A divulgação de relatórios de sustentabilidade na América Latina: um estudo
comparativo
1. INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, companhias de diferentes segmentos começaram a dar um tom
mais profissional e padronizado aos seus investimentos socioambientais na
América Latina. A concentração de multinacionais e a forma como conduzem suas
decisões influenciam a dinâmica sobre o assunto em alguns países da região,
como Argentina, Chile e Peru. Entretanto, o Brasil e o México apresentam certa
independência, com um modelo de responsabilidade socioambiental peculiar.
Apesar dos esforços para a implementação de ações organizadas de
responsabilidade social na América Latina, são encontrados diferentes níveis de
abordagens delas. No Brasil, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social, desde a sua criação, tem recebido grande aceitação e atualmente é
considerado como uma das principais referências sobre o tema, com ações
voltadas para o meio empresarial e diretrizes para que questões socioambientais
sejam incluídas nos processos decisórios das organizações. Nos demais países da
região, apesar dos esforços de adaptação dos indicadores do Instituto Ethos à
realidade de cada um, o engajamento do setor privado à causa ainda não ocorreu
de forma intensa, como no Brasil.
O desenvolvimento acerca dos níveis de implantação, conscientização e
organização prática de atividades socioambientais no ambiente empresarial de
cada país depende também de outras questões, tais como o setor em que a empresa
atua, o nível de regulamentação pública, as pressões dos diferentes grupos de
stakeholders,o país de origem da empresa, entre outras. Dessa forma, o nível de
adesão do meio empresarial varia muito entre os países latino-americanos,
principalmente pelo processo de transição de atividades filantrópicas para
atividades socioambientais estrategicamente gerenciadas pelas organizações.
Diversos pesquisadores têm se dedicado a estudar o fenômeno da divulgação
voluntária de informações socioambientais via relatórios. Essas investigações
abordam o tema na mesma empresa periodicamente, entre várias empresas do mesmo
setor ou de setores diferentes, como também entre companhias de um país, região
ou de vários países.
Com base nessas premissas, no que tange ao problema da pesquisa aqui relatada,
ele é apresentado na forma da seguinte pergunta: Como as companhias
estabelecidas na América Latina divulgam informações socioambientais nos seus
relatórios anuais?
O objetivo geral é analisar as informações socioambientais divulgadas nos
relatórios anuais e relatórios específicos das companhias latino-americanas em
consonância com as diretrizes voluntárias de divulgação socioambiental
recomendadas pela The Global Reporting Initiative (GRI).
Muitos autores desenvolveram estudos comparativos sobre a divulgação de
informações socioambientais em relatórios anuais de companhias estabelecidas em
países da América do Norte, da Europa, Austrália, Nova Zelândia etc.
Entretanto, não foram localizados, até o momento, estudos longitudinais sobre o
tema entre companhias de diferentes setores estabelecidas em países latino-
americanos.
Espera-se que os resultados da pesquisa contribuam para a difusão dessas
questões nos países latino-americanos, tendo em vista suas particularidades,
dificuldades e potenciais de expansão sobre os aspectos a serem investigados
neste estudo.
A pesquisa limita-se às questões socioambientais e econômico-financeiras de
companhias de capital aberto estabelecidas em países latino-americanos
selecionados dentre os que possuem um expressivo mercado de capitais. O
trabalho está organizado em quatro seções e, além desta introdução, a próxima
compõe o referencial teórico, tem como foco a responsabilidade social
corporativa, o desenvolvimento do tema na América Latina e as diretrizes
recomendadas pela GRI para elaboração de relatórios socioambientais. Na
terceira seção apresentam-se as técnicas metodológicas e os procedimentos para
a seleção da amostra. Na quarta são apresentados os resultados e as análises da
pesquisa e, na sequência, são apresentadas as considerações finais e
recomendações para futuras investigações.
2. RESPONSABILIDADE SOCIAL CORPORATIVA
O ambiente empresarial consiste em pessoas, grupos, instituições, condições,
tendências e eventos que ocorrem nos limites das organizações. Há vários
aspectos da relação negócios-sociedade que podem ser tanto benéficos quanto
danosos, que estão além da realidade puramente econômica.
Uma das vertentes da responsabilidade social corporativa refere-se às ações das
organizações de caráter voluntário, que visam promover o bem-estar dos
stakeholders internos e externos por meio de ações socioambientais voltadas
para um vasto público, além de gerar bens, serviços e lucros para as partes
interessadas que investem capital no negócio.
Os estudos sobre a teoria dos stakeholders, ou partes interessadas nas
organizações, dizem respeito aos grupos de pessoas ou entidades que são direta
ou indiretamente afetados pelas decisões tomadas no âmbito empresarial, sendo
Freeman (1984) o autor pioneiro a divulgar essa definição.
A teoria dos stakeholders é amplamente debatida nos estudos sobre
responsabilidade social corporativa e, de acordo com Vos (2008) sob a
perspectiva dos stakeholders, a justificativa mais comum para essa vinculação é
que as organizações são responsáveis por seus stakeholders.
Carroll (1979, p. 500) define responsabilidade social corporativa como "a
responsabilidade social dos negócios que inclui as expectativas da sociedade
quanto aos enfoques econômico, legal, ético e discricionário".
Para Whetten, Rands, e Godfrey (2002, p. 394) "a responsabilidade social
corporativa são expectativas sociais do comportamento das organizações, um
comportamento que é esperado pelos stakeholders, por uma sociedade moralmente
requerida e desta forma, justificadamente demandada pelas empresas".
A responsabilidade social corporativa trata da relação entre companhias e todo
o grupo de stakeholders que têm interesse nas operações delas, e esse conjunto
de interações inclui responsabilidades amplas e inerentes aos dois lados
(Werther Jr. & Chandler, 2006).
As ações de responsabilidade social com base na teoria dos stakeholders
justificar-se-iam, pois "a ideia básica da responsabilidade social
corporativa é que as organizações empresariais e a sociedade são entidades
interligadas e não distintas. Portanto, a sociedade tem certas expectativas em
relação ao comportamento e resultados das atividades empresariais" (Wood,
1991, p. 695).
A produção acadêmica sobre o tema tem sido intensa, entretanto, a
responsabilidade social corporativa também é alvo de muitas críticas e um dos
aspectos mais enfatizados a respeito é a responsabilidade que as organizações
têm perante todos os seus públicos, ainda que com diferentes níveis de
prioridades.
No entendimento de Hopkins (2007), grande parte das críticas à responsabilidade
social corporativa diz respeito aos problemas com vários conceitos e definições
sobre o mesmo conceito. Alguns definem a responsabilidade social corporativa
como um sistema com foco em stakeholders internos e externos, enquanto outros,
como um conjunto de ações puramente voluntárias. Essa confusão é composta por
uma diversidade de terminologias na área de Administração, como
sustentabilidade corporativa, cidadania corporativa, responsabilidade
corporativa, responsabilidade social corporativa, reputação, ética e
sustentabilidade, entre outros. Entretanto, como adverte o autor, sem uma
linguagem comum não será possível um diálogo entre as companhias que pretendem
ser interpretadas de modo consistente.
Muitos pesquisadores têm se dedicado a investigar a inclusão da
responsabilidade social no ambiente de negócios sob as mais diversas
perspectivas. Os estudos que buscaram sistematizar a literatura apresentam uma
classificação diversificada da produção acadêmica, mas todos têm em comum a
grande atenção que o tema vem recebendo; citam-se, por exemplo, os trabalhos
dos seguintes autores: Garriga e Melé (2004); Secchi (2007); Egri e Ralston
(2008); e Lee (2008).
Devido à diversidade de definições de responsabilidade social corporativa, além
das múltiplas interpretações que têm sido publicadas nas últimas décadas,
vários autores têm se dedicado a sistematizar tais definições, além de propor
novas formas de apresentação de um construto para o desenvolvimento de
pesquisas sobre esse relevante tema (Amaeshi & Adi, 2007).
Belal e Momin (2009) enfatizaram a escassez de estudos sobre a divulgação de
relatórios socioambientais no âmbito da América Latina em bases de dados
internacionais, assunto abordado no próximo item.
2.1. Responsabilidade social corporativa em países latino-americanos
Estudos anteriores destacam que a responsabilidade social corporativa não é uma
prioridade em países latino-americanos (Correa, Flynn, & Amit, 2004;
Gutiérrez & Jones, 2005; Peinado-Vara, 2006; Blackman, 2008). Entretanto, o
tema vem recebendo grande atenção entre os pesquisadores da área de
Administração nas últimas décadas, principalmente no Brasil, com ênfase na
forma de gestão das questões socioambientais das organizações, assim como a
divulgação dos resultados dessas decisões nos relatórios anuais das companhias.
De acordo com um estudo conduzido pela KPMG (2005), o desenvolvimento da
responsabilidade social corporativa na América Latina ainda está em estágio
inicial. Os maiores destaques são apresentados em países como Argentina,
Brasil, Chile e México, com atividades sociais restritas às grandes empresas.
Puppim de Oliveira (2006) observou que a agenda da responsabilidade social
corporativa na América Latina tem sido fortemente influenciada por questões
econômicas, sociais e condições políticas, além de problemas ambientais que têm
sido agravados, como desflorestamento e má qualidade das oportunidades de
empregos.
Com ênfase nos estudos sobre o avanço da responsabilidade social corporativa em
países em desenvolvimento, Visser (2008) argumenta que os principais
direcionadores do tema são: enfoque cultural, reformas políticas, prioridades
econômico-sociais, governança, crises sociais e econômicas, acesso a mercados,
padronização internacional, investimentos e incentivos às ações de interesses
dos stakeholders.
Quando comparado com os demais países da região, o Brasil é o mais adiantado no
desenvolvimento e na disseminação da responsabilidade social corporativa. As
iniciativas do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, assim
como as do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE),
mostram um grande crescimento e institucionalização em termos de número de
associados e empresas que apresentam relatórios socioambientais, como também a
diversidade e a qualidade das atividades que promovem. E elas dão expressão ao
processo que se encontrava em formação por um bom tempo e que tem um sustento
sólido da sociedade civil. Porém, serviços de consultoria admitem a existência
oculta das preocupações cosméticas de empresas acerca da necessidade de
apresentar algum tipo de relatório. Outro aspecto relaciona-se com a medição
precisa do que realmente está sendo feito, e o impacto qualitativo sobre a
comunidade e inadequações. A natureza fragmentária dessas atividades torna
difícil saber o que realmente isso significa em sua totalidade (Agüero, 2002).
O ambiente acadêmico do País tem apresentado uma imensa produção. A seguir são
referenciados alguns dos estudos que mais se aprofundaram na efetiva
institucionalização da responsabilidade social corporativa no Brasil.
Com o objetivo de analisar os efeitos da atuação social das empresas na
dinâmica empresarial, Borger (2001) conduziu um estudo multicaso de três
empresas brasileiras. Os resultados da investigação revelaram que "o
conjunto de variáveis independentes que caracterizam a atuação orientada para a
responsabilidade social empresarial estão interrelacionadas assim como o
conjunto das variáveis dependentes que caracterizam a dinâmica
empresarial" (Borger, 2001, p. 244).
Por meio de um estudo de casos múltiplos de cinco empresas do setor de
agronegócios e atuantes no Brasil, Machado Filho (2002) investigou as
motivações que têm levado as organizações a engajarem-se em práticas de
responsabilidade social. De acordo com o autor, o investimento em ações de
responsabilidade social é percebido pelas organizações por gerar retornos
positivos para a imagem delas.
Para explorar a percepção dos públicos interno e externo de uma organização
brasileira do setor de cosméticos quanto aos seus projetos sociais, Mollicone
(2003) conduziu entrevistas com funcionários e clientes da empresa. De acordo
com o autor, os resultados da pesquisa destacaram que o envolvimento da empresa
em ações sociais não deve prescindir de uma atitude voltada para a assunção das
responsabilidades sugeridas pelo modelo proposto por Carroll (1979), as
responsabilidades econômicas, legais, éticas e filantrópicas. Essas variáveis
são amplamente influenciadas pelas ações sociais da organização, além de
proporcionar retornos a curto e a médio prazos para todos os stakeholders
envolvidos com os projetos.
Utilizando-se de um estudo baseado nas representações de projetos sociais de
empresas, Belizário (2008) teve como objetivo identificar de que forma os
beneficiários desses projetos se apropriam do discurso social. A análise
qualitativa de entrevistas com sete beneficiários de projetos de filantropia
empresarial permitiu à autora verificar que:
A partir da contratualidade informal, a empresa se legitima como
agente autorizado a implementar políticas públicas com fins privados,
pois, mesmo que o projeto seja direcionado aos excluídos sociais, ele
atende a interesses privados, relativos à reputação e à imagem
empresarial (Belizário, 2008, p. 96).
A produção acadêmica sobre o tema no Brasil é crescente, aborda várias
perspectivas, e citam-se, por exemplo: consumo responsável, percepção dos
consumidores, gestores e outros stakeholders sobre o envolvimento de uma ou
mais organizações com o tema, estudos de casos específicos sobre setores,
regiões ou estados brasileiros, análise de relatórios dedicados ao tema, além
de estudos sobre a responsabilidade social de universidades e Organizações Não
Governamentais (ONGs).
No próximo item apresentam-se algumas das iniciativas empresariais que
contribuíram para a grande ênfase dada ao tema na América Latina.
2.2. Iniciativas empresariais: fundações, institutos e associações latino-
americanas
Num estudo sobre a responsabilidade social corporativa na América Latina,
Correa et al. (2004) destacaram as iniciativas empresariais e ONGs nacionais e
internacionais que têm se envolvido com o tema, sintetizadas a seguir.
• Argentina. O atual interesse na responsabilidade social corporativa
surgiu no país paralelamente à crise econômica de 2001, que ressaltou
a importância da participação do setor empresarial no processo de
revitalização do país. A crise econômica revelou-se um catalisador
para fomentar maior consciência social. Entretanto, não há evidências
de que a responsabilidade social corporativa seja parte integral da
estratégia de negócios, por estar ainda muito relacionada com
filantropia e programas comunitários.
• Brasil. O assunto vem sendo explorado há décadas no país, sob
diversas perspectivas. Embora tenha sido vinculada a atividades
filantrópicas até a década de 1980, a partir da década de 1990
ocorreram muitas mudanças no cenário; principalmente pelo fato de
iniciativas da sociedade civil terem conquistado o apoio do meio
empresarial, como o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social e o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
- IBASE. Há também o apoio e envolvimento de instituições
acadêmicas e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas -
GIFE.
• Demais países da região. Também tiveram forte envolvimento com
atividades filantrópicas até a década de 1990, época em que
associações empresariais locais e regionais começaram a se engajar no
movimento em prol da profissionalização da responsabilidade social
corporativa na América Latina. São diversas as iniciativas
empresariais para promover o tema, primordialmente voluntário (Correa
et al., 2004).
A necessidade de organização das iniciativas de responsabilidade social
corporativa tornou-se uma prioridade do setor privado, tendo em vista o anseio
por contribuições efetivas para o desenvolvimento econômico e social, local ou
regional em que são exercidas as suas atividades.
Representantes de diferentes regiões das Américas começaram a reunir-se e
discutir formas de fortalecimento do papel do setor privado na sociedade.
Trata-se do Fórum Empresa, aliança criada em 1997 por um grupo de 150
empresários e lideranças da região que atualmente reúne organizações
empresariais que têm como propósito promover práticas de responsabilidade
social na América Latina.
O Fórum Empresa reúne cerca de 3.000 empresas e trabalha em prol do
conhecimento e do entendimento do assunto na região. No Quadro_1 constam as
principais instituições que reúnem grupos de empresas engajadas em causas
socioambientais por país latino-americano.
![](/img/revistas/rausp/v48n4/a15qua01.jpg)
Essas organizações compartem uma relação estreita com o meio empresarial para
divulgação, padronização de práticas socioambientais, além de incentivos para
autoavaliação delas.
A organização norte-americana Business for Social Responsibility(BSR)
desempenhou um papel importante na provisão de modelos socioambientais para as
organizações latino-americanas, além de ter sido uma importante assessora nas
primeiras etapas de implantação em vários países da região. Entretanto, as
associações trabalham de forma independente nos países em que foram concebidas.
Atualmente, essa reunião de associações empresariais trabalha com apoio mútuo
para transferência de experiências, manuais e medidas adotadas para
padronização de práticas de responsabilidade social corporativa. Contudo, o
desenvolvimento acerca dos níveis de implantação, conscientização e organização
prática de atividades socioambientais no ambiente empresarial de cada país
depende também de outras questões. Dessa forma, o nível de adesão do meio
empresarial varia muito entre os países latino-americanos, principalmente pelo
processo de transição de atividades filantrópicas para atividades
socioambientais estrategicamente gerenciadas pelas organizações.
Podem ser encontrados padrões gerais em um extremo, como as atividades de
responsabilidade socioambiental mais profissionalizadas no Brasil, enquanto no
México e na Colômbia as atividades filantrópicas são predominantes. A Argentina
posiciona-se entre esses dois extremos, enquanto as atividades no Chile são
comparativamente menores em ambos os casos. No México, as atividades de
responsabilidade social corporativa são entendidas ocasionalmente como a
promoção de organizações empresariais de metas políticas particulares ou
setoriais. No Peru, a principal organização no âmbito da responsabilidade
social corporativa visualiza sua ação como dedicada primordialmente à tarefa de
criar uma visão nacional do país. Na Colômbia, as principais fundações estão
interessadas em proporcionar esquemas para a agenda política nacional. O Brasil
e o Chile encontram-se em outro extremo. No Chile, as principais organizações
enfatizam a dimensão de neutralidade, ainda que diversos fatores tendam de
algum modo a contrastar essa ênfase: na troca dos membros de uma organização
religiosa, uma participação política mais ativa por parte das lideranças
empresariais ou ênfase menor em alguns dos indicadores, que efetivamente
puderam demonstrar essa neutralidade (Agüero, 2002).
O desenvolvimento do tema encontra-se em diferentes estágios nos países latino-
americanos. Apesar de algumas similaridades, tais como as épocas coincidentes
da integração do meio empresarial com questões socioambientais, como na
Argentina, no Chile, no Peru e no México, a separação dessas atividades de
ações de filantropia tem se mostrado, ainda, um obstáculo. O Brasil é uma
exceção entre os demais países latino-americanos por apresentar grande
interesse do setor privado e da sociedade civil organizada na disseminação e na
profissionalização de ações socioambientais.
2.3. The Global Reporting Initiative: diretrizes para elaboração de relatórios
Neste item aborda-se brevemente a evolução das diretrizes recomendadas pela GRI
para elaboração de relatórios socioambientais, também denominados relatórios de
sustentabilidade.
Iniciativas internacionais que reúnem diferentes entidades têm divulgado a
padronização de indicadores socioambientais sobre a variável física e/ou
financeira das companhias. A GRI começou a ser desenvolvida em 1997, nos
Estados Unidos, com o objetivo de aperfeiçoar a qualidade das informações
socioambientais disponíveis e o risco do desempenho das companhias. Tem se
posicionado como um padrão internacional para desenvolvimento de enfoques
consistentes para publicação do desempenho socioambiental das empresas via
relatórios. A padronização e a disseminação das diretrizes GRI ocorrem de forma
voluntária.
O relatório elaborado conforme as diretrizes GRI aborda os três elementos
inter-relacionados que se aplicam a uma organização: os aspectos social,
ambiental e econômico das suas operações. Além disso, os indicadores propostos
podem ser utilizados por qualquer instituição, bastando haver o interesse em
divulgar tais informações em consonância com as diretrizes recomendadas.
Todo esse esforço é realizado para que a GRI possa concretizar a missão de
desenvolver e divulgar as diretrizes para relatórios de aplicabilidade global e
estabelecer princípios amplamente adotados para que se possa promover uma
harmonização internacional desse tipo de relatório, além de agregar maior valor
tanto para a empresa quanto para seus usuários, aumentando a comparabilidade, a
consistência e a utilidade desse relatório (Woods, 2003).
O primeiro conjunto de diretrizes para relatórios de sustentabilidade da GRI
foi elaborado em 1999 e lançado em junho de 2000. Desde então, sofreu duas
atualizações. Uma em 2002, publicada em português em 2004, e outra lançada no
Brasil em dezembro de 2006. Essa última é denominada G3, para destacar o fato
de ser a terceira geração de indicadores (Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, 2007).
A versão G3 das diretrizes GRI incluiu dez princípios para elaboração do
relatório de sustentabilidade. Segregados em dois grupos, os princípios que
definem o conteúdo do relatório têm como objetivo auxiliar na priorização dos
temas selecionados, ou seja, eles vão ajudar a organização a definir quais
informações deverão ser enfatizadas no seu relatório de sustentabilidade. O
segundo grupo representa os princípios que asseguram a qualidade do relatório,
que vão ajudar a garantir a qualidade das informações relatadas. A qualidade
das informações possibilita que os stakeholdersrealizem avaliações de
desempenho consistentes, justas e tomem decisões adequadas (GRI, 2006).
Quanto ao conteúdo do relatório, esse deve conter indicadores de desempenho que
exponham as informações sobre os desempenhos econômico, ambiental e social da
organização passíveis de comparação. Assim, os indicadores de desempenho
"são informações qualitativas ou quantitativas sobre consequências ou
resultados associados à organização que sejam comparáveis e demonstrem mudança
ao longo do tempo" (GRI, 2006, p. 40).
As diretrizes GRI têm se firmado cada vez mais como guia para a elaboração de
relatórios, o que também tem despertado o interesse de pesquisadores que buscam
investigar os níveis de evidenciação dessas diretrizes nos relatórios de
companhias em diversos países (Dias, 2006; Moneva, Lirio, & Torres, 2007;
Castro, 2008; Manetti & Becatti, 2009; Ribeiro, Bonfante, Gomes, &
Cioffi, 2009).
3. METODOLOGIA
O método utilizado nesta pesquisa foi o indutivo, por abordar argumentos
observacionais. O estudo foi qualitativo, por enfatizar a análise de
informações disponibilizadas voluntariamente por companhias de capital aberto e
a pesquisa foi descritiva, por expor características de uma população ou
fenômeno.
Com nível de profundidade maior do que a pesquisa exploratória, a pesquisa
descritiva permite a identificação, a análise e a comparação de dados, porém,
sem a interferência do pesquisador. De acordo com Cooper e Schindler (2003,
p.136), "a pesquisa descritiva pretende descobrir quem, o que, onde,
quando ou quanto".
Trata-se também de um estudo longitudinal, por usar uma amostra de organizações
para descrever eventos socioambientais ao longo do tempo. Como técnicas, a
pesquisa bibliográfica apoiou a construção do referencial teórico e a
formulação do problema. A pesquisa documental suporta a análise de dados
secundários e compreendeu os relatórios anuais e relatórios socioambientais das
companhias selecionadas para este estudo, disponíveis na internet ou publicados
na mídia impressa.
A técnica de análise de conteúdo sustenta a verificação das informações
investigadas nos relatórios das companhias. É uma técnica amplamente utilizada
nas ciências sociais aplicadas, especialmente nas pesquisas que abordaram o
tema desta investigação. De acordo com Bardin (2004), a condução da análise de
conteúdo compreende três etapas fundamentais, apresentadas na sequência.
Na pré-análise foram acessados os websites das companhias, e examinados com o
propósito de identificação do link relacionado com as questões socioambientais
das suas atividades. A seguir, os relatórios anuais e os relatórios específicos
disponíveis de cada companhia foram baixados e organizados para codificação e
posterior análise.
A exploração do material consiste na análise sistemática dos relatórios com o
propósito de identificar ou não as categorias pré-estabelecidas, controle da
frequência da aparição dos elementos investigados nas mensagens, medido em
percentual, para posteriores interpretações dos achados. "Esta fase, longa
e fastidiosa, consiste essencialmente de operações de codificação, desconto ou
enumeração, em função de regras previamente formuladas" (Bardin, 2004, p.
95).
O tratamento dos resultados refere-se à interpretação dos dados e, nessa etapa,
foi utilizado um software para análise dos dados codificados.
A técnica de análise de conteúdo é muito utilizada em estudos sobre as
informações socioambientais divulgadas pelas companhias em relatórios. São
usadas as abordagens quantitativa e qualitativa. Na abordagem quantitativa, os
pesquisadores observaram a frequência da aparição dos temas em foco,
categorizados como presentes (1) ou ausentes (0) e, com essa combinação
binária, são relacionados com indicadores econômico-financeiros das
organizações, entre outros. "A abordagem qualitativa é caracterizada por
ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem etc.), e não sobre
a frequência da aparição, em cada comunicação individual" (Bardin, 2004,
p. 109).
As diretrizes da GRI para elaboração de relatórios de sustentabilidade, a
revisão bibliográfica sobre o tema da pesquisa, juntamente com a leitura
inicial dos materiais, contribuíram para a criação das categorias para análise
dos relatórios selecionados neste estudo.
Em função da extensão dos dados, essas categorias são apresentadas de forma
sintética, mas englobam grandes subgrupos de informações e totalizam 232 itens,
sobre os quais a análise de conteúdo foi conduzida. Para elencar os itens
presentes nos relatórios das organizações, foi desenvolvido um protocolo, no
caso desta pesquisa uma unidade de análise. A unidade de análise escolhida foi
a sentença, que deveria ter em seu contexto relação direta com o item pré-
definido entre as categorias apresentadas no Quadro_2 e segue o escopo do
modelo apresentado pela GRI. A instituição disponibiliza no seu website o
manual completo para utilização das diretrizes por ela recomendadas.
[/img/revistas/rausp/v48n4/a15qua02.jpg]
3.1. População e amostra
A amostra é composta por companhias de capital aberto que disponibilizaram
relatórios anuais e/ou relatórios específicos sobre informações econômicas,
sociais e ambientais disponíveis nos seus websites, aqui denominados relatórios
de sustentabilidade.
A relação de companhias foi extraída da Economática (www.economatica.com),
empresa que fornece um banco de dados com informações econômico-financeiras de
companhias oriundas de sete países latino-americanos: Argentina, Brasil, Chile,
Colômbia, México, Peru e Venezuela.
Foram excluídas as companhias com registro cancelado, companhias de países com
mercado de capitais pouco expressivos, no âmbito da região foco deste estudo
(Colômbia e Venezuela), sociedades anônimas de capital fechado. Devido às suas
particularidades, optou-se por não incluir no estudo as companhias do setor
financeiro. Assim, a população consiste em 760 companhias de vários setores que
exercem atividades em países latino-americanos.
Foi efetuado download dos relatórios anuais, relatórios de sustentabilidade e
Formulário 20F das companhias, no período de 2004 a 2009.
No caso de companhias que têm suas ações cotadas na New York Stock Exchange
(NYSE), foram selecionados os relatórios anuais arquivados na Securities and
Exchange Commission (SEC), elaborados de acordo com a legislação norte-
americana, denominados Formulários 20F, no período de 2004 a 2009. Todas as
companhias de capital aberto nos Estados Unidos devem encaminhar um relatório
anual para a SEC, num formato que deve atender a uma legislação rigorosa, sobre
dados contábeis, econômicos e financeiros das organizações. As companhias
norte-americanas encaminham o relatório denominado Formulário 10K, as
companhias canadenses devem apresentar o Formulário 40F e as demais
organizações originárias de outros países devem arquivar o Formulário 20F. Cada
um desses relatórios atende a um padrão mínimo de informações quantitativas e
qualitativas sobre o desempenho da corporação, além de informações detalhadas
sobre os riscos potenciais associados às suas atividades.
Foi efetuado download dos relatórios das companhias nos seus websites ou
website da NYSE, no período de coleta de dados que compreendeu os meses de
janeiro a julho de 2010. Na Tabela_1 apresenta-se a distribuição das companhias
selecionadas por país.
[/img/revistas/rausp/v48n4/a15tab01.jpg]
Tendo em vista que a América Latina é uma área produtora de bens primários para
o mercado mundial, observa-se que, entre as companhias de capital aberto
selecionadas, há maior concentração dessas nos setores de energia elétrica,
comércio e construção. Os setores de agricultura, pecuária e pesca, alimentos,
mineração, siderurgia e metalurgia e têxtil também apresentam número expressivo
de organizações que foram incluídas na amostra selecionada, que diz respeito ao
total de 226 companhias que disponibilizaram os relatórios em todo o período,
de 2004 a 2009.
Para a análise de conteúdo, foi utilizado o software QSR NVivo, específico para
a análise de dados qualitativos, apresentados em formato texto ou imagem. A
inserção dos relatórios no software foi segregada por empresa, ano, país, setor
de atividade e tipo de relatório. A seguir foi feita a codificação dos dados no
software, por meio da identificação e da classificação de cada sentença que
estivesse relacionada com cada item categorizado no Quadro_2.
A codificação foi acumulada e controlada individualmente para cada item/
categoria, por relatório, empresa, ano e setor. Os resultados dessa compilação
podem ser visualizados de forma individual, por empresa, grupos, setores,
períodos ou tipos de relatórios, graficamente ou em formato de quadros ou
tabelas. Em razão das limitações de espaço, optou-se pela visualização gráfica
por quantificação desses itens, considerando-se a extensão dos dados e períodos
analisados. Após a codificação dos dados, começaram os trabalhos de conferência
e revisão, para posterior análise dos resultados, apresentados na próxima
seção.
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
Nesta seção são apresentados os resultados por categoria de análise: diálogo
comstakeholders, governança corporativa, desempenhos ambiental e social e
desempenho econômico.
4.1. Diálogo com stakeholders
O referencial teórico indicou que os grupos de stakeholders têm vários
interesses em relação às organizações, além de habilidades para influenciar o
comportamento delas. Entre as pessoas ou grupos de stakeholders que recebem
respostas das organizações via relatórios socioambientais, estabelecendo assim
um diálogo com as partes interessadas, destacam-se: acionistas, empregados,
governo, clientes, fornecedores e a comunidade que vive no entorno desses
empreendimentos.
A abordagem para o engajamento de stakeholders identificada com maior
frequência nos relatórios de sustentabilidade diz respeito à avaliação via
questionário, contudo, essa é uma prática muito restrita a pouquíssimas
organizações latino-americanas.
A análise permitiu verificar que as companhias estabelecidas no Brasil foram as
que mais destacaram o assunto em todo o período analisado, embora esses
resultados tenham apresentado declínio a partir de 2008. A seguir, as
companhias argentinas e chilenas indicaram alguma preocupação em divulgar suas
políticas voltadas para stakeholders. No caso do México e do Peru, as
organizações desses países foram as que menos enfatizaram o assunto nos seus
relatórios, como mostra o Gráfico_1.
[/img/revistas/rausp/v48n4/a15gra01.jpg]
Observa-se grande variação na divulgação de informações sobre o diálogo com
stakeholdersao longo do período de análise. No Brasil e no Chile, essas
informações passaram a ser divulgadas de modo decrescente a partir do ano de
2008. Na Argentina, o assunto apresentou algum avanço em 2008, mas voltou a uma
tendência decrescente a partir de 2009. Entre as companhias estabelecidas no
México, ocorreram grandes variações em todo o período de análise, ainda com
foco pouco significativo sobre o assunto. No Peru, o tema começou a ser
divulgado em relatórios das companhias a partir de 2007 e verificou-se baixa
frequência na divulgação de informações, pois as organizações do país não
apresentaram uniformidade ao longo do período.
Verificou-se que os relatórios de sustentabilidade são direcionados para
diversos grupos, também identificados por vários autores, como Fransen e Kolk
(2007), que, numa revisão do que as organizações consideram interação com
stakeholders nos seus relatórios anuais, indicaram como aquelas tendem a tratar
grupos divergentes de interação: reuniões com ativistas; respostas a cartas ou
telefonemas de grupos políticos; convites para participar de conferências;
solicitação ocasional da opinião de algum representante desses grupos; e
criação de divisões de stakeholderspara comentar padrões de governança e
monitoramento interno.
Apesar de ser um assunto embrionário nos relatórios das organizações
estabelecidas na América Latina, o diálogo com stakeholders tem se estabelecido
como uma iniciativa justificada por aquelas companhias que buscam maior
aproximação numa tentativa de diálogo, para o gerenciamento dos seus
stakeholders considerados mais relevantes.
Os assuntos abordados nessa categoria são direcionados para diversos
stakeholders: acionistas, funcionários, clientes, fornecedores, governos, ONGs
e comunidades. Dessa forma, e partindo do pressuposto de que os relatórios
socioambientais divulgados pelas companhias são direcionados para os seus
stakeholders, observa-se que a análise sobre o assunto na América Latina está
em consonância com os achados em estudos anteriores sobre o tema em outras
regiões.
4.2. Governança corporativa
O Gráfico_2 apresenta os resultados consolidados para esta categoria. O Brasil
é o país que mais avançou a respeito do assunto na América Latina e, graças aos
seus esforços, também é o país que apresentou o maior número de organizações
que dedicaram grande espaço a essa temática nos seus relatórios. Na sequência,
as companhias estabelecidas no México também enfatizaram bastante o assunto,
com destaque para as organizações dos setores de mineração, comércio varejista
e bebidas.
[/img/revistas/rausp/v48n4/a15gra02.jpg]
As companhias argentinas deram pouco destaque ao tema, o que reflete a recente
dedicação e o esforço do país em prol de uma boa governança corporativa.
Companhias dos setores de transporte rodoviário, siderurgia e metalurgia e
distribuição de gás foram as que mais enfatizaram o assunto. No caso do Chile,
essa categoria também recebeu pouca ênfase, com exceção de algumas empresas dos
setores de bebidas, saneamento, papel e celulose e comércio varejista. Por
último, as companhias peruanas dos setores de mineração e construção deram
algum destaque às informações sobre governança corporativa nos seus relatórios,
mas, entre os países analisados, esse foi o que apresentou menor destaque ao
tema.
Verifica-se a grande ênfase que o assunto recebeu ao longo do período
analisado, principalmente entre companhias estabelecidas no Brasil. No México,
embora o assunto tenha sido divulgado de forma crescente até 2008, a partir de
2009 ocorreu uma forte queda na divulgação de informações sobre essa categoria.
Nos demais países, o assunto é muito incipiente, apresentando poucas
informações entre as companhias componentes da amostra.
As privatizações, a concentração patrimonial, os grandes grupos, a
internacionalização e as limitações dos mercados de capitais estão entre as
principais razões que caracterizam o modelo latino-americano de governança
corporativa ainda pouco desenvolvido, como ressaltaram Andrade e Rossetti
(2009).
4.3. Desempenhos ambiental e social
Identifica-se forte participação da sociedade civil na América Latina para
promoção e disseminação de ações socioambientais entre as organizações
empresariais, fundações e associações. Entretanto, ainda persiste a vinculação
de responsabilidade social corporativa à prática de filantropia, principalmente
nos seguintes países: Argentina, Chile, México e Peru.
No Brasil, há maiores profissionalização e organização dessas atividades
voltadas para a padronização das ações de responsabilidade social, além da
adesão de parte significativa do setor empresarial. O Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas (GIFE), o IBASE e o Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social são importantes organizações e exercem papeis-chave na
difusão do tema no País. O ambiente acadêmico brasileiro também tem apresentado
muito interesse sobre o assunto, confirmado pela imensa produção de artigos,
dissertações e teses sobre o tema nas últimas décadas.
Há grande diversidade de diretrizes voluntárias para elaboração e divulgação de
relatórios socioambientais. As diretrizes GRI são as mais conhecidas em nível
mundial, além de terem grande aceitabilidade. Entretanto, poucas companhias
latino-americanas têm utilizado tais diretrizes para a elaboração dos seus
relatórios.
Nos últimos anos, as companhias brasileiras tiveram a iniciativa de divulgar o
relatório denominado balanço social, muito difundido no País, e que atualmente
é utilizado por número expressivo de companhias. No entanto, a partir de 2006
as organizações passaram a utilizar outras diretrizes, ou mesmo a mudar o nome
do relatório para socioambiental ou relatório de responsabilidade social
corporativa e, mais recentemente, relatório de sustentabilidade.
As ações socioambientais divulgadas pelas companhias estabelecidas na América
Latina foram segregadas entre as categorias de análise em dois grandes grupos:
desempenho ambiental e desempenho social.
4.3.1. Desempenho ambiental
A variável ambiental tem recebido grande atenção e os resultados de muitos
estudos revelaram que as companhias que operam em setores que fazem o uso
intensivo de recursos naturais são as que mais divulgam esse tipo de informação
nos seus relatórios anuais (Ponte & Oliveira, 2004; Rover, Murcia, &
Borba, 2008; Rover, 2009).
As companhias brasileiras são líderes na divulgação de informações sobre o
desempenho ambiental das suas atividades, e apresentaram um destacado
crescimento na ênfase de informações sobre esta categoria a partir de 2005,
apesar de apresentarem também uma tendência decrescente a partir de 2008, como
mostra o Gráfico_3. Em todos os aspectos analisados, verificou-se que as
organizações têm envidado esforços para a divulgação dos seus investimentos na
área, com destaque para informações sobre gestão ambiental, certificação e
emissões de efluentes líquidos.
[/img/revistas/rausp/v48n4/a15gra03.jpg]
Observa-se que, nos demais países analisados, a divulgação de informações sobre
o desempenho ambiental das organizações segue num nível baixo de aderência às
diretrizes GRI e não apresenta grandes destaques ao longo do período de 2004 a
2009. No Chile, as discussões sobre responsabilidade social corporativa é muito
mais recente do que nos demais países da região. As companhias dos setores de
papel e celulose, energia e saneamento deram maior destaque a esta categoria,
principalmente para informações sobre certificação e legislação ambiental.
Somente algumas companhias argentinas dos setores de distribuição de gás e
energia divulgaram informações sobre emissões e tratamento de efluentes nos
seus relatórios.
Apesar de o México ser a segunda maior economia da América Latina e o terceiro
país em número de companhias componentes da amostra, elas ainda dão pouco
destaque às informações ambientais nos seus relatórios. A responsabilidade
social corporativa parece ter avanços limitados no México, sendo promovida com
algum avanço por número reduzido de empresas locais, e também há pouco tempo
que o tema começou a ser desvinculado de filantropia.
O Peru segue com o grupo de companhias que menos enfatizaram informações sobre
esta categoria nos seus relatórios, com algum destaque para organizações do
setor de mineração.
Em seus relatórios, as companhias não divulgam com muita frequência informações
sobre o consumo de energia, água e/ou projetos para redução do consumo de
recursos naturais. Considera-se esse aspecto muito importante, tendo em vista a
necessidade de controle dos gastos com recursos naturais, cada vez mais
escassos, e essas informações são esperadas pela sociedade (Carroll, 1979;
Freeman, 1984; Wood, 1991; Werther Jr. & Chandler, 2006; Hopkins, 2007).
4.3.2. Desempenho social
Nesta categoria, as companhias brasileiras deram grande destaque às questões
trabalhistas e sociais. Entretanto, informações sobre direitos humanos ainda
recebem pouca ênfase. Entre os aspectos que receberam maior atenção das
companhias, citam-se: emprego, saúde e segurança, treinamento e desenvolvimento
profissional dos empregados.
O assunto responsabilidade sobre o produto ainda recebe pouca atenção das
organizações, que focaram essencialmente as informações sobre o atendimento e o
relacionamento com clientes. Temas importantes como saúde e segurança dos
clientes receberam pouco destaque entre as organizações analisadas. Quanto aos
investimentos na sociedade, esse item foi o mais enfatizado pelas companhias
brasileiras, com grandes detalhamentos sobre investimentos em projetos sociais,
ambientais, parcerias público-privadas, atividades culturais, esportivas e
educacionais.
O reconhecimento público e as premiações recebidas pelas organizações
relacionadas com suas atividades socioambientais recebem grande destaque nos
relatórios das companhias brasileiras, cujo objetivo é associar os resultados
desses investimentos com sua imagem de socialmente responsável. Observa-se
também que os vários rankings e premiações criados por associações empresariais
no País têm estimulado essa corrida para estar entre as melhores e maiores
companhias quanto a esta temática.
No Chile o assunto é enfatizado de forma crescente entre as companhias de
capital aberto, principalmente dos setores de papel e celulose, saneamento,
energia elétrica e mineração. Os investimentos em saúde e segurança dos
empregados, seguidos do aspecto emprego, estão entre os itens mais citados nos
relatórios das organizações chilenas. A aproximação com o público externo é
confirmada pelo grande destaque dado aos investimentos na sociedade,
principalmente as políticas e o monitoramento da aplicação desses investimentos
em projetos socioambientais.
As associações empresariais locais também têm incentivado a participação em
premiações em âmbito nacional e, consequentemente, é grande o número de
companhias chilenas que têm dado destaque aos prêmios recebidos relacionados às
suas atividades socioambientais nas comunidades locais.
Os resultados dessa categoria no âmbito das companhias argentinas indicam forte
participação dos setores de distribuição de gás e telecomunicações, com
destaque para os seguintes indicadores: saúde e segurança e treinamento e
educação. Da mesma forma que nos demais países, os investimentos na sociedade
receberam grande destaque nos relatórios das organizações.
No México as informações sobre investimentos sociais receberam pouco destaque
nos relatórios das companhias. Alguma ênfase foi dada aos aspectos emprego,
saúde e segurança, principalmente por organizações dos setores de mineração,
bebidas e comércio varejista. Entretanto, o assunto investimentos na sociedade
foi campeão em relação à extensão de informações divulgadas entre os relatórios
analisados, com forte ênfase nos investimentos sociais gerenciados por
fundações.
O Peru foi novamente o país que menos se destacou nesta categoria. Alguma
ênfase foi dada aos investimentos na sociedade por companhias do setor de
mineração. O Gráfico_4 apresenta a evolução da divulgação dessas informações
por país ao longo do período analisado. Observa-se que o assunto recebe grande
atenção entre as companhias brasileiras e, nos demais países, o assunto ainda é
incipiente, recebendo pouco destaque entre os relatórios analisados, além da
tendência decrescente a partir de 2008, nas companhias de todos os países
componentes da amostra.
[/img/revistas/rausp/v48n4/a15gra04.jpg]
A ênfase em valores sociais com uma visão positiva das ações das empresas
ocorre com maior frequência na divulgação de relatórios para o grande público.
Essa conduta é alvo de críticas, já que as empresas não consideram os aspectos
negativos dos seus negócios, principalmente por falta de lei específica. Por
outro lado, o investimento em ações socioambientais contribui para a
valorização da imagem corporativa, além de proporcionar ganhos estratégicos
para as organizações.
4.4. Desempenho econômico
As informações sobre o desempenho econômico no formato recomendado pelos
indicadores GRI foram pouco enfatizadas pelas companhias analisadas. No Brasil,
o tema passou a ser divulgado com menor ênfase a partir de 2006, e, no México,
ocorreu uma queda acentuada na divulgação dessas informações a partir de 2008.
O Gráfico_5 mostra os resultados consolidados para esta categoria por país.
[/img/revistas/rausp/v48n4/a15gra05.jpg]
Somente os riscos econômicos receberam grande atenção das organizações. Em
todos os países, esses riscos referem-se principalmente aos relacionados com as
atividades das companhias, situação econômica do país e riscos de maior rigor
da legislação ambiental. No caso das companhias com operações em outros países,
muitas também citaram os riscos econômicos daqueles, com destaque para
possíveis problemas com instabilidades econômicas locais. O Brasil segue como o
que teve o maior número de companhias a enfatizar o assunto, seguido do México.
Na Argentina e no Chile o assunto recebe pouca ênfase entre as organizações
estabelecidas naqueles países e, no caso do Peru, não foram identificadas
quaisquer informações que pudessem ser classificadas na categoria de análise
despenho econômico ao longo de todo o período de análise.
Observa-se que a utilização das diretrizes GRI entre as companhias latino-
americanas ainda é muito reduzida. A maioria dessas organizações utiliza
parcialmente as diretrizes recomendadas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação apresentada teve como objetivo analisar comparativamente as
informações socioambientais divulgadas por companhias latino-americanas
estabelecidas nos seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, México e Peru.
Foram utilizadas as diretrizes voluntárias da GRI como escopo para analisar o
conteúdo dos relatórios anuais, relatórios de sustentabilidade e Formulários
20F, disponibilizados pelas organizações nos seus websites ou nas Bolsas de
Valores em que negociam suas ações. Os Formulários 20F são específicos das
organizações que não são norte-americanas ou canadenses, mas têm suas ações
cotadas na Bolsa de Valores de New York.
Para responder ao problema, foi efetuada uma análise de conteúdo das
informações socioambientais divulgadas por uma amostra de 226 organizações, ao
longo do período de 2004 a 2009, segregadas por país, empresa, setor e ano.
Os resultados da pesquisa revelaram que a maioria das companhias de capital
aberto não disponibiliza informações socioambientais nos seus relatórios anuais
ou em relatórios específicos sobre o tema. Entretanto, as organizações
estabelecidas no Brasil são as que mais destacam o tema nos seus relatórios.
O referencial teórico indicou as várias influências históricas que contribuíram
para esse resultado, como a organização e a adesão do setor empresarial à
questão socioambiental, além do apoio de ONGs que se especializaram em difundir
o tema. O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, além de outras
entidades como IBASE e GIFE, exerceram e exercem papel fundamental na difusão e
na profissionalização dessas ações entre as companhias brasileiras.
Nos demais países o assunto ainda é incipiente, apesar de haver várias
instituições locais voltadas para a participação empresarial na elaboração e na
divulgação de relatórios, que começaram a ser divulgados há poucos anos.
Observou-se também que, até o momento, há poucos trabalhos acadêmicos
amplamente difundidos em bases de dados acadêmicas internacionais que destacam
a evolução do tema entre os países latino-americanos.
No âmbito das multinacionais que operam na América Latina e que foram
selecionadas para este estudo, percebeu-se maior concentração delas na
Argentina, no Chile e no Peru. Entre esses países, as multinacionais foram as
que mais divulgaram informações socioambientais nos relatórios analisados.
Outro resultado importante obtido foi a verificação de que os relatórios de
sustentabilidade são direcionados para diversos grupos de stakeholders. Apesar
de ser ainda um assunto embrionário nos relatórios das organizações
estabelecidas na América Latina, o diálogo com stakeholders tem se estabelecido
como uma iniciativa justificada por aquelas companhias que buscam maior
aproximação com seus públicos, numa tentativa de diálogo, para o gerenciamento
daqueles que são considerados os mais relevantes.
Quanto à evolução e à forma de divulgação de informações socioambientais, os
resultados demonstraram que o relatório anual é o principal canal utilizado
pelas companhias para destacar tais informações, seguido do relatório de
sustentabilidade, divulgado como parte do relatório anual ou como uma
publicação específica.
Portanto, a principal contribuição desta pesquisa foi identificar, analisar e
sistematizar as informações socioambientais divulgadas por uma amostra
representativa de companhias estabelecidas em cinco países latino-americanos,
ao longo de um período de seis anos.
Futuras pesquisas sobre as demandas dos stakeholders internos e externos
poderiam ser conduzidas, pois os seus resultados podem apresentar importantes
revelações sobre como as companhias respondem às pressões de várias partes
interessadas. Estudos sobre o impacto das pressões de stakeholders sobre outras
dimensões da responsabilidade social corporativa podem beneficiar a
identificação da natureza das demandas dos stakeholders e como eles afetam a
conduta socioambiental das organizações.
Os relatórios de sustentabilidade são divulgados voluntariamente pelas
organizações e, por isso, há muitas críticas quanto ao problema da falta de
transparência desses relatórios. Poderiam ser investigadas outras formas de
aumentar a transparência deles e a inclusão da participação dos stakeholders na
avaliação dos relatórios poderia ser ampliada, por exemplo.
Atualmente, há um crescente foco em discussões sobre as imagens contidas nos
relatórios anuais e relatórios de sustentabilidade. Assim, recomenda-se para
futuros estudos a análise dessa forma de comunicação das organizações para com
os seus diversos públicos quanto às mensagens que tentam transmitir sobre suas
ações de responsabilidade socioambiental.
Trabalhou-se somente com sociedades anônimas de capital aberto. Como o mercado
financeiro dos países latino-americanos não é muito expressivo em relação ao
número de companhias a ter suas ações negociadas em Bolsas de Valores, os
resultados da pesquisa dizem respeito somente àquelas organizações. Assim,
recomenda-se para futuros estudos a condução de pesquisas sobre o tema no
âmbito das sociedades anônimas de capital fechado e sociedades por cotas de
responsabilidade limitada que também podem disponibilizar voluntariamente
relatórios de sustentabilidade nos seus websites.
Vale ressaltar que o objetivo das recomendações aqui elencadas é a contribuição
para o desenvolvimento do tema entre os acadêmicos e os profissionais da área
de Administração, com vistas ao desenvolvimento de práticas de gestão
coerentes com os objetivos do desenvolvimento sustentável, dentre eles a
comunicação transparente e a prestação de contas aos diferentes grupos de
interesse da organização.