Transição demográfica e desigualdades sociais no Brasil
Introdução
Este artigo não tem a pretensão de superar os limites de um ensaio. O seu
objetivo é combinar as exigências impostas pela imaginação analítica com a
referência necessária às evidências empíricas, sem perder o fio condutor do
rigor lógico. O tema - transição demográfica no Brasil - exige, pela sua
relevância, mais do que rastrear dados, apelando, permanentemente, a desafios
para sua compreensão. Se não bastasse a vereda de enigmas a serem decifrados
pela imaginação criadora, a transição demográfica no Brasil ainda reserva aos
que a analisam a oportunidade de se defrontarem com caminhos sociais
alternativos postos por ela. Ao rigor lógico, indispensável, ela acrescenta uma
demanda normativa: como melhor aproveitá-la, na perspectiva de melhorar as
condições sociais da maioria da população brasileira. Questão decisiva para
este ensaio, pois a transição demográfica no Brasil poderia contribuir tanto
para reduzir as desigualdades sociais quanto para mantê-las ou, até, exacerbá-
las. Evidências empíricas, imaginação analítica e, conseqüentemente, análise
das políticas sociais são os objetivos buscados por este ensaio na compreensão
da transição demográfica no Brasil. Certamente, ficará aquém deles. Contudo,
procurá-los adequadamente já será um êxito deste ensaio.
A transição demográfica é um dos fenômenos estruturais mais importantes que tem
marcado a economia e a sociedade brasileiras desde a segunda metade do século
passado. Trata-se de um fenômeno caracterizado pela sua universalidade, mas
fortemente condicionado pelas condições históricas em que se realiza nos
diferentes países. Sua diferença em relação aos países desenvolvidos e sua
semelhança com os outros em desenvolvimento não esgotam a sua originalidade.
A originalidade da transição demográfica no Brasil está definida pelas
particularidades históricas onde ela se insere, permeadas pelos fortes
desequilíbrios regionais e sociais. Nessa perspectiva ela é única, enquanto um
processo global que atinge toda a sociedade brasileira, mas, ao mesmo tempo,
múltipla, pois se manifesta diferentemente segundo as diversidades regionais e,
principalmente, sociais.
Inserida e intensamente articulada a esse contexto de desenvolvimento
desequilibrado, a transição demográfica não é autônoma. Ela é um processo
social que não se resume aos efeitos combinados das variáveis estritamente
demográficas. Pelo contrário, imersa nas profundas mudanças sociais e
econômicas pelas quais tem passado o Brasil, é, simultaneamente, uma de suas
causas e um de seus efeitos. Como tal está longe de ser considerada neutra:
pode tanto criar possibilidades demográficas que potencializem o crescimento da
economia, aumentando o bem-estar social, quanto potencializar as adversidades
econômicas e sociais, ampliando as graves desigualdades sociais que marcam a
sociedade brasileira.
Se não há neutralidade, não se pode fugir de uma abordagem normativa da
transição demográfica. Em outras palavras, como ela pode favorecer caminhos
sociais diferenciados, sua análise não deve se abster dessa questão decisiva.
Seria um grande equívoco reduzir as preocupações analíticas e políticas com a
transição demográfica às suas lógicas conseqüências atuariais, muitas vezes
resumidas às meras implicações sobre as relações custos-benefícios. Desse modo,
a análise, bem como suas inevitáveis conseqüências políticas, ficaria
restringida às sugestões sobre a "racionalidade dos meios", desconsiderando os
objetivos sociais a serem alcançados. Esses, inevitavelmente, obedecem a uma
moldura normativa da transição que ilumina o projeto social preferido pelo
analista.
Isso é fundamental, pois, se a transição não é neutra e pode favorecer
conseqüências sociais diversas, ela depende de políticas que podem colocá-la
nos trilhos que a levará a um destino ou outro. Trata-se de uma opção; não se
está diante de uma fatalidade histórica, em que a lógica do mercado da economia
contemporânea globalizada amarraria o destino da sociedade brasileira à sua
rigorosa seletividade, traçando os limites para as políticas públicas. Pelo
contrário, as possibilidades abertas pela transição demográfica devem
significar o desafio de ultrapassar esses limites, ampliando os caminhos que
podem levar à redução das desigualdades sociais.
A transição demográfica leva décadas. A princípio, isso coloca problemas diante
da perspectiva temporal dos formuladores de políticas públicas, que normalmente
planejam considerando um período muito inferior. Para os demógrafos,
normalmente, meio século corresponde a médio prazo, mas, do ponto de vista da
formulação de políticas, meio século é uma eternidade. É necessário mudar as
atitudes dos formuladores de políticas, assim como dos demógrafos, na direção
de serem compreendidas, articuladamente, as visões de curto, médio e longo
prazos. Muitas vezes, tendências de longo prazo se manifestam de maneira
aparentemente contraditória no curto e médio prazos. Um bom exemplo, e que será
o objeto de análise neste artigo, é o crescimento populacional.
Apesar de levar décadas, a transição demográfica no Brasil tem sido acelerada,
como em outros países em desenvolvimento, com um declínio rápido dos níveis de
fecundidade e do ritmo de crescimento demográfico. Entretanto, como um processo
recente, apesar de ter reduzido o ímpeto do crescimento populacional, ele ainda
será expressivo nessa primeira metade do século XXI, com o grande ciclo de
incrementos absolutos da população brasileira que se iniciou nos anos 70 do
século passado.
Conseqüentemente, a transição da estrutura etária, ainda que tenha diminuído a
proporção de jovens e aumentado a dos idosos, possibilitará que no final dessa
década, em 2010, a população jovem tenha o seu maior tamanho absoluto. O
crescimento da população em idade ativa (PIA), acompanhando a população total,
ainda se manterá até 2040-2050. Isso, por um lado, pode ser um benefício,
favorecendo as relações de dependência demográficas e, conseqüentemente, as
transferências intergeracionais, quando o número de dependentes, jovens e
idosos, em relação à PIA, será extremamente baixo, mas, por outro, se o
crescimento da economia e as mudanças na regulação do mercado de trabalho não
superarem seu comportamento recente, a proporção de desempregados e empregados
na informalidade comprometerá as oportunidades demográficas.
Permeando as discussões sobre crescimento populacional e transição da estrutura
etária, neste artigo, estão os agudos desequilíbrios sociais que afetam o
Brasil, com a coexistência de diferentes etapas da transição demográfica, que
caracterizam, como mencionado, a sua originalidade histórica.
Crescimento populacional e a transição da estrutura etária
A transição demográfica nos países em desenvolvimento, latino-americanos e
asiáticos, tem sido muito mais acelerada do que naqueles desenvolvidos. No caso
do Brasil, o declínio da fecundidade, após 1965, teve impacto, lógico, na
redução do crescimento da população. Resultados recentes levaram a uma revisão,
para baixo, das estimativas de fecundidade, pois a PNAD de 2004 indicou uma
taxa de fecundidade total (TFT) de 2,1 filhos por mulher, ou seja, no nível de
reposição da população (IBGE, 2006). O horizonte da fecundidade futura para o
IBGE, considerando a TFT de 2030 como tendência, passou de 1,92 para 1,59
filho.
Esses dados levariam a uma revisão das projeções da população para o século
XXI, o que ainda não foi realizado. Portanto, as projeções aqui utilizadas, a
partir da fonte oficial, podem ser consideradas conservadoras. Segundo esses
dados, alcançando uma fecundidade de 2,1 filhos por mulher, entre 2010 e 2020,
a população brasileira chegaria à situação estacionária em torno de 2063,
quando começaria a diminuir em termos absolutos. Tudo indica, com a revisão do
IBGE, que o Brasil poderia alcançar uma taxa de crescimento zero entre 2045 e
2055(IBGE, 2006).
Não obstante, ainda devemos esperar um crescimento expressivo da população
brasileira nas próximas décadas, em razão dos efeitos da fecundidade passada
sobre a estrutura etária da população, marcada por uma grande proporção de
mulheres em idade reprodutiva, o que favorece o crescimento populacional, a
despeito dos baixos níveis de fecundidade atualmente predominantes. As
projeções indicam para 2050 que o tamanho da população brasileira será de 253
milhões de habitantes, a quinta maior do planeta, inferior apenas às da Índia,
China, EUA e Indonésia.
Haveria, então, um acréscimo de 90 milhões de habitantes à população brasileira
nessa primeira metade do século XXI, o equivalente a 2,5 vezes a população da
Argentina em 2005, ou seja, 18 milhões de habitantes por década, em média. Não
se trata de se assombrar com a possibilidade de uma explosão demográfica, mas o
crescimento populacional será, todavia, bastante expressivo (Gráfico_1).
Da década de 70 até a atual, que se encerrará em 2010, a população brasileira
ainda encontra-se em seu grande ciclo de crescimento absoluto, com aumentos
médios anuais superiores a 2,5 milhões de habitantes. Na próxima década, os
incrementos ainda serão superiores a dois milhões. No entanto, como as taxas de
crescimento vêm se reduzindo neste mesmo período, espera-se que, na última
década dessa primeira metade de século, ou seja, entre 2040 e 2050, o
incremento médio anual seja inferior a um milhão de habitantes, segundo as
estimativas do IBGE.
Em síntese, entre 2005, quando a taxa de fecundidade total brasileira atingiu
2,1 filhos por mulher - nível necessário e suficiente para se alcançar um
crescimento demográfico sustentado nulo, no longo prazo - e o período em que se
constatará o crescimento verdadeiramente nulo da população brasileira, serão
necessários pelo menos 40 anos. Estes resultados remetem a uma primeira grande
questão a ser considerada na formulação de políticas públicas: devido ao ritmo
diferenciado de crescimento dos diversos grupos sociais, a probabilidade maior
é que a maioria dos nascidos na primeira metade desse século seja pobre.
Tomando-se como indicador da fecundidade a relação entre crianças de zero a
quatro anos e as mulheres entre 15 e 39 anos, essas suas diferenças sociais
podem ser bem observadas (Gráfico_2). Ainda que a diferença entre os valores
para a população mais pobre - renda domiciliar per capitainferior a um salário
mínimo -, nos dois últimos censos, seja inexpressiva e tenha se reduzido, ela é
muito significativa quando se consideram os valores extremos da distribuição de
renda.
Portanto, não é surpreendente que a distribuição da população brasileira,
segundo a renda domiciliar per capita, revele uma profunda desigualdade social
(Tabela_1). Evidentemente, essa distribuição é função não só dos diferenciais
de fecundidade, mas, também, da mobilidade social entre os diferentes estratos.
A rigidez estrutural da sociedade brasileira não é favorável à mobilidade
social, cujas possibilidades têm ficado, em grande parte, nos últimos tempos,
na dependência das políticas públicas de transferência de renda (BRITO, 2007).
Não há dúvida de que qualquer compromisso com a redução das desigualdades
sociais passa, necessariamente, por reforçar na agenda política a necessidade
de ações visando o apoio à população mais pobre, para que tenha condições de
regular sua fecundidade, pois é este o segmento social com menos informação e
acesso à contracepção. Para ter o exercício de sua cidadania plena, as
mulheres, em geral, e as mais pobres, em particular, devem ter acesso às
informações e aos meios de regulação da sua fecundidade, para que possam
decidir, segundo seus interesses, o número adequado de filhos. Evidentemente,
não é uma solução que ultrapasse seus próprios limites, como muitos ainda
acreditam, servindo como único remédio para as mazelas sociais. Contudo, não se
pode separar a reprodução estritamente demográfica da população da sua
reprodução social. Elas estão intimamente articuladas. No que se refere ao
segmento pobre, então, esta associação não pode ser desprezada quando se pensa
em políticas sociais. Mesmo com declínio da sua fecundidade, a dimensão dessa
população é tão grande que qualquer incremento torna-se significativo. Pensando
na situação extrema, otimista do ponto de vista demográfico, até mesmo no longo
prazo, quando a taxa de crescimento da população pobre alcançasse seu nível de
reprodução, se as condições sociais atuais se mantivessem, ela estaria apenas
se reproduzindo, mas como uma população pobre (BRITO, 2006).
No que se refere à transição demográfica, mais importante ainda que a população
pobre, em seu conjunto, são os jovens pobres. O peso relativo do total do
segmento jovem - aquele abaixo de 15 anos - tem diminuído, em função do
declínio da fecundidade. Essa redução teria sido ainda maior se não tivesse
ocorrido queda significativa da mortalidade infantil. Entre 1970 e 2000, a
mortalidade infantil passou de 115 para 30 óbitos de crianças com menos de um
ano por 1.000 nascidas vivas (IBGE, 2006). A queda da proporção de jovens
acontece em ritmo mais acelerado do que o aumento da de idosos, pois a
substituição de jovens por idosos é mediatizada pelo crescimento da população
adulta. Contudo, a visão exclusiva do decréscimo proporcional dos jovens pode
obscurecer a compreensão da sua importância em termos absolutos, fundamental
para a definição das políticas públicas (Gráfico_3). Em 2010, a população jovem
alcançará seu maior volume em toda a história brasileira (53 milhões),
permanecendo praticamente constante entre 1990 e 2030, com oscilação de valores
ligeiramente superiores a 50 milhões de indivíduos.
No caso dos serviços relativos à população jovem, como os educacionais, a
redução do ritmo de crescimento da demanda pode favorecer a universalização da
cobertura e a melhoria da qualidade do ensino. Além disso, seria menos onerosa
a ampliação do tempo durante o qual os jovens deverão estar inseridos no
sistema escolar, facilitando, por exemplo, a implementação da escola em tempo
integral. Entretanto, do ponto de vista das políticas públicas, não pode ser
desconsiderado que a população-alvo, os jovens, terá na próxima década o seu
maior tamanho absoluto. Atualmente, há consenso quanto à necessidade de
políticas que garantam a universalização efetiva do atendimento dos ensinos
fundamental e médio. O ensino fundamental, exclusivamente, em nada garante a
inclusão social, via mercado de trabalho, cujos requisitos para a entrada
tornam-se cada vez mais rigorosos. O ensino médio assume uma importância
fundamental, principalmente o profissionalizante.
O grupo etário que constituiria essa demanda potencial para os ensinos
fundamental e médio, ou seja, a população entre 5 e 19 anos, ainda crescerá,
lentamente, até 2020, quando alcançará seu tamanho máximo, cerca de 53,5
milhões de pessoas (Gráfico_4). O atendimento ao ensino médio passa a ser o
grande gargalo da educação brasileira, não somente pela pressão demográfica,
mas, também, pelo aumento significativo da população que completa o ensino
fundamental e deseja continuar os estudos. O ensino médio enfrentará, dessa
forma, dois grandes desafios: atender a toda a demanda e aumentar a qualidade
do ensino, sem se beneficiar, no curto e médio prazos, com a redução da
população-alvo.
Torna-se evidente que os benefícios demográficos, no que se refere à demanda
pelo ensino, ocorrem devido ao menor ritmo de crescimento do tamanho da
população-alvo. O passivo demográfico, determinado pelo longo período de
fecundidade alta, ainda proporcionará à população jovem o seu maior tamanho
absoluto na próxima década. Entretanto, incrementos menores ou negativos
significam, realmente, um alívio na pressão sobre o crescimento da oferta da
capacidade instalada para os serviços educacionais, o que deve ser aproveitado,
como um benefício, pelas políticas públicas.
No entanto, a questão não é eleger uma nova panacéia, em que as condições da
estrutura etária garantiriam o êxito das políticas educacionais. A situação
demográfica favorável, por si só, pouco significará se não for aproveitada com
eficiência, quanto aos meios, e com objetivo social de ampliar, pela qualidade,
a capacidade de mobilidade social da maioria da população pobre, reduzindo,
desse modo, as desigualdades sociais.
No caso brasileiro, os benefícios demográficos estão fortemente condicionados
pela gravidade da situação social. Isso fica nítido quando se constata que a
maioria da população jovem, no Brasil, é pobre. Nos três últimos censos, a
porcentagem de jovens de família com renda domiciliar per capitainferior a um
salário mínimo tem diminuído, mas situava-se, em 2000, acima de 70%, mais de 32
milhões de pessoas. No nível mais baixo de pobreza ainda se encontravam 45%,
cerca de 23 milhões de jovens.
Os investimentos maciços em educação, inclusive a escola integral com formação
técnica até o ensino médio, implicam uma grande vontade política. Como foi
mencionado, o público-alvo ainda se manterá muito alto nas duas próximas
décadas. Numa hipótese pessimista, se for mantida, em 2010, a mesma proporção
de jovens pobres de 2000, ou seja, aqueles com renda domiciliar inferior a meio
salário mínimo, eles seriam mais de 24 milhões, quase a metade de todos os
jovens.
Por outro lado, a população idosa tem apresentado uma velocidade no seu
incremento absoluto maior do que a da população total, aumentando,
conseqüentemente, sua participação relativa. Associe-se, a esse fenômeno do
envelhecimento da população, o aumento da sua longevidade, bem traduzida pelos
ganhos na esperança de vida ao nascer, que já alcançava 72,1 anos em 2005.
Deve-se lembrar que os países desenvolvidos, quando estavam na fase atual da
transição demográfica brasileira, tinham não apenas uma economia com
crescimento sustentado, mas também um Estado do Bem-Estar Social consolidado. O
Brasil, ao contrário, não tem registrado taxas satisfatórias de crescimento da
sua economia, assim como se apressa em reformar seu sistema de seguridade
social, que ainda se encontra a uma enorme distância da experiência dos países
desenvolvidos.
O envelhecimento da população, ou seja, o aumento da proporção de pessoas com
65 anos de idade ou mais é uma característica marcante da transição da
estrutura etária brasileira. Essa proporção será de 7,0% em 2010, pouco mais de
13 milhões de idosos. Comparativamente, naquele ano, um grupo com 40 milhões de
pessoas a menos do que os jovens.
Durante a primeira década deste século, a população idosa tem aumentado, em
média, 387 mil pessoas por ano. Mas, nos últimos dez anos da primeira metade do
século, estima-se que esse crescimento corresponderá a mais de um milhão de
indivíduos por ano. Em 2050, a população idosa será cerca de 3,7 vezes maior do
que a de 2000, próxima de 49 milhões. As conseqüências deste grande incremento
serão enormes, exigindo uma redefinição de todas as políticas públicas voltadas
para esse segmento populacional.
A questão mais importante para as políticas públicas, de fato, é a situação
social dos idosos. A proporção deles no estrato mais pobre da população tinha
aumentado entre 1980 e 1991, mas teve uma grande redução entre os dois últimos
censos. Em 2000, 12% da população idosa possuía renda domiciliar per
capitainferior a meio salário mínimo, ou seja, uma situação inequívoca de
pobreza. Ampliando a faixa de pobreza até um salário mínimo, tem-se um terço
dos idosos, cerca de 3,5 milhões.
Há uma relação positiva entre a proporção de idosos e o nível de renda, quando
se considera cada um dos grupos. Ela aumenta, certamente, devido a uma maior
longevidade e menor fecundidade dos grupos economicamente mais favorecidos da
população. O segmanto com mais de dez salários mínimos de renda per
capitafamiliar, em 2000, tinha 10% de idosos, enquanto os mais pobres possuíam
apenas 2%.
O fato mais notável, entretanto, quando se observa a distribuição de renda da
população idosa, na última década, é a diminuição, tanto em termos absolutos
quanto relativos, dos idosos mais pobres. Por outro lado, aumentaram aqueles
com renda domiciliar entre meio e um salário mínimo e, fundamentalmente, o
grupo entre um e dois salários mínimos, em que se situavam, em 2000, 57% dos
idosos, contra 38% em 1991. Essas mudanças, provavelmente, devem ter sido
causadas pelas políticas de transferência de renda definidas pela Constituição
de 1988. Boa parte dessa parcela da população tem sido objeto de políticas de
transferência de renda, como a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação
Continuada (BPC).
A título de exemplo, tome-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Seria
razoável esperar que o volume de recursos a serem dispensados nesse programa de
transferência de renda varie em proporção muito semelhante àquela da população
idosa (CEDEPLAR/MDS, 2006). Por se tratar de transferências puras, o BPC não
envolve contrapartida por parte dos beneficiários, mas sim recursos
orçamentários. Em outras palavras, esse benefício é financiado por recursos
fiscais pagos por outros segmentos sociais. A continuidade das políticas de
transferência de renda deve ser equacionada, politicamente, no contexto de um
projeto fiscal - fundamentalmente social - de transferência de renda favorável
aos segmentos mais pobres da população. Não se trata, no caso brasileiro, de
uma equação de fácil solução. Todavia, não há como fugir às suas incógnitas,
pois, fazendo um mero exercício, os 57% de idosos (5,6 milhões) que em 2000
podem estar recebendo benefícios dos programas de transferência de renda serão,
em 2050, segundo estimativas do IBGE, 28 milhões. Sendo realista, a situação
social de parte da população idosa do Brasil será insustentável no futuro, se
continuar a depender, como agora, de transferências maciças de renda
originárias do orçamento. Os contornos dessa situação ficam ainda mais
complexos quando se considera que a maioria dos jovens pobres, hoje, poderá ser
os idosos pobres de amanhã.
Desse modo, ainda que aparentemente possa parecer contraditório no curto prazo,
pois são segmentos etários com demandas competitivas de receitas públicas, não
é possível pensar as políticas para os idosos, no médio e longo prazos,
separadas das políticas para os jovens. Será decisivo, para equacionar a
questão dos idosos, uma rigorosa política de investimentos no curto prazo na
população jovem pobre, com o objetivo não só de garantir sua sobrevivência
hoje, como pobre, mas, principalmente, que crie condições para sua mobilidade
social, possibilitando sua definitiva inclusão social, no futuro.
Por outro lado, o sistema de previdência social, no qual, em princípio, haveria
uma contrapartida adequada da parte dos futuros beneficiários, precisa se
compatibilizar com o padrão demográfico emergente. A situação demográfica é
favorável, o número de contribuintes potenciais, em 2010, é quase dez vezes
maior do que o de idosos. A dificuldade, então, não se encontra, neste momento,
nas relações intergeracionais, mas sim na maioria da PIA que não contribui,
gerando graves problemas para o seu financiamento.
O Censo de 2000 mostra uma relação entre população ocupada e população
contribuinte muito desfavorável à política previdenciária: praticamente, a
metade dos ocupados não contribuía para a Previdência (Gráfico_5).
O cenário para a definição das políticas de previdência social, em particular,
e da seguridade social, em geral, não pode deixar de levar em conta quem são os
idosos hoje e como serão no futuro, do ponto de vista da sua renda. Atualmente,
a dimensão absoluta da população idosa, vis-à-visa da população em idade ativa,
ainda não é tão relevante como será no futuro e, só por isso, a situação dos
idosos ainda pode ser minimizada pelas políticas de transferência de renda
definidas pela Constituição. Já a situação futura dependerá das possibilidades
criadas pelo crescimento da economia, principalmente da geração de mais
empregos e ocupações que aumentem o número de contribuintes, somando-se, como
mencionado, as políticas públicas referentes aos jovens pobres, que devem ser
objetivo prioritário do Estado. Caso isso não ocorra agora, a situação
previdenciária ficará comprometida, pois, no médio prazo, provavelmente, haverá
maior proporção de trabalhadores não-contribuintes e, no longo prazo, mais
dependentes de programas de transferência de renda.
Equacionar o sistema de previdência social, sem que o país tenha alcançado os
primeiros degraus de um Estado do Bem-Estar Social, é um desafio para as
políticas que visem aumentar a justiça social e reduzir as desigualdades
sociais, sem as quais as oportunidades demográficas serão desperdiçadas. Deve-
se sublinhar, novamente, que, apesar de as implicações da transição demográfica
sobre o sistema previdenciário serem observáveis, elas ainda estão distantes de
expressar uma das principais causas da sua crise, ao contrário da situação
atual dos países desenvolvidos.
Correntemente, enquanto se aumenta o peso relativo dos idosos, também cresce a
população em idade ativa, de quem se espera, pela produção, poupança e
investimentos, que seja a fonte de transferência de renda para os idosos, pelo
menos teoricamente (TURRA; QUEIROZ, 2005). Entre 1950 e 2000, foram
acrescentados 88 milhões de pessoas ao seu contingente populacional. O passivo
demográfico, determinado pelo longo período de fecundidade alta, ainda irá
incorporar à PIA cerca de 54 milhões de pessoas entre 2000 e 2050 (Gráfico_6).
O Brasil está muito distante da realidade dos países desenvolvidos que, desde o
final da Segunda Guerra Mundial, precisam suprir parte das suas necessidades de
mão-de-obra através da migração internacional. Pelo contrário, desde 1980, o
país passou a transferir população para nutrir o mercado de trabalho
internacional. Entretanto, essa emigração é, relativamente, pouco expressiva,
insuficiente para reduzir a pressão sobre a oferta de empregos. Contudo, uma
nova corrente emigratória começa a se estabelecer, transferindo para os países
desenvolvidos mão-de-obra qualificada, com educação superior ou mais, visando
suprir as necessidades daquelas economias, cujos mercados de trabalho, cada vez
mais exigentes quanto à formação profissional, não têm a quantidade de oferta
de força de trabalho demandada. Embutida nessa emigração, transfere-se para os
países desenvolvidos investimentos maciços em educação.
Voltando ao crescimento da PIA e considerando a população de 15 a 24 anos
aquela que potencialmente poderia se incorporar ao mercado de trabalho no
decênio, suas estimativas para um futuro próximo não podem, propriamente, ser
entendidas como um benefício demográfico. Seu incremento decenal tem sido
negativo nesta primeira década do século XXI, mas será positivo entre 2010 e
2030. Novamente, o passivo demográfico possibilitará que, de 2000 a 2050, a
população jovem, potencialmente demandante de um lugar no mercado de trabalho,
varie em tamanho absoluto, em cada uma das décadas, entre 32 e 34,7 milhões.
Números extremamente grandes, distantes de aliviar a economia de uma grande
necessidade de geração de emprego.
Simultaneamente à expressiva incorporação de mão-de-obra jovem, a população em
idade ativa ficará mais velha, ainda que gradualmente, dentro do processo geral
de envelhecimento da população brasileira. Durante a primeira metade do século
XXI, a idade média da PIA aumentará em sete anos, passando de 30, em 2000, para
37 anos, em 2050, bem abaixo do envelhecimento do total da população, que no
mesmo período terá um acréscimo de 15 anos, passando de 25 para 40 anos (BRITO,
2007).
O aumento do tamanho absoluto e do peso relativo da população em idade ativa,
em relação aos dependentes, jovens e idosos, do ponto de vista estritamente
demográfico, pode ser considerado um fator positivo para a economia (Gráfico
8). Essa seria a população que, teoricamente, produz, poupa, investe e
contribui com impostos e para a previdência social. Em outras palavras, o
pressuposto é de que os jovens e os idosos, provavelmente, consumam mais do que
produzem e a população em idade ativa produza mais do que consome. Isso, em
tese, seria mais verdadeiro quanto mais envelhecida se torna a PIA (BLOOM;
CANNING; SEVILLA, 2003).
Fala-se em tese porque, se as condições demográficas são favoráveis, elas são
dependentes de políticas públicas que garantam a efetividade dos benefícios
demográficos. Essas políticas deveriam proporcionar o emprego da mão-de-obra
disponível com uma remuneração condizente, a sua regulação pela legislação
trabalhista, uma política fiscal e previdenciária adequada, dentro de um
contexto de crescimento da economia. Caso contrário, a abertura das janelas de
oportunidades demográficas pode passar desapercebida e o crescimento da PIA não
terá o retorno econômico e social desejado.
As relações intergeracionais e os benefícios demográficos
As razões de dependência demográfica partem do pressuposto, antes exposto, de
que a população jovem, de 0 a 14 anos, e a idosa, de 65 anos e mais, podem ser
consideradas dependentes da população em idade ativa, de 15 a 64 anos. Ainda
que os limites etários dos diferentes grupos possam ser contestados como
arbitrários, trata-se de uma aproximação razoável e reconhecida
internacionalmente. A razão de dependência total (RDT) seria a proporção dos
jovens e idosos em relação à PIA. Os dependentes, teoricamente, consumiriam
mais do que produzem e a população adulta produziria mais do que consome. Essa
seria a relação básica que expressa a transferência entre as gerações. A RDT
pode ser desdobrada em seus componentes: a razão de dependência dos jovens
(RDJ) e a dos idosos (RDI). A primeira seria a proporção dos jovens em relação
à PIA e a segunda a dos idosos.
Até 1970, antes do declínio acelerado e generalizado da fecundidade, a RDT
tinha valores extremamente altos (Tabela_4). Em 1960, por exemplo, o seu valor
era de 83%, isto é, para cada 100 pessoas na PIA, havia 83 jovens e idosos, ou,
mais especificamente, 78 jovens e cinco idosos. De fato, a grande "carga" para
a PIA eram os jovens. Não se poderia esperar outra coisa de um país, naquele
momento, com uma fecundidade alta e crescimento acelerado da população, que
contava com 30 milhões de jovens e apenas 1,9 milhão de idosos. Um outro
indicador das relações intergeracionais é o índice de idosos, isto é, o
quociente entre o número de idosos e o de jovens. Em 1960, esse valor era de
6,4 idosos para cada 100 jovens, o que só confirma a situação da população
brasileira na época, jovem, com 50% da sua população com menos de 20 anos de
idade. No final do século passado, a razão de dependência total já tinha
baixado para 54%, mesmo assim ainda mantendo um grande peso dos jovens.
Na primeira metade deste século, a RDT permanecerá entre 49% e 57%, mudando, no
entanto, profundamente sua composição. Enquanto em 2000 a razão de dependência
dos jovens era quase seis vezes maior do que a dos idosos, em 2050, as duas
razões de dependência serão praticamente iguais.
Os demógrafos têm chamado atenção para as oportunidades demográficas que
poderiam ser usufruídas pela sociedade e economia, entre 2010 e 2030, em
função, principalmente, do crescimento da PIA, acompanhado pela redução da
razão de dependência total, que, nesse período, alcançará seus menores valores,
em torno de 50%, sendo que o peso relativo dos idosos ainda será bem menor do
que o dos jovens. Ter-se-ia, para cada 100 pessoas em idade ativa, apenas 50
jovens e idosos, com preponderância dos jovens. Em outras palavras, as
transferências intergeracionais seriam favorecidas pela relação de um por dois,
ou seja, apenas uma pessoa dependente para cada duas potencialmente produtivas.
No intervalo mais amplo, entre 2000 e 2040, as condições demográficas poderiam
ser consideradas favoráveis: em 2000, a RDT era de, aproximadamente, 54% e, em
2040, seria de 53%. Mesmo com uma razão de dependência total de 54% - seu maior
valor - ter-se-ia 1,08 dependente para cada duas pessoas potencialmente
produtivas. Situação plenamente satisfatória do ponto de vista da dependência
demográfica.
Como se sabe, a definição da população em idade ativa é estritamente
demográfica, o que não dispensaria um exercício com os dados do Censo de 2000,
verificando quem são aqueles que estão ocupados ou não e, no caso da
previdência social, quais são os ocupados que contribuem ou não, ou seja,
aqueles que participam ou não do mercado de trabalho formal. Pode-se, desse
modo, ter uma visão mais realista das razões de dependência e dos seus
benefícios.
Para simplificar a análise dos ocupados e dos contribuintes, segundo a
estrutura etária, serão utilizados os três grandes grupos etários, os jovens, a
população em idade ativa e os idosos. A PIA será subdividida em três faixas: 15
a 29 anos; 30 a 49 anos; e 50 a 64 anos.
A definição estritamente demográfica não está tão distante da realidade. Entre
os ocupados, em 2000, 96% encontravam-se entre 15 e 64 anos, sendo o grupo
modal o de 30-49 anos (Gráfico_10). As pessoas neste grupo, mais aquelas de 15-
29 anos, os jovens da PIA, correspondiam a 84% dos ocupados. Apenas 4% estavam
entre os grupos dependentes.
Considerando, ainda, a população ocupada em relação à não-ocupada, em termos
absolutos, nota-se que os não-ocupados formam uma curva decrescente à medida
que aumenta a idade (Gráfico_11). Na PIA, situavam-se 63 milhões de pessoas
ocupadas. Este contingente, somado ao pequeno número dos ocupados nos grupos de
jovens e idosos fora da PIA, perfaz um total de 66 milhões de pessoas ocupadas,
no Brasil, em 2000.
Uma população em idade ativa, com essa dimensão, pode realmente constituir um
grande benefício? Do ponto de vista estritamente demográfico não restariam
dúvidas, pois as razões de dependência são contundentes. Pelo menos
teoricamente, poderia ser considerado um dividendo demográfico (GUZMAN, 2006)
Como na PIA está a maioria dos que trabalham, geram receita, em tese, produzem
mais do que consomem e, ainda, transferem renda através de impostos e
contribuições, não haveria como discordar. Esse dividendo, chamado de primeiro,
por alguns, é considerado transitório, pois depende do comportamento favorável
da razão de dependência. No caso brasileiro, pelo menos até 2040, esse
benefício poderia ser usufruído. Se esse benefício é considerado transitório, o
chamado segundo dividendo seria permanente, já que depende do efeito combinado
do envelhecimento e do aumento da longevidade. Populações mais envelhecidas e
com maior expectativa de vida, tendência inexorável da transição demográfica,
estariam mais propensas a gerar maior poupança e, por hipótese, aumentar o
potencial de crescimento da economia e do bem-estar social (QUEIROZ; TURRA,
2006).
Entretanto, quando se considera a realidade da sociedade brasileira, em que o
número de pessoas desocupadas é ainda muito grande, a razão de dependência
demográfica pode não ser um indicador suficiente. Considerando uma razão de
dependência mais restrita, quando se tomariam, em todas as idades, os não-
ocupados como dependentes dos ocupados, a proporção dos dependentes fica muito
maior: 161% em 2000, ou seja, para cada cem pessoas ocupadas, ter-se-iam 161
não-ocupadas, o que significa que a carga econômica daqueles que estão
realmente ocupados é muito maior do que revela a razão de dependência
estritamente demográfica.
Entre os ocupados, a população contribuinte da previdência social, 34 milhões
em 2000, representava um pouco mais da sua metade, 52% (Gráfico_12). A quase
totalidade dos contribuintes está na PIA, com uma grande concentração no grupo
de 30 a 49 anos. Em termos absolutos, o formato das duas curvas é semelhante,
ficando, logicamente, a de contribuintes mais abaixo. A modalidade permanece no
grupo de 30 a 49 anos.
Levando em conta a população contribuinte da previdência social, 34 milhões em
2000, poder-se-ia calcular uma outra razão de dependência, baseada na relação
entre contribuintes e não-contribuintes de todos os grupos etários: para cada
100 contribuintes, haveria 506 não-contribuintes. Uma relação completamente
adversa para o sistema de seguridade social. Sem aumentar o número de pessoas
ocupadas e, conseqüentemente, o número de contribuintes, facilitando seu acesso
ao mercado de trabalho formal, maiores serão os encargos fiscais necessários
para financiar as políticas relativas à seguridade social. Em outras palavras,
o dividendo demográfico transitório só se efetivará, plenamente, se a razão de
dependência demográfica estiver próxima da relação entre não-contribuintes de
todas as idades e contribuintes. Uma observação deve ser feita: o primeiro
dividendo refere-se a uma relação entre produtores e consumidores, segundo seus
respectivos perfis etários, não podendo, portanto, ser retratado,
exclusivamente, pelos indicadores do mercado de trabalho aqui analisados,
apesar de estar intensamente condicionado por eles. Trata-se somente de um
exercício para suscitar a imaginação analítica, sem a pretensão de testar a
validade ou não da teoria dos bônus demográficos (BLOOM; CANNING; SEVILLA,
2003).
Desequilíbrios regionais e sociais: possíveis conclusões sobre a transição
demográfica e as desigualdades sociais
No caso brasileiro, os desequilíbrios regionais tornam a discussão sobre as
relações intergeracionais mais complexas. A razão de dependência total, assim
como o índice dos idosos no Brasil, varia entre os Estados e regiões, segundo
suas diferentes etapas na transição demográfica. A diferença entre a maior
razão de dependência total, o Nordeste Setentrional, e a menor, São Paulo,
chega a 22 pessoas para cada 100 indivíduos em idade ativa (Tabela_5).
As proporções de jovens em relação à PIA da Região Norte e do Nordeste
Setentrional ultrapassavam 60%, enquanto a do Rio de Janeiro, a mais baixa
razão de dependência dos jovens, ficava próxima de 37%, em 2000. Próximos a
esse último valor situavam-se São Paulo e o Extremo Sul. A diferença entre as
razões de dependência dos jovens nos dois casos extremos, o Norte e o Rio de
Janeiro, era de 26 jovens para cada 100 pessoas na PIA.
Somente as Regiões Norte e a Centro-Oeste tinham uma razão de dependência dos
idosos menor do que a média nacional, ambas próximas a 6%, contra 8% do total
do Brasil. Novamente, o Rio de Janeiro é o destaque, com 11 idosos para cada
100 pessoas em idade ativa. No caso dos idosos, cuja proporção em relação à PIA
cresce em velocidade menor do que diminui a dos jovens, a diferença entre os
casos extremos, o Estado do Rio de Janeiro e a Região Norte, é menor: cinco
idosos a mais, no Rio, para cada 100 pessoas na PIA.
Deve-se destacar que a distribuição etária proporcional da população de cada
região ou Estado depende, além do comportamento da fecundidade das diversas
unidades espaciais nas últimas décadas, de suas histórias migratórias. O
declínio por mais tempo e mais rápido da fecundidade leva a uma menor proporção
de jovens e maior de idosos, isto é, populações mais envelhecidas. Por outro
lado, uma forte e persistente imigração tem como conseqüência o aumento da
proporção da população jovem e daquela em idade ativa, com a conseqüente
diminuição do segmento de idosos. Já nas unidades com forte emigração, seu
efeito deveria ser um maior envelhecimento populacional (WONG; CARVALHO, 2006).
No caso do Brasil, mais importante do que as diferenças regionais são as
sociais. As medidas estritamente ligadas às relações intergeracionais, como as
razões de dependência e o índice de idosos, estão altamente correlacionadas aos
níveis de renda per capitadomiciliar. A tendência da razão de dependência
total, no Brasil, independente dos grupos de renda, tem sido de redução.
Todavia, nos dois subgrupos populacionais mais pobres, isto é, com renda
domiciliar per capitainferior a um salário mínimo, era bem superior, em todos
os períodos, à média nacional. No grupo mais pobre, em 2000, por exemplo, para
cada 100 pessoas em idade ativa, havia 82 dependentes. Entre os mais ricos,
aqueles com dez ou mais salários mínimos de renda domiciliar per capita, havia
em torno de 30 pessoas dependentes, uma diferença muito expressiva, para menos,
de cerca de 52 dependentes, em relação ao grupo mais pobre (Tabela_6).
A razão de dependência dos jovens apresenta declínio acentuado, generalizado e
rapidamente decrescente à medida que a renda familiar per capita aumenta
(Gráfico_13), o que seria de se esperar, sendo ela a causa da queda da razão
total. Entre aqueles com renda familiar per capita acima de dez salários
mínimos, a RDJ era de 17 por 100, ou seja, 59 dependentes jovens a menos, para
cada conjunto de 100 indivíduos em idade ativa, do que na população mais pobre,
aquela com até um salário mínimo de renda domiciliar per capita.
Ao contrário da razão dos jovens, a dos idosos é crescente com a renda e o seu
aumento tem sido mais lento, no período analisado (Gráfico_14). Entre os mais
ricos, chegava, em 2000, a 14 idosos para cada 100 pessoas em idade ativa, 2,4
vezes maior do que entre os mais pobres. É importante observar a grande
variação entre 1991 e 2000 na razão de dependência no grupo de um a dois
salários mínimos, o que se deve, como foi mencionado anteriormente, a um grande
aumento na proporção de idosos neste grupo, provavelmente em função dos efeitos
das políticas constitucionais de transferência de renda.
O índice de idosos - outro indicador ligado às relações intergeracionais -
também se mostra crescente com a renda em todos os períodos. Novamente, as
diferenças entre 1991 e 2000 são significativas, principalmente para aqueles
com um e dois salários mínimos de renda domiciliar, em que o índice dobra entre
os dois últimos censos. Aqueles com renda de cinco a dez salários mínimos, em
2000, tinham um índice de idosos bastante alto, com quase um idoso para cada
dois jovens. No grupo dos mais ricos, essa relação aumenta mais de valor, com
aproximadamente 80 idosos para cada 100 jovens.
Os dados sobre as relações entre diversos indicadores da transição demográfica
e a renda familiar per capitamostram que as diferenças sociais acarretam, no
Brasil, "desigualdades demográficas" maiores do que aquelas observadas entre as
diferentes regiões. A transição demográfica aparece, nitidamente, nas suas
diferentes etapas, quando é analisada segundo as condições sociais e econômicas
da população. Os benefícios ou os bônus demográficos, assim como os desafios
políticos, são distintos, segundo os diferentes níveis sociais. Somente levando
este fato fundamental em consideração é que as políticas públicas, com o
objetivo de justiça social, poderão bem aproveitá-los.
Mesmo que as relações intergeracionais tornem-se, com o tempo, menos
heterogêneas, mas sem que se alterem as diferenças sociais de hoje, o
crescimento demográfico diferenciado, segundo os grupos sociais, tornaria, no
mínimo, estáveis as agudas desigualdades já hoje injustificáveis. Os pobres de
hoje, mesmo numa hipótese otimista, reduzindo seu crescimento demográfico, até
mesmo à sua mera reprodução, não deixarão de ser, somente por isso, menos
pobres amanhã.
A capacidade de a transição demográfica potencializar as transferências
intergeracionais de recursos está intimamente associada à implementação de
políticas que potencializem as transferências sociais desses mesmos recursos.
Caso contrário, a transição demográfica vai gradativamente perdendo sua
eficácia social, cada vez que se distancia dos grupos de renda mais altos.
Em síntese, não se trata de fechar os olhos aos possíveis benefícios gerados
pelas mudanças demográficas, até porque, pela sua relevância estrutural, eles
serão decisivos, positiva ou negativamente, do ponto de vista social. Desse
modo, cabe à imaginação analítica e ao senso de justiça social colocá-los a
serviço de políticas que tenham como objetivo fundamental reduzir as
desigualdades sociais.