio. Verificou-se que o
nível de escolaridade, apesar de apresentar relação positiva com a
probabilidade de o domicílio gastar com computadores, relacionou-se
negativamente com o valor da despesa, pois nos domicílios em que o indivíduo de
maior escolaridade possui no máximo primeiro grau a despesa é maior do que a
despesa em domicílios em que apresentam maiores níveis de escolaridade. O
argumento utilizado para explicar esse resultado foi que, talvez, a maior parte
das despesas registradas seja de pessoas com menor nível de instrução, grupo
que estaria adquirindo o primeiro computador enquanto os de maior escolaridade
estariam apenas atualizando seus equipamentos (YIN, DEVANY e STAHURA, 2006). No
caso brasileiro, esse resultado talvez possa ser justificado pelo fato de que
os domicílios com indivíduos de baixa escolaridade e que apresentavam gastos
com computadores em 2002-2003, quando seu uso ainda não estava disseminado,
deveriam possuir algumas características peculiares ou características não
observáveis que os diferenciavam dos demais (por exemplo, relativamente às
habilidades) e que fariam com que sua disposição em investir na aquisição desse
tipo de equipamento fosse maior. Em 2008-2009, o padrão da relação já se
modifica, tornando-se positiva, ou seja, quando o domicílio possui algum membro
com ensino superior ou pós-graduação os valores das despesas tendem a ser
maiores do que os daquelas realizadas em domicílios com indivíduos de baixa
escolaridade.
Os resultados relativos às variáveis acesso ao crédito e despesas com educação,
em que se observaram impactos positivos sobre a probabilidade de gastar com
computador e relação negativa com a despesa, podem decorrer do fato de que o
acesso ao crédito permite negociação de condições de pagamento mais favoráveis
e, consequentemente, gastos comparativamente menores. No caso dos domicílios
que apresentam despesas com educação, pode ocorrer que eles tenham menos
recursos disponíveis para alocar na aquisição de computadores e, por isso, essa
relação negativa com o valor gasto
(19)
.
Relativamente ao poder aquisitivo, infelizmente Yin, Devany e Stahura (2006)
optaram por apresentar apenas os coeficientes dos modelos e não chegaram a
discutir os valores de efeitos marginais ou elasticidades. Contudo, deve-se
destacar que eles não encontraram uma relação estatisticamente significativa
entre o poder aquisitivo (renda) e o valor das despesas com hardware. Segundo
os autores, a competição entre os fabricantes de computadores e entre os
varejistas pode ter contribuído para o declínio dos preços, e todos os
consumidores podem ter se beneficiado desse fato. Desse modo, concluem que o
nível de renda não diferencia mais os compradores como ocorria no passado.
No caso brasileiro, os resultados de 2002-2003 indicam que a elasticidade que
relaciona despesas com computador às despesas totais é 0,56763. Assim, um
aumento de um por cento nas despesas totais, ou seja, no poder aquisitivo dos
domicílios, estaria associado a um aumento de pouco menos de 0,57 por cento nas
despesas com computador. Em 2008-2009, essa elasticidade foi menor: 0,41546.
Esse resultado pode ser explicado pela queda no preço dos computadores e pelo
aumento do poder de compra das famílias, o que indica que se está seguindo
trajetória que levará à situação norte-americana (YIN, DEVANY e STAHURA, 2006).
É interessante notar, adicionalmente, que no caso brasileiro se observa
crescente adoção de políticas públicas de estímulo à inclusão digital. Dados
publicados pelo IBGE no relatório Perfil dos Municípios Brasileiros de 2006
indicam que aproximadamente 53% dos municípios brasileiros possuíam algum plano
ou política de inclusão digital, sendo que desses 45,7% mantinham telecentros
municipais e 40,7% ofereciam máquinas com acesso à Internet para uso do
público. Desse modo, a investigação futura referente aos impactos dessas
políticas sobre o mercado de computadores abrirá novas perspectivas para a
análise desse setor no Brasil.
NOTAS
(1) O foco neste artigo é analisar o consumo de microcomputadores, mas os
termos computador e microcomputador serão utilizados como sinônimos.
(2) Conforme bem destacado por um parecerista, a diferença no percentual de
posse de computador e acesso à Internet deve-se ao fato de que esse último
depende de condições adicionais, como uma conexão de comunicação. Ela muitas
vezes inexiste, especialmente na área rural, ou pode implicar custos
excessivamente elevados para sua utilização. A análise da demanda por acesso à
Internet foge, entretanto, ao escopo deste artigo.
(3) Folha Online em 19 de fevereiro de 2008. Disponível em:
<www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u373797.shtml>.
(4) Os dados são referentes a 15.084 entrevistados (Comitê Gestor de Internet
no Brasil, 2008).
(5) Loke e Foo (2010) utilizaram o modelo de Heckman para analisar a
probabilidade de compra e intensidade de uso domiciliar de computadores na
Malásia. Bertasso (2007) aplicou a mesma especificação à análise da aquisição e
do gasto com bens duráveis no Brasil metropolitano a partir das POFs de 1995-
1996 e 2002-2003. Cabral (2007) estimou um modelo de natureza semelhante
conhecido como double-hurdle com o objetivo de analisar as variáveis
organizacionais que determinam a probabilidade e a intensidade de inovações em
empresas da indústria de alimentos do Brasil.
(6) Mais detalhes sobre o modelo de Heckman podem ser encontrados em Cameron e
Trivedi (2005), capítulo 16, e Wooldridge (2010), capítulo 17.
(7) O IBGE divulga algumas edições de cada pesquisa, que incorporam novas
variáveis ou complementam as variáveis já disponíveis.
(8) Domicílio é a unidade amostral da pesquisa. Deve-se notar também que, na
definição da POF, a unidade de consumo é conceito relevante e corresponde a um
morador ou a um conjunto de moradores desde que compartilhem da mesma fonte de
alimentação. Nos casos em que não existia estoque de alimentos nem despesas
alimentares comuns, a identificação ocorreu por meio das despesas com moradia
(IBGE, 2010b). Neste artigo foi utilizado como referência o domicílio. Nos
domicílios em que havia mais de uma unidade de consumo foram utilizadas as
informações a respeito da unidade de consumo identificada pelos moradores como
sendo a principal.
(9) A classificação adotada pela POF possui várias categorias (monetária à
vista, doação, retirada do negócio, troca, produção própria etc.), mas neste
artigo as formas foram agrupadas em três: monetária à vista, monetária a prazo
e outras.
(10) "Cada domicílio pertencente à amostra da POF representa um
determinado número de domicílios particulares permanentes da população
(universo) de onde esta amostra foi selecionada. Com isso, a cada domicílio da
amostra está associado um peso amostral ou fator de expansão que, atribuído às
características investigadas pela pesquisa, permite a obtenção de estimativas
das quantidades de interesse para o universo da pesquisa" (IBGE, 2010b).
(11) Foram considerados apenas os dados sobre despesa monetária. Os dados sobre
outras formas de obtenção, como aquisições por meio de troca, doação etc., não
foram utilizados.
(12) Na POF as despesas com a aquisição de desktops e laptop são separadas.
Entretanto, dado o objetivo deste trabalho, considerou-se "despesa com a
aquisição de computador" tanto a despesa com desktops quanto a despesa com
laptops.
(13) Esse percentual é pouco inferior aos 31,2% encontrados na PNAD.
(14) Ver Glewwe e Van Der Gaac (1990) e Meyer e Sullivan (2009), para mais
detalhes.
(15) Os dados são referentes a 14.666 entrevistados com 16 anos ou mais
localizados em área urbana.
(16) Foi utilizado o logaritmo da variável para linearização e para contornar
possíveis problemas de heterocedasticidade no modelo de Heckman. Para mais
informações sobre o problema de heterocedasticidade no modelo de Heckman pode-
se consultar Amemiya (1984), Cameron e Trivedi (2005), capítulo 16, e
Wooldridge (2010), capítulo 17.
(17) Formalmente, calcula-se a derivada parcial sobre cada uma das variáveis
explicativas. Sendo xj uma dasn variáveis explicativas, tem-se: [/img/revistas/
rausp/v47n4/a13img01.jpg] =
ϕ(x'1iγ) yj, ondeϕ(x'1iγ) é a função densidade da distribuição normal.
(18) Se
ρvu = 0 a função de verossimilhança poderia ser dividida em duas partes: um
probit para a probabilidade do domicílio apresentar despesa com computador e
uma regressão por MQO para o valor esperado da despesa com computador na
subamostra em que houve a despesa.
(19) Não se pode descartar, entretanto, que aspectos relativos a
características não observáveis dos domicílios também possam explicar os
resultados obtidos para essas duas variáveis explicativas.