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BrBRHUAp0080-21072014000100015

BrBRHUAp0080-21072014000100015

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0080-2107
Year2014
Issue0001
Article number00015

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Inteligência estratégica antecipativa coletiva e crowdfunding: aplicação do método L.E.SCAnning em empresa social de economia peer-to-peer (P2P)

1. INTRODUÇÃO A autossustentabilidade a longo prazo configura-se como um dos maiores desafios a serem enfrentados pelas organizações, especialmente aquelas lastreadas na economia social, dentre elas as empresas peer-to-peer(P2P). O diferencial é que elas estabelecem não apenas metas, mas também compromissos de sustentabilidade com o futuro, e exigem que as soluções aplicadas sejam positivamente multidimensionais, dos pontos de vista humano, político, técnico, econômico e social. Alguns fatores contribuem adicionalmente para esse desafio, como a própria conceituação e identificação dos modelos organizacionais contemporâneos de empresas sociais e economia P2P e a gestão do delicado equilíbrio entre duas forças aparentemente antagônicas: impacto social e retorno financeiro advindos de suas atividades. Entretanto, não é necessário conflito entre o estabelecimento de uma sociedade inclusiva e o estímulo ao empreendedorismo. A realidade econômica do século XXI indica que, longe de serem exclusivos, os temas sociais e ambientais devem ser progressivamente vistos não como importantes oportunidades comerciais, mas também condutores de sucesso dos negócios.

Uma empresa social é um negócio que visa, primariamente, a objetivos sociais e cujos excedentes são principalmente reinvestidos no próprio negócio ou em benefícios para a comunidade, em vez de conduzidos à maximização de lucro. São empreendimentos que utilizam mecanismos de mercado com a finalidade de minimizar desigualdades socioeconômicas. Para os externos ao setor, o conceito de empresa social é ainda desconhecido; todavia ela é primeira, e principalmente, um negócio. Essas organizações funcionam como empresa do segundo setor, porém a diferença primordial é que o objetivo do negócio é o benefício social que irá promover. Embora existam diversos estudos que buscam enquadrar o empreendedorismo social contemporâneo (Stevenson, 2000; Austin, Stevenson, & Wei-Skillern, 2006; Wei-Skillern, Austin, Leonard, & Stevenson, 2007; Short, Moss, & Lumpkin, 2009; Moss, Lumpkin, & Short, 2010), o tema ainda carece de cabedal maior.

Empresas sociais são potencialmente negócios dinâmicos e progressistas que experimentam e inovam, estando habilitadas a desfrutar das melhores práticas do setor de voluntariado. Partindo exatamente desse espírito inovador, muitas empresas sociais voltaram-se para o modelo crowdfundingde economia P2P, que se configura como uma tendência emergente de organização colaborativa de recursos na Web. O termo P2P surgiu na área de tecnologia (Abbate, 1999), representando um formato de rede de computadores cuja principal característica é a descentralização das funções. Analogamente, o termo passou a configurar, também, um novo modelo de economia descentralizada (Benckler, 2006; Stalnaker, 2008), na qual a produção de valor é realizada por meio da cooperação livre entre agentes autônomos que têm acesso ao capital distribuído. Adicionalmente, destaca-se outra característica a natureza da economia baseada em plataformas P2P na Web, da qual o modelo crowdfundingde microcrédito faz parte, é lastreada na abundância de informação, propiciando um universo em que qualquer indivíduo possa negociar.

Existem inúmeras dificuldades a serem enfrentadas por organizações de economia social, pois atuam em mercado competitivo, dinâmico, difícil de ser prospectado, no qual a atividade de administrar é complexa. O estabelecimento de estratégias é um desafio às habilidades de gestão, especialmente para os novos modelos organizacionais que não possuem foco apenas em lucratividade.

Assim, um processo diferenciado é fundamental, pois empresas sociais têm maior restrição de recursos do que as de outros setores. Logo, um trabalho de Inteligência permite estruturar a visão do ambiente, elenca aspectos críticos e favorece a ação justificada junto a organismos multilaterais, governos, iniciativa privada e comunicação social.

Segundo Choo (1999), a sobrevivência de uma empresa depende, em parte, de sua capacidade de antecipar as mudanças e de considerá-las na definição dos eixos estratégicos que deseja implantar. Sob esse prisma, uma prática que se aplica a organizações com enfoque sistêmico é a de Inteligência Estratégica Antecipativa Coletiva (IEAc) (Lesca, 2003; Janissek-Muniz, Freitas, & Lesca, 2007), focada em decisões de impacto estratégico lastreadas na exploração, captação e atribuição interna de sentido coletivo para sinais provenientes do ambiente externo.

O processo de IEAc, desenvolvido dentro de padrões empresariais durante os últimos anos, parece adaptar-se bem às necessidades de tomada de decisão do setor de economia social e apresenta duas características importantes: a primeira é colaborar para o desenvolvimento da capacidade analítica dos tomadores de decisão, habilitando-os a empreender iniciativas e a identificar oportunidades de forma inovadora antes de outras organizações; outra é valorizar a Inteligência interna e a capacidade analítica da equipe, o coletivo, evitando a dependência exagerada de consultorias externas para o desenvolvimento de projetos estratégicos. O uso de um processo que se proponha a sistematizar essa análise, organizar e estruturar os sinais fracos captados do ambiente, transformando-os em informação relevante, certamente constituirá ferramental adicional importante para a antecipação de estratégias que possam promover a sustentabilidade e a competitividade do negócio.

Neste trabalho, o propósito é analisar a aplicabilidade do método L.E.SCAnning como ferramenta de apoio ao processo de planejamento, coleta, tratamento e distribuição de informação relevante ao processo decisório estratégico de uma empresa social crowdfundingde economia P2P. Busca-se observar de que maneira uma prática inicialmente aplicada ao mercado privado pode ser entendida sob o ponto de vista da economia social, proporcionando a possibilidade de ponderar se um modelo de IEAc pode colaborar para o sucesso de um empreendimento multifacetado e complexo como este. Cabe salientar, entretanto, que uma particularidade deste estudo reside no fato de ser a proposição de IEAc estabelecida para uma organização atuante em três setores: no campo econômico, uma vez que trata de microcrédito; no campo social, visto versar sobre empreendedorismo social; e no campo tecnológico, na medida em que a economia P2P se desenvolve por meio de plataforma colaborativa na Web.

Espera-se, também, motivar a continuidade dos estudos no País sobre a economia social P2P e sobre a aplicação de ferramentas de Inteligência para esse setor, uma vez que esse novo modelo de negócio, aceito e aplicado na Europa e nos Estados Unidos, chegou conceitualmente ao Brasil provocando alguma ambiguidade de entendimento, possivelmente em função do equívoco com relação ao conceito de empresa social e ao compromisso das empresas em incorporarem ações sociais e ambientalmente corretas em seus negócios, o que é outro tema; e em função da diferença histórica entre o contexto empresarial brasileiro e aqueles europeu e norte-americano, o que significa identificar possíveis oportunidades desse novo cenário que contribuam para a implementação desse modelo no Brasil.

Sob o ponto de vista do desenvolvimento organizacional, por meio do estudo de caso de uma empresa social, espera-se contribuir para o aumento do entendimento do valor e da potencialidade desse tipo de empreendimento, para o fortalecimento de evidências que demonstrem seu real impacto e valor agregado e para o consequente estabelecimento de organizações similares a Babyloan, tendo em vista a inexistência desse modelo particular no Brasil.

Na seção 2 deste estudo, apresenta-se o referencial teórico, que trata dos temas Inteligência, Empreendedorismo Social e Economia P2P; na seção 3, descreve-se o método de pesquisa; na seção 4, contemplam-se a caracterização da organização e seu diagnóstico atual; na 5, apresentam-se os resultados da prototipação da aplicação da IEAc, concluindo-se com as considerações finais na seção 6.

2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO A realidade atual em que as organizações se estabelecem é impulsionada pela comunicação e pela interatividade, e nunca antes houve tal profusão de informação à disposição de todos. Apesar dessa significativa oferta, compete às organizações a árdua e complexa tarefa de selecionar informações relevantes ao processo decisório, tendo em vista a abundância não apenas de dados, mas também de contextos nos quais eles se inserem. De acordo com Davenport e Prusak (2003), é essencial para a realização bem-sucedida das atividades de Inteligência que as organizações saibam definir e incorporar em seus processos dados, informações e conhecimento, uma vez que seu sucesso ou fracasso podem depender da aplicação eficiente desses elementos para solução de problemas e tomada de decisão.

De maneira geral, os autores referenciam conhecimento como sendo um fenômeno pessoal, que difere de informação, uma vez que, sendo um processo complexo e dinâmico, não pode ser capturado ou compartilhado (Tarapanoff, 2006). Para Wilson (2006), conhecimento é aquilo que se sabe e envolve processos mentais de compreensão, entendimento e aprendizado que passam pela mente, independentemente de interação com o mundo exterior e com outros. Miranda (2006) relaciona os níveis de conhecimento em uma escala de que deriva, a partir dele, o conhecimento organizacional e, desse, o conhecimento estratégico, defendendo seu caráter analítico e particular para a organização.

Com relação à importância do conhecimento, Drucker (1993) afirmou que a produtividade do conhecimento é fator determinante da posição competitiva de uma empresa, indústria ou de todo um país. Davenport e Prusak (2003) observaram, adicionalmente, que atividades baseadas no conhecimento e voltadas ao desenvolvimento de produtos e processos tornam-se as principais funções internas das empresas. De forma análoga, Nonaka e Takeuchi (1997) veem o conhecimento como processo humano dinâmico que justifica a crença pessoal com relação à verdade, e também como um ativo corporativo que deve ser gerido como outros ativos tangíveis, sendo fonte da vantagem competitiva no ambiente organizacional.

2.1. Ambiente organizacional e seu monitoramento Em termos estruturais, autores como Daft (2002) e Mintzberg (2003) dividem o ambiente em macroambiente, ou ambiente geral, e microambiente, ou ambiente de tarefas. Lesca e Janissek-Muniz (2007) identificam o macroambiente como um conjunto de atores que compõem a ambiência exterior à organização e cujos comportamentos e decisões são capazes de impactá-la. Ansoff (1965) também entende a organização como resultado de seu ambiente, e cuja sobrevivência, inclusive, depende dele. Quanto aos componentes do ambiente, Hall (1984) estabelece uma divisão em função das características da interação do ambiente com a organização: ambiente geral, que afeta todas as organizações e é igual para todas (condições tecnológicas, legais, econômicas, demográficas e culturais); e ambiente específico, que é formado pelas entidades externas que interagem diretamente com a organização (fornecedores, clientes, concorrentes, acionistas, etc.). São elementos críticos, únicos para cada organização, que podem influenciar positiva ou negativamente a eficiência da empresa.

Contudo, para que esses elementos possam ser conhecidos pela organização, é necessário que ela proceda ao monitoramento do ambiente, o que pode ser entendido como a observação de um conjunto de fatores, tanto externos como internos, que podem comprometer ou influenciar positivamente a atuação de uma organização. Escrivão, Carvalho e Andrade (2004) relacionam essa atividade à gestão estratégica, afirmando que o monitoramento do ambiente configura-se como uma maneira de coletar informações para o processo estratégico, podendo significar a diferença de uma gestão estratégica ou não.

Em 1993, Certo e Peter definiram a atividade de análise do ambiente como a principal etapa do processo estratégico, indicando que as variáveis ambientais deveriam ser constantemente examinadas pela empresa para identificar riscos e oportunidades presentes ou futuros que pudessem influenciar a organização a atingir suas metas. Kotler (1998), ao abordar a SWOT, reforça essa orientação ao monitoramento ao afirmar a importância de monitorar as forças macroambientais (demográficas, econômicas, tecnológicas, políticas, legais, sociais e culturais), e também os atores microambientais (como os consumidores, concorrentes, canais de distribuição e fornecedores), de forma a estabelecer um sistema de Inteligência.

2.2. Inteligências para monitoramento do ambiente Um sistema de Inteligência permite observar alterações do ambiente, dando oportunidade à empresa de adaptar sua estratégia ao mercado e criando vantagem competitiva. Para Haeckel e Nolan (1993), a Inteligência nas corporações é a habilidade em lidar com a complexidade do ambiente, capturando, analisando e extraindo significado de sinais do ambiente externo que as possam afetar de forma positiva ou negativa.

Diversas são as nomenclaturas de Inteligência, como Inteligência Social (Choo, 2002), Inteligência Competitiva (Gomes & Braga, 2001; Tarapanoff, 2006; Santos, Picchioni, & Almeida, 2009), Inteligência de Negócios (Gilad & Gilad, 1988; Santos et al., 2009), Inteligência Empresarial/Organizacional, Inteligência Econômica (Martre, Clerc, & Harbulot, 1994), Inteligência Coletiva (Lévy, 2007; Nepomuceno & Cavalcanti, 2007) e Inteligência Estratégica Antecipativa e Coletiva (Lesca, 2003; Janissek-Muniz et al., 2007).

Autores como Janissek-Muniz (2004), Fachinelli, Giacomello e Bertolini (2010) e Rios, Strauss, Janissek-Muniz e Brodbeck (2011) compilaram diferenças, indicando divergências e convergências conceituais dos termos. As principais diferenças apontam para aplicabilidade, direcionamento, enquadramento, ambiente e objetivos. Neste trabalho, pela oportunidade de aplicação e necessidade de seguir uma metodologia, focar-se-á o conceito de Inteligência Estratégica Antecipativa e Coletiva que contempla uma forma para tornar o conhecimento acionável, o método L.E.SCAnning (Lesca, 2003).

2.3. Inteligência estratégica antecipativa e coletiva A IEAc é um processo específico de monitoramento organizacional baseado na coleta, seleção e interpretação de informações relativas ao estado e à evolução do ambiente organizacional externo (Lesca, 2003). Busca mapear representações relevantes do ambiente organizacional, de maneira a apoiar o processo decisório organizacional, propiciando à empresa identificar ameaças ou oportunidades de negócios, para adaptar-se ao ambiente de forma rápida (Janissek-Muniz et al., 2007). Janissek-Muniz et al. (2007) salientam que a IEAc está estreitamente relacionada aos conceitos de antecipação e ambiente externo, vinculando-se de forma significativa aos comportamentos e à postura proativa dos indivíduos da organização. Importante salientar que antecipação para a IEAc, diferentemente dos modelos preditivos ou de tendência, que partem do passado para o futuro, pressupondo uma continuidade de comportamento, refere-se aos cenários de inovação. Conforme Lesca e Janissek-Muniz (2007, p. 1), "o objetivo fundamental da IEAc é a transformação de sinais fracos (indícios antecipativos) em informação para a tomada de decisão. Para efetuar esta transformação, utilizamos a técnica de interpretação visando criação de sentido". Para que essa interpretação possa ser realizada, é necessário compreender as etapas de aplicação do modelo de IEAc, operacionalizado pelo método L.E.SCAnning.

2.4. Método L.E. SCAnning O modelo conceitual de IEAc pode ser operacionalizado a partir de oito etapas.

A caracterização de cada etapa pode ser realizada pela identificação das ações que compõem este processo recursivo: * definição de alvo ' inclui a definição da área foco da empresa sobre a qual se deseja agir e a definição de atores e temas; * coleta/captação ' busca de informações relativas tanto aos atores quanto aos temas selecionados na etapa anterior e registro em fichas de captação; * seleção ' ação de seleção individual e posteriormente coletiva de informações suscetíveis de interessar usuários potenciais da empresa; * repasse ' organização do procedimento de circulação da informação na empresa; * armazenamento ' formação de base de conhecimento com informações e também comentários e interpretações; * difusão ' divulgação e acessibilidade; * animação ' ação de estimular continuamente o processo de IEAc; * criação coletiva de sentido ' atribuição de um sentido coletivo ao conjunto de informações, utilizando a ferramenta puzzleque, à semelhança do quebra-cabeça, relaciona e agrupa informações buscando identificar uma ideia central. O resultado desse trabalho é visualmente representado por um puzzle, que exibe os agrupamentos e ligações entre as informações, assim como as hipóteses geradas a partir dessa elaboração coletiva. Esta fase pode ser seguida por uma tomada de decisão estratégica.

Quanto ao modo de funcionamento, conforme Lesca e Janissek-Muniz (2007), o processo de IEAc pode funcionar de três formas distintas, não exclusivas: no modo comando, a pesquisa ativa de uma informação é iniciada a partir da demanda de alguém que exprime uma necessidade pontual de informação; no modo alerta, a pesquisa de uma informação ocorre de forma contínua por parte dos captadores, que alertam seus pares, por iniciativa própria, quando julgam ter encontrado uma informação interessante; e no modo provocação, à semelhança de iscas, suscita-se a vinda de informações que não teriam sido acessíveis de outra forma, ou que poderiam mesmo nem existir.

Selecionou-se esse modelo de Inteligência, referido de maneira sucinta, para aplicá-lo à Babyloan, uma empresa social de economia P2P, que exigiu a busca do referencial teórico sobre empreendedorismo social, economia social e economia P2P, o que será visto a seguir.

2.5. Empreendedorismo social O empreendedorismo social ainda está emergindo como uma área de investigação acadêmica. Com foco no conceito de empreendedorismo social, na visão de criação de valor de Say (citado por Dees, 1998), de agente de mudança e inovação de Schumpeter (1934, 1975), de busca de oportunidade de Drucker (1995) e de desenvoltura de Stevenson (2000), em uma única caracterização, empreendedores sociais desempenham o papel de agentes de mudança no setor social por meio da missão de criar e manter valor social; da procura de novas oportunidades para servir essa missão; da contínua inovação, adaptação e aprendizagem; da atuação ousada; e da exposição de elevada responsabilidade perante os interessados atendidos e os resultados obtidos.

Existem, entretanto, inúmeras formas de empreendedorismo social, uma delas tem sido referida como empresa social. Em relatório conjunto da Social Enterprise Coalition e da Economic and Social Research Council, Peattie e Morley (2009) reportam que o termo genérico empresa social inclui uma variedade de tipos de organização que se diferenciam em suas atividades, tamanho, estrutura jurídica, âmbito geográfico, financiamento, motivações, grau de orientação para o lucro, relação com as comunidades, propriedade e cultura. As únicas características, salientam elas, que realmente definem esse modelo de negócio são: a primazia de objetivos sociais e uma atividade primária que envolve comércio de mercadorias ou serviços. Analogamente, Short et al. (2009), a partir da análise de 152 artigos, concluem que o denominador comum em empreendedorismo social é a criação de valor social, dentro de um perímetro econômico referido como economia social.

2.6. Economia social Pearce (2003) define economia social como um elemento do terceiro sistema da economia, orientado ao lucro privado, ao planejamento e à prestação de serviços públicos, à autoajuda, à reciprocidade e à realização de propósitos sociais.

Segundo Phills, Deiglmeier e Miller (2008), tem-se visto um crescente intercâmbio entre os conceitos do setor social e do privado, o que pode ser observado pelos termos empresa social e inovação social. Conforme Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010), observa-se muito dessa inovação sinalizando em direção a uma nova forma de economia chamada economia social, que mescla, diferentemente daquelas baseadas na produção e no consumo de mercadorias, características como: o uso intensivo das redes de distribuição para manter e gerenciar relacionamentos, apoiado por banda larga, mobilidade celular e outros meios de comunicação contemporâneos; a indefinição de fronteira entre produção e consumo; a ênfase na colaboração e na interação, na atenção e na manutenção continuadas; e o papel central atribuído aos valores e à missão das organizações.

Uma das ferramentas da economia social é a oferta de microfinanças, termo que, segundo Helms (2006), refere-se ao fornecimento de serviços bancários a pequenas empresas e famílias em situação de pobreza, sendo o microcrédito um desses serviços. Trata-se do terceiro sistema de economia em função de sua natureza dual: uma financeira e outra social-desenvolvimentista, necessariamente relacionada ao desempenho social (Mersland, Randoy, & Strom, 2011) e este, por sua vez, entendido e mensurado dentro de uma natureza multidimensional: de alcance aos mais pobres; de alcance às mulheres, missão primeira da atividade de microfinanças; e de alcance às áreas rurais.

Historicamente, a atividade de microfinanças, introduzida por Mohammad Yunus, em 1976, nasceu dentro de uma cultura de desenvolvimento filantrópica, cujo foco é a construção e o desenvolvimento de capacidade local e a saída gradual de entidades internacionais fundadoras e doadoras.

2.7. Economia P2P Entretanto, incorporando-se o microcrédito ao poder de uma rede digital global, um novo modelo bancário, conhecido como economia P2P, começa a ser delineado (Stalnaker, 2008). De um ponto de vista geral, as redes P2P transformaram completamente a indústria de mídia, alterando o fluxo de informações para o modelo um para muitos (Stalnaker, 2008). Porém, essa mudança de cenário não se restringiu apenas a essa indústria, deslocando-se efetivamente para outros setores, como o de serviços financeiros, particularmente o microcrédito.

Contudo, longe de ser uma ideia nova, esse modelo de economia de empréstimo P2P adquiriu força no mercado em função de dois aspectos fundamentais: a Internet e as redes sociais, possibilitando a interação P2P em uma escala sem precedentes, e o surgimento de novos mecanismos eletrônicos para avaliação de clientes.

2.8. Crowdfunding O significado de crowdfunding traduz a ideia de um esforço coletivo por parte dos consumidores, que se reunem em rede de maneira a angariar dinheiro conjuntamente, geralmente através da Internet, a fim de investir e apoiar os esforços iniciados por outras pessoas ou organizações (Ordanini, Miceli, Pizzetti, & Oparasuraman, 2011). O conceito de crowdfunding pode ser entendido também como parte de outro mais amplo chamado crowdsourcing (Belleflamme, Lambert, & Schwienbacher, 2011), o qual utiliza uma multidão de indivíduos para obter ideias, respostas e soluções para o desenvolvimento de atividades corporativas (Belleflamme et al., 2011). Angariar fundos pela sensibilização do público geral (ou da multidão) é o elemento mais importante do modelo crowdfunding. Isso significa que consumidores voluntários podem patrocinar o desenvolvimento de um produto, ou fazer investimentos em uma variedade de projetos, por meio de pequenas quantias, à parte do mercado regulado, utilizando plataformas sociais on-line (Agrawal, Catalini, & Goldfarb, 2011). Portanto, pode-se entender crowdfunding como a cooperação, a atenção e a confiança coletivas entre pessoas que se relacionam em rede e reúnem recursos conjuntamente, usualmente por meio da Internet, a fim de apoiar ações iniciadas por outras pessoas ou organizações. Podem ser observadas, ainda, no cenário econômico contemporâneo (Smarter Money, 2011), algumas combinações dos modelos crowdfunding, microfinanças e empréstimo P2P: crowdfundinge microfinanças ' quando o capital relativo a essa última é angariado por um grupo de pessoas; crowdfundinge empréstimo P2P ' quando, em um grupo de pessoas, cada uma empresta uma pequena quantia a uma mesma pessoa.

3. MÉTODO DE PESQUISA A pesquisa é qualitativa (Roesch, 2005), ou seja, busca explorar os significados de maneiras e em contextos que não estruturam de forma rígida a coleta de dados. Conforme Vergara (2006), quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa de campo, uma investigação empírica de determinado fenômeno; quanto aos fins, é exploratória, pois visa proporcionar uma visão geral de determinado fato, por levantamento bibliográfico e entrevistas com pessoas ligadas à organização. É também descritiva, pois expõe características da organização pela observação, pelo registro e pela análise dos fenômenos que nela ocorrem.

Por concentrar-se na investigação de uma única organização, a Babyloan, o trabalho caracteriza-se como um estudo de caso (Yin, 2005), pois examina um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto e possibilita uma análise mais detalhada sobre a aplicabilidade do método L.E.SCAnning a uma empresa social de economia P2P, sendo utilizadas as técnicas de entrevista semiestruturada, aliadas à pesquisa documental e aos registros arquivais.

Os dados foram coletados por meio de pesquisa documental nos registros da Babyloan e contêm apresentações institucionais, descritivos de procedimentos e projetos e informações financeiras e organizacionais; entrevistas semiestruturadas e questionários aplicados aos ocupantes dos cargos indicados pela própria organização; pesquisa documental em artigos de mídia com dados secundários sobre o contexto no qual se estabelecem as empresas sociais P2P; e registros arquivais gerados a partir do monitoramento do ambiente organizacional externo, com base no tema e no ator propostos pela Babyloan.

A análise dos dados, realizada de forma qualitativa, proporcionou importantes reflexões sobre o objeto estudado. O principal objetivo foi identificar quais aspectos estariam envolvidos em um processo de IEAc da Babyloan e quais poderiam ser incrementados ou implementados de maneira a possibilitar a continuidade do desempenho conquistado até agora. Buscou-se propor a aplicação da IEAc a fim de contribuir para seu crescimento com a convergência necessária ao perfil da organização.

4. CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA A Babyloan é a primeira plataforma Web francesa de microcrédito crowdfunding voltada a empréstimo social P2P. Oferece uma fonte de refinanciamento barato por meio da utilização da Internet como canalizadora de fundos, isenta de juros, de pessoas para Instituições parceiras de Microfinanças (IMF), caracterizando-se como um Website comunitário de empréstimo social dedicado à microempreendedores (Figura_1). Sua missão é coligar o público em geral e o setor de microfinanças de forma a promover o desenvolvimento desse último por sua crescente divulgação às populações-alvo e pela melhoria dos serviços financeiros oferecidos aos microempresários. A empresa propõe-se a atuar globalmente, promovendo, por meio de sua plataforma, o financiamento de projetos de microempreendedores sediados em locais de carência de recursos financeiros. No período de setembro de 2008 até outubro de 2011, foram 12.137 internautas financiadores, em 123 países, e 2.357.884 euros emprestados para 7.059 microempreendedores.

Segundo a empresa, a atividade de microcrédito P2P é recente, não havendo, portanto, muita pesquisa relacionada ao tema. Dessa forma, também faz parte de sua atuação atestar informações sobre as melhores práticas para o setor e negociar com o governo para permitir que essa esfera de atividade se desenvolva.

Para atender a essas atividades de operação, a organização Babyloan atua com uma equipe distribuída entre quatro polos de atuação: três pessoas no Polo de Direção; duas no Polo de Microfinanças; duas no Polo de Comunicação/Marketing e eventos; e três no Polo de Parcerias, Empresas, Instituições e Inovação.

Além disso, para atender aos requisitos de governança das empresas sociais, explicitados em seu estatuto, a organização conta com um comitê estratégico, que se reúne em três ocasiões a cada ano, para definição e redefinição do planejamento estratégico, além do monitoramento de toda a atividade da organização. O comitê é constituído por representantes dos principais acionistas, bem como por profissionais externos à Babyloan, reconhecidos por sua competência na condução de assuntos voltados às causas sociais e humanitárias, microfinanças e economia social por meio da Web.

4.1. Motivações e histórico da empresa O projeto Babyloan nasceu da ideia de dois empresários sociais apaixonados por microfinanças e pela Web. Segundo eles, foi necessário identificar e reunir os meios, a equipe e os parceiros certos para realizar o desafio de se tornarem líderes no refinanciamento para pequenas e médias instituições de microfinanças, por meio da Web. O objetivo era incrementar a luta mundial contra a pobreza, pela participação ativa da plataforma Babyloan como instrumento de batalha, fazendo com que, por meio dela, um número maior de pessoas passasse a conhecer o microcrédito e, assim, uma nova forma de financiamento responsável e sustentável para populações carentes. Para tanto, associaram-se à Organização Não Governamental (ONG) Acted, por sua experiência em projetos de desenvolvimento, e aos bancos Bred e Crédit Cooperatif, pela expertise em infraestrutura de fluxos financeiros, lançando em setembro de 2008 o website<www.babyloan.org>. Entretanto, somente puderam estabelecer-se, efetivamente, graças a uma aliança de bancos e ONGs que se associaram aos anteriores: a fundação de microfinanças Grameen Crédit Agricole; o consórcio financeiro internacional Etimos; o banco Neuflize OBC; o banco Crédit Agricole Centre-Est; além de investidores privados solidários, como os próprios fundadores, que compartilham os mesmos valores da organização e acreditam que o desenvolvimento do empresariado social passa igualmente pelo investimento venture philanthropy.

4.2. Missão da empresa A missão da Babyloan é coligar o público em geral e o setor de microfinanças de forma a promover o desenvolvimento desse último por sua crescente divulgação às populações-alvo e pela melhoria dos serviços financeiros oferecidos aos microempresários. Essa missão está dividida em três componentes: * incrementar o conhecimento público sobre microfinanças: por meio de novos suportes de microfinanças utilizando plataforma Internet, o público em geral passa a familiarizar-se com o setor e a participar de seu desenvolvimento responsável e sustentável; * apoiar as IMFs parceiras: elas são parceiras de trabalho essenciais às atividades de Babyloan, pois localizam os microempreendedores, identificam suas necessidades, concedem-lhes empréstimos e os acompanham na realização de seus projetos; * melhorar as condições de empréstimos para microempreendedores:juntamente com a oferta de microfinanças, a Babyloan busca identificar populações mais necessitadas, trabalhar para a diminuição das taxas de juros, adaptar serviços financeiros às necessidades da população, melhorando o monitoramento e a avaliação das atividades de forma a garantir impactos sociais positivos.

A meta estabelecida pela organização, para o período de 2008 a 2013, é atingir cem mil financiadores, 25.000 clientes de microcrédito e refinanciar 14 milhões de euros de empréstimos para instituições de microfinanças.

4.3. Diagnóstico da empresa Para compreender de que maneira a organização busca, monitora e utiliza a informação captada do meio externo para sua atuação, foi necessário indagar se e como esses processos estão estabelecidos. Para tanto, foi realizado um diagnóstico do estágio atual dessas ações a partir do questionário FENNEC (IEABrasil, 2011) e das entrevistas realizadas, segundo os quais foi prototipada a aplicação da IEAc. Esse diagnóstico, a seguir, está distribuído em quatro tópicos principais relativos às práticas de monitoramento e ao uso da informação: tipo de monitoramento identificado, contexto no qual é realizado, sua organização na empresa, e transmissão e uso da informação, especialmente com objetivos estratégicos.

4.3.1. Tipo de monitoramento Com relação ao tipo de monitoramento, sob o ponto de vista comercial, a empresa reporta realizar um acompanhamento personalizado de seus clientes, de forma regular, sendo, portanto, considerado confiável para acesso a qualquer tempo.

As informações armazenadas são exclusivamente contábeis, contábeis e comerciais e/ou qualitativas essas últimas visando à exploração de dados e à antecipação de relações futuras. Além disso, existem, também, registros de clientes potenciais.

A empresa afirma que os registros relativos a seus fornecedores atuais, necessidades atuais e futuras, acompanhamento da estratégia, assim como a sua presença nos mercados atual e futuro podem ser considerados atualizados e ricos em informações.

Sob o ponto de vista concorrencial, a Babyloan considera significativa a rivalidade entre concorrentes em seu mercado, assim como a possibilidade de surgimento de produtos de substituição em decorrência disso, visto que modelos diferenciados de empréstimo social crowdfunding são oferecidos por outras organizações tanto na Europa como nos Estados Unidos. A empresa afirma conhecer o nome de seus principais concorrentes, entretanto declara serem insuficientes as informações coletadas a respeito deles, pois não estão regularmente atualizadas. Quanto ao poder de negociação, tanto de clientes quanto de fornecedores, a empresa também o considera significativo.

Sob o ponto de vista tecnológico, a Babyloan integra componentes tecnológicos evolutivos, por meio da mediação dos atores envolvidos no processo de microfinanças via plataforma na web.Afirma estar comprometida com o acompanhamento da evolução do estudo de temas relacionados a microfinanças, empreendedorismo social e empréstimo P2P, buscando manter estreita relação com organismos e centros de pesquisa engajados na investigação desses assuntos, entretanto considera que apresenta, atualmente, um nível de colaboração apenas intermediário ou médio com a área acadêmica.

Quanto à estrutura das informações monitoradas, elas são caracterizadas como certas, qualitativas, incompletas, antecipativas ou retrospectivas. Os relatórios, gerados a partir delas, por sua vez, são redigidos de maneira uniforme, armazenados em local conhecido pelas equipes, consultados e explorados regularmente pela empresa.

4.3.2. Contexto do monitoramento Quanto aos recursos, o monitoramento do ambiente externo é baseado especialmente na Internet, que a empresa considera uma ferramenta eficaz para coleta de informações. A pesquisa que realiza na Internet é caracterizada por atenção e observação ativas, por meio de navegação dirigida para um foco específico, portanto considerada sem dificuldades pela organização. A prática da navegação por hipertexto também é natural, ocorrendo sempre que a organização deseja incrementar ou detalhar a coleta de informação sobre determinado assunto. A organização considera, portanto, que faz uso eficiente dessa ferramenta.

No contexto do monitoramento, a participação da Babyloan em feiras, exposições e salões profissionais, tanto como expositora quanto como visitante, também é elemento presente, para o que a empresa mantém um calendário incremental de eventos e conferências.

Adicionalmente, a busca por informações do ambiente é também realizada, de maneira eventual, em bancos de dados externos e em organismos contratados especialmente para esse fim.

Com relação ao contexto cultural, a empresa afirma contar com pessoal motivado para a coleta de informações na Internet, além de prescindir de auxilio metodológico para essa ação. Informa que seu pessoal participa ativa e espontaneamente dessa atividade, e confia que as informações coletadas sejam efetivamente consideradas pela empresa.

Outro aspecto importante diz respeito ao convencimento da direção sobre a necessidade estratégica de monitoramento do ambiente, muito embora ela afirme encorajar apenas ocasionalmente a atividade por meio de agradecimentos e citações internas; entretanto, busca, sempre que possível, servir de exemplo à equipe, comunicando as informações que coleta.

4.3.3. Organização do monitoramento A coleta de informações sobre o ambiente externo é orientada por critérios previamente definidos, sendo as áreas de observação estabelecidas a partir dos temas: microfinanças, empreendedorismo social e empréstimo P2P.

Quanto à formalização, a gestão da função de monitoramento é assegurada pelo Polo de Comunicação-Marketing-Eventos, responsável por atualizar-se e transmitir, semanalmente, às demais equipes, um resumo das informações relevantes coletadas. A tarefa de monitoramento é, todavia, também compartilhada com os demais polos da empresa. A empresa informa que a quantidade de tempo semanal dedicado a essa atividade é de dois dias. Em função da descentralização, considerada necessária pela Babyloan uma vez que conta com apenas dez profissionais o Polo de Comunicação-Marketing-Eventos atua basicamente de forma autônoma, ou seja, independente do Polo Diretivo, nesse processo de gestão do monitoramento.

Com relação à integração, a Babyloan afirma não possuir um centro de documentação próprio para armazenamento de dados a partir das fontes de informação monitoradas, o que impede, portanto, acesso fácil e rápido a uma informação desejada. Da mesma maneira, informa que assinaturas de revistas e jornais consultados também não estão centralizadas.

4.3.4. Transmissão e uso da informação A empresa alega que a informação coletada pelos membros da organização em contato com o ambiente externo é devidamente encaminhada àqueles a quem ela é, potencialmente, importante. Cabe salientar, contudo, que, embora esses repasses sejam realizados por via formal e oficial, essa transmissão inclui o uso de novas tecnologias (e-mail ou rede), mesmo para a difusão de informação estratégica. Como a Babyloan possui uma constituição organizacional enxuta, entende, também, que a quantidade de intervenientes nesse circuito de repasse de informação está demasiadamente reduzida.

A organização das informações sobre o ambiente externo não apenas permite encontrar facilmente uma informação pesquisada, como também facilita um processo de consolidação de informações que possibilita uma visão global do ambiente da empresa.

Sob o ponto de vista da tomada de decisão, a organização reporta que as informações estratégicas, obtidas por meio da atividade de monitoramento, chegam aos gestores no tempo desejado e que eles as consideram efetivamente durante sua reflexão sobre a estratégia, sendo frequentemente utilizadas para deferir ou indeferir estratégias.

5. RESULTADOS O modelo de Inteligência escolhido para proposição de aplicação à empresa Babyloan, com ênfase na estratégia de antecipação, foi o L.E.SCAnning (Learning Environmental Scanning) (Lesca, 2003), ou Inteligência Estratégica Antecipativa Coletiva (IEAc). Para este estudo, o dispositivo foi aplicado basicamente pelo modo comando, embora algumas informações tenham sido obtidas pelo modo alerta.

A seguir, serão apresentadas as etapas do método L.E.SCAnning executadas neste estudo e os principais resultados obtidos por meio da organização e da análise dos sinais capturados do ambiente.

Para a definição do alvo, considerou-se o foco da empresa centrado no Polo de Comunicação-Marketing-Eventos, uma vez que o contexto atual de crise econômica mundial não motiva os financiadores individuais ao crédito social P2P. Assim, a organização precisa encontrar estratégias para atrair um número maior de pessoas para essa ação solidária coletiva.

Como alvo, identificaram-se como atores estratégicos o grupo de diretores e gestores, constituído por ONGs, bancos e fundações, em função do poder de decisão que possuem com relação às ações da Babyloan; os bancos centrais europeus das nações da União Europeia, uma vez que a atividade de empréstimo P2P não é permitida em alguns países do bloco; os parceiros de trabalho, as instituições de microfinanças (IMFs), que originam uma quantidade significativa de fundos à Babyloan.

Adicionalmente, optou-se por incorporar à matriz os usuários da Internet ou de tecnologia e alguns concorrentes principais. Os temas selecionados estão relacionados aos atores: comunicação, microfinanças, economia social, concorrência, parceria, Internet (e tecnologia), regulação e legislação financeira (Quadro_1).

Com base no alvo, nos meses de julho a outubro de 2011 selecionaram-se 37 informações, as quais foram percebidas, capturadas e selecionadas em websites, blogs, redes sociais, programas de TV, rádios, jornais e revistas, e registradas em fichas de captação (Quadro_2).

A coleta e a seleção foram baseadas nos critérios de pertinência e/ou antecipação das informações referentes aos atores e aos temas-alvo do estudo.

As informações captadas e selecionadas foram armazenadas segundo modelo de centralização única em uma base de conhecimento, estruturada em planilha Microsoft Excel.

Os registros contemplaram as informações com suas respectivas interpretações, elementos essenciais não apenas para a IEAc, como também para a atividade de gestão do conhecimento.

Na Babyloan, o repasse das informações internas é realizado pela Internet; entretanto, embora exista um setor responsável pela coleta e repasse, esse processo poderia ser incrementado pela colaboração intensiva dos demais setores. A difusão das informações que envolve definição de acesso à informação ao usuário potencial, clareza de seu objetivo, escolha do modelo de organização da difusão e das ferramentas e métodos apropriados exige a capacitação da equipe da Babyloan para atuação, segundo prevê o modelo IEAc, com a identificação prévia e clara do tipo de informação pertinente a cada usuário interno e com a determinação do modelo de organização da difusão das informações.

A etapa de animação, que envolve incentivo e estímulo à ação de Inteligência, embora no estudo tenha sido caracterizada pela ação dos pesquisadores, pode ser realizada por uma ou várias pessoas. Conforme Lesca e Janissek-Muniz (2007), é fundamental considerar o perfil do animador, com competências para comunicação e organização. No caso da Babyloan, essa função poderia ser estendida à figura do responsável pela gestão do monitoramento e repasse das informações internas, função existente na organização, observando-se, entretanto, as características de perfil indispensáveis às atividades de animação.

Na etapa de criação coletiva de sentido, foi aplicada a ferramenta puzzle para a geração de hipóteses. Foi primeiramente realizado o agrupamento das informações por meio dos critérios de semelhança e proximidade dos assuntos, de forma a buscar uma organização prévia das ideias a serem conectadas, gerando sete subgrupos, a seguir apresentados. Seguindo os passos da construção do puzzle, gerou-se a representação exibida na Figura_2, conforme sua legenda.

A análise das relações estabelecidas na representação do puzzle pode orientar para uma definição de tomada de decisão, ou para a continuidade das buscas por informação objetivando responder as questões levantadas a partir de um novo ciclo da IEAc.

É provável, também, que muitas informações continuem fragmentadas e aparentemente desconectadas, mas é exatamente esse o caminho natural para o estabelecimento de um sentido coletivo buscar informações que possibilitem decifrar as lacunas do puzzle. Serão essas que, depois, talvez, poderão caracterizar-se como sendo informações antecipativas.

A partir do puzzle foram levantadas diversas hipóteses. Buscou-se, entretanto, focar em duas ideias centrais para a antecipação, as quais sensibilizam diretamente a atuação da organização. A primeira ideia diz respeito ao comportamento do internauta, foco-chave da organização Babyloan; a segunda refere-se à Internet e a suas aplicações de interação com esses internautas, sugerindo as hipóteses apresentadas no Quadro_3.

Na representação gráfica do puzzle, alguns cenários podem ser também visualizados, confirmando orientações cujos sinais se observam: redes móveis e redes sociais, tendências crescentes que irão afetar os consumidores, os prestadores de serviços, a indústria de hardware, software, infraestrutura, e o potencial comercial da Web; e mobilidade, gerando a necessidade de aplicações multiplataforma, e o consequente incremento dos investimentos em cobertura móvel, cujas projeções deverão ultrapassar aquele via desktop em poucos anos.

No caso do estudo, constatou-se o interesse da União Europeia pela ampliação de cobertura móvel e 3G, especialmente nas zonas rurais onde inexiste infraestrutura de acesso à Internet via rede fixa. O objetivo certamente é possibilitar a expansão das interações sociais e transações comerciais para níveis, até então, impossíveis de ser atingidos, favorecendo significativamente as relações entre indivíduos e organizações. Sob o ponto de vista do mercado no qual a Babyloan atua, é viável supor que, em países mais pobres, o microcrédito on-line poderá ter um futuro mais difícil, não apenas em função da projeção mundial de explosão do acesso móvel, mas também por ser a maior parte da população carente e sem condição de acesso à Internet. Nesses países, os serviços bancários móveis poderiam ser considerados uma boa solução. Contribui também para isso o lançamento de redes móveis 3G em diversos países africanos, alavancando o continente com o crescimento mais rápido do mundo para a telefonia móvel. Por outro lado, na visão do internauta financiador, mas confirmando a mesma tendência de demanda por serviços financeiros móveis, Persson (2010) prevê que o mobile banking irá atrair 115 milhões de usuários na Europa, projeção que pode ser estendida à economia social e aos serviços de microfinanças.

Assim, considerando esses sinais, pode-se concluir que a ampliação do microcrédito móvel teria maior potencial do que o microcrédito on-line, orientando para a necessidade de as organizações disporem suas aplicações em multiplataformas. No entanto, é possível, também, que os dois tipos de acesso possam convergir futuramente para conexões via satélite, permitindo a Web móvel também por meio de desktops e laptops.

De fato, muitas outras questões poderiam ser estabelecidas ou identificadas a partir da representação gráfica do puzzle; o que as determinará, efetivamente, será o conhecimento organizacional daqueles que participam da etapa de criação de sentido, da criatividade, da competência e, especialmente, da riqueza da interação coletiva.

No caso da Babyloan, que atua em contexto de abundância de informação, pode-se intuir que o método L.E.SCAnning, de fato, possa potencialmente contribuir para o desempenho da organização, em especial em momento de crise financeira, pois possibilita a descoberta de novos nichos de mercado e de novas formas tecnológicas, ainda não exploradas, para contato e sensibilização de usuários potenciais e organizações apoiadoras. Vale lembrar, contudo, que abundância também é sinônimo de complexidade, pois em um universo de multiplicidade de informações e de oportunidades, como a Web, o fluxo dos negócios dificilmente seguirá rotas predeterminadas, favorecendo, portanto, as organizações que, de alguma maneira, conseguirem antecipar esses cenários na formulação de suas estratégias.

Finalmente, é importante salientar que a implementação de um modelo IEAc também se configura como um processo complexo, cujos resultados são mais bem avaliados a longo prazo, o que significa a execução de vários ciclos. No entanto, a construção do conhecimento e o uso da Inteligência são produtos de ações contínuas e acumulativas que podem contribuir efetivamente para a sustentabilidade da organização, não apenas sob o ponto de vista da dimensão econômica, mas também da social, da técnica, da política e, especialmente, da cognitiva.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O novo cenário mundial, no qual estruturas políticas, econômicas e sociais vêm sendo rompidas progressivamente, exige novas necessidades de conhecimento. Isso remete à ideia de que a competência para a antecipação de cenários futuros pode ser compreendida como um dos fatores importantes de sustentabilidade para as organizações, pois o grande desafio recai sobre a necessidade de estarem preparadas para negócios que ainda não existem, para tecnologias que ainda não foram inventadas e para problemas ainda não conhecidos.

No entanto, essa capacidade de antecipação, conforme visto no modelo IEAc, está associada à criação de sentido a partir de informações que não o exibem de forma evidente. É, portanto, uma ação complexa demais para ser realizada individualmente, indicando, dessa forma, uma necessidade de atuação coletiva como a mais interessante e potencialmente mais rica. Isso corrobora os preceitos do método indicado por Lesca (2003). Significa, também, que quanto maior o desenvolvimento do capital social da organização, ou seja, das pessoas que a compõem, suas competências e seu envolvimento, maiores serão as possibilidades de elaboração criativa de cenários futuros para a antecipação de estratégias.

Assim, partindo do pressuposto de que qualquer economia mundial, como qualquer empreendimento, está, em última análise, baseada na força, na capacidade e na habilidade das pessoas que a integram, ver-se-á então que, sob o aspecto humano, fundamental na prática de IEAc, as empresas sociais conseguem uma real vantagem no mundo dos negócios. Em primeiro lugar, por apresentarem uma cultura participativa com forte senso comunitário e, em segundo, por ser habitualmente mais fácil para elas atrair e reter pessoal altamente motivado, portanto disponível para empreender a coleta voluntária de sinais no ambiente pertinente.

Portanto, o entendimento pragmático do cenário externo, por meio da IEAc, favorece decisões que trazem uma marca de empreendedorismo e inovação, e tem no universo da economia social P2P, ambiente fortemente baseado em percepção, um impacto potencial bastante significativo, conforme se procurou exemplificar no estudo de caso.

Quanto aos aspectos restritivos do trabalho, destacam-se: * por ser um estudo de caso, algumas condições particulares da empresa impossibilitam a generalização das conclusões a demais organizações; * da mesma maneira, estão presentes elementos legais específicos à União Europeia, os quais caracterizam fortemente a organização Babyloan e não necessariamente encontram similaridade em países de outros blocos geográfico-econômicos; * a pesquisa foi realizada durante um intervalo de tempo inferior a seis meses, o que pode ser entendido como fator limitador do aprofundamento das informações levantadas relativas à organização e a seu ambiente; * para fins de operacionalização da pesquisa, todas as atividades previstas para realização do ciclo de IEAc foram desempenhadas por apenas uma pessoa, embora o modelo preveja que o trabalho e o esforço sejam coletivos; * no trabalho procurou-se abordar o método L.E.SCAnning sob um ponto de vista macro, haja vista a complexidade do processo e o consequente intervalo de tempo necessário para sua realização e aferição de resultados.

Em virtude da limitação do número de pesquisas realizadas no País sobre economia social P2P e sobre a aplicação de ferramentas de Inteligência para esse setor, especificamente empresas sociais, que constitui um modelo diferenciado de atuação entre o segundo e o terceiro setor, sugere-se a continuidade dos estudos sobre esses temas. Especificamente sobre os modelos de mercado P2P, cujo enfoque é fortemente colaborativo, propõe-se que pesquisas sejam aprofundadas sob o ponto de vista da Inteligência Coletiva nos negócios.


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