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BrBRHUAp0080-21072013000200005

BrBRHUAp0080-21072013000200005

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0080-2107
Year2013
Issue0002
Article number00005

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Estruturas de governança interna e a capacidade de inovação em pequenas firmas brasileiras de torrefação e moagem de café

1. INTRODUÇÃO A inovação é um fator-chave na competitividade de uma firma, bem como no processo de crescimento e transformação da economia. Observa-se, no entanto, que muitos estudos sobre inovação (e empreendedorismo) realizados pelas teorias organizacionais e econômicas se limitaram, durante anos, à descrição de situações reais ocorridas ou foram críticas descritivas e normativas ao modelo tradicional de competição (RUMELT, 1987). Abordagens mais recentes avançam no sentido de verificar como e por que as inovações surgem e se desenvolvem, e de que forma as estruturas organizacionais das firmas podem auxiliar no processo de inovação (BARBIERI e ÁLVARES, 2004; COOMBS e METCALFE, 2005; GRANDORI e FURNARI, 2008 e 2010). Essa última questão será o foco principal desta pesquisa, na qual se investigam a relação entre as estruturas de governança escolhidas pela firma e a capacidade de inovar em seu produto, atribuindo à firma o papel de protagonista das inovações.

Ao relacionar as estruturas de governança escolhidas pela firma e a inovação, questiona-se o mito criado ao redor do tema, pois muitas pessoas acreditam que as inovações resultam de uma ideia produzida por um estalo luminoso na mente de gênios ou por grandes organizações, sendo absolutamente novas e concebidas em sua forma final (BARBIERI e ÁLVARES, 2004; SWANN, 2009). Entretanto, por tratar-se de um processo essencialmente humano, a invenção ou a ideia pode até ser gerada pelo acaso ou sorte, por meio de uma visão diferenciada de um agente econômico (BARNEY e CLARK, 2007); porém, a inovação requer a organização de diferentes atividades a serem executadas por diferentes agentes, o que dificilmente será resultado de um trabalho solitário, sendo, pois, considerado um processo interpessoal (METCALFE, 1995; BARBIERI e ÁLVARES, 2004). De acordo com Gundling (2000), em The3Mway to innovation, a inovação seria um processo que engloba ideias novas mais ações ou implementações que resultem em melhorias, ganhos ou lucros. Assim, as novas ideias e invenções geradas precisam ser aperfeiçoadas e confrontadas com outras ideias ou conhecimentos, que foram desencadeados ao longo do processo, para que possam ter condições de ser incorporadas no mercado e nas operações das organizações (BARBIERI e ÁLVARES, 2004). Em outras palavras, as invenções e novas ideias precisam ser transformadas em novos produtos, serviços, processos, negócios (BARBIERI e ÁLVARES, 2004; ARBIX, 2007), práticas de marketing e métodos organizacionais (OCDE, 2005), de modo a adicionar valor econômico à empresa e aos clientes.

Dessa forma, as firmas atuam nesse processo como facilitadoras e promotoras desse processo, desenvolvendo estruturas de governança e estratégias ex ante que permitam trocar e absorver conhecimentos, informações e recursos gerados nos ambientes interno e externo, de modo a originar de forma contínua mudanças significativamente novas em seus produtos e manterem-se competitivas. Em outras palavras, o processo de inovação necessita de uma organização formal que possa lidar com a inovação, desde o incentivo à inovação, e a identificação de melhorias ou novas ideias e projetos em potencial, até sua implementação.

Nessa linha de argumentação, os trabalhos de Grandori e Furnari (2008; 2010), que têm como base a nova economia institucional e as abordagens organizacionais, mostram que existe uma relação entre as estruturas de governança interna e a inovação. Os autores observam que as firmas italianas mais inovadoras combinam diferentes tipos de estruturas de governança interna assim caracterizadas:   mercado (incentivos monetários ' pagamento por desempenho);   burocrática(autoridade ' regras e planos, divisão de trabalho);   comunitária (divisão de conhecimento, valores, cultura).

Com base nisso, Grandori e Furnari (2008) elaboraram uma abordagem preditiva denominada abordagem combinatória do design, a qual destaca as combinações de estruturas de governança interna que geram melhores resultados, tanto para a inovação quanto para a eficiência.

Aliado à relação entre inovação e estrutura, outro grande debate na literatura é o tamanho da firma e a capacidade de inovar. De acordo com a lógica decorrente da teoria clássica e da visão schumpeteriana (2) (SCHUMPETER, 1954; RUMELT, 1987), a inovação ' de novos produtos, serviços, processos e forma de gestão (ARBIX, 2007) ' seria compatível com estruturas concentradas. Isso ocorre porque o risco e o custo da inovação não se dariam de forma voluntária sem a possibilidade de ganhos compensatórios. Nota-se, entretanto, que o tamanho da firma pode apresentar vantagens e desvantagens para o processo de inovação, o que não significa dizer que a capacidade de inovar esteja restrita a determinado porte de firma (RUMELT, 1987) ou estrutura de mercado (KNIGHT, 1921).

Inspirada nessas abordagens e tendo como base a nova economia institucional, a presente pesquisa tem como objetivo investigar quais combinações de estruturas de governança interna permitem mais possibilidades de inovações nas pequenas firmas brasileiras. A hipótese subjacente deste trabalho é de que a capacidade de inovação não está restrita a grandes organizações ou a mercados concentrados, mas consiste em um processo interpessoal relacionado à configuração de estruturas de governança interna à firma (COOMBS e METCALFE, 2005). Assim, a seguinte questão de pesquisa poderá contribuir de forma tanto teórica quanto empírica para as teorias organizacionais e econômicas e as estratégias da firma, ao destacar quais estruturas de governança poderiam ser enfatizadas ex ante pelas firmas, principalmente as pequenas, no sentido de influenciar positivamente a capacidade de inovação.

Para desenvolver o tema de pesquisa, é importante destacar que a literatura sobre inovação é extensa e apresenta um grande mosaico de tipos e formas, relevantes para as firmas. Contudo, devido à complexidade do tema, neste trabalho não se buscará reproduzir tal mosaico, tendo como foco somente as inovações em produtos voltadas para a demanda, ou seja, inovações que impactem no mercado, em termos locais, regionais ou mundiais. As inovações em produtos podem ocorrer com a introdução de novos produtos que exigem novas tecnologias para a empresa; com a introdução de versões levemente modificadas de produtos desenvolvidos, buscando completar o espaço existente no mercado, situação conhecida na economia como proliferação de produtos (SWANN, 2009); além de haver a possibilidade de introdução de novos usos para produtos existentes (OCDE, 2005).

Ademais, nesta pesquisa enfatizar-se-ão principalmente as inovações incrementais, que ocorrem com maior frequência em firmas de pequeno porte e, particularmente, em países em desenvolvimento (OCDE, 2005), como é o caso do Brasil. Tais inovações ocorrem com mais frequência porque as condições econômicas, tecnológicas e sociais desses países inibem a inovação radical e tornam as mudanças incrementais de fundamental importância para a competitividade de diversos segmentos industriais (TOLEDO, 1994). Ressalte-se que as inovações incrementais são aquelas que aperfeiçoam as características e os custos em produtos existentes ou serviços e dependem da melhor utilização (exploitation) da tecnologia existente (LEIFER et al., 1994); ou seja, referem- se ao refinamento ou à expansão de produtos existentes (FREEMAN e SOETE, 2008).

No entanto, o fato de se encontrar um maior número de inovações incrementais não significa dizer que não possam ser encontradas inovações radicais em empresas não líderes de mercado, como tem ocorrido, particularmente, no setor de alta tecnologia (LANGLOIS e ROBERTSON, 1995). Apesar da enorme importância que as inovações incrementais apresentam para o crescimento da produtividade e da firma, seus efeitos nem sempre são notados por todos, por não serem revolucionários (FREEMAN e PEREZ, 1988). Tal fato não significa dizer que as inovações incrementais sejam menos importantes do que as inovações radicais.

Primeiramente, porque as incrementais fazem com que as firmas se mantenham constantemente inovadoras e fornecem base para o planejamento de pesquisa e desenvolvimento (P&D) (BETZ, 1987). Além disso, as inovações consideradas radicais podem necessitar de ajustes, correções e mudanças que são percebidos pelas firmas após sua comercialização (BARBIERI, ÁLVARES e CAJAZEIRA, 2009).

Como foco empírico, neste trabalho pesquisar-se-á a indústria de torrefação e moagem de café. A escolha desse setor se deve ao fato de que tal indústria congrega número substancial de firmas de pequeno e médio porte (ABIC, 2011).

Esse setor foi regulamentado pelo governo, o qual condicionou a conduta das firmas nas políticas de preço e produção durante um longo período (SAES, 1997).

Essa regulamentação fez com que firmas de torrefação e moagem não passassem de meros prestadores de serviço e tornou o produto homogêneo no mercado, o que limitou a adoção de estratégias particulares de conquista de mercado, como investimentos na compra de máquinas e equipamentos ou introdução de novos produtos (segmentação), impedindo ações inovadoras.

Após a desregulamentação dessa indústria, ocorrida nos anos 1990, abriu-se a possiblidade de estratégias de diferenciação e inovação para suas firmas (ZYLBERSZTAJN, FARINA e SANTOS, 1993). Essa maior abertura levou as firmas a terem um papel de importantes protagonistas da inovação ' tipo de bebida, máquina no processo produtivo, embalagem (SAES, 2009) ', o que torna esse caso bastante interessante, visto haver quase um consenso de que a inovação ocorreria apenas no interior das grandes empresas. O setor também é relevante porque, apesar das vantagens comparativas que ele possui em termos de custo da matéria-prima, se observa sua pouca inserção no mercado internacional.

Diante desse contexto apresentado nesta introdução, este artigo está estruturado da seguinte forma: uma discussão teórica envolvendo as estruturas de governança interna e a capacidade de inovação; a apresentação das estruturas de governança interna e as variáveis utilizadas neste trabalho; os procedimentos metodológicos; a análise dos resultados; e as considerações finais.

2. ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA INTERNA E A CAPACIDADE DE INOVAÇÃO No âmbito das teorias das organizações, as variáveis que compõem a forma como as firmas organizam e coordenam suas informações, atividades e recursos internamente têm sido consideradas como potenciais fontes de inovação. Podem ser citados alguns autores que destacam a influência das estruturas internas para a inovação, como Burns e Stalker (1961), Mintzberg (1998), Vasconcellos e Hemsley (2003), entre outros. Esses trabalhos identificam, com base em uma avaliação comparativa descritiva, as práticas organizacionais e suas respectivas estruturas que influenciam a inovação (GRANDORI e FURNARI, 2008).

Algumas práticas que compõem essas estruturas são: maior flexibilidade, coordenação e equipes multifuncionais, comunicação tanto horizontal quanto vertical, poder de decisão descentralizado e difuso.

Apesar das contribuições desses trabalhos, eles não permitem uma análise preditiva que relacione a capacidade de inovação às estruturas de governança adotadas pelas firmas. Um avanço nesse sentido é a pesquisa de Grandori e Furnari que, nos artigos "A chemistry of organizations: combinatory analysis and design" (2008), e "Structural heterogeneity, organizational robusteness and innovation performance" (2010), descrevem não as estruturas de governança interna que permitem melhor desempenho, como também apresentam predições sobre como essas estruturas podem ser combinadas para gerar resultados superiores em termos de inovação e eficiência produtiva.

Para a análise das relações entre inovação e estruturas de governança interna, Grandori e Furnari (2008) elaboraram um instrumento denominado abordagem combinatória do design. Os autores qualificam as estruturas de governança(3) interna como elementos organizacionais que incluem uma coleção de práticas adotadas pela firma. Os elementos de mercado contêm incentivos monetários e de controle. Os elementos burocráticos incluem regras e planos formais de divisão do trabalho e os elementos comunitários apresentam divisão de conhecimento, valores e cultura comum (4) .

Para melhor compreender essa abordagem, é importante destacar a origem de seus principais conceitos, os quais foram embasados em quatro abordagens do design organizacional: economia dos custos de transação; contingencial estrutural; baseadas na complementaridade; e configuracional. A economia dos custos de transação traz duas importantes contribuições para a abordagem combinatória. A primeira diz respeito à possibilidade de identificar-se o portfolio de elementos adotados pela firma. A segunda providencia fundamentação para separá- los e categorizá-los nos diferentes tipos de mecanismos de governança. Os três principais tipos, apresentados por Williamson e Oushi (1981, apud GRANDORI e FURNARI, 2008), são mercado, burocracia e clã, refinados por Grandori e Furnari (2008) para constituírem os elementos básicos da abordagem desenvolvida por eles.

As firmas podem adotar diferentes estratégias para organizar sua produção interna, seja combinando os três tipos de elementos ' de mercado, burocrático e comunitário ' denominados por Grandori e Furnari (2010) de forma multimodal, seja adotando um conjunto de práticas de apenas uma dessas categorias, que é chamado pelos autores de forma unimodal. Por exemplo, as formas unimodais de elementos organizacionais burocráticos são um conjunto de mecanismos compostos somente por uma das estruturas de governança ' planejamento, comando e formalização (GRANDORI e FURNARI, 2010). as formas multimodais compreenderiam combinações de estruturas, como uma combinação de regras (elementos burocráticos), com programas de treinamento e equipe (elementos comunitários) e incentivos monetários, como pagamento por desempenho (elementos de mercado). Assim, a modalidade estrutural refere-se, de acordo com os autores, à predominância de um ou mais tipos de estruturas de governança na organização interna da firma.

Grandori e Furnari (2008; 2010) ressaltam, entretanto, que no caso de formas multimodais tanto a economia dos custos de transação como a teoria da contingência estrutural advogam ser a forma multimodal uma arquitetura não eficiente (coerente), pois tais teorias consideram adequadas somente as combinações de práticas similares, assegurando que a firma deveria optar por apenas uma das estruturas de governança, aquela que minimizaria custos de transação. No entanto, essas abordagens não explicam, empiricamente, por que soluções organizacionais híbridas ou combinadas estão cada vez mais presentes nas firmas (GRANDORI e FURNARI, 2008; 2010). Ademais, no caso da inovação, é comum encontrar nas firmas relações internas multimodais: pagamento por desempenho (estrutura de mercado) e autoridade por meio de mecanismos de controle (estrutura burocrática).

Dessa forma, ao contrário das abordagens citadas, as quais defendem que a complementaridade provém da similaridade e que a menor variedade de tipos de prática em um mesmo sistema seria o melhor (WILLIAMSON, 2004), Grandori e Furnari (2008; 2010) apresentam como pressuposto básico que as combinações entre tipos diferentes são eficientes. Elas representam não a falta de coerência das estratégias organizacionais das firmas, mas sim que a heterogeneidade entre as estruturas pode levar a uma combinação que resulte no desempenho desejado pela firma. A coerência ocorre, pois as formas organizacionais, de acordo com os autores, deveriam ser compreendidas como sistemas interconectados de atributos ou práticas; defendem, assim, a ideia de que a combinação de várias estruturas de governança apresentaria melhores resultados para as firmas.

Essas considerações estão embasadas na abordagem baseada na complementaridade e nas abordagens configuracionais, as quais correlacionam as combinações entre uma ampla coleção de atributos organizacionais (como regras formais e políticas nos processos orçamentais ou na gestão de pessoas, trabalho em equipe e comitês, monitoramento de procedimentos ambientais, unidades centrais de pessoal, uso de capital próprio, entre outros) com indicadores de desempenho.

Ademais, a abordagem baseada na complementaridade origina-se da economia organizacional e destaca a complementaridade entre os componentes organizacionais; assim, a aplicação de uma prática eleva o valor da outra prática empregada. Esse critério de designé complementar, porque considera como o mais importante o ajuste sistêmico, entendido como a interação multivariada de características estruturais e múltiplo contexto de variáveis que afetam o desempenho das firmas. Ressalta-se, entretanto, que, apesar das contribuições teóricas, tal abordagem não consegue explicar e predizer quais práticas organizacionais seriam complementares a outras.

As abordagens configuracionais, compreendidas com uma evolução teórica das abordagens contingenciais estruturais, admitem que mais de uma combinação de características (atributos) pode ser eficaz sob a mesma circunstância, enfatizando o conceito de equifinalidade. Além disso, aceitam a possibilidade de relações não lineares e a combinação entre diferentes atributos organizacionais. No entanto, o lado fraco dessa abordagem está, também, no que se refere a sua capacidade de predizer quais combinações são mais eficazes e em que circunstâncias.

Defendendo, assim, as formas multimodais como indutoras de inovação e de desempenho superior, Grandori e Furnari (2008) criaram leis para combinar os elementos organizacionais e predizer ex ante as melhores combinações, a saber:   lei de diferenciação estrutural e da variedade do core organizacional ' a complementaridade e a combinação das três diferentes estruturas de governança tendem a gerar alto desempenho (tanto para a inovação quanto para a eficiência) em qualquer nível e circunstâncias;   lei da equifinalidade e lei da heterogeneidade estrutural' um resultado com a mesma eficácia pode ser obtido por diferentes combinações de estruturas de governança. No caso da capacidade de inovação, combinações compostas principalmente por elementos comunitários e/ou mercado também tenderiam a apresentar melhores resultados.

As evidências empíricas apresentadas pelos autores corroboram suas proposições a respeito das leis combinatórias, destacando que as combinações compostas por estruturas de mercado, burocráticas e comunitárias (multimodal) apresentam alto desempenho para inovação e eficiência.

Os resultados sugerem ainda que as estruturas de mercado e as comunitárias não são mutuamente exclusivas nem estritamente complementares na governança da inovação. Na verdade, esses elementos parecem comportar-se mais como substitutos. Em outras palavras, fórmulas organizacionais que geram alta capacidade de inovação podem ser compostas por elementos tanto de mercado como comunitários ou de ambos sem que os resultados sejam alterados. Dessa forma, as combinações ricas em estruturas de mercado ou comunitária, ou ambas, podem gerar maior capacidade de inovação. as estruturas burocráticas apresentaram maior relevância para os resultados que visam à eficiência.

Grandori e Furnari (2010) constataram outras combinações (5) relevantes, entre as quais se destacam:   a forma bimodal caracterizada por estrutura de mercado e comunitária apresentou-se eficaz para alcançar, simultaneamente, a eficiência e a inovação em grandes empresas;   a forma bimodal composta pelas estruturas de mercado e burocrática é capaz de gerar alto desempenho de inovação com baixa complexidade e incerteza. Esse resultado é interessante do ponto de vista de Grandori e Furnari (2010), pois mostra que as atividades de inovação e a organização intensivamente comunitária são mais relevantes em condições de maior incerteza e complexidade. Tal evidência pode ratificar que ' nos momentos em que a inovação começa a entrar na rotina, para firmas que não operam em indústrias de alta tecnologia e que não têm grande número de pessoal qualificado para governar ' a arquitetura superior deveria ser primeiramente intensificada em regras e incentivos, em vez de equipe e outros elementos comunitários;   a forma unimodal é eficaz dependendo do contexto. Ela corrobora a predição das teorias clássicas da contingência. Combinações mais enriquecidas de estrutura de mercado são mais adequadas para alcançar eficiência sob condições de complexidade ou incerteza; as formas de estrutura comunitária são mais eficazes para alcançar a inovação sob complexidade e incerteza; nas de estrutura burocrática, a firma apresenta melhores resultados de eficiência em condições de baixa incerteza.

Essa discussão teórica completa as abordagens organizacionais e econômicas na medida em que destaca a importância de cada prática organizacional e observa a influência que cada uma apresenta para a estrutura de governança e de que modo elas contribuem para os resultados das firmas. Ademais, a abordagem combinatória vai ao encontro da discussão do processo de inovação, pois os principais elementos destacados como relevantes na literatura para a maior capacidade de inovação estão presentes também nessa abordagem, como maiores incentivos aos membros da organização, maior flexibilidade, oportunidades de comunicação, trabalho em equipe, compartilhamento de conhecimentos, habilidade e recursos diferenciados.

A partir dessas considerações, pode-se formular a hipótese deste trabalho: Hipótese 1 (H1) A capacidade de inovação ocorre de modo mais consistente nas firmas que adotam uma estrutura de governança interna multimodal (incentivos de mercado e/ou burocrática e/ou comunitária) do que naquelas com uma estrutura unimodal.

2.1. Estruturas de governança interna e suas variáveis Com base na abordagem combinatória apresentada, no presente artigo adaptaram-se as práticas organizacionais para o caso brasileiro, de modo a analisar a capacidade de inovação nas pequenas firmas de café torrado e moído. As estruturas de governança interna e as práticas predominantes adotadas na pesquisa estão dispostas no Quadro_1.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A pesquisa foi realizada por meio da aplicação de questionários às micro, pequenas e médias empresas brasileiras da indústria de torrefação e moagem de café, mediante contato telefônico. A escolha desse instrumento de coleta de dados deveu-se à necessidade de obter informações impossíveis de serem coletadas a partir de fontes secundárias. Além disso, as entrevistas por telefone visaram obter informações de número maior de empresas e com maior abrangência da área geográfica (RICHARDSON, 1999).

A amostra foi construída a partir da listagem das empresas que são membros da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), entidade representativa das indústrias de torrefação e moagem de café de todo o País, e que possui, atualmente, 415 empresas associadas. Desse banco de dados foi retirada, primeiramente, uma amostra intencional ou por julgamento, um dos métodos da amostragem não probabilística (RICHARDSON, 1999; REA e PARKER, 2000), de micro, pequenas e médias empresas, tendo como principal critério o número de empregados. De acordo com o critério de classificação do número de empregados para a indústria, utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as microempresas possuem até 19 empregados, as pequenas de 20 a 99 empregados e as médias de 100 a 499 empregados (SEBRAE, 2012).

Após esse procedimento, as firmas foram distribuídas no banco de dados de forma aleatória e foram escolhidos 30% da amostra para responder ao questionário, o que totalizou 110 firmas. Devido a missingse configurações inconsistentes (6) , alguns casos foram eliminados, obtendo-se uma amostra final de 80 firmas (7) . O questionário utilizado na pesquisa tem três grandes blocos: caracterização dos entrevistados; capacidade de inovação; estruturas de governança interna.

Durante a elaboração do questionário, ocorreram consultas a especialistas do setor para averiguar a adequação do instrumento de pesquisa à realidade do setor, bem como apurar a compreensão dos entrevistados às questões apresentadas. Posteriormente à sua elaboração, o questionário foi submetido a pré-testes e os ajustes necessários foram realizados.

Com o término da coleta, os dados foram tabulados seguindo a linha dos trabalhos de Grandori e Furnari (2008; 2010) e analisados com base no método de análise comparativa qualitativa (Qualitative Comparative Analysis ' QCA) ou análise comparativa booleana (Boolean Comparative Analysis ' BCA), por meio do software fs/QCA versão 2.0.

3.1. Método de análise dos dados A análise comparativa qualitativa (QCA) utiliza a inferência da álgebra booleana e foi escolhida para a pesquisa aqui apresentada porque permite relacionar a capacidade inovadora com as estruturas de governança interna adotadas pelas pequenas firmas. Essa técnica difere das convencionais, como regressão linear, cluster e fatorial, pois detecta combinações diferentes de estruturas de governança que são causalmente conectadas a um resultado específico (RAGIN, 1987 e 2009; GRANDORI e FURNARI, 2008 e 2010; FISS, 2011) e identifica quais estruturas são necessárias, suficientes ou redundantes (GRANDORI e FURNARI, 2008). Adicionalmente, o QCA combina métodos de pesquisa qualitativos e quantitativos (RAGIN, 2008).

Para identificar as estruturas que mais impactam na capacidade de inovação, esse método identifica conjuntos de firmas com alto desempenho e os associa às combinações de atributos a partir da álgebra booleana, a qual permite a redução lógica de numerosas condições causais em um conjunto reduzido de configurações que levam ao resultado (FISS, 2011). Para realizar essa redução lógica, as variáveis dependentes e independentes são transformadas em conjuntos de combinações, construindo-se uma matriz, conhecida como tabela verdade com 2k de linhas, em que k é o número de condições causais utilizadas na análise (variáveis independentes) (RAGIN, 1987; FISS, 2011). Cada linha da tabela verdade representa uma combinação específica de estruturas de governança e a tabela inteira apresenta todos os casos de combinações possíveis, as quais podem estar ou não contidas na amostra empírica estudada (FISS, 2011).

Dessa forma, o pesquisador precisa avaliar a pertinência empírica dessas combinações com base em duas condições: frequência ' número mínimo de casos necessários para uma solução ser considerada; consistência ' representa a proporção de casos em cada linha da tabela verdade que exibe o resultado desejado, ou seja, mostra a quantidade de empresas que apresentaram a combinação descrita na linha e o resultado desejado. As combinações mais adequadas seriam, no caso do tamanho da amostra estudada, aquelas com frequências acima de três casos (FISS, 2011) e consistência acima de 0,75 (ou seja, mais de 75% das empresas que possuem essas combinações tiveram o resultado desejado ' inovação) (RAGIN, 2008). Essas etapas devem ser executadas em conjunto para cada caso.

Depois disso, um algoritmo baseado na álgebra booleana é usado para reduzir as linhas da tabela verdade e simplificar as combinações (FISS, 2011). Os principais operadores booleanos são: AND(*) e OR(+). O primeiro expressa as relações simultâneas necessárias ou complementares (Z = I*B*C), enquanto o segundo demonstra as relações substituíveis ou equifinais (Z = I*B*C + I*C) (GRANDORI e FURNARI, 2008). também outro símbolo, Negation (~), que destaca as condições ausentes (Z = I*B*~C, ou seja, Z = I*B) (RAGIN, 2008). Essa análise é realizada pelo software fs/QCA versão 2.0, o qual gera três tipos de soluções: a complexa, a parcial e a intermediária, denominada análise padrão (RAGIN, 2008). Por exemplo: Z = A * B *~ C (solução complexa) Z = A (solução parcial) Z = A * B + A *~ C (soluções intermediárias) A * B *~ C----------------A * B / A *~ C -------------------A De acordo com Fiss (2011), a condição que aparece tanto na solução intermediária quanto na solução parcial seria considerada condição core, ou seja, aquela que apresenta forte evidência de relação causal com o resultado de interesse. As demais condições seriam as periféricas, isto é, aquelas que evidenciam uma fraca relação causal com o resultado.

Para completar a análise, outras medidas sintéticas de relevância causal das combinações são destacadas por Grandori e Furnari (2010):   solução de consistência ' mensura a extensão em que os casos que compartilham uma dada condição ou combinações de condições também exibem o resultado desejado (presença);   solução de cobertura ' define a extensão em que a presença de uma combinação é causalmente relacionada ao resultado desejado. Essa medida é equiparada ao chi-quadrado, indicando o número de casos que apresentam a combinação para chegar ao resultado desejado, e também avalia a incidência de diferentes combinações causais que podem gerar determinado resultado. Em outras palavras, avalia o quanto aquelas combinações explicam da solução como um todo.

Essas medidas serão discutidas também na pesquisa empírica realizada e nos resultados gerados pelo software fs/QCA versão 2.0 para a amostra estudada.

3.2. As variáveis e suas proxies: caso do café Para avaliar a capacidade de inovação de produtos, optou-se por avaliar pela quantidade de marcas lançadas e quantidade de alterações feitas nos produtos, tais como blend,padrão de torra e moagem e na embalagem nos últimos cinco anos (8) e que ainda permanecem no mercado, como demonstrado no Quadro_2.

Quanto à mensuração das três estruturas de governança interna (incentivos monetários, burocráticas e comunitárias), foram identificadas quatro práticas organizacionais predominantes, as quais resultam de uma única pergunta ou de mais, dependendo do nível de complexidade envolvido. Devido à complexidade, a intensidade da adoção de cada prática organizacional foi mensurada de três maneiras, inspiradas nos estudos de Grandori e Furnari (2008; 2010). Algumas práticas organizacionais foram obtidas de forma direta (sim ou não, como, por exemplo, se a firma apresenta plano de carreira) e as respostas foram dicotomizadas em variáveis dummies, em que "1" representa a presença da prática e "0" a sua ausência.

Outras práticas foram questionadas de acordo com a frequência (por exemplo, frequência de reuniões) ou quais grupos hierárquicos (diretoria, gerência, equipe de produção, comercial etc.) estão envolvidos (por exemplo, quem faz o planejamento para o ano seguinte) e foram mensuradas em porcentagem. Essas escalas também foram dicotomizadas em variáveis dummies. Para isso, os valores de todas as firmas foram somados e o resultado total dividido pelo número de entrevistados, considerando "1" para as firmas que apresentaram valores maiores ou iguais ao valor médio da amostra para aquela prática. Da mesma forma, as práticas que continham várias subpráticas também foram somadas e divididas pelo número de entrevistados, gerando uma média da amostra para cada prática que possuía subpráticas. Depois foram dicotomizadas, considerando "1" para as firmas que apresentaram valores maiores ou iguais ao valor médio da amostra para aquela prática.

Após essas etapas, era necessário identificar para cada firma os elementos de coordenação, ou seja, as estruturas de governança interna. Dessa forma, para cada estrutura foram realizados os seguintes procedimentos: mensuração da intensidade de adoção das práticas para cada firma (somada a quantidade de práticas adotadas); soma da quantidade de práticas adotadas de todas as firmas e posterior divisão pelo número de entrevistados; comparação das práticas de cada firma com a média da amostra. As firmas que possuíam valores maiores ou iguais à média da amostra foram dicotomizadas em "1", pois apresentavam, de forma predominante (alta intensidade), tal estrutura de governança. Por exemplo, as estruturas burocráticas têm quatro práticas predominantes (medida de desempenho, plano de carreira, planejamento estratégico, programa e controle de qualidade), e a média da amostra foi de 2,14; assim, as firmas que apresentavam intensidades 3 e 4 foram consideradas portadoras da estrutura de governança interna burocrática como uma das estruturas predominantes.

4. AS PEQUENAS FIRMAS BRASILEIRAS DE TORREFAÇÃO E MOAGEM DE CAFÉ 4.1. Caracterização dos entrevistados Das empresas entrevistadas, 52 são microempresas, 22 são pequenas e seis, médias. No que se refere à localização, 81% estão no Sudeste (sendo as maiores incidências em São Paulo, com 39%, e Minas Gerais, com 29%). As firmas têm forte atuação no mercado regional (77%), 13% delas estão no mercado nacional, 9% no local e apenas 1% comercializa no mercado internacional. Com relação ao tempo de atuação das empresas no mercado, a média da amostra é de 37 anos, e 71% das firmas têm mais de 20 anos de funcionamento. A empresa mais antiga da amostra foi fundada em 1915. Das empresas entrevistadas, 96% são familiares, com a administração centralizada, na maior parte dos casos, na família. A maioria das empresas, 91%, produz 100% de seus produtos em fábrica própria e possui uma única fábrica, outras 7% produzem uma parte da produção em fábrica própria e terceiriza a outra.

Os principais tipos de café produzidos em ordem de importância, em termos de percentual de vendas, estão representados na Tabela_1. Observa-se que o café tradicional é o mais importante em percentual de vendas para 90% das firmas, mas outros tipos também apresentam significativa relevância, como o gourmet e o superior (que ocupam o segundo lugar em termos de vendas para 13% e 16% das firmas, respectivamente). Além do café, oito firmas produzem e/ou vendem outros produtos, como alimentos em geral, café verde, filtro de café, máquinas e insumos.

No que diz respeito às características dos produtos questionados pela pesquisa, nota-se que 68% possuem entre uma e duas marcas, 83% de um a quatro tipos de blends, 76% de um a três padrões de torra e moagem de café, 73% de um a três tipos de embalagens. Quanto ao lançamento de marcas nos últimos cinco anos (Tabela_2), as pequenas empresas foram as que introduziram o maior número de marcas no mercado. as microempresas lançaram maior número de blends e embalagens. Outras alterações nas embalagens, como design, cor e materiais, foram as características que apresentaram mudanças mais significativas, obtendo maior número de alterações. Tal resultado pode ter ocorrido devido aos custos dessas alterações serem mais baixos.

No caso das inovações em processo, 62% das firmas entrevistadas declararam que fizeram alterações em seu processo de produção nos últimos cinco anos. Dessas alterações, somente 61% foram consideradas pelas firmas como novas para o mercado de atuação. Alguns exemplos citados foram: máquinas automatizadas; torrador antipoluente/ecológico; fecho de embalagem xintai; embalagem reutilizável; moedor a frio etc. Outras características das firmas entrevistadas com relação à organização interna serão discutidas a seguir.

4.2. Análise e interpretação dos resultados empíricos As três estruturas de governança interna analisadas foram: incentivos monetários, burocrática e comunitária. Nesta seção, após a caracterização geral das práticas adotadas pelas empresas entrevistadas, será apresentada a análise da relação entre as estruturas de governança interna e a inovação.

4.2.1. Caracterização das estruturas de governança interna das empresas entrevistadas No que se refere às estruturas de incentivos monetários, percebe-se que, das quatro práticas analisadas, o pagamento por desempenho individual foi a mais adotada pelas firmas estudadas, e a principal área incentivada é a comercial, relacionada às vendas. Em seguida, encontra-se a prática de pagamento por desempenho da firma, a qual está relacionada aos resultados gerais positivos que a firma obteve ao longo do ano (faturamento, lucro). Portanto, nas firmas em que essa prática ocorre, geralmente 100% dos funcionários recebem uma participação do lucro estipulada pela firma. o desempenho em equipe é pouco enfatizado pelas firmas, ocorrendo somente em 2% delas. A contratação de terceiros para o desenvolvimento de algumas atividades é maior nas áreas comerciais ou nos serviços em geral (22%) e, em segundo lugar, para o departamento de P&D (7%). Esse departamento está presente em 59% das firmas entrevistadas e tem com principal atividade o desenvolvimento de novos blends e padrões de torra e moagem.

Como a intensidade da prática de pagamento por desempenho individual foi maior, a forma de mensuração desse desempenho na estrutura burocrática teve maior relevância do que as outras medidas. Dos entrevistados, 53% indicaram como mais relevantes as medidas de desempenho individual, sendo a principal delas as metas individuais dos funcionários. Quanto ao desempenho das firmas, o faturamento e as metas gerais por elas estabelecidas foram as medidas mais citadas pelos entrevistados. o plano de carreira está presente em 27% das firmas entrevistadas. Como a maioria delas são pequenas e familiares, muitas apresentam estruturas de comando mais achatadas (poucos níveis hierárquicos) e possuem menor nível de formalização de cargos e salários, dificultando o estabelecimento de um plano de carreira.

Perguntados sobre a formalização dos processos produtivos e das atividades desenvolvidas pela empresa, 40% dos entrevistados disseram possuir os processos definidos. Contudo os programas relacionados à qualidade, desenvolvidos pela ABIC, foram a prática mais adotada na estrutura burocrática, de modo que quase todos os entrevistados possuíam algum dos programas. O Selo de Pureza (9) está presente em 91% das firmas e o Programa de Qualidade do Café (PQC), em 34%. De acordo com alguns entrevistados, o custo para implementar o PQC é muito alto para pequenas e médias firmas, o que pode ser um dos principais motivos para seu baixo nível de adesão. Outros programas e certificações foram destacados por 14% dos entrevistados, como Cafés do Brasil (ABIC para exportação), Codeagro, ISO 9.000, ISO 22.000, Instituto de Biodinâmica (IBD), UTZ Kapesh, Associação dos Cafés Especiais, Certificaminas, Fair Trade, Rainforest Alliance.Já o emprego de pessoas especializadas no processo produtivo, como degustadores ou consultores (confecção ou manutenção de blends) e mestres de torra, está presente em 80% das firmas entrevistadas.

A segunda prática com alta intensidade de adoção na estrutura burocrática foi o planejamento das atividades e estratégias da firma para o ano seguinte (89% das firmas). A família proprietária da firma é a encarregada, em 79% dos casos, de planejar as estratégias e atividades. Isso também está relacionado à prática de compartilhamento das decisões da estrutura comunitária. Observa-se que muitas das decisões estratégicas das firmas estão centradas na figura dos proprietários, o que demonstra um baixo nível de compartilhamento das decisões com os demais funcionários e stakeholders. Tal baixo nível de compartilhamento pode ainda ser percebido em outra questão, quando os entrevistados foram questionados sobre quem participa da escolha e desenvolvimento de novos produtos, marcas, blends e embalagens. Das firmas entrevistadas, 73% delas responderam que quem toma as decisões referentes a novos produtos são os membros da família proprietária.

Quanto ao compartilhamento de informações e valores, asproxies utilizadas para mensurar essa prática e os resultados encontrados foram:   salas compartilhadas em 76% das empresas entrevistadas;   área de socialização em 35% das firmas, tais como sala de descanso, de TV, de lazer (com churrasqueira, jogos), clubes dos funcionários (campo de futebol, academia), cafeteria;   confraternizações, a maior parte das empresas entrevistadas realiza uma vez por ano eventos que envolvem a socialização dos funcionários.

Outra prática pesquisada foram os canais de comunicação existentes nas organizações. Das firmas entrevistadas, 52% possuem mural informativo ou jornal interno com notícias ou informações relevantes e 87% têm algum tipo de sistema ou forma de comunicação com os funcionários. Nesses sistemas, os funcionários apresentam suas sugestões de melhorias e novas ideias. Nas firmas de pequeno porte, as conversas informais diárias ou contato direto com a diretoria e reuniões com os funcionários foram citadas como frequentes, que, devido à informalidade em função do tamanho da firma, os funcionários têm abertura para manifestar-se e apresentar suas sugestões e ideias.

Com relação aos canais de comunicação com os clientes, as firmas destacaram em primeiro lugar o telefone de contato disponibilizado pela empresa (0800 e SAC) ou meio eletrônico (e-mail e site) e, em segundo, o contato entre os promotores de venda e os clientes em pontos de vendas e degustação dos produtos. No que tange aos incentivos profissionalizantes, eles são encontrados em 49% das firmas entrevistadas. Aqueles que mais se destacam são os cursos técnicos voltados para a área de produção oferecidos por instituições como a ABIC, Sindicato da Indústria de Café (Sindicafé), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Social da Indústria (Sesi). Poucos entrevistados fornecem bolsas de estudos ou ajuda de custo para faculdades e MBA, bem como para cursos destinados às áreas administrativas.

Ademais, o trabalho em equipe ainda é pouco desenvolvido pelos entrevistados, conforme descrito na análise do item pagamento por desempenho da equipe. Os treinamentos e dinâmicas de grupo são oferecidos por 34% dos entrevistados, os quais investem, em sua expressiva maioria, em treinamento para manuseio de máquinas e equipamentos de produção, principalmente na implementação de novos maquinários. Alguns entrevistados, porém, citaram palestras para os funcionários sobre segurança do trabalho, integração e dinâmicas oferecidas pelo departamento de recursos humanos e visita à fazenda de café.

Outra proxy utilizada para medir o trabalho em equipe foi a frequência com que a diretoria, a gerência e a área de produção se encontram para fazer reuniões.

Os entrevistados destacaram que esses encontros acontecem quase que diariamente nesses três níveis (33% na diretoria, 34% na gerência e 28% na área de produção) e muitas vezes ocorrem de modo informal, ao longo do dia. A frequência mensal de reuniões foi citada por 32% dos entrevistados, no caso da diretoria; e 28%, no caso da gerência. a área de produção apresentou uma vez por semana como a segunda maior frequência de reuniões.

4.2.2. Estruturas de governança interna e a inovação Após a caracterização das firmas, as três estruturas de governança analisadas (incentivos monetários, burocrática e comunitária) foram colocadas no softwarefs/QCA 2.0 para identificar que estrutura(s) de governança ou a combinação delas possibilita(m) maior capacidade de inovação nas firmas. A tabela verdade (Tabela_3) gerada pelo software é apresentada a seguir.

Na Tabela_3, cada linha indica uma combinação de estruturas, em que 1 significa a presença de determinada estrutura de governança na combinação e 0 indica a sua ausência. A coluna frequência demonstra a quantidade de firmas que apresentaram as combinações em cada linha e a consistência está relacionada à capacidade de inovação com as combinações de estruturas de governança, de modo a indicar aquelas que tiveram maior relevância. a coluna CI (capacidade de inovação) é preenchida após a ánalise da frequência e da consistência para gerar a solução final. Observa-se que somente uma combinação obteve consistência acima de 0,75, depois das frequências abaixo de três terem sido retiradas. Nas Tabelas_4 e 5 constam as combinações obtidas em cada tipo de solução.

Com base na Tabela_4, uma única combinação mostrou-se mais consistente para gerar altas capacidade de inovação. Essa combinação indica: Capacidade de inovação = ƒ (estruturas de governança de incentivos monetários *burocrática * comunitária) Tal resultado corrobora as leis combinatórias de diferenciação estruturale de variedade do core organizacional das estruturas de governança destacada por Grandori e Furnari (2008; 2010). Em outras palavras, a capacidade de inovação ocorre de modo mais consistente nas firmas que adotam uma estrutura de governança interna multimodal,confirmando a H1. Tal resultado corresponde a 14% da amostra da amostra total, mas, caso se considerem somente as firmas com alta capacidade de inovação, essa combinação representaria 44%, conforme destacado pela solução de cobertura. As firmas com alta capacidade de inovação são aquelas que apresentam número de inovação de produtos maior do que a média geral da amostra, como demonstrado no Quadro_2.

a solução parcial (Tabela_5) mostra quais estruturas de governança representaram maior importância para capacidade de inovação comparada com a solução intermediária (FISS, 2011). Nesse caso, o resultado obtido para a solução intermediária foi igual à solução complexa. Dessa forma, nota-se que as estruturas de governança de incentivos monetários e burocrática foram os elementos que mais influenciaram a inovação. Grandori e Furnari (2010) destacam que, em firmas com baixa complexidade (pequenas e médias), em setores com baixa incerteza (tradicional, maduro e pouco intensivo em tecnologia) ' como é o caso das firmas entrevistadas ', as práticas relacionadas às regras e aos incentivos de desempenho apresentam-se como mais importantes para a inovação do que as práticas ligadas à equipe e aos outros elementos comunitários.

A Tabela_3 demonstra ainda outras combinações de estruturas de governança que também causaram alta capacidade de inovação em algumas firmas, mas que não apresentam consistência para essa amostra (consistência abaixo de 0,75). Essas evidências empíricas contribuem para a discussão das leis combinatórias daequifinalidadee daheterogeneidade estrutural, visto que um resultado pode ser obtido por diferentes combinações de estruturas de governança. No entanto, as combinações compostas principalmente por estruturas de incentivos monetários e burocrática foram as que apresentaram melhores resultados para a inovação.

Ademais, com base nos dados apresentados anteriormente, nota-se que as práticas comunitárias são menos enfatizadas pelas pequenas e médias firmas de torrefação e moagem de café que são inovadoras. Apesar de os entrevistados frisarem a constante comunicação e interações entre os funcionários e a abertura para que eles deem sugestões e novas ideias, o trabalho em equipe quase não se apresenta nas firmas e as decisões ainda são centradas na figura dos proprietários. A capacitação e o treinamento dos funcionários também ocorrem com menos frequência.

Diante disso, com base no método de análise, o qual destaca as condições causais conectadas a determinado resultado, pode-se inferir que a combinação de estruturas de governança interna (incentivos monetários, burocrática e comunitária) levaram as firmas a apresentarem maior capacidade de inovação.

Ademais, observa-se que as estruturas de governança de incentivos monetários e a burocrática são aquelas que apresentaram forte evidência causal com a inovação nas pequenas empresas da indústria cafeeira. a estrutura comunitária evidenciou uma relação causal fraca com a inovação.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O que motivou a realização deste trabalho foi a pouca relevância que os estudos econômicos, em geral, atribuem à capacidade das firmas de pequeno porte de inovarem. Essas firmas representam a maior parte das empresas brasileiras e respondem por mais de dois terços das ocupações do setor privado (SEBRAE, 2012), principalmente na indústria de torrefação e moagem de café. Dessa forma, entender essa questão é de fundamental importância, pois a inovação pode incrementar a competitividade dessas empresas diante da concorrência nos mercados nacional e internacional. Assim, o objetivo da pesquisa apresentada foi investigar as combinações de estruturas de governança interna que permitem mais possibilidades de desenvolvimento das capacidades de inovação das pequenas firmas.

Como objetivo teórico, buscou-se demonstrar a importância das estruturas de governança interna e a capacidade de inovação, corroborando a abordagem de Grandori e Furnari (2008; 2010). Além disso, permitiu maior integração entre as abordagens organizacionais e as abordagens econômicas organizacionais, por meio da abordagem combinatória do design.

Os resultados empíricos, coletados na indústria de torrefação e moagem de café, demonstraram que as pequenas firmas também apresentam inovações, muitas delas de caráter incremental, particularmente mudanças em características das embalagens e no que diz respeito a novos blends.Essas evidências empíricas vão ao encontro da discussão de que a capacidade de inovação não está restrita a determinado porte de firma ou a uma estrutura de mercado.

Ademais, as estruturas de governança interna multimodais foram aquelas que influenciaram a capacidade de inovação das firmas. As estruturas de governança multimodais, combinando práticas de incentivos monetários, burocráticas e comunitárias, foram as estruturas que apresentaram resultados mais consistentes para a capacidade de inovação. Tal resultado demonstra que a capacidade de inovação desenvolve-se em firmas que apresentam maior flexibilidade, comunicação e incentivos aos funcionários, mas também que buscam qualidade nos processos e que consigam tanto filtrar as novas ideias como gerir todo o longo processo que a inovação exige, até que as mudanças significativamente novas gerem resultados positivos para a firma.

No entanto, as estruturas de governança que se apresentam como diferencial para as pequenas firmas de torrefação foram as de incentivos monetários e burocrática, pois destacaram-se com condições core para as inovações. Dessa forma, as práticas como pagamento por desempenho alcançado pelos funcionários, sistema de avaliação desse desempenho, terceirização, plano de carreira, planejamento das atividades e estratégias e processo e controle da qualidade podem influenciar positivamente a capacidade de inovação. Observa-se que tais práticas estão focadas em incentivos e gestão dos funcionários e processo e controle de qualidade.

No caso da estrutura comunitária, apesar de as pequenas firmas apresentarem uma estrutura que permite maior contato entre os funcionários, de modo a facilitar o compartilhamento de informações, valores e trabalho em conjunto, essas práticas ainda se apresentam informalmente em seu cotidiano. Ademais, algumas práticas como a difusão da decisão e a capacitação dos funcionários ocorrem em menor nível, o que pode fazer com que as funcionalidades que essas práticas possuem para o processo de inovação sejam menos efetivas, tornando-se condições periféricas.

Esses resultados são interessantes para as firmas, na medida em que podem direcionar seus esforços de modo a melhorar a taxa de inovação do setor e tornar as empresas mais competitivas em seus mercados. Como subproduto, podem auxiliar na elaboração de políticas públicas e privadas de modo a direcionar as escolhas de estruturas de governança das organizações. Um exemplo dessa aplicação seria o desenvolvimento de cursos de capacitação e treinamento que possibilitem a cada organização analisar seu contexto e implementar os elementos das estruturas da melhor forma e assim estimular a maior capacidade de inovação.

Entretanto, os dados empíricos analisados na pesquisa apresentaram limitações.

Entre elas, destacam-se a análise estática das estruturas de governança e o foco somente em firmas de pequeno porte em um único setor. A análise não foi probabilística, o que limita a inferência para o setor. Uma sugestão para futuras pesquisas seria a ampliação desse estudo para outros setores e tamanhos de firmas. Outra contribuição poderia vir da construção de outros indicadores de inovação, além do tratado na pesquisa (número de marcas lançadas).

NOTAS (1) A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os autores agradecem à Fapesp e também à equipe do Centers for Organization Studies (CORS) que colaboraram no desenvolvimento da pesquisa apresentada neste artigo (www.cors.usp.br).

(2) Joseph Schumpeter foi um dos primeiros economistas a destacar o papel central da inovação para o desenvolvimento econômico, de modo a deslocá-la para o centro do debate e da dinâmica econômica, propondo mudanças na teoria econômica convencional (BHIDÉ, 1955; FREEMAN e SOETE, 2008).

(3)  Vale observar que neste trabalho o termo estrutura de governança compreende não a versão da Economia dos Custos de Transação (WILLIAMSON, 1996), na qual uma ordem é estabelecida visando diminuir conflitos potenciais e comportamentos oportunistas, mas também envolve mecanismos que proporcionem a coordenação de tarefas complexas (MESQUITA e BRUSH, 2008) e a transferência de conhecimento e aprendizado (LORENZONI e LIPPARINI, 1999; MESQUITA, ANAND e BRUSH, 2008).

(4)  Além desses três elementos organizacionais, no artigo de 2008 foi apresentado um quarto elemento, o democrático, que deveria ser considerado como uma categoria separada. No entanto, seus resultados não foram significativos, sendo excluído do segundo artigo (2010). Neste trabalho foi considerada somente uma prática (compartilhamento da decisão) desse quarto elemento, a qual foi incorporada na estrutura de governança comunitária, devido à sua baixa difusão nas firmas reais (GRANDORI e FURNARI, 2010) e à dificuldade de mensurar sua presença.

(5)  Essas combinações foram apresentadas por Grandori e Funari no artigo de 2010, em que relacionam os elementos organizacionais e seus resultados (foco na eficiência e na inovação) com as variáveis situacionais. As duas variáveis situacionais estudadas foram a incerteza do ambiente e a complexidade da atividade. A incerteza foi mensurada pela proxy setorial, sendo classificada em dois grupos: alta incerteza ' setores com intensiva pesquisa e tecnologia; baixa incerteza ' setores mais tradicionais e maduros, com baixa tecnologia.

Para a complexidade, a proxy utilizada foi o tamanho da firma que representaria o número e a diversidade de tarefas a serem governadas (firma grande = mais de 250 funcionários; firma pequena = menos de 250 funcionários).

(6) Ver Rihoux e Ragin (2009).

(7) O Qualitative Comparative Analysis (QCA) foi concebido inicialmente como uma abordagem para pequenas amostras, entre 15 e 40 casos, mas neste trabalho seguem-se estudos mais recentes que estenderam o QCA para amostras maiores (GRANDORI e FURNARI, 2008 e 2010; FISS, 2011).

(8) Na pesquisa adotaram-se cinco anos como período de observação para as questões de inovação, por causa do longo ciclo de vida que o produto estudado pode apresentar. Tal fato pode levar as empresas a inovarem com menor frequência (OCDE, 2005).

(9) Certificação da ABIC, lançada em 1989, atestando que o produto não contém misturas, ou seja,  possui 99% de café verde como insumo (ver regulamento no site da ABIC).


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