O papel mediador entre confiança e desempenho organizacional
1. INTRODUÇÃO
Confiança tem sido o foco de vários estudos da teoria organizacional (Arrow
1969, 1974; Barber, 1983; Granovetter, 1985; Gambetta, 1988; Burt, & Knez,
1995; Mayer, Davis, & Schoorman, 1995; Lane, & Bachmann, 1996, 1998;
Dirks, & Ferrin, 2001; Zanini, 2005, 2007, 2011). Nos últimos anos, a
confiança tem continuado como um tema que desperta grande interesse entre
estudiosos e pesquisadores das organizações (Cook, Hardin, & Levi, 2005;
Bachmann, & Zaheer, 2006; Frankel, 2006; Kramer, & Cook, 2006; Reina,
& Reina, 2006; Schoorman, Mayer, & Davis, 2007; Cook, Levi, &
Hardin, 2009; Dirks, Lewicki, & Zaheer, 2009). Como resultado desse
interesse, várias contribuições têm surgido de outras disciplinas das ciências
sociais, incluindo ciência política, antropologia, sociologia, psicologia e
economia (Cook et al., 2009). No Brasil, a partir de 2005, pode-se observar uma
grande quantidade de estudos empíricos e teóricos sobre o tema, na forma de
artigos e dissertações (Lazzarini, Madalozzo, Artes, & Siqueira, 2005;
Zanini, 2005; Cunha, & Melo, 2006; Zanini, 2007, 2011; Zanini, &
Almeida, 2009; Andrade, Rezende, Salvato, & Bernardes, 2011; Iwai, 2011;
Frederico, 2012).
Entendendo que as organizações consistem basicamente em estruturas burocráticas
e hierárquicas, a confiança torna-se um mecanismo informal para a coordenação e
o controle da rotina organizacional (Ripperger, 1998; Wolff, 2000; Zanini,
2007, 2011). A existência de confiança nas relações burocráticas expande
consideravelmente o potencial de produzir relações cooperativas e eficiência
gerencial, por meio do aumento do controle gerencial gerado por um mecanismo
informal (Zanini, 2007). Segundo Ripperger (1998), a presença da confiança nas
relações interpessoais dentro da organização permite a redução do controle
hierárquico formal, enquanto expande as possibilidades do emprego do
conhecimento com maior grau de autonomia, facilitando a eliminação de
redundâncias e processos imperfeitos e permitindo a melhoria contínua pela
redução dos custos de transação. Assim, a confiança tem sido abordada como um
elemento de coordenação informal essencial para a gestão das organizações
(Wolff, 1996; Zanini, 2011).
A relação entre a variável confiança e muitas das variáveis do desempenho
organizacional tem sido comprovada em diversos estudos. A existência de
confiança entre os membros de uma empresa pode contribuir de forma
significativa para o aumento da eficiência das diversas tarefas organizacionais
(Dirks, & Ferrin, 2001, 2002). Sua relevância tem sido observada
principalmente nas tarefas mais específicas e complexas, que envolvem maior
risco e incerteza (Luhmann, 1980, 2000; Ouchi, 1980; Coleman, 1990; Adler,
2001; Dirks, & Ferrin, 2001). O papel informal da confiança na coordenação
e no controle de diversas tarefas da organização tem sido observado, por
exemplo, quando facilita o processo de transferência do conhecimento (Roberts,
2000; Rolland, & Chauvel, 2000; Mesquita, & Lazzarini, 2008; Jensen,
& Webster, 2009), melhora a eficiência e a produtividade organizacional
(Akerlof, 1970; Arrow, 1974; Ouchi, 1980; Ring, & Van De Ven, 1992;
Bradach, & Eccles, 1998; Lane, & Bachmann, 1998; Sako, 1998) e diminuiu
os custos de transação (Kreps, 1990; Chiles, & McMackin, 1996; Butter,
& Mosch, 2003; Argyres, & Mayer, 2007; Andrade et al., 2011). Segundo
estudos empíricos realizados sobre o tema, quando existe relação de confiança
entre as pessoas, cresce a probabilidade de trocas e compartilhamento de
informações, reduzem-se os conflitos e aumentam a satisfação e a motivação
(Dirks, & Ferrin, 2001). Igualmente, diminuem os custos relacionados à
aplicação excessiva de instrumentos burocráticos de segurança como
monitoração, regras e procedimentos formais. Nesse sentido, confiança pode agir
ainda como um elemento facilitador em disputas para tomada de decisão, permitir
maior flexibilidade de gerenciamento e diminuir a necessidade de mecanismos de
controle (Xavier Molina-Morales, Teresa Martínez-Fernández, & Torló, 2011;
Horta, Demo, & Roure, 2012). Como afirma Luhmann (1980), as relações de
confiança geradas por normas sociais podem aumentar a eficiência das
interações, operando como um mecanismo de redução de incertezas.
Muitos dos trabalhos acima relacionados ao tema apresentam a confiança como uma
variável influenciando ou sendo influenciada por uma ou mais variáveis do
desempenho organizacional. Falta, no entanto, uma perspectiva que possa ajudar
a aprofundar mais o entendimento e a discussão sobre a relação entre confiança
interpessoal e desempenho organizacional. Nesse sentido, no presente artigo,
propõe-se a avançar nesta discussão: Como se pode melhor compreender a relação
entre confiança interpessoal e desempenho organizacional? Essa é a pergunta
investigativa que pauta a reflexão teórica, cuja relevância jaz no resgate e
avanço da discussão sobre esse construto, conforme sugerido por Zanini (2011).
Utilizando como metodologia de pesquisa a análise bibliográfica, buscou-se
avaliar, na perspectiva econômica, a relação entre essas variáveis a partir da
análise do papel da confiança na coordenação informal dos contratos relacionais
(1).
Para melhor compreender esse mecanismo social e suas consequências dentro das
organizações, apresenta-se este artigo em seis seções. Na primeira, apresenta-
se a introdução; na segunda seção, faz-se uma introdução sobre a confiança na
perspectiva econômica; na terceira, define-se e ilustra-se o elemento confiança
como um mecanismo de coordenação informal dentro das organizações. Na quarta
seção, apresentam-se uma definição e a análise dos contratos relacionais e a
confiança como seu elemento central. Na quinta seção, apresenta-se a relação
entre confiança e desempenho organizacional. Finalmente, na ultima seção deste
artigo, apresentam-se as conclusões.
2. CONFIANÇA NA PERSPECTIVA ECONÔMICA
Para melhor compreender a relação entre confiança e desempenho organizacional,
adotou-se uma abordagem econômica. Segundo Williamson (1985, 1996), comparada
com outras ciências sociais, a abordagem econômica para as organizações é mais
"calculativa", podendo auxiliar na melhor compreensão dessa relação. Gibbons
(2000) observa que o conceito "calculativo" da confiança baseado na Teoria da
Decisão Racional torna-se útil para os estudos econômicos sobre o tema, apesar
de o autor reconhecer igualmente que há mais sobre confiança do que um conceito
meramente "calculativo". No entanto, afirma que tal conceito é importante para
o estudo da confiança na atividade econômica (Gibbons, 2000, p. 20). Dessa
forma, Gibbons (2000) observa que a perspectiva econômica busca compreender e
abordar a confiança em termos econômicos, não rejeitando, porém, uma melhor
compreensão social e relacional do objeto, igualmente importante para a
economia. O foco em motivos meramente econômicos torna-se importante para
construir um entendimento mais completo sobre os elementos da confiança nas
questões econômicas, permitindo que pesquisadores, economistas e gestores
possam compreender melhor, por exemplo, os efeitos da confiança nas
hierarquias, como um mecanismo informal, como é o objetivo neste trabalho.
Ripperger (1998), sob a perspectiva econômica, entende que confiança é
relacional e compreende um estado psicológico que reconhece bases cognitiva e
afetivo-emocional como aspectos motivacionais para a decisão das pessoas em se
engajarem em ações cooperativas. A autora observa que, mesmo quando se
desenvolve sob forte base emocional, a confiança consiste em reações
desenvolvidas sobre uma compreensão cognitiva. Uma vez que são desenvolvidas
como reações de estruturas cognitivas, as emoções possuem um caráter
compreensível. Assim, na perspectiva econômica, a compreensão cognitiva da
confiança torna-se relevante. Como Hardin (1998, p. 11) afirma, "confiança é
fundamentalmente cognitiva. Confiar ou desconfiar dos outros é ter alguma
pressuposição de conhecimento sobre eles". Outra propriedade fundamental da
confiança, largamente reconhecida por estudiosos de diversas áreas, é a ideia
do risco comportamental (Luhmann, 1980; Wolff, 2000; Dirks, & Ferrin, 2001;
Zanini, 2007; Gillespie, & Dietz, 2009), o que, na perspectiva econômica,
pode ser traduzido em custo (Wolff, 2000, p. 1). Quanto mais existir o perigo
do comportamento de risco e o oportunismo, mais a confiança se torna uma
valiosa alternativa para a coordenação das hierarquias em sistemas econômicos.
Na perspectiva econômica, compreende-se a confiança como um mecanismo
complementar, e não substituto, na relação com outros mecanismos formais de
gestão (Luhmann, 1980; Ouchi, 1980; Van De Ven, & Walker, 1984; Zucher,
1986; Aulakh, Kotabe, & Sahay, 1996; Bradach, & Eccles, 1998; Zanini,
& Almeida, 2009, Zanini, 2011). Em outras palavras, confiança (como um
mecanismo informal) não é compreendida como uma opção equivalente à adoção de
mecanismos formais de gestão, mas como um mecanismo complementar que deverá
coexistir com eles. Nesse sentido, Van de Ven e Walker (1984) e Aulakh et al.
(1996) concluem, em seus estudos empíricos, que o uso do controle formal tem
consequências negativas nas relações de confiança entre agentes de interação.
Os autores afirmam que a monitoração é compreendida como falta de confiança e,
consequentemente, tem efeitos negativos para as relações entre as pessoas.
Nesse sentido, Luhmann (1980) observa que o uso de sanções legais é geralmente
percebido como incompatível com as relações de confiança. O autor observa que
normas legais, quando empregadas, não substituem a função social da confiança;
ao contrário, acabam por dirigir a expectativa dos atores sociais para formas
de comportamentos menos cooperativas. Assim, Ouchi (1980) argumenta, observando
a presença da confiança e do controle formal em diferentes níveis, que a
análise dessa relação deverá definir formas mais eficientes de governança das
organizações. Geralmente, a perspectiva econômica permite que se observem duas
formas possíveis para analisar a eficiência da confiança e a consequente
redução dos custos de transação. A primeira é compreender a confiança como um
elemento que inibe o oportunismo e promove relações mutuamente benéficas, por
motivar as pessoas a cooperarem umas com as outras sem a presença de mecanismos
de controle e monitoração. Nesse caso, o mesmo resultado poderá ser alcançado
de forma mais eficiente, a menores custos. A segunda é entender a confiança
como um elemento que pode promover vantagem competitiva para se alcançarem
resultados superiores, quando a confiança passa a tornar-se um elemento
fundamental para se alcançarem os objetivos corporativos. Nesse caso, o
resultado poderá ser maior. Assim, a decisão gerencial pela adoção de um estilo
de gestão que favoreça as relações de confiança deverá observar a melhoria da
eficiência organizacional. A decisão por adotar tal estilo de gestão irá
solicitar investimentos na construção e manutenção de um contexto
organizacional que favoreça a cooperação espontânea entre agentes, baseado em
regras que sejam percebidas como mutuamente benéficas (Zanini, 2011).
3. CONFIANÇA COMO MECANISMO DE COORDENAÇÃO INFORMAL
Hardin (1998) afirma que relacionamentos de confiança são constituídos por:
* características pessoais de quem realiza um investimento de confiança '
aqui se denomina A o indivíduo que confia;
* características pessoais de quem recebe o investimento de confiança '
aqui se denomina B o indivíduo que recebe o investimento de confiança;
* específico contexto transacional em que ocorre determinada relação de
confiança ' denominado X.
De acordo com Hardin (2002), a confiança consiste em um "interesse
encapsulado", no sentido de que as expectativas do indivíduo que confia (A)
estão baseadas na percepção que ele possui das reais motivações do indivíduo
que recebe o investimento de confiança (B). Assim, mesmo que esses indivíduos
possuam divergência na maioria de seus incentivos e interesses, a existência de
algum ponto comum de interesse poderá estimular A a realizar um investimento de
confiança em B. Além disso, Hardin (1998) reconhece a importância do contexto
social. Segundo ele, dependendo do contexto específico X, pessoas possuem mais
ou menos incentivos para realizar investimentos de confiança. É importante
observar que uma relação de confiança pode estabelecer-se sobre bases
diferentes, de formas diferentes e em níveis diferentes: pode-se confiar nas
pessoas de uma forma constante, para várias questões, ou confiar uma única vez,
somente em relação a uma questão específica.
Na mesma linha de Hardin e de maneira complementar, Ripperger (1998) apresenta
um trabalho que vai além da pura Teoria da Decisão Racional para construir um
melhor entendimento sobre as relações de confiança, utilizando alguns
pressupostos na forma de estados psicológicos. Ripperger (1998) contribui para
um melhor entendimento sobre os investimentos de confiança em ações
cooperativas, assumindo duas condições que precisam ser satisfeitas para haver
uma relação de confiança: primeiro, a coexistência de uma expectativa de
confiança e, num segundo momento, uma ação baseada em confiança. Para a autora,
a existência desses dois componentes centrais caracteriza uma relação de
confiança. Segundo Ripperger (1998), uma expectativa de confiança é definida
como a expectativa de quem confia (A) em outra pessoa (B), acreditando que ela
estará de fato motivada a não agir de forma oportunista. Assim, uma ação
baseada em confiança é um investimento voluntário da pessoa que confia (A), na
forma de ação concreta, sob situação de risco comportamental, sem recorrer a
nenhum mecanismo explícito de segurança ou controle.
Ainda, conforme essa análise, confiança não pode ser entendida somente como uma
predisposição ou expectativa, mas deve concretizar-se necessariamente em uma
ação que envolve risco comportamental. Tal expectativa de confiança manifesta-
se por meio de um estado subjetivo inicial, ou uma reação emocional, traduzido
em uma condição cognitiva racional. Dessa forma, um indivíduo consegue avaliar
e calcular sua predisposição em engajar-se numa determinada situação que
envolva risco relativo ao comportamento de outro. Ripperger (1998) define
confiança como aceitação voluntária e antecipada de um investimento de risco,
pela abdicação de mecanismos contratuais explícitos de segurança e de controle,
na expectativa de que a outra parte não agirá de forma oportunista. De acordo
com Ripperger (1998), a expectativa de confiança, que é o pressuposto para uma
ação baseada em confiança, baseia-se na percepção subjetiva do indivíduo que
confia (A) das reais motivações (autointeresses percebidos) do indivíduo que
recebe o investimento de confiança (B), em corresponder a seu investimento.
Assim, complementando Hardin (2002, p. 3), o indivíduo que recebe o
investimento de confiança (B) "encapsula" os interesses do indivíduo que confia
(A) de forma a agir de maneira confiável.
De acordo com Ripperger (1998), a expectativa de confiança, na forma de um
estado psicológico é constituída por dois elementos de forma dualística: um
aspecto emocional e um aspecto cognitivo. Esses dois componentes coexistem e
podem prevalecer um sobre o outro, de acordo com as pessoas com quem se
interage e as situações específicas. Por vezes, uma expectativa de confiança
está baseada mais em aspectos emocionais. Outras vezes, essa expectativa estará
baseada mais em aspectos cognitivos. Dessa forma, agentes de interação poderão
estar motivados de forma diferente, sobre bases mais emocionais ou mais
cognitivas, de acordo com determinada pessoa ou grupo de pessoas, situações,
contextos ou circunstâncias.
Ripperger (1998) comenta que a base cognitiva traz às expectativas do indivíduo
que confia (A) a capacidade de calcular o risco relativo em determinada
situação. Por outro lado, a base emocional traz aspectos afetivos e emocionais
às expectativas do indivíduo que confia (A). Segundo a autora, o aspecto
emocional de uma expectativa de confiança não pode ser rejeitado na análise das
motivações para a realização de um investimento de confiança porque traz em si
um aspecto fundamental e inerente a uma relação de confiança: a crença. Essa
crença é necessária para superar a informação imperfeita causada pelas
incertezas de uma penetração intelectual limitada de A, o indivíduo que confia,
sobre as reais motivações de B, o indivíduo que recebe o investimento de
confiança. No entanto, Ripperger observa que os elementos emocionais são
reações desenvolvidas sobre uma compreensão cognitiva. Sentimentos pessoais
construídos sob reações emocionais são desenvolvidos sobre uma compreensão
cognitiva relativa às situações específicas. Como se desenvolvem como reações
sobre estruturas cognitivas em situações específicas, emoções possuem um
caráter compreensivo. Assim, embora cada expectativa de confiança traga em si
aspectos cognitivos e emocionais, os aspectos cognitivos são preponderantes na
análise das motivações e reações do indivíduo que recebe o investimento de
confiança (B). Consequentemente, uma vez que uma relação de confiança é
atribuída basicamente às motivações de B (acessado de forma imperfeita pela
percepção de A), cada evento de confiança deve primeiramente ser reconhecido
pelas reais motivações de B, mesmo que sob fortes circunstâncias emocionais. A
Figura_1 ilustra a construção da expectativa de confiança baseada na percepção
subjetiva de A, sobre as motivações que B possui em honrar ou desonrar o
investimento de confiança. As estruturas cognitivas e emocionais de A são
influenciadas: pelas formas de percepção e características objetivas de
determinada situação; pela informação adquirida de interações com B no passado
(em forma de reputação); pelas informações sobre a específica situação no
presente. Nesse sentido, observa-se um filtro que separa a percepção de A sobre
as motivações de B, e as reais motivações de B. Com isso, pode-se reconhecer
aqui o conceito de informação assimétrica nas relações de confiança. Assim,
pode-se compreender que se realiza uma avaliação das outras pessoas com quem se
interage com base na informação limitada que se tem sobre suas reais motivações
("interesses encapsulados") em agirem de forma a honrar o investimento de
confiança.
A expectativa de confiança existe potencialmente, mesmo antes de se realizar
uma ação concreta baseada nessa expectativa, na forma de certo grau de
confiabilidade. Por essa razão, pode-se entender que A possui uma expectativa
no comportamento de B, independentemente da realização de uma ação concreta
baseada em confiança. Dessa forma, pode-se entender que A possui certa
predisposição de engajar-se voluntariamente em uma específica situação de risco
com B, independentemente das chances de interação entre ambos. Essa expectativa
de confiança pode ser entendida como um elemento de motivação informal para uma
possível ação concreta baseada em confiança.
4. CONTRATOS RELACIONAIS BASEADOS EM CONFIANÇA
Tendo analisado o mecanismo da confiança entre agentes de interação na seção
anterior, passa-se aqui a melhor compreender sua função nos contratos
relacionais(2). Confiança é reconhecida como um elemento central para uma
melhor avaliação dos contratos relacionais (Kreps, 1990; Wolff, 1996; Casson,
1997; Gibbons, 2000, 2001; Reina, & Reina, 2006). Contratos de trabalho são
exemplos de contratos relacionais baseados em confiança interpessoal. Mesmo que
necessitem ser firmados por meio de contratos explícitos na configuração de
um documento formal por razões legais, esses contratos tornam-se contratos
relacionais entre agentes de interação ao longo do tempo. A confiança que
poderá ser construída como fruto dessa interação funciona como um mecanismo
informal de controle e coordenação para diversas tarefas organizacionais. Em
vez de antecipar todas as contingências futuras, os contratos relacionais
antecipam uma série de incertezas, na forma de transações entre parceiros de
interatividade, com base nas experiências passadas entre esses agentes. Por
isso esses contratos são caracterizados como incompletos por definição. Os
problemas contratuais que porventura possam surgir numa relação de trabalho
poderão ser reduzidos de forma significativa com a presença da confiança.
Contratos relacionais são contratos incompletos, usados para explicar a
cooperação num mundo de eventos futuros incertos (Furubotn, & Richter,
2001). Por definição, contratos relacionais referem-se a relações contratuais
de longo prazo, de forma que qualquer nova informação que se faça disponível,
exogenamente ou endogenamente ao sistema, poderá gerar novas opções para os
parceiros de interação, promovendo novos comportamentos (Wolff, 1996). Dessa
forma, pode ser vantajoso para os parceiros de interação incorporar essa nova
informação dentro do relacionamento, buscando assim um equilíbrio sequencial no
tempo.
A moderna Teoria Contratual Econômica explica a transformação da ação
individual na ação coletiva por meio do conceito da constituição corporativa
(Wolff, 1996). Um dos principais tópicos da teoria é assegurar a eficiência das
transações econômicas por meio da modelagem de mecanismos contratuais
eficientes que incorporem incentivos e restrições. A teoria propõe que todo
sistema de trocas ou interações humanas (ou seja, qualquer processo de produção
ou previsão de serviços) pode ser descrito como uma relação contratual formal
ou informal, que organiza as trocas de recursos ou serviços mediante outros
benefícios. Diferentemente dos contratos bilaterais, a constituição corporativa
consiste em contratos multilaterais. Wolff (1996) observa que a estipulação da
constituição corporativa ocorre por contratos formais, que podem ser reforçados
legalmente por terceiros, como os contratos de trabalho ou convenções
corporativas escritas, ou por contratos informais, considerando a cultura
corporativa de uma organização. A autora afirma que, apesar de não estarem
escritos formalmente, esses aspectos informais da constituição corporativa
formam uma parte essencial do conjunto de regras de uma organização. Assim, por
definição, contratos relacionais são aqueles que não podem ser monitorados ou
controlados por terceiros. Portanto, rearranjos contratuais são necessários ao
longo do tempo de forma a assegurar um processo de cooperação contínua entre
todos os parceiros de interação. De acordo com o contexto específico, a
confiança pode ser altamente desejável e eficiente para lidar com as incertezas
comportamentais causadas pelo surgimento de nova informação nas relações entre
parceiros de interação. Quanto maior a frequência do surgimento de nova
informação dentro do sistema, maiores serão as chances do aumento da incerteza
comportamental, e mais necessário será o uso de contratos relacionais baseados
em confiança, de forma a lidar com essa incerteza. Assim, a relevância e a
eficiência da confiança, atuando como um mecanismo informal de governança,
estão primariamente relacionadas ao grau de incerteza endógena e exógena, na
forma da ausência ou confiabilidade da informação, ou na frequência do
surgimento de nova informação dentro do sistema com que se possa alterar ou
modificar o comportamento dos agentes. Além disso, mecanismos sociais como
confiança são particularmente importantes quando o término de um relacionamento
pode representar um custo muito alto (particularmente nos relacionamentos em
que existe uma relação específica construída ao longo do tempo). Nesse sentido,
os contratos de trabalho podem ser compreendidos como exemplos de contratos
relacionais baseados em relacionamentos específicos. Esses podem combinar as
características de contratos formais e informais, na forma de reputações
construídas dentro de relacionamentos idiossincráticos.
Contratos de trabalho estão baseados em mecanismos que determinam seu
cumprimento (self-enforcing) de forma a assegurar a eficiência das relações,
exatamente pela dificuldade de monitoração e avaliação (Keefer, & Knack,
2005). Podem ser mais bem compreendidos no modelo de reputações do
comportamento racional, confrontado por contingências imprevisíveis (Kreps,
1990; Wolff, 1996). Nesse caso, a confiança gerada nos relacionamentos
interpessoais funciona como um mecanismo de autocontrole, presente em
determinado grau em todas as relações de trabalho. Há algum tempo Macaulay
(1963) já afirmava que os homens de negócio buscam manter seu comprometimento
baseado em sua reputação e amizades pessoais. A lógica reside no fato de que as
partes concordam antecipadamente em cooperar no longo prazo porque ambas querem
manter suas reputações para as futuras transações. Assim, numa abordagem
econômica, a premissa central dos contratos relacionais é que eles são
contratos baseados em confiança, que permitem a alocação ou absorção de riscos
no compartilhamento de recursos. Nesse sentido, é possível observar nos
contratos relacionais a coexistência de propriedades formais e informais, de
forma a assegurar o comprometimento das partes para a geração de benefícios
mútuos (Kreps, 1990; Wolff, 1996; Casson, 1997; Gibbons, 2000). Cada parte
motivada a manter sua credibilidade e reputação com os outros agirá de forma
cooperativa. Como Keefer e Knack (2005) observam, quando as partes confiam
inerentemente umas nas outras, torna-se mais fácil as transações ocorrerem. A
condição básica para isso é a manutenção das expectativas de continuidade das
relações de vantagem mútua no longo prazo. Assim, a confiança torna-se elemento
essencial em contratos relacionais, pois, como argumenta Arrow (1969), em sua
ausência torna-se extremamente custoso buscar garantias e sanções alternativas,
que possam inibir as oportunidades de cooperação mútua.
A ausência da confiança em contratos de trabalho pode significar a ausência de
cooperação espontânea e representar o uso ineficiente de recursos humanos.
Quando soluções judiciais são substituídas pela ordenação privada nas relações
contratuais, a confiabilidade das promessas passa a solicitar comprometimentos
confiáveis (credibilidade) que funcionam como o "cimento" dos contratos
relacionais entre os indivíduos (Furubotn, & Richter, 2001, p. 276).
Comprometimentos confiáveis envolvem atos de reciprocidade que resguardam uma
relação bilateral quando esses assumem a forma de investimentos irreversíveis
(pela heterogeneidade, sem a possibilidade de utilizações múltiplas) e
investimentos específicos (Williamson, 1985, 1996). Como se observou, relações
de confiança mútua podem ser usadas como um dispositivo de segurança para
construir comprometimentos confiáveis, na forma de reputações, por meio de
investimentos específicos ao longo do tempo, quando indivíduos começam a usar
estratégias de reciprocidade (Kreps, 1990; Wolff, 1996; Furubotn, &
Richter, 2001). Em Kreps (1990), os efeitos de reputações são construídos sobre
normas sociais e princípios de justiça e benefícios mútuos que, por sua vez,
devem prover aos hierarquicamente inferiores uma ideia sobre como a organização
irá reagir em determinadas circunstâncias quando elas surgirem. Por fim,
Williamson (1985) afirma que esses princípios devem dirigir comportamentos e
expectativas dentro da empresa promovendo um condicionamento social relativo à
segurança do emprego e à proteção contra a exploração.
Confiança está relacionada a interações repetidas e investimentos
irreversíveis. Se suportarem a confiança investida, essas experiências tornam-
se mecanismos que determinam o cumprimento do contrato, atenuando as chances de
oportunismo entre as partes. Um sistema de reputações é construído sobre as
relações de confiança ao longo do tempo definindo padrões de comportamento
baseados na reciprocidade. Baseado nos estudos do comportamento coletivo em
dilemas sociais usando Jogos Repetidos, Ostrom (2003) apresenta um esquema
(Figura_2) que contém as variáveis centrais para a manutenção das relações de
confiança.
O modelo apresentado por Ostrom (2003) considera variáveis físicas, culturais e
institucionais como críticas para a formação do contexto em que as interações
humanas ocorrem, podendo promover ou inibir investimentos de confiança. Assim,
a distância física entre agentes de interação, modelos comportamentais que
incentivam ou inibem a cooperação, ou a natureza dos sistemas produtivos (que
podem necessitar mais ou menos da interatividade entre os indivíduos para a
produção de determinado valor) constituem elementos fundamentais para a análise
das relações de confiança. Essas, por sua vez, são sustentadas por regras
informais de reciprocidade e pela reputação entre os agentes. Reciprocidade e
reputação irão influenciar diretamente a percepção de risco, inibindo mais ou
menos as relações de confiança, que influenciarão os níveis de cooperação e a
capacidade de determinado sistema social produzir ganhos individuais e
coletivos.
As pessoas em geral usarão de suas experiências do passado como informação para
agir no presente. Quanto mais as pessoas receberam benefícios no passado como
fruto de interações com outros parceiros, maiores serão suas inclinações para
usar as estratégias de reciprocidade no presente. Quanto mais frequentemente as
pessoas agem com base em reciprocidade, menos inclinações terão para desertar.
Isso significa que, em geral, os agentes de interação que agem sob uma lógica
de reciprocidade tenderão a confiar mais no presente que os outros irão agir
igualmente de forma recíproca, com base em suas próprias normas pessoais
afirmadas sobre as experiências do passado. No entanto, isso será afetado pela
informação que os indivíduos poderão ter sobre a reputação de seus parceiros de
interação no presente, e com isso poderão avaliar o risco de investir confiança
em determinada situação específica.
Assim, confiança pode ser vista como uma forma racional de cooperação sob risco
comportamental. Nesse sentido, empresas podem ser entendidas como redes de
contratos relacionais que envolvem seus membros corporativos. De acordo com
Furubotn e Richter (2001), empresas são constituições sociais que envolvem,
além de suas regras, investimentos no cultivo de relacionamentos entre
indivíduos. Os autores afirmam que o fortalecimento da cultura organizacional,
como um mecanismo de compartilhamento de informação e redução do risco
comportamental baseado em confiança mútua, representa um importante objetivo
para os investimentos realizados. Assim, os níveis de confiança dentro das
empresas podem ser entendidos como indicadores da eficiência da gestão dos
contratos relacionais. Uma das funções das redes de contratos relacionais
baseadas em confiança mútua é a capacidade de subsistir às incertezas futuras
do mercado. Esse raciocínio indica que a presença de confiança torna-se
relevante, por exemplo, em processos de mudança em geral, tais como processos
de rápido crescimento ou downsizing, fusões e aquisições, e processos
sucessórios, pois esses movimentos tendem a transferir incerteza às relações
sociais internas à empresa (Beckert, Metzner, & Roehl, 1998). Nesses casos,
a confiança existente poderá assegurar o cumprimento das expectativas entre as
partes.
5. RELAÇÕES ENTRE CONFIANÇA E DESEMPENHO ORGANIZACIONAL
Após compreender-se a relevância da confiança nos contratos relacionais, como
os contratos de trabalho, analisar-se-á nesta seção como a presença da
confiança pode contribuir para o desempenho nas organizações. Estudos empíricos
frequentemente têm sugerido que confiança possui um efeito mais moderador com o
desempenho organizacional, do que uma relação direta e positiva (Dirks, &
Ferrin, 2001; Aryee, Budhwar, & Chen, 2002; Zanini, 2007; MacCurtain,
Flood, Ramamoorty, West, & Dawson, 2009). Por exemplo, confiança é
observada por Aryee et al. (2002) como elemento mediador para a percepção
coletiva de justiça distributiva e procedimental, satisfação do trabalho e
intenções de turnover. Esses estudos têm relacionado os efeitos positivos de
confiança, por exemplo, nas relações entre líderes e liderados (Dirks, 2000,
2006; Dirks, & Ferrin, 2002), no processo de transferência do conhecimento
(Roberts, 2000; Rolland, & Chauvel, 2000; MacCurtain et al., 2009), para
fortalecer o comprometimento dos empregados (Brockner, Siegel, Tyler, &
Martin, 1997; Pillai, Schriesheim, & Williams, 1999; Ugboro, 2003), e
aumentar a eficiência e a produtividade organizacional (Ring, & Van De Ven,
1992; Lane, & Bachmann, 1998; Sako, 1998). Dirks e Ferrin (2001) apresentam
uma meta-análise com uma série de estudos empíricos que confirmam os efeitos
positivos das relações de confiança nas atitudes e comportamentos dos
indivíduos dentro das organizações. De acordo com esses autores, espera-se que
níveis superiores de confiança resultem em atitudes mais positivas, altos
níveis de comportamento cooperativo espontâneo e, consequentemente, desempenho
superior.
No entanto, isso não significa que níveis superiores de confiança determinem
necessariamente desempenho superior, ou mesmo que empresas que apresentem
baixos índices de confiança irão necessariamente apresentar baixo desempenho
organizacional. É importante que a análise da relação entre os níveis de
confiança e as variáveis do desempenho organizacional leve em consideração o
contexto ou ambiente institucional em que essas transações ocorrem para que
mecanismos de governança alternativos possam ser considerados numa análise
custo-benefício (Zanini, 2007). Como se observou, a adoção de um estilo de
gestão baseado em confiança possui custos inerentes ao estabelecimento de um
contexto organizacional em que sejam criados e mantidos alguns elementos
antecedentes e fundamentais para a construção de relacionamentos baseados em
confiança. Por exemplo, Langfred (2004) estudou a relação entre confiança,
monitoração e autonomia individual em equipes autogeridas e conclui que
excessivos níveis de confiança podem tornar-se prejudiciais para a eficiência
das equipes. Langfred conclui que, sob alta autonomia individual e altos níveis
de confiança, a confiança em equipes autogerenciadas torna-se ineficiente, pois
as pessoas nessas equipes tornam-se relutantes em monitorar umas às outras.
Como se observou no início deste artigo, a noção de confiança traz em si uma
noção de risco comportamental associado, o que na perspectiva econômica
significa custos associados (Coleman, 1990; Wolff, 2000). Portanto, um ambiente
de trabalho baseado em relações de confiança necessita de consecutivos
investimentos na manutenção de uma relativa estabilidade das condições e
perspectivas de continuidade dos contratos de trabalho. A percepção coletiva de
justiça nos procedimentos, na mensuração e na distribuição dos resultados
torna-se igualmente fator crítico para a gestão dos níveis de confiança.
Whitener, Brodt, Korsgaard e Werner (1998) apresentam um estudo sobre alguns
elementos diretamente relacionados à construção de ambientes que favoreçam
relações de confiança. Esses elementos são: a qualidade da comunicação interna,
a percepção de integridade, a consistência e a preocupação com os empregados,
além da delegação e do compartilhamento da autoridade. Esse conjunto de
variáveis oferece igualmente melhor avaliação desses ambientes e da gestão dos
bens intangíveis. Porém, ainda que tal estilo de gestão baseado em confiança
possa ser altamente desejado para o cumprimento de determinadas tarefas
organizacionais, o contexto institucional em que a empresa se encontra deve ser
observado (Zanini, 2007).
Assim, o desenvolvimento da confiança consome tempo e requer investimentos
específicos para sua emergência e manutenção dentro de uma empresa. Para que
uma empresa adote um estilo de gestão baseado em confiança, será necessária a
manutenção de incentivos que suportem relacionamentos de confiança, tais como
normas de comportamento, conduta e punição, transparência organizacional,
clareza na comunicação corporativa. Dessa forma, investimentos específicos
poderão assumir a forma de treinamentos específicos, políticas de seleção mais
rígidas para a contratação de executivos e manutenção de baixos níveis de
rotatividade de empregados, criação e reforço de códigos de ética e de conduta,
e criação e manutenção de canais de comunicação confiáveis entre a alta gestão
e os empregados.
O grande benefício de ambientes de trabalho com uma atmosfera de alta confiança
é permitir que indivíduos realizem transações sem a necessidade de se
precaverem contra eventuais comportamentos oportunistas dos outros, aceitando
assim maiores riscos. Em atmosferas de baixa confiança pessoas serão mais
receosas em realizar investimentos de confiança umas nas outras, porque
percebem baixos níveis de motivação nos parceiros de interatividade em adotarem
estratégias de reciprocidade e, portanto, maior a probabilidade de assumirem
prejuízos pessoais. No entanto, deve-se observar que, em específicos contextos
organizacionais, pode ser possível que o fomento à competição interna entre os
membros da empresa seja mais eficiente e produza melhores resultados. Lazear
(1998) observa que, quando a eficiência das unidades de negócios está
relacionada a um tipo de estratégia que incentiva a competição interna, esse
processo permite a seleção natural de indivíduos e poderá privilegiar os
esforços individuais em detrimento dos esforços coletivos. Portanto, em alguns
casos, é possível que o resultado da soma da ação isolada de cada agente, e não
o resultado das interações entre os agentes, possa ser mais eficiente para
alcançar determinados objetivos, ainda que sob um contexto de baixa confiança.
Nesses casos, o sistema de remuneração irá privilegiar e premiar os esforços
individuais e provavelmente um estilo de gestão que estimule a competição entre
os agentes em detrimento do desenvolvimento das relações de confiança. Por
outro lado, onde se estimula a competição interna, torna-se extremamente
difícil a criação de laços de confiança entre os agentes, e passa-se a contar
menos com os benefícios desse mecanismo social de gestão. Ouchi (1980) e
Osterloh e Frey (2000) afirmam que, em determinadas situações, quando os
resultados são relativamente fáceis de ser mensurados, quando as tarefas
possuem baixa complexidade e não requerem criatividade, velocidade de
aprendizado, entendimento conceitual, ou não necessitam da transferência
crítica do conhecimento, a aplicação de mecanismos formais como incentivo
poderá ser relativamente mais eficiente. Por outro lado, esse não parece ser o
caso quando sistemas produtivos necessitam do compartilhamento de informação
sensível de forma a contribuir para a execução de tarefas especializadas e de
maior complexidade, e promover ganhos por meio da interatividade de grupo de
trabalho (Ouchi, 1980; Adler, 2001; MacCurtain et al., 2009). Como afirmam
alguns autores (Osterloh, & Frey, 2000; Adler, 2001), quando as tarefas
organizacionais estão baseadas na inovação, na criação e no desenvolvimento de
produtos, os melhores resultados poderão ser alcançados por meio da intensa
interação entre as pessoas.
Outro ponto importante para a escolha de um estilo de gestão baseado em
confiança é quando as medidas de desempenho tornam-se por demais ambíguas.
Ouchi (1980) comenta que, nesses casos, o uso de confiança torna-se fundamental
para o alinhamento dos objetivos individuais e organizacionais. Quando os
mecanismos burocráticos tradicionais, baseados em controle formal, podem
falhar, porque se torna impossível avaliar externamente o valor adicionado por
indivíduo, o uso de confiança é mais recomendável. Nesse sentido, Ouchi (1980)
e Dasgupta (2000) observam que a possibilidade de monitorar as ações dos
indivíduos é um fator crucial pela decisão entre mecanismos explícitos de
controle ou confiança. À medida que as tarefas se tornam mais complexas,
interdependes ou ambíguas, reduz-se a capacidade de monitoração e avaliação do
desempenho individual. Nesses casos, os contratos passam a depender mais dos
acordos informais entre os agentes e necessitam da confiança para que as
expectativas sejam atendidas.
Alguns estudiosos observam que o intenso uso de mecanismos explícitos de
controle, como monitoramento formal, possui grande probabilidade de aumentar as
chances de oportunismo (Van De Ven, & Walker, 1984; Aulakh et al., 1996).
Em outras palavras, a ênfase demasiada em garantias explícitas pode prejudicar
consideravelmente o desenvolvimento de relações de confiança, o que pode ser
custoso porque o uso de confiança não requer despesas adicionais com garantias
legais. Onde níveis de confiança se fazem presentes, a necessidade de
monitoração explícita e controle, e seus custos associados, será reduzida. Além
disso, o uso intensivo de mecanismos explícitos de controle envolve não somente
investimentos em monitoração e controle formal, mas provavelmente uma perda
considerável da motivação dos indivíduos para gerarem comprometimentos em
direção ao atendimento dos objetivos organizacionais (Ripperger, 1998).
Empiricamente, encontrar-se-ão sempre a combinação e a coexistência de
mecanismos formais e informais agindo em níveis diferentes dentro dos ambientes
de negócios de forma complementar (Ouchi, 1980; Bradach, & Eccles, 1998;
Zanini, 2007).
Como se observou, à medida que as tarefas organizacionais se tornam mais
complexas, incertas, ambíguas ou interdependentes, aumenta a necessidade da
confiança entre os agentes de interação (Ouchi, 1980). Nesse sentido, a
eficiência na execução das tarefas organizacionais dessa natureza dependerá em
grande parte da confiança existente entre os agentes de interação (por exemplo,
na relação entre gestores e subordinados, parceiros, colegas de trabalho ou
entre agentes em equipes multifuncionais). À medida que o bem a ser produzido
solicita a participação e a contribuição de vários especialistas, torna-se mais
difícil mensurar a contribuição individual de cada agente. Quando a avaliação
individual se torna demasiadamente ambígua, ela dependerá da confiança que os
agentes de interação possuem em seus avaliadores ou no sistema de avaliação.
Assim como no caso de tarefas mais complexas, cujos resultados a serem obtidos
possuem alto grau de imprevisibilidade. Por outro lado, quanto menos complexas,
incertas, interdependentes e ambíguas forem as tarefas, ou seja, quanto mais
fáceis de mensurar e mais previsíveis forem os resultados a serem alcançados,
menor a necessidade da confiança. Esses casos sugerem que os contratos formais
poderão ser utilizados relativamente com maior eficiência.
Finalmente, torna-se importante observar a relação entre as variáveis
institucionais para melhor compreender-se a relação entre os níveis de
confiança e as variáveis do desempenho organizacional. Em última análise, como
afirma Hadfield (2005), o que define primordialmente essa relação de custo e
eficiência são os diversos arranjos institucionais que se traduzem em
incertezas ambientais. Zanini (2007) apresenta um estudo em que avalia os
níveis de incertezas institucionais, os níveis de confiança dentro das empresas
e outras variáveis organizacionais. Confiança foi mensurada em três dimensões:
confiança no superior, confiança em um colega de trabalho e confiança na equipe
de trabalho. O estudo observou que altos níveis de confiança podiam ser
encontrados em indústrias mais tradicionais, como metalúrgica e mineração, que
apresentavam demandas relativamente estáveis, manifestadas por contratos de
longo prazo com seus clientes e baixos níveis de rotatividade de empregados.
Essas empresas apresentaram relativamente menores níveis de incerteza
ambiental. Nelas os empregados demonstravam igualmente altos níveis de
comprometimento e satisfação. Caracteristicamente, os empregados possuíam
relacionamentos de longo prazo com suas empresas. Em média eles passavam dez
anos ou mais na mesma empresa. Apresentavam altos níveis de confiança em seus
superiores, seus colegas e suas equipes de trabalho. Por outro lado, as novas
empresas orientadas por tecnologia no setor da informação e comunicação, que
apresentavam relativamente altos níveis de incerteza ambiental, tinham menores
níveis de confiança, maior rotatividade de empregados e menor comprometimento
dos empregados com a empresa (Figura_3).
Esses resultados encontram-se em linha com os estudos anteriores de Van den
Steen (2003), que observa que a excessiva rotatividade dos empregados
enfraquece a cultura corporativa uma vez que os novos empregados não possuem a
mesma informação dos mais antigos. Cotton e Tuttle (1986) realizaram uma meta-
análise por meio de revisão na literatura e observaram que a rotatividade dos
empregados (além do nível considerado "saudável") possui uma forte relação
negativa com a satisfação no trabalho, satisfação com o trabalho em si,
satisfação com a remuneração, com a liderança e com o comprometimento
organizacional.
Nesse sentido, para avaliar como a confiança pode tornar-se um ativo intangível
relevante e um fator distintivo no desempenho das organizações, propõe-se o
modelo analítico a seguir (Figura_4). No modelo desenvolvido em estudos
anteriores (Zanini, 2007, 2011), basicamente duas variáveis devem ser
observadas: o nível de incerteza ambiental e a natureza das tarefas de
organização. A Figura_4 ajuda a compreender melhor a relação entre a incerteza
ambiental, os níveis de confiança e o desempenho organizacional.
![](/img/revistas/rausp/v49n1/a05fig04.jpg)
O primeiro fator a ser observado é como o ambiente institucional se relaciona
com o setor específico em que a empresa opera. Cada ambiente empresarial possui
um determinado grau de incerteza. O grau de incerteza gerada pelo ambiente
externo pode ser caracterizado principalmente por três fatores: a intensidade
da concorrência (alta e baixa), que influencia e gera a necessidade da
velocidade em apresentar respostas ao mercado; a estabilidade da demanda e da
tecnologia (alta e baixa), que influencia a frequência da reorganização interna
e a necessidade de adaptação, bem como gera novas demandas por tecnologias de
produção e design de novos produtos; a capacidade de inovação que irá afetar
diretamente a natureza dos contratos da empresa (por exemplo, se eles são de
curto, médio ou contratos de longo prazo). Essas variáveis indicam o grau de
incerteza institucional e influenciam a taxa de mudança e a necessidade de a
empresa adaptar-se às novas demandas do mercado (Audretsch, & Thurik,
2001). Elas também indicam o nível necessário de flexibilidade organizacional e
a taxa de reposição e reorganização dos recursos da empresa, incluindo os
recursos humanos. Consequentemente, a incerteza institucional influencia
fortemente o comportamento dos indivíduos dentro da empresa, alterando suas
expectativas futuras e impactando suas estratégias pessoais. Assim, a incerteza
ambiental afeta consideravelmente o comportamento organizacional pela mudança
das condições e expectativas das pessoas, podendo também mudar-lhes a
disposição de confiarem umas nas outras. Portanto, a incerteza deve ser
observada como um fator institucional restritivo no processo de construção de
confiança (Zanini, 2011).
6. CONCLUSÕES
Apesar de, nos últimos anos, muitos estudos empíricos e teóricos terem avançado
no tema sobre a relação entre a confiança interpessoal e as variáveis do
desempenho organizacional, neste artigo adotou-se uma perspectiva econômica
para aprofundar as discussões sobre o tema, de forma a melhor compreender essa
relação a partir da análise do papel da confiança nos contratos relacionais.
Dessa forma, utilizando a análise bibliográfica, procurou-se melhor compreender
o papel da confiança dentro das organizações a partir da análise da confiança
na coordenação informal dos contratos relacionais e, posteriormente, sua
relação com as variáveis do desempenho organizacional. A análise ocorreu em
três momentos distintos: na primeira seção, analisaram-se algumas propriedades
da confiança de forma a melhor compreender seu funcionamento; em seguida
analisou-se a confiança como elemento central para os contratos relacionais
como os contratos de trabalho , que partem inicialmente de um dispositivo
contratual legal e, posteriormente, desenvolvem-se numa perspectiva relacional
ao longo do tempo. Identificou-se a confiança como elemento central para a
eficiência desses contratos relacionais. Na última parte deste artigo, passou-
se então a compreender a relevância da confiança no desempenho de tarefas
específicas dentro das organizações e concluiu-se que a confiança pode ser mais
bem compreendida como uma variável mediadora que contribui para a coordenação
de específicas tarefas organizacionais, porém, não determinante para o
desempenho organizacional. Nessa perspectiva, observou-se a relação eficiente
entre a natureza específica das tarefas organizacionais (complexidade,
incerteza, ambiguidade e interdependência) e a necessidade da confiança (ou
controle formal) para a gestão dos contratos de trabalho. Observou-se que, para
melhor compreender a relação entre confiança e desempenho organizacional, devem
observar-se ainda as variáveis institucionais (físicas, culturais e
institucionais) que podem se traduzir em incertezas do ambiente externo, com
significativo impacto sobre o comportamento dos indivíduos nas organizações.
Assim, buscou-se avançar nas discussões sobre o tema.
Este estudo possui limitações que representam, igualmente, possibilidades para
o desenvolvimento de futuras pesquisas sobre o tema. Principalmente, faltam-lhe
comprovações teóricas para o modelo analítico proposto. Também, não se
aprofundou a análise da efetividade da inter-relação da confiança, como
elemento informal dos contratos relacionais, com os elementos formais de
coordenação. Também não se fez uma análise mais completa das variáveis
institucionais que representam incertezas ambientais, o que poderia ajudar a
compreender melhor outras perspectivas na análise da confiança como elemento de
coordenação informal. Dessa forma, os resultados abrem espaço para novas
pesquisas sobre o tema. Confiança é um elemento a ser mais bem compreendido e a
compreensão de sua relação com o desempenho organizacional inaugura um vasto
campo para futuras pesquisas.
NOTAS
(1) O que se chama aqui de mecanismos de coordenação informal refere-se aos
aspectos não estruturais das organizações que Chester Barnard aborda como
relevantes já em 1938, e que mais tarde são tratados como os aspectos políticos
e simbólicos das organizações. Ver: Barnard (1938), Ramos (1981) e Williamson
(1995).
(2) Gibbons (2001) observa que contratos relacionais por vezes são chamados por
outros autores de self-enforcing, contratos informais ou contratos implícitos.