Inteligência estratégica antecipativa coletiva e crowdfunding: aplicação do
método L.E.SCAnning em empresa social de economia peer-to-peer (P2P)
1. INTRODUÇÃO
A autossustentabilidade a longo prazo configura-se como um dos maiores desafios
a serem enfrentados pelas organizações, especialmente aquelas lastreadas na
economia social, dentre elas as empresas peer-to-peer(P2P). O diferencial é que
elas estabelecem não apenas metas, mas também compromissos de sustentabilidade
com o futuro, e exigem que as soluções aplicadas sejam positivamente
multidimensionais, dos pontos de vista humano, político, técnico, econômico e
social. Alguns fatores contribuem adicionalmente para esse desafio, como a
própria conceituação e identificação dos modelos organizacionais contemporâneos
de empresas sociais e economia P2P e a gestão do delicado equilíbrio entre duas
forças aparentemente antagônicas: impacto social e retorno financeiro advindos
de suas atividades. Entretanto, não é necessário conflito entre o
estabelecimento de uma sociedade inclusiva e o estímulo ao empreendedorismo. A
realidade econômica do século XXI indica que, longe de serem exclusivos, os
temas sociais e ambientais devem ser progressivamente vistos não só como
importantes oportunidades comerciais, mas também condutores de sucesso dos
negócios.
Uma empresa social é um negócio que visa, primariamente, a objetivos sociais e
cujos excedentes são principalmente reinvestidos no próprio negócio ou em
benefícios para a comunidade, em vez de conduzidos à maximização de lucro. São
empreendimentos que utilizam mecanismos de mercado com a finalidade de
minimizar desigualdades socioeconômicas. Para os externos ao setor, o conceito
de empresa social é ainda desconhecido; todavia ela é primeira, e
principalmente, um negócio. Essas organizações funcionam como empresa do
segundo setor, porém a diferença primordial é que o objetivo do negócio é o
benefício social que irá promover. Embora existam diversos estudos que buscam
enquadrar o empreendedorismo social contemporâneo (Stevenson, 2000; Austin,
Stevenson, & Wei-Skillern, 2006; Wei-Skillern, Austin, Leonard, &
Stevenson, 2007; Short, Moss, & Lumpkin, 2009; Moss, Lumpkin, & Short,
2010), o tema ainda carece de cabedal maior.
Empresas sociais são potencialmente negócios dinâmicos e progressistas que
experimentam e inovam, estando habilitadas a desfrutar das melhores práticas do
setor de voluntariado. Partindo exatamente desse espírito inovador, muitas
empresas sociais voltaram-se para o modelo crowdfundingde economia P2P, que se
configura como uma tendência emergente de organização colaborativa de recursos
na Web. O termo P2P surgiu na área de tecnologia (Abbate, 1999), representando
um formato de rede de computadores cuja principal característica é a
descentralização das funções. Analogamente, o termo passou a configurar,
também, um novo modelo de economia descentralizada (Benckler, 2006; Stalnaker,
2008), na qual a produção de valor é realizada por meio da cooperação livre
entre agentes autônomos que têm acesso ao capital distribuído. Adicionalmente,
destaca-se outra característica a natureza da economia baseada em plataformas
P2P na Web, da qual o modelo crowdfundingde microcrédito faz parte, é lastreada
na abundância de informação, propiciando um universo em que qualquer indivíduo
possa negociar.
Existem inúmeras dificuldades a serem enfrentadas por organizações de economia
social, pois atuam em mercado competitivo, dinâmico, difícil de ser
prospectado, no qual a atividade de administrar é complexa. O estabelecimento
de estratégias é um desafio às habilidades de gestão, especialmente para os
novos modelos organizacionais que não possuem foco apenas em lucratividade.
Assim, um processo diferenciado é fundamental, pois empresas sociais têm maior
restrição de recursos do que as de outros setores. Logo, um trabalho de
Inteligência permite estruturar a visão do ambiente, elenca aspectos críticos e
favorece a ação justificada junto a organismos multilaterais, governos,
iniciativa privada e comunicação social.
Segundo Choo (1999), a sobrevivência de uma empresa depende, em parte, de sua
capacidade de antecipar as mudanças e de considerá-las na definição dos eixos
estratégicos que deseja implantar. Sob esse prisma, uma prática que se aplica a
organizações com enfoque sistêmico é a de Inteligência Estratégica Antecipativa
Coletiva (IEAc) (Lesca, 2003; Janissek-Muniz, Freitas, & Lesca, 2007),
focada em decisões de impacto estratégico lastreadas na exploração, captação e
atribuição interna de sentido coletivo para sinais provenientes do ambiente
externo.
O processo de IEAc, desenvolvido dentro de padrões empresariais durante os
últimos anos, parece adaptar-se bem às necessidades de tomada de decisão do
setor de economia social e apresenta duas características importantes: a
primeira é colaborar para o desenvolvimento da capacidade analítica dos
tomadores de decisão, habilitando-os a empreender iniciativas e a identificar
oportunidades de forma inovadora antes de outras organizações; outra é
valorizar a Inteligência interna e a capacidade analítica da equipe, o
coletivo, evitando a dependência exagerada de consultorias externas para o
desenvolvimento de projetos estratégicos. O uso de um processo que se proponha
a sistematizar essa análise, organizar e estruturar os sinais fracos captados
do ambiente, transformando-os em informação relevante, certamente constituirá
ferramental adicional importante para a antecipação de estratégias que possam
promover a sustentabilidade e a competitividade do negócio.
Neste trabalho, o propósito é analisar a aplicabilidade do método L.E.SCAnning
como ferramenta de apoio ao processo de planejamento, coleta, tratamento e
distribuição de informação relevante ao processo decisório estratégico de uma
empresa social crowdfundingde economia P2P. Busca-se observar de que maneira
uma prática inicialmente aplicada ao mercado privado pode ser entendida sob o
ponto de vista da economia social, proporcionando a possibilidade de ponderar
se um modelo de IEAc pode colaborar para o sucesso de um empreendimento
multifacetado e complexo como este. Cabe salientar, entretanto, que uma
particularidade deste estudo reside no fato de ser a proposição de IEAc
estabelecida para uma organização atuante em três setores: no campo econômico,
uma vez que trata de microcrédito; no campo social, visto versar sobre
empreendedorismo social; e no campo tecnológico, na medida em que a economia
P2P se desenvolve por meio de plataforma colaborativa na Web.
Espera-se, também, motivar a continuidade dos estudos no País sobre a economia
social P2P e sobre a aplicação de ferramentas de Inteligência para esse setor,
uma vez que esse novo modelo de negócio, já aceito e aplicado na Europa e nos
Estados Unidos, chegou conceitualmente ao Brasil provocando alguma ambiguidade
de entendimento, possivelmente em função do equívoco com relação ao conceito de
empresa social e ao compromisso das empresas em incorporarem ações sociais e
ambientalmente corretas em seus negócios, o que é outro tema; e em função da
diferença histórica entre o contexto empresarial brasileiro e aqueles europeu e
norte-americano, o que significa identificar possíveis oportunidades desse novo
cenário que contribuam para a implementação desse modelo no Brasil.
Sob o ponto de vista do desenvolvimento organizacional, por meio do estudo de
caso de uma empresa social, espera-se contribuir para o aumento do entendimento
do valor e da potencialidade desse tipo de empreendimento, para o
fortalecimento de evidências que demonstrem seu real impacto e valor agregado e
para o consequente estabelecimento de organizações similares a Babyloan, tendo
em vista a inexistência desse modelo particular no Brasil.
Na seção 2 deste estudo, apresenta-se o referencial teórico, que trata dos
temas Inteligência, Empreendedorismo Social e Economia P2P; na seção 3,
descreve-se o método de pesquisa; na seção 4, contemplam-se a caracterização da
organização e seu diagnóstico atual; na 5, apresentam-se os resultados da
prototipação da aplicação da IEAc, concluindo-se com as considerações finais na
seção 6.
2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
A realidade atual em que as organizações se estabelecem é impulsionada pela
comunicação e pela interatividade, e nunca antes houve tal profusão de
informação à disposição de todos. Apesar dessa significativa oferta, compete às
organizações a árdua e complexa tarefa de selecionar informações relevantes ao
processo decisório, tendo em vista a abundância não apenas de dados, mas também
de contextos nos quais eles se inserem. De acordo com Davenport e Prusak
(2003), é essencial para a realização bem-sucedida das atividades de
Inteligência que as organizações saibam definir e incorporar em seus processos
dados, informações e conhecimento, uma vez que seu sucesso ou fracasso podem
depender da aplicação eficiente desses elementos para solução de problemas e
tomada de decisão.
De maneira geral, os autores referenciam conhecimento como sendo um fenômeno
pessoal, que difere de informação, uma vez que, sendo um processo complexo e
dinâmico, não pode ser capturado ou compartilhado (Tarapanoff, 2006). Para
Wilson (2006), conhecimento é aquilo que se sabe e envolve processos mentais de
compreensão, entendimento e aprendizado que passam pela mente,
independentemente de interação com o mundo exterior e com outros. Miranda
(2006) relaciona os níveis de conhecimento em uma escala de que deriva, a
partir dele, o conhecimento organizacional e, desse, o conhecimento
estratégico, defendendo seu caráter analítico e particular para a organização.
Com relação à importância do conhecimento, Drucker (1993) afirmou que a
produtividade do conhecimento é fator determinante da posição competitiva de
uma empresa, indústria ou de todo um país. Davenport e Prusak (2003)
observaram, adicionalmente, que atividades baseadas no conhecimento e voltadas
ao desenvolvimento de produtos e processos tornam-se as principais funções
internas das empresas. De forma análoga, Nonaka e Takeuchi (1997) veem o
conhecimento como processo humano dinâmico que justifica a crença pessoal com
relação à verdade, e também como um ativo corporativo que deve ser gerido como
outros ativos tangíveis, sendo fonte da vantagem competitiva no ambiente
organizacional.
2.1. Ambiente organizacional e seu monitoramento
Em termos estruturais, autores como Daft (2002) e Mintzberg (2003) dividem o
ambiente em macroambiente, ou ambiente geral, e microambiente, ou ambiente de
tarefas. Lesca e Janissek-Muniz (2007) identificam o macroambiente como um
conjunto de atores que compõem a ambiência exterior à organização e cujos
comportamentos e decisões são capazes de impactá-la. Ansoff (1965) também
entende a organização como resultado de seu ambiente, e cuja sobrevivência,
inclusive, depende dele. Quanto aos componentes do ambiente, Hall (1984)
estabelece uma divisão em função das características da interação do ambiente
com a organização: ambiente geral, que afeta todas as organizações e é igual
para todas (condições tecnológicas, legais, econômicas, demográficas e
culturais); e ambiente específico, que é formado pelas entidades externas que
interagem diretamente com a organização (fornecedores, clientes, concorrentes,
acionistas, etc.). São elementos críticos, únicos para cada organização, que
podem influenciar positiva ou negativamente a eficiência da empresa.
Contudo, para que esses elementos possam ser conhecidos pela organização, é
necessário que ela proceda ao monitoramento do ambiente, o que pode ser
entendido como a observação de um conjunto de fatores, tanto externos como
internos, que podem comprometer ou influenciar positivamente a atuação de uma
organização. Escrivão, Carvalho e Andrade (2004) relacionam essa atividade à
gestão estratégica, afirmando que o monitoramento do ambiente configura-se como
uma maneira de coletar informações para o processo estratégico, podendo
significar a diferença de uma gestão estratégica ou não.
Em 1993, Certo e Peter definiram a atividade de análise do ambiente como a
principal etapa do processo estratégico, indicando que as variáveis ambientais
deveriam ser constantemente examinadas pela empresa para identificar riscos e
oportunidades presentes ou futuros que pudessem influenciar a organização a
atingir suas metas. Kotler (1998), ao abordar a SWOT, reforça essa orientação
ao monitoramento ao afirmar a importância de monitorar as forças
macroambientais (demográficas, econômicas, tecnológicas, políticas, legais,
sociais e culturais), e também os atores microambientais (como os consumidores,
concorrentes, canais de distribuição e fornecedores), de forma a estabelecer um
sistema de Inteligência.
2.2. Inteligências para monitoramento do ambiente
Um sistema de Inteligência permite observar alterações do ambiente, dando
oportunidade à empresa de adaptar sua estratégia ao mercado e criando vantagem
competitiva. Para Haeckel e Nolan (1993), a Inteligência nas corporações é a
habilidade em lidar com a complexidade do ambiente, capturando, analisando e
extraindo significado de sinais do ambiente externo que as possam afetar de
forma positiva ou negativa.
Diversas são as nomenclaturas de Inteligência, como Inteligência Social (Choo,
2002), Inteligência Competitiva (Gomes & Braga, 2001; Tarapanoff, 2006;
Santos, Picchioni, & Almeida, 2009), Inteligência de Negócios (Gilad &
Gilad, 1988; Santos et al., 2009), Inteligência Empresarial/Organizacional,
Inteligência Econômica (Martre, Clerc, & Harbulot, 1994), Inteligência
Coletiva (Lévy, 2007; Nepomuceno & Cavalcanti, 2007) e Inteligência
Estratégica Antecipativa e Coletiva (Lesca, 2003; Janissek-Muniz et al., 2007).
Autores como Janissek-Muniz (2004), Fachinelli, Giacomello e Bertolini (2010) e
Rios, Strauss, Janissek-Muniz e Brodbeck (2011) já compilaram diferenças,
indicando divergências e convergências conceituais dos termos. As principais
diferenças apontam para aplicabilidade, direcionamento, enquadramento, ambiente
e objetivos. Neste trabalho, pela oportunidade de aplicação e necessidade de
seguir uma metodologia, focar-se-á o conceito de Inteligência Estratégica
Antecipativa e Coletiva que contempla uma forma para tornar o conhecimento
acionável, o método L.E.SCAnning (Lesca, 2003).
2.3. Inteligência estratégica antecipativa e coletiva
A IEAc é um processo específico de monitoramento organizacional baseado na
coleta, seleção e interpretação de informações relativas ao estado e à evolução
do ambiente organizacional externo (Lesca, 2003). Busca mapear representações
relevantes do ambiente organizacional, de maneira a apoiar o processo decisório
organizacional, propiciando à empresa identificar ameaças ou oportunidades de
negócios, para adaptar-se ao ambiente de forma rápida (Janissek-Muniz et al.,
2007). Janissek-Muniz et al. (2007) salientam que a IEAc está estreitamente
relacionada aos conceitos de antecipação e ambiente externo, vinculando-se de
forma significativa aos comportamentos e à postura proativa dos indivíduos da
organização. Importante salientar que antecipação para a IEAc, diferentemente
dos modelos preditivos ou de tendência, que partem do passado para o futuro,
pressupondo uma continuidade de comportamento, refere-se aos cenários de
inovação. Conforme Lesca e Janissek-Muniz (2007, p. 1), "o objetivo fundamental
da IEAc é a transformação de sinais fracos (indícios antecipativos) em
informação para a tomada de decisão. Para efetuar esta transformação,
utilizamos a técnica de interpretação visando criação de sentido". Para que
essa interpretação possa ser realizada, é necessário compreender as etapas de
aplicação do modelo de IEAc, operacionalizado pelo método L.E.SCAnning.
2.4. Método L.E. SCAnning
O modelo conceitual de IEAc pode ser operacionalizado a partir de oito etapas.
A caracterização de cada etapa pode ser realizada pela identificação das ações
que compõem este processo recursivo:
* definição de alvo ' inclui a definição da área foco da empresa sobre a
qual se deseja agir e a definição de atores e temas;
* coleta/captação ' busca de informações relativas tanto aos atores quanto
aos temas selecionados na etapa anterior e registro em fichas de
captação;
* seleção ' ação de seleção individual e posteriormente coletiva de
informações suscetíveis de interessar usuários potenciais da empresa;
* repasse ' organização do procedimento de circulação da informação na
empresa;
* armazenamento ' formação de base de conhecimento com informações e também
comentários e interpretações;
* difusão ' divulgação e acessibilidade;
* animação ' ação de estimular continuamente o processo de IEAc;
* criação coletiva de sentido ' atribuição de um sentido coletivo ao
conjunto de informações, utilizando a ferramenta puzzleque, à semelhança
do quebra-cabeça, relaciona e agrupa informações buscando identificar uma
ideia central. O resultado desse trabalho é visualmente representado por
um puzzle, que exibe os agrupamentos e ligações entre as informações,
assim como as hipóteses geradas a partir dessa elaboração coletiva. Esta
fase pode ser seguida por uma tomada de decisão estratégica.
Quanto ao modo de funcionamento, conforme Lesca e Janissek-Muniz (2007), o
processo de IEAc pode funcionar de três formas distintas, não exclusivas: no
modo comando, a pesquisa ativa de uma informação é iniciada a partir da demanda
de alguém que exprime uma necessidade pontual de informação; no modo alerta, a
pesquisa de uma informação ocorre de forma contínua por parte dos captadores,
que alertam seus pares, por iniciativa própria, quando julgam ter encontrado
uma informação interessante; e no modo provocação, à semelhança de iscas,
suscita-se a vinda de informações que não teriam sido acessíveis de outra
forma, ou que poderiam mesmo nem existir.
Selecionou-se esse modelo de Inteligência, referido de maneira sucinta, para
aplicá-lo à Babyloan, uma empresa social de economia P2P, que exigiu a busca do
referencial teórico sobre empreendedorismo social, economia social e economia
P2P, o que será visto a seguir.
2.5. Empreendedorismo social
O empreendedorismo social ainda está emergindo como uma área de investigação
acadêmica. Com foco no conceito de empreendedorismo social, na visão de criação
de valor de Say (citado por Dees, 1998), de agente de mudança e inovação de
Schumpeter (1934, 1975), de busca de oportunidade de Drucker (1995) e de
desenvoltura de Stevenson (2000), em uma única caracterização, empreendedores
sociais desempenham o papel de agentes de mudança no setor social por meio da
missão de criar e manter valor social; da procura de novas oportunidades para
servir essa missão; da contínua inovação, adaptação e aprendizagem; da atuação
ousada; e da exposição de elevada responsabilidade perante os interessados
atendidos e os resultados obtidos.
Existem, entretanto, inúmeras formas de empreendedorismo social, uma delas tem
sido referida como empresa social. Em relatório conjunto da Social Enterprise
Coalition e da Economic and Social Research Council, Peattie e Morley (2009)
reportam que o termo genérico empresa social inclui uma variedade de tipos de
organização que se diferenciam em suas atividades, tamanho, estrutura jurídica,
âmbito geográfico, financiamento, motivações, grau de orientação para o lucro,
relação com as comunidades, propriedade e cultura. As únicas características,
salientam elas, que realmente definem esse modelo de negócio são: a primazia de
objetivos sociais e uma atividade primária que envolve comércio de mercadorias
ou serviços. Analogamente, Short et al. (2009), a partir da análise de 152
artigos, concluem que o denominador comum em empreendedorismo social é a
criação de valor social, dentro de um perímetro econômico referido como
economia social.
2.6. Economia social
Pearce (2003) define economia social como um elemento do terceiro sistema da
economia, orientado ao lucro privado, ao planejamento e à prestação de serviços
públicos, à autoajuda, à reciprocidade e à realização de propósitos sociais.
Segundo Phills, Deiglmeier e Miller (2008), tem-se visto um crescente
intercâmbio entre os conceitos do setor social e do privado, o que pode ser
observado pelos termos empresa social e inovação social. Conforme Murray,
Caulier-Grice e Mulgan (2010), observa-se muito dessa inovação sinalizando em
direção a uma nova forma de economia chamada economia social, que mescla,
diferentemente daquelas baseadas na produção e no consumo de mercadorias,
características como: o uso intensivo das redes de distribuição para manter e
gerenciar relacionamentos, apoiado por banda larga, mobilidade celular e outros
meios de comunicação contemporâneos; a indefinição de fronteira entre produção
e consumo; a ênfase na colaboração e na interação, na atenção e na manutenção
continuadas; e o papel central atribuído aos valores e à missão das
organizações.
Uma das ferramentas da economia social é a oferta de microfinanças, termo que,
segundo Helms (2006), refere-se ao fornecimento de serviços bancários a
pequenas empresas e famílias em situação de pobreza, sendo o microcrédito um
desses serviços. Trata-se do terceiro sistema de economia em função de sua
natureza dual: uma financeira e outra social-desenvolvimentista,
necessariamente relacionada ao desempenho social (Mersland, Randoy, &
Strom, 2011) e este, por sua vez, entendido e mensurado dentro de uma natureza
multidimensional: de alcance aos mais pobres; de alcance às mulheres, missão
primeira da atividade de microfinanças; e de alcance às áreas rurais.
Historicamente, a atividade de microfinanças, introduzida por Mohammad Yunus,
em 1976, nasceu dentro de uma cultura de desenvolvimento filantrópica, cujo
foco é a construção e o desenvolvimento de capacidade local e a saída gradual
de entidades internacionais fundadoras e doadoras.
2.7. Economia P2P
Entretanto, incorporando-se o microcrédito ao poder de uma rede digital global,
um novo modelo bancário, conhecido como economia P2P, começa a ser delineado
(Stalnaker, 2008). De um ponto de vista geral, as redes P2P transformaram
completamente a indústria de mídia, alterando o fluxo de informações para o
modelo um para muitos (Stalnaker, 2008). Porém, essa mudança de cenário não se
restringiu apenas a essa indústria, deslocando-se efetivamente para outros
setores, como o de serviços financeiros, particularmente o microcrédito.
Contudo, longe de ser uma ideia nova, esse modelo de economia de empréstimo P2P
adquiriu força no mercado em função de dois aspectos fundamentais: a Internet e
as redes sociais, possibilitando a interação P2P em uma escala sem precedentes,
e o surgimento de novos mecanismos eletrônicos para avaliação de clientes.
2.8. Crowdfunding
O significado de crowdfunding traduz a ideia de um esforço coletivo por parte
dos consumidores, que se reunem em rede de maneira a angariar dinheiro
conjuntamente, geralmente através da Internet, a fim de investir e apoiar os
esforços iniciados por outras pessoas ou organizações (Ordanini, Miceli,
Pizzetti, & Oparasuraman, 2011). O conceito de crowdfunding pode ser
entendido também como parte de outro mais amplo chamado crowdsourcing
(Belleflamme, Lambert, & Schwienbacher, 2011), o qual utiliza uma multidão
de indivíduos para obter ideias, respostas e soluções para o desenvolvimento de
atividades corporativas (Belleflamme et al., 2011). Angariar fundos pela
sensibilização do público geral (ou da multidão) é o elemento mais importante
do modelo crowdfunding. Isso significa que consumidores voluntários podem
patrocinar o desenvolvimento de um produto, ou fazer investimentos em uma
variedade de projetos, por meio de pequenas quantias, à parte do mercado
regulado, utilizando plataformas sociais on-line (Agrawal, Catalini, &
Goldfarb, 2011). Portanto, pode-se entender crowdfunding como a cooperação, a
atenção e a confiança coletivas entre pessoas que se relacionam em rede e
reúnem recursos conjuntamente, usualmente por meio da Internet, a fim de apoiar
ações iniciadas por outras pessoas ou organizações. Podem ser observadas,
ainda, no cenário econômico contemporâneo (Smarter Money, 2011), algumas
combinações dos modelos crowdfunding, microfinanças e empréstimo P2P:
crowdfundinge microfinanças ' quando o capital relativo a essa última é
angariado por um grupo de pessoas; crowdfundinge empréstimo P2P ' quando, em um
grupo de pessoas, cada uma empresta uma pequena quantia a uma mesma pessoa.
3. MÉTODO DE PESQUISA
A pesquisa é qualitativa (Roesch, 2005), ou seja, busca explorar os
significados de maneiras e em contextos que não estruturam de forma rígida a
coleta de dados. Conforme Vergara (2006), quanto aos meios, trata-se de uma
pesquisa de campo, uma investigação empírica de determinado fenômeno; quanto
aos fins, é exploratória, pois visa proporcionar uma visão geral de determinado
fato, por levantamento bibliográfico e entrevistas com pessoas ligadas à
organização. É também descritiva, pois expõe características da organização
pela observação, pelo registro e pela análise dos fenômenos que nela ocorrem.
Por concentrar-se na investigação de uma única organização, a Babyloan, o
trabalho caracteriza-se como um estudo de caso (Yin, 2005), pois examina um
fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto e possibilita uma análise mais
detalhada sobre a aplicabilidade do método L.E.SCAnning a uma empresa social de
economia P2P, sendo utilizadas as técnicas de entrevista semiestruturada,
aliadas à pesquisa documental e aos registros arquivais.
Os dados foram coletados por meio de pesquisa documental nos registros da
Babyloan e contêm apresentações institucionais, descritivos de procedimentos e
projetos e informações financeiras e organizacionais; entrevistas
semiestruturadas e questionários aplicados aos ocupantes dos cargos indicados
pela própria organização; pesquisa documental em artigos de mídia com dados
secundários sobre o contexto no qual se estabelecem as empresas sociais P2P; e
registros arquivais gerados a partir do monitoramento do ambiente
organizacional externo, com base no tema e no ator propostos pela Babyloan.
A análise dos dados, realizada de forma qualitativa, proporcionou importantes
reflexões sobre o objeto estudado. O principal objetivo foi identificar quais
aspectos estariam envolvidos em um processo de IEAc da Babyloan e quais
poderiam ser incrementados ou implementados de maneira a possibilitar a
continuidade do desempenho conquistado até agora. Buscou-se propor a aplicação
da IEAc a fim de contribuir para seu crescimento com a convergência necessária
ao perfil da organização.
4. CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA
A Babyloan é a primeira plataforma Web francesa de microcrédito crowdfunding
voltada a empréstimo social P2P. Oferece uma fonte de refinanciamento barato
por meio da utilização da Internet como canalizadora de fundos, isenta de
juros, de pessoas para Instituições parceiras de Microfinanças (IMF),
caracterizando-se como um Website comunitário de empréstimo social dedicado à
microempreendedores (Figura_1). Sua missão é coligar o público em geral e o
setor de microfinanças de forma a promover o desenvolvimento desse último por
sua crescente divulgação às populações-alvo e pela melhoria dos serviços
financeiros oferecidos aos microempresários. A empresa propõe-se a atuar
globalmente, promovendo, por meio de sua plataforma, o financiamento de
projetos de microempreendedores sediados em locais de carência de recursos
financeiros. No período de setembro de 2008 até outubro de 2011, foram 12.137
internautas financiadores, em 123 países, e 2.357.884 euros emprestados para
7.059 microempreendedores.
Segundo a empresa, a atividade de microcrédito P2P é recente, não havendo,
portanto, muita pesquisa relacionada ao tema. Dessa forma, também faz parte de
sua atuação atestar informações sobre as melhores práticas para o setor e
negociar com o governo para permitir que essa esfera de atividade se
desenvolva.
Para atender a essas atividades de operação, a organização Babyloan atua com
uma equipe distribuída entre quatro polos de atuação: três pessoas no Polo de
Direção; duas no Polo de Microfinanças; duas no Polo de Comunicação/Marketing e
eventos; e três no Polo de Parcerias, Empresas, Instituições e Inovação.
Além disso, para atender aos requisitos de governança das empresas sociais,
explicitados em seu estatuto, a organização conta com um comitê estratégico,
que se reúne em três ocasiões a cada ano, para definição e redefinição do
planejamento estratégico, além do monitoramento de toda a atividade da
organização. O comitê é constituído por representantes dos principais
acionistas, bem como por profissionais externos à Babyloan, reconhecidos por
sua competência na condução de assuntos voltados às causas sociais e
humanitárias, microfinanças e economia social por meio da Web.
4.1. Motivações e histórico da empresa
O projeto Babyloan nasceu da ideia de dois empresários sociais apaixonados por
microfinanças e pela Web. Segundo eles, foi necessário identificar e reunir os
meios, a equipe e os parceiros certos para realizar o desafio de se tornarem
líderes no refinanciamento para pequenas e médias instituições de
microfinanças, por meio da Web. O objetivo era incrementar a luta mundial
contra a pobreza, pela participação ativa da plataforma Babyloan como
instrumento de batalha, fazendo com que, por meio dela, um número maior de
pessoas passasse a conhecer o microcrédito e, assim, uma nova forma de
financiamento responsável e sustentável para populações carentes. Para tanto,
associaram-se à Organização Não Governamental (ONG) Acted, por sua experiência
em projetos de desenvolvimento, e aos bancos Bred e Crédit Cooperatif, pela
expertise em infraestrutura de fluxos financeiros, lançando em setembro de 2008
o website<www.babyloan.org>. Entretanto, somente puderam estabelecer-se,
efetivamente, graças a uma aliança de bancos e ONGs que se associaram aos
anteriores: a fundação de microfinanças Grameen Crédit Agricole; o consórcio
financeiro internacional Etimos; o banco Neuflize OBC; o banco Crédit Agricole
Centre-Est; além de investidores privados solidários, como os próprios
fundadores, que compartilham os mesmos valores da organização e acreditam que o
desenvolvimento do empresariado social passa igualmente pelo investimento
venture philanthropy.
4.2. Missão da empresa
A missão da Babyloan é coligar o público em geral e o setor de microfinanças de
forma a promover o desenvolvimento desse último por sua crescente divulgação às
populações-alvo e pela melhoria dos serviços financeiros oferecidos aos
microempresários. Essa missão está dividida em três componentes:
* incrementar o conhecimento público sobre microfinanças: por meio de novos
suportes de microfinanças utilizando plataforma Internet, o público em
geral passa a familiarizar-se com o setor e a participar de seu
desenvolvimento responsável e sustentável;
* apoiar as IMFs parceiras: elas são parceiras de trabalho essenciais às
atividades de Babyloan, pois localizam os microempreendedores,
identificam suas necessidades, concedem-lhes empréstimos e os acompanham
na realização de seus projetos;
* melhorar as condições de empréstimos para microempreendedores:juntamente
com a oferta de microfinanças, a Babyloan busca identificar populações
mais necessitadas, trabalhar para a diminuição das taxas de juros,
adaptar serviços financeiros às necessidades da população, melhorando o
monitoramento e a avaliação das atividades de forma a garantir impactos
sociais positivos.
A meta estabelecida pela organização, para o período de 2008 a 2013, é atingir
cem mil financiadores, 25.000 clientes de microcrédito e refinanciar 14 milhões
de euros de empréstimos para instituições de microfinanças.
4.3. Diagnóstico da empresa
Para compreender de que maneira a organização busca, monitora e utiliza a
informação captada do meio externo para sua atuação, foi necessário indagar se
e como esses processos estão estabelecidos. Para tanto, foi realizado um
diagnóstico do estágio atual dessas ações a partir do questionário FENNEC
(IEABrasil, 2011) e das entrevistas realizadas, segundo os quais foi
prototipada a aplicação da IEAc. Esse diagnóstico, a seguir, está distribuído
em quatro tópicos principais relativos às práticas de monitoramento e ao uso da
informação: tipo de monitoramento identificado, contexto no qual é realizado,
sua organização na empresa, e transmissão e uso da informação, especialmente
com objetivos estratégicos.
4.3.1. Tipo de monitoramento
Com relação ao tipo de monitoramento, sob o ponto de vista comercial, a empresa
reporta realizar um acompanhamento personalizado de seus clientes, de forma
regular, sendo, portanto, considerado confiável para acesso a qualquer tempo.
As informações armazenadas são exclusivamente contábeis, contábeis e comerciais
e/ou qualitativas essas últimas visando à exploração de dados e à antecipação
de relações futuras. Além disso, existem, também, registros de clientes
potenciais.
A empresa afirma que os registros relativos a seus fornecedores atuais,
necessidades atuais e futuras, acompanhamento da estratégia, assim como a sua
presença nos mercados atual e futuro podem ser considerados atualizados e ricos
em informações.
Sob o ponto de vista concorrencial, a Babyloan considera significativa a
rivalidade entre concorrentes em seu mercado, assim como a possibilidade de
surgimento de produtos de substituição em decorrência disso, visto que modelos
diferenciados de empréstimo social crowdfunding são oferecidos por outras
organizações tanto na Europa como nos Estados Unidos. A empresa afirma conhecer
o nome de seus principais concorrentes, entretanto declara serem insuficientes
as informações coletadas a respeito deles, pois não estão regularmente
atualizadas. Quanto ao poder de negociação, tanto de clientes quanto de
fornecedores, a empresa também o considera significativo.
Sob o ponto de vista tecnológico, a Babyloan integra componentes tecnológicos
evolutivos, por meio da mediação dos atores envolvidos no processo de
microfinanças via plataforma na web.Afirma estar comprometida com o
acompanhamento da evolução do estudo de temas relacionados a microfinanças,
empreendedorismo social e empréstimo P2P, buscando manter estreita relação com
organismos e centros de pesquisa engajados na investigação desses assuntos,
entretanto considera que apresenta, atualmente, um nível de colaboração apenas
intermediário ou médio com a área acadêmica.
Quanto à estrutura das informações monitoradas, elas são caracterizadas como
certas, qualitativas, incompletas, antecipativas ou retrospectivas. Os
relatórios, gerados a partir delas, por sua vez, são redigidos de maneira
uniforme, armazenados em local conhecido pelas equipes, consultados e
explorados regularmente pela empresa.
4.3.2. Contexto do monitoramento
Quanto aos recursos, o monitoramento do ambiente externo é baseado
especialmente na Internet, que a empresa considera uma ferramenta eficaz para
coleta de informações. A pesquisa que realiza na Internet é caracterizada por
atenção e observação ativas, por meio de navegação dirigida para um foco
específico, portanto considerada sem dificuldades pela organização. A prática
da navegação por hipertexto também é natural, ocorrendo sempre que a
organização deseja incrementar ou detalhar a coleta de informação sobre
determinado assunto. A organização considera, portanto, que faz uso eficiente
dessa ferramenta.
No contexto do monitoramento, a participação da Babyloan em feiras, exposições
e salões profissionais, tanto como expositora quanto como visitante, também é
elemento presente, para o que a empresa mantém um calendário incremental de
eventos e conferências.
Adicionalmente, a busca por informações do ambiente é também realizada, de
maneira eventual, em bancos de dados externos e em organismos contratados
especialmente para esse fim.
Com relação ao contexto cultural, a empresa afirma contar com pessoal motivado
para a coleta de informações na Internet, além de prescindir de auxilio
metodológico para essa ação. Informa que seu pessoal participa ativa e
espontaneamente dessa atividade, e confia que as informações coletadas sejam
efetivamente consideradas pela empresa.
Outro aspecto importante diz respeito ao convencimento da direção sobre a
necessidade estratégica de monitoramento do ambiente, muito embora ela afirme
encorajar apenas ocasionalmente a atividade por meio de agradecimentos e
citações internas; entretanto, busca, sempre que possível, servir de exemplo à
equipe, comunicando as informações que coleta.
4.3.3. Organização do monitoramento
A coleta de informações sobre o ambiente externo é orientada por critérios
previamente definidos, sendo as áreas de observação estabelecidas a partir dos
temas: microfinanças, empreendedorismo social e empréstimo P2P.
Quanto à formalização, a gestão da função de monitoramento é assegurada pelo
Polo de Comunicação-Marketing-Eventos, responsável por atualizar-se e
transmitir, semanalmente, às demais equipes, um resumo das informações
relevantes coletadas. A tarefa de monitoramento é, todavia, também
compartilhada com os demais polos da empresa. A empresa informa que a
quantidade de tempo semanal dedicado a essa atividade é de dois dias. Em função
da descentralização, considerada necessária pela Babyloan uma vez que conta
com apenas dez profissionais o Polo de Comunicação-Marketing-Eventos atua
basicamente de forma autônoma, ou seja, independente do Polo Diretivo, nesse
processo de gestão do monitoramento.
Com relação à integração, a Babyloan afirma não possuir um centro de
documentação próprio para armazenamento de dados a partir das fontes de
informação monitoradas, o que impede, portanto, acesso fácil e rápido a uma
informação desejada. Da mesma maneira, informa que assinaturas de revistas e
jornais consultados também não estão centralizadas.
4.3.4. Transmissão e uso da informação
A empresa alega que a informação coletada pelos membros da organização em
contato com o ambiente externo é devidamente encaminhada àqueles a quem ela é,
potencialmente, importante. Cabe salientar, contudo, que, embora esses repasses
sejam realizados por via formal e oficial, essa transmissão inclui o uso de
novas tecnologias (e-mail ou rede), mesmo para a difusão de informação
estratégica. Como a Babyloan possui uma constituição organizacional enxuta,
entende, também, que a quantidade de intervenientes nesse circuito de repasse
de informação já está demasiadamente reduzida.
A organização das informações sobre o ambiente externo não apenas permite
encontrar facilmente uma informação pesquisada, como também facilita um
processo de consolidação de informações que possibilita uma visão global do
ambiente da empresa.
Sob o ponto de vista da tomada de decisão, a organização reporta que as
informações estratégicas, obtidas por meio da atividade de monitoramento,
chegam aos gestores no tempo desejado e que eles as consideram efetivamente
durante sua reflexão sobre a estratégia, sendo frequentemente utilizadas para
deferir ou indeferir estratégias.
5. RESULTADOS
O modelo de Inteligência escolhido para proposição de aplicação à empresa
Babyloan, com ênfase na estratégia de antecipação, foi o L.E.SCAnning (Learning
Environmental Scanning) (Lesca, 2003), ou Inteligência Estratégica Antecipativa
Coletiva (IEAc). Para este estudo, o dispositivo foi aplicado basicamente pelo
modo comando, embora algumas informações tenham sido obtidas pelo modo alerta.
A seguir, serão apresentadas as etapas do método L.E.SCAnning executadas neste
estudo e os principais resultados obtidos por meio da organização e da análise
dos sinais capturados do ambiente.
Para a definição do alvo, considerou-se o foco da empresa centrado no Polo de
Comunicação-Marketing-Eventos, uma vez que o contexto atual de crise econômica
mundial não motiva os financiadores individuais ao crédito social P2P. Assim, a
organização precisa encontrar estratégias para atrair um número maior de
pessoas para essa ação solidária coletiva.
Como alvo, identificaram-se como atores estratégicos o grupo de diretores e
gestores, constituído por ONGs, bancos e fundações, em função do poder de
decisão que possuem com relação às ações da Babyloan; os bancos centrais
europeus das nações da União Europeia, uma vez que a atividade de empréstimo
P2P não é permitida em alguns países do bloco; os parceiros de trabalho, as
instituições de microfinanças (IMFs), que originam uma quantidade significativa
de fundos à Babyloan.
Adicionalmente, optou-se por incorporar à matriz os usuários da Internet ou de
tecnologia e alguns concorrentes principais. Os temas selecionados estão
relacionados aos atores: comunicação, microfinanças, economia social,
concorrência, parceria, Internet (e tecnologia), regulação e legislação
financeira (Quadro_1).
![](/img/revistas/rausp/v49n1/a15qdr01.jpg)
Com base no alvo, nos meses de julho a outubro de 2011 selecionaram-se 37
informações, as quais foram percebidas, capturadas e selecionadas em websites,
blogs, redes sociais, programas de TV, rádios, jornais e revistas, e
registradas em fichas de captação (Quadro_2).
A coleta e a seleção foram baseadas nos critérios de pertinência e/ou
antecipação das informações referentes aos atores e aos temas-alvo do estudo.
As informações captadas e selecionadas foram armazenadas segundo modelo de
centralização única em uma base de conhecimento, estruturada em planilha
Microsoft Excel.
Os registros contemplaram as informações com suas respectivas interpretações,
elementos essenciais não apenas para a IEAc, como também para a atividade de
gestão do conhecimento.
Na Babyloan, o repasse das informações internas já é realizado pela Internet;
entretanto, embora exista um setor responsável pela coleta e repasse, esse
processo poderia ser incrementado pela colaboração intensiva dos demais
setores. A difusão das informações que envolve definição de acesso à
informação ao usuário potencial, clareza de seu objetivo, escolha do modelo de
organização da difusão e das ferramentas e métodos apropriados exige a
capacitação da equipe da Babyloan para atuação, segundo prevê o modelo IEAc,
com a identificação prévia e clara do tipo de informação pertinente a cada
usuário interno e com a determinação do modelo de organização da difusão das
informações.
A etapa de animação, que envolve incentivo e estímulo à ação de Inteligência,
embora no estudo tenha sido caracterizada pela ação dos pesquisadores, pode ser
realizada por uma ou várias pessoas. Conforme Lesca e Janissek-Muniz (2007), é
fundamental considerar o perfil do animador, com competências para comunicação
e organização. No caso da Babyloan, essa função poderia ser estendida à figura
do responsável pela gestão do monitoramento e repasse das informações internas,
função já existente na organização, observando-se, entretanto, as
características de perfil indispensáveis às atividades de animação.
Na etapa de criação coletiva de sentido, foi aplicada a ferramenta puzzle para
a geração de hipóteses. Foi primeiramente realizado o agrupamento das
informações por meio dos critérios de semelhança e proximidade dos assuntos, de
forma a buscar uma organização prévia das ideias a serem conectadas, gerando
sete subgrupos, a seguir apresentados. Seguindo os passos da construção do
puzzle, gerou-se a representação exibida na Figura_2, conforme sua legenda.
A análise das relações estabelecidas na representação do puzzle pode orientar
para uma definição de tomada de decisão, ou para a continuidade das buscas por
informação objetivando responder as questões levantadas a partir de um novo
ciclo da IEAc.
É provável, também, que muitas informações continuem fragmentadas e
aparentemente desconectadas, mas é exatamente esse o caminho natural para o
estabelecimento de um sentido coletivo buscar informações que possibilitem
decifrar as lacunas do puzzle. Serão essas que, depois, talvez, poderão
caracterizar-se como sendo informações antecipativas.
A partir do puzzle foram levantadas diversas hipóteses. Buscou-se, entretanto,
focar em duas ideias centrais para a antecipação, as quais sensibilizam
diretamente a atuação da organização. A primeira ideia diz respeito ao
comportamento do internauta, foco-chave da organização Babyloan; a segunda
refere-se à Internet e a suas aplicações de interação com esses internautas,
sugerindo as hipóteses apresentadas no Quadro_3.
Na representação gráfica do puzzle, alguns cenários podem ser também
visualizados, confirmando orientações cujos sinais já se observam: redes móveis
e redes sociais, tendências crescentes que irão afetar os consumidores, os
prestadores de serviços, a indústria de hardware, software, infraestrutura, e o
potencial comercial da Web; e mobilidade, gerando a necessidade de aplicações
multiplataforma, e o consequente incremento dos investimentos em cobertura
móvel, cujas projeções deverão ultrapassar aquele via desktop em poucos anos.
No caso do estudo, constatou-se o interesse da União Europeia pela ampliação de
cobertura móvel e 3G, especialmente nas zonas rurais onde inexiste
infraestrutura de acesso à Internet via rede fixa. O objetivo certamente é
possibilitar a expansão das interações sociais e transações comerciais para
níveis, até então, impossíveis de ser atingidos, favorecendo significativamente
as relações entre indivíduos e organizações. Sob o ponto de vista do mercado no
qual a Babyloan atua, é viável supor que, em países mais pobres, o microcrédito
on-line poderá ter um futuro mais difícil, não apenas em função da projeção
mundial de explosão do acesso móvel, mas também por ser a maior parte da
população carente e sem condição de acesso à Internet. Nesses países, os
serviços bancários móveis poderiam ser considerados uma boa solução. Contribui
também para isso o lançamento de redes móveis 3G em diversos países africanos,
alavancando o continente com o crescimento mais rápido do mundo para a
telefonia móvel. Por outro lado, na visão do internauta financiador, mas
confirmando a mesma tendência de demanda por serviços financeiros móveis,
Persson (2010) prevê que o mobile banking irá atrair 115 milhões de usuários na
Europa, projeção que pode ser estendida à economia social e aos serviços de
microfinanças.
Assim, considerando esses sinais, pode-se concluir que a ampliação do
microcrédito móvel teria maior potencial do que o microcrédito on-line,
orientando para a necessidade de as organizações disporem suas aplicações em
multiplataformas. No entanto, é possível, também, que os dois tipos de acesso
possam convergir futuramente para conexões via satélite, permitindo a Web móvel
também por meio de desktops e laptops.
De fato, muitas outras questões poderiam ser estabelecidas ou identificadas a
partir da representação gráfica do puzzle; o que as determinará, efetivamente,
será o conhecimento organizacional daqueles que participam da etapa de criação
de sentido, da criatividade, da competência e, especialmente, da riqueza da
interação coletiva.
No caso da Babyloan, que atua em contexto de abundância de informação, pode-se
intuir que o método L.E.SCAnning, de fato, possa potencialmente contribuir para
o desempenho da organização, em especial em momento de crise financeira, pois
possibilita a descoberta de novos nichos de mercado e de novas formas
tecnológicas, ainda não exploradas, para contato e sensibilização de usuários
potenciais e organizações apoiadoras. Vale lembrar, contudo, que abundância
também é sinônimo de complexidade, pois em um universo de multiplicidade de
informações e de oportunidades, como a Web, o fluxo dos negócios dificilmente
seguirá rotas predeterminadas, favorecendo, portanto, as organizações que, de
alguma maneira, conseguirem antecipar esses cenários na formulação de suas
estratégias.
Finalmente, é importante salientar que a implementação de um modelo IEAc também
se configura como um processo complexo, cujos resultados são mais bem avaliados
a longo prazo, o que significa a execução de vários ciclos. No entanto, a
construção do conhecimento e o uso da Inteligência são produtos de ações
contínuas e acumulativas que podem contribuir efetivamente para a
sustentabilidade da organização, não apenas sob o ponto de vista da dimensão
econômica, mas também da social, da técnica, da política e, especialmente, da
cognitiva.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo cenário mundial, no qual estruturas políticas, econômicas e sociais vêm
sendo rompidas progressivamente, exige novas necessidades de conhecimento. Isso
remete à ideia de que a competência para a antecipação de cenários futuros pode
ser compreendida como um dos fatores importantes de sustentabilidade para as
organizações, pois o grande desafio recai sobre a necessidade de estarem
preparadas para negócios que ainda não existem, para tecnologias que ainda não
foram inventadas e para problemas ainda não conhecidos.
No entanto, essa capacidade de antecipação, conforme visto no modelo IEAc, está
associada à criação de sentido a partir de informações que não o exibem de
forma evidente. É, portanto, uma ação complexa demais para ser realizada
individualmente, indicando, dessa forma, uma necessidade de atuação coletiva
como a mais interessante e potencialmente mais rica. Isso corrobora os
preceitos do método indicado por Lesca (2003). Significa, também, que quanto
maior o desenvolvimento do capital social da organização, ou seja, das pessoas
que a compõem, suas competências e seu envolvimento, maiores serão as
possibilidades de elaboração criativa de cenários futuros para a antecipação de
estratégias.
Assim, partindo do pressuposto de que qualquer economia mundial, como qualquer
empreendimento, está, em última análise, baseada na força, na capacidade e na
habilidade das pessoas que a integram, ver-se-á então que, sob o aspecto
humano, fundamental na prática de IEAc, as empresas sociais conseguem uma real
vantagem no mundo dos negócios. Em primeiro lugar, por apresentarem uma cultura
participativa com forte senso comunitário e, em segundo, por ser habitualmente
mais fácil para elas atrair e reter pessoal altamente motivado, portanto
disponível para empreender a coleta voluntária de sinais no ambiente
pertinente.
Portanto, o entendimento pragmático do cenário externo, por meio da IEAc,
favorece decisões que trazem uma marca de empreendedorismo e inovação, e tem no
universo da economia social P2P, ambiente fortemente baseado em percepção, um
impacto potencial bastante significativo, conforme se procurou exemplificar no
estudo de caso.
Quanto aos aspectos restritivos do trabalho, destacam-se:
* por ser um estudo de caso, algumas condições particulares da empresa
impossibilitam a generalização das conclusões a demais organizações;
* da mesma maneira, estão presentes elementos legais específicos à União
Europeia, os quais caracterizam fortemente a organização Babyloan e não
necessariamente encontram similaridade em países de outros blocos
geográfico-econômicos;
* a pesquisa foi realizada durante um intervalo de tempo inferior a seis
meses, o que pode ser entendido como fator limitador do aprofundamento
das informações levantadas relativas à organização e a seu ambiente;
* para fins de operacionalização da pesquisa, todas as atividades previstas
para realização do ciclo de IEAc foram desempenhadas por apenas uma
pessoa, embora o modelo preveja que o trabalho e o esforço sejam
coletivos;
* no trabalho procurou-se abordar o método L.E.SCAnning sob um ponto de
vista macro, haja vista a complexidade do processo e o consequente
intervalo de tempo necessário para sua realização e aferição de
resultados.
Em virtude da limitação do número de pesquisas realizadas no País sobre
economia social P2P e sobre a aplicação de ferramentas de Inteligência para
esse setor, especificamente empresas sociais, que constitui um modelo
diferenciado de atuação entre o segundo e o terceiro setor, sugere-se a
continuidade dos estudos sobre esses temas. Especificamente sobre os modelos de
mercado P2P, cujo enfoque é fortemente colaborativo, propõe-se que pesquisas
sejam aprofundadas sob o ponto de vista da Inteligência Coletiva nos negócios.