Transição para a vida adulta no Brasil: análise comparada entre 1970 e 2000
Algumas considerações teóricas sobre o tema
Para entender a transição para a vida adulta, é necessário primeiro situá-la
dentro de certos marcos históricos e contextuais em que ela emerge como uma
questão social. É praticamente impossível discutir a transição para a vida
adulta sem esbarrar, em algum momento, com noções de periodização da vida,
categorias de idade e preocupações com a estrutura do ciclo de vida, ou do
curso da vida, como preferem muitos teóricos de abordagem qualitativa.1
Enquanto a idéia de ciclo de vida traz à mente noções de continuidade
sociobiológica, segundo a qual o indivíduo nasce, cresce, reproduz-se e morre,
seguindo um scriptque se repete de geração em geração, a idéia de curso da vida
se traduz na apreensão da vida como um fluxo, um movimento que se renova.
Enquanto a melhor analogia do ciclo de vida talvez seja a de um círculo que se
fecha, a melhor representação do curso da vida são rotas, ou "trajetórias",
como diria Motta (1998). Na atualidade, a experiência humana ao longo do tempo
de vida torna-se mais complexa e plural. É como se o scripttivesse que ser
reeditado, quando não totalmente reescrito.
Mudanças sociais e econômicas, especialmente as motivadas pelos processos de
industrialização e urbanização, aliadas às mudanças demográficas2 e na vida
familiar, estão no cerne de várias explicações sobre como o ciclo de vida é
segmentado e de que maneira novos estágios da vida são criados.
A racionalização sobre o ciclo da vida e o reconhecimento da existência de seus
distintos estágios, nos quais os indivíduos seriam dotados de diferentes
habilidades físicas e cognitivas, impondo necessidades específicas de acordo
com a idade, é uma formulação produzida na Europa, no final do século XVIII,
que se desenvolveu e se propagou pelo mundo ao longo do século XIX com os
avanços empreendidos pelas ciências comportamentais e médicas (HAREVEN, 1999).
Já no século XX, muito do conhecimento teórico-científico sobre as fases da
vida, seus dilemas, vantagens e desafios se popularizou graças aos meios de
comunicação de massa e políticas públicas voltadas para determinados segmentos
etários: escolas para crianças, frentes de trabalho para adultos e
aposentadoria para idosos, são alguns exemplos.
É válido lembrar que a idade cronológica nem sempre foi um critério tão
relevante e legítimo de organização social e fixação de direitos e deveres.
Como esclarece Debert (1999, p.73):
[A história das sociedades ocidentais contemporâneas] estaria marcada
por três etapas sucessivas, em que a sensibilidade investida na idade
cronológica é radicalmente distinta: a pré-modernidade em que a idade
cronológica seria menos relevante do que o status da família na
determinação do grau de maturidade e no controle de recursos de
poder; a modernidade, que teria correspondido a uma cronologização da
vida; e a pós-modernidade, que operaria uma desconstrução do curso da
vida em nome de um estilo unietário.
Parte dos estudiosos afirma que foi com a modernização das sociedades,
especialmente com a industrialização, que houve a padronização e
individualização do curso de vida e, por conseguinte, da transição para a vida
adulta. A tese da padronização argumenta que, com o advento da
industrialização, a organização da sociedade passou paulatinamente a se basear
em indivíduos, e não em famílias e comunidades (BILLARI, 2001; FUSSELL, 2006).
Na prática, isso significa que instituições como a escola, o mercado e o Estado
agem diretamente sobre indivíduos classificados por idades. Contudo, essa
tendência à padronização e à individualização seria constantemente complicada
por flutuações econômicas, eventos históricos ou desigualdades de gênero, raça
e classe dentro de um mesmo grupo geracional (SHANAHAN, 2000).
Peralva (1997) ressalta que é na era industrial que o Estado assume, de modo
sistemático, numerosas dimensões de proteção ao indivíduo, entre as quais se
destaca a defesa da escolarização universal e obrigatória. A difusão da
escolarização teve o poder de separar, como nunca se viu antes, as crianças,
definidas como indivíduos em formação, dos adultos. Enquanto o jovem aprendiz
convivia com pessoas de diversas faixas etárias, o estudante tem em geral uma
experiência completamente distinta. Refletindo sobre o que informa esta autora,
observa-se que o ensino seriado transmite justamente a idéia de uma escala, na
qual existe uma correspondência idade-série que segue uma direção linear. Não
por acaso, o indivíduo que completa os estudos é considerado formado, em
contraste direto com a imagem das crianças ou adolescentes, classificados como
indivíduos em formação.
Aliás, a literatura especializada tem chamado a atenção para a relação
existente entre a universalização do ensino público e a consolidação da
adolescência e da juventude enquanto estágios da vida socialmente reconhecidos
(SETTERSTEN Jr.; FURSTENBERG; RUMBAUT, 2005), bem como para a relação entre o
aumento do tempo de formação escolar e o prolongamento da juventude (ARRUDA,
2004; MELLO, 2005; MADEIRA, 2006). A principal justificativa para estes
fenômenos é que, ao longo do século XX, os requisitos para a conquista da
condição plena de adulto tornaram-se cada vez mais complexos, de modo que foram
sendo legitimadas etapas intermediárias entre a infância e a vida adulta.
É válido lembrar que, obviamente, a modernização e a industrialização não
ocorreram simultaneamente em todos os países. Mas dentro de uma esquematização,
o curso de vida típico da era industrial estava segmentado idealmente em três
compartimentos estanques: o período em que a preocupação única era a educação
(associada à infância e adolescência); aquele em que a centralidade da
existência era o trabalho (associado à vida adulta); e por fim a aposentadoria
(vinculada à velhice). Assim, pessoas de diferentes idades vivenciavam
necessariamente diferentes experiências, enquanto provavelmente havia maior
homogeneidade intragrupo etário. Esse esquema é um desdobramento da forma como
o tempo passa a ser percebido. De acordo com Melucci (1997), nas sociedades
modernas, o tempo perde a vinculação com a natureza para ser associado a uma
máquina (o relógio), que converte o tempo em uma medida objetiva, universal e
dotada de uma direção, uma orientação linear voltada para um fim específico
(seja o progresso, o desenvolvimento ou a revolução).
No final do século XX e início do XXI, a economia capitalista industrial cedeu
lugar à economia globalizada. Fala-se na emergência de sociedades pós-modernas,
que de certa forma subvertem a ordem intrínseca ao momento anterior. A própria
percepção do tempo também se altera sob a lógica da simultaneidade, do
instantâneo, do virtual e do real. Isso abala os velhos fundamentos de
continuidade, linearidade e seqüência previsível dos eventos ao longo do curso
da vida. A educação continuada passou a ser uma exigência do mercado e a
aposentadoria também deixou de ser sinônimo de inatividade, de tal modo que há
sobreposição entre educação, trabalho e aposentadoria (CAMARANO; MELLO; KANSO,
2006). Pessoas de diferentes idades podem estar expostas à mesma experiência,
bem como cresce a possibilidade de experiências distintas entre pessoas de um
mesmo grupo etário. Cogita-se que a era pós-moderna traz consigo a
despadronizaçãodo curso de vida, ou seja, maior heterogeneidade intragrupo
etário. Se antes a condição de estudante estava relacionada às crianças
dependentes de seus pais, que idealmente não trabalhavam, e a imagem do
trabalhador era a do chefe de família com esposa e filhos e que encerrou sua
carreira educacional, hoje essas combinações de statusescolar, ocupacional e
conjugal se misturam, se confundem e levam a uma ampla gama de outras
possibilidades. Um maior número de combinações desses status, abertas a pessoas
de uma mesma idade, evidencia a heterogeneidade intragrupo etário. Quanto maior
a heterogeneidade de combinações realizáveis, maior é a complexidade do curso
de vida e mais difícil se torna vislumbrar um padrão etário rígido.
Algumas ponderações sobre população jovem brasileira em 1970 e 2000
Do ponto de vista demográfico, a população brasileira mudou significativamente
entre 1970 e 2000. Apesar da queda da fecundidade, em termos absolutos houve
expressivo crescimento populacional. O Brasil possuía, em 1970, um pouco mais
de 94 milhões de habitantes. Em 2000, esse contingente já era de
aproximadamente 170 milhões de pessoas. A taxa de urbanização, que era da ordem
de 55% em 1970, ultrapassou o patamar de 80% em 2000. Mas talvez a mudança mais
importante ocorrida durante esses trinta anos, e que impõe mais desafios, é
aquela verificada na estrutura etária da população.
Como se pode observar nas pirâmides etárias (Gráfico_1), entre 1970 e 2000,
diminuiu a proporção de pessoas de 15 anos, tal como já foi documentado
extensamente na bibliografia dedicada aos estudos populacionais. O
estreitamento na base da pirâmide pode, sob certo prisma, ser considerado um
dado demográfico favorável a investimentos concentrados em educação, uma vez
que se poderia imaginar que uma menor proporção de jovens a serem educados
deslocaria o foco das políticas educacionais da preocupação com a quantidade,
para a qualidade do ensino, da atenção focada nos níveis elementares de
educação pré-escolar e de alfabetização, para níveis mais elevados do sistema
educacional.
O Gráfico_2 atesta que houve clara melhoria quanto ao acesso ao sistema
educacional não só nas idades de escolarização obrigatória (7-14 anos), mas
também na faixa etária contígua de 15 a 19 anos e, em menor grau, no grupo de
20 a 24 anos.
Como visto anteriormente, mudanças na transição para a vida adulta e
especialmente o prolongamento da juventude são associados ao aumento da duração
do período de formação educacional com o objetivo de adquirir as credenciais
exigidas pelo mercado de trabalho em tempos de economia globalizada.
Além da ampliação do acesso ao sistema educacional, verifica-se, através do
Gráfico_3, que houve um expressivo crescimento da população que concluiu a
escola secundária ou foi além dela, transcorridos os trinta anos que separam os
dois censos demográficos. Contudo, apesar de ser visível o relativo progresso
alcançado pela educação no Brasil, considerando que a maioria das atividades
criadas pela economia globalizada demanda ao menos formação secundária
completa, é frustrante constatar que ainda é pequena a proporção de brasileiros
com reais chances de competir por vagas no mercado formal de trabalho, que
atualmente requer maior qualificação. Mas vejamos o que ocorreu ao curso de
vida e, particularmente, à transição para a vida adulta dos brasileiros em
tópicos subseqüentes.
Metodologia: a análise de entropia de combinações de status de coortes
sintéticas
A entropia é um conceito cunhado pela termodinâmica que, gradativamente, foi
sendo apropriado por outras áreas do conhecimento, entre elas a Economia e as
Ciências da Informação. Nas Ciências Sociais, esse conceito é introduzido por
Theil (1972) com o objetivo de produzir indicadores que subsidiassem a
explicação de processos sociais.
Embora o cálculo do índice de entropia geral sofra poucas alterações nas
diferentes áreas de investigação nas quais foi empregado, o significado a ele
atribuído depende ora da abordagem do investigador, ora da natureza do objeto
de pesquisa. Baseado na natureza do objeto de pesquisa ou na abordagem do
investigador, a entropia pode ser apresentada como uma medida de desordemde um
sistema ou como uma medida de transformação. No caso da transição para a vida
adulta, a entropia funciona como uma medida de transformação, uma vez que
mensura o câmbio de statusde adolescentes e jovens. Vale registrar que a
própria etimologia da palavra reafirma este segundo significado de algo em
transformação, pois o termo entropia deriva do grego em(em) e trope
(transformação) (COLOVAN, 2004, p.14).
A análise de entropia é uma técnica de decomposição, isto é, dada uma
totalidade, reconstroem-se as componentes que formam o todo, de maneira que a
entropia capta o quanto esse todo está segmentado internamente. Por esse
prisma, a entropia mede a heterogeneidade interna do grupo social ou de
qualquer outro objeto em estudo. Há os que consideram que uma maior
heterogeneidade representa intensa transformação, enquanto outros preferem
traduzi-la como caos ou desordem. Todavia, em ambas as leituras, quanto maior
entropia, maior é a complexidade de um fenômeno.
A aplicação e a interpretação dos resultados da técnica apresentada neste texto
são baseadas no artigo de Fussell (2006), que foi o primeiro trabalho a usar a
análise de entropia no estudo da transição para a vida adulta a que tivemos
acesso. Um estudo posterior (FUSSELL; EVANS; GAUTHIER, 2006), em que os autores
reafirmam o potencial da técnica para sumarizar diferentes modelos de transição
para a vida adulta ao longo do tempo e estabelecer comparações internacionais,
podendo-se inclusive utilizála para descrever o processo de transição em países
em desenvolvimento, motivou-nos ainda mais a tentar aplicá-la ao caso
brasileiro.
A técnica proposta consiste em calcular medidas de entropia a partir de
combinações de status(estudante, trabalhador, chefe de domicílio, cônjuge) por
idade específica, assumindo os dados do censo como compondo uma coorte
sintética. Uma das maiores vantagens dessa técnica é justamente permitir a
análise do processo de transição para a vida adulta contando-se unicamente com
dados censitários, já que para países em desenvolvimento não há pesquisas
longitudinais específicas sobre a transição para a vida adulta. Do ponto de
vista de seu potencial explicativo, a técnica serve para medir diferenças no
timingda transição para a vida adulta ao longo do tempo, pela comparação de
duas ou mais coortes sintéticas tomadas de uma seqüência de levantamentos
censitários, ou de dois censos que retratam momentos históricos distintos. Além
disso, viabiliza a comparação do processo de transição para a vida adulta entre
subgrupos de uma mesma coorte sintética, mediante a exploração de clivagens
fundadas no sexo, na situação de domicílio (rural ou urbano), na renda, na
raça, entre outras segmentações que as informações dos censos envolvidos na
análise permitirem.
Todo o raciocínio baseia-se na utilização do índice de entropia geral de Theil
(1972):
onde, Sindica uma determinada combinação de statusa uma idade xe ps é a
proporção da população desta idade no estado s.
O cálculo da entropia é obtido pelo produto da proporção da população da idade
x no estado considerado pelo lognatural da probabilidade inversa da combinação
de statusparticular, nossa ps. A somatória de todas as medidas assim
construídas, considerando cada combinação de statuspossível para a população de
uma dada idade específica, resulta em um número: o índice de entropia geral,
que indica o grau de heterogeneidade das combinações de statusàquela
determinada idade (FUSSELL, 2006, p. 9).
A amplitude do índice de entropia geral varia de 0, quando há perfeita
homogeneidade (ou seja, todos os indivíduos estariam concentrados em uma única
combinação de status) até a entropia máxima (máxima heterogeneidade, situação
na qual haveria exatamente o mesmo número de indivíduos em cada uma das
combinações de statuspossíveis. O valor numérico da entropia máxima depende de
quantos statusestão sendo combinados, já que no cálculo da entropia máxima é
preciso conhecer o número total de combinações de status possíveis: sendo, a
entropia máxima e o número total de combinações de statuspossíveis:
sendo, Emax a entropia máxima e Cs o número total de combinações de status
possíveis.
Para que o índice de entropia se torne uma grandeza de mais fácil compreensão,
Fussell sugere que ele seja transformado em uma porcentagem da entropia máxima.
Quanto mais próximo de 100% (entropia máxima), maior é a dispersão dos
indivíduos em diferentes combinações de status. Uma entropia seria de 100% se
todas as possibilidades de combinações de statusfossem encontradas
empiricamente e se em cada uma dessas combinações houvesse um mesmo número de
indivíduos. Inversamente, quanto mais próximo de zero é o índice, mais os
indivíduos estão concentrados em algumas poucas combinações de status, havendo,
por conseguinte, uma estrutura mais rígida de papéis assumidos por grande parte
das pessoas àquela idade.
Calculando-se os índices de entropia por idade específica conforme foi descrito
anteriormente e, a partir desses resultados, construindo um gráfico simples de
linhas, é possível identificar quando a transição para a vida adulta começa e
termina, bem como quando atinge um pico. O recurso gráfico permite visualizar
que, partindo de idades mais próximas à infância (quando a maioria das pessoas
encontra-se em uma combinação de statusbem característica: estudante, que não
trabalha, é na maioria das vezes dependente de um dos pais ou de ambos, nunca
teve uma experiência conjugal e não tem filho), ao longo dos anos que compõem a
adolescência, em algum ponto o índice de entropia aumenta significativamente, o
que evidencia que as pessoas estão mudando de statuse, portanto, há novas
combinações de status. Essa idade, na qual boa parcela das pessoas escapa da
combinação típica da figura do estudante-filho-depentente, marca o início do
período de transição para a vida adulta. Analogamente, idades nas quais o
índice de entropia cai ou relativamente estabiliza-se são consideradas o fim do
período de transição.
Dados: censos brasileiros de 1970 e 2000
Os dados censitários considerados na presente análise foram extraídos do IPUMS
- Integrated Public Use Microdata Series-International (2002), concebido e
administrado pelo Minnesota Population Center da Universidade de Minnesota. A
decisão de utilizar esses dados, em vez de resgatar aqueles fornecidos pelo
IBGE, baseou-se no critério de agilidade e facilidade, pois os dados fornecidos
pelo IPUMS poupam uma boa parcela do trabalho de compatibilização e
harmonização das informações provenientes de dois ou mais censos do Brasil ou
de qualquer outro país considerado.
Para os propósitos do cálculo do índice de entropia descrito anteriormente,
foram utilizadas cinco variáveis presentes na base do IPUMS, que refletem
quesitos censitários relacionados à transição para a vida adulta (Quadro_1).
A decisão por trabalhar com os dados censitários de 1970 e 2000 certamente não
foi arbitrária. Assumiu-se como pressuposto que o espaçamento de 30 anos
constitui tempo suficiente para se poder falar não apenas em termos de
experiências de coortes distintas, mas também de gerações, uma vez que é
bastante plausível imaginar que parte dos jovens descritos pelo censo de 1970
são pais dos jovens de 2000. Outro aspecto que vale sublinhar é que os cenários
socioeconômico e político-cultural mudaram significativamente neste intervalo,
ainda que não caiba detalhar todo este processo nesta ocasião.
Entre os anos 50 e o final da década de 70, o Brasil passou por um processo
intenso de urbanização e modernização econômica, com profundas mudanças
estruturais (MADEIRA, 1986; FARIA, 1991). Trata-se de um período caracterizado
por elevadas taxas de crescimento econômico, que costuma ser lembrado como um
marco na história nacional, por ser ponto de mutação da sociedade brasileira -
até então, uma sociedade de economia e valores rurais - que rapidamente se
transforma e se assemelha a uma sociedade urbano-industrial complexa, na qual
se acirram a pobreza e a desigualdade.
Durante os 30 anos que separam os dois levantamentos censitários, a metamorfose
em direção a uma sociedade cada vez mais urbanizada foi acompanhada, entre
outras coisas, por uma tendência à concentração de renda, pelo crescimento do
acesso à escolarização e pela progressiva entrada das mulheres na força de
trabalho, o que alterou radicalmente o papel social feminino, podendo-se
presumir, conseqüentemente, que isso teve impacto sobre o curso de vida
feminino. À luz desta colocação, isolaram-se diferentes grupos de jovens,
segundo o sexo, de acordo com:
a situação de domicílio - residente em área rural ou urbana;
o rendimento domiciliar per capita - se membro da camada de baixa
renda (os 20% mais pobres), da camada de alta renda (os 20% mais
ricos) ou das camadas médias (os demais).
A análise que se segue busca explorar eventuais diferenças no início do curso
de vida adulta desses subgrupos jovens, comparando os índices de entropia por
eles alcançados em um mesmo ano censitário. A clivagem segundo a renda e a
situação de domicílio permitirá testar a hipótese de que jovens pertencentes a
segmentos sociais de maior renda e aqueles inseridos no meio urbano, onde a
variabilidade de estilos de vida é maior e o acesso ao sistema educacional é
mais difundido, teriam a duração do período de transição para a vida adulta
mais dilatada do que os jovens residentes no meio rural, ou oriundos de
estratos de baixa renda. Intuitivamente, pode-se considerar essa hipótese
verdadeira. Mas o que esta análise pretende de certo modo é, existindo essa
diferença de duração, medi-la objetivamente. Um segundo passo é detectar as
similaridades e diferenças do comportamento de cada subgrupo tomado
isoladamente nos dois marcos temporais considerados. Infelizmente, o censo de
1970 não contemplou a variável cor/raça. Contudo, dada a importância de que se
reveste este tema na atualidade e o uso corrente das informações sobre cor/raça
na formulação de políticas públicas para juventude, a exemplo das políticas de
quota nas universidades, foram efetuados os mesmos cálculos considerando-se
dois grupos raciais - brancos e negros (pretos e pardos, segundo a terminologia
empregada pelo IBGE). O objetivo, neste caso, era visualizar se as diferenças
na combinação e mudança de status(educacional, ocupacional, residencial e
familiar) entre brancos e negros, ao longo dos anos de transição para a vida
adulta, seriam ou não maiores do que aquelas entre os mais ricos e os mais
pobres.
Resultados e discussão
Atualmente, a população definida como jovem no Brasil é aquela com idades entre
15 e 29 anos.3 Com o intuito de melhor captar a singularidade desta faixa
etária ampla, calculou-se o índice de entropia por idade simples, considerando-
se uma certa margem acima e abaixo destas idades, a fim de verificar a
existência de algum contraste com outras fases da vida. Assim, os cálculos
foram feitos para a população de 13 a 44 anos. O limite inferior justifica-se
porque os 13 e 14 anos ainda são idades em que a freqüência à escola é
obrigatória e não se pode ingressar formalmente no mercado de trabalho, segundo
a legislação vigente em 2000. Esse mesmo marco etário inicial é mantido para
1970 por razões óbvias de comparabilidade. Logo, o esperado, ao menos para
2000, é que aos 13-14 anos haja maior concentração de indivíduos em algumas
poucas combinações de status, sendo a maioria dos adolescentes ainda estudante,
dependente e vivendo com os pais, o que deverá se traduzir em índices de
entropia mais baixos do que em qualquer outra fase da vida. À medida que os
jovens mudam de statuse assumem papéis adultos, o índice deve subir, atingindo
um valor máximo quando houver o maior número de possibilidades de combinações
de statusobservado empiricamente. Isto é, quando, ao lado da possibilidade de
ser estudante-dependente-solteiro-sem filhos, houver outras opções que
igualmente descrevem o perfil do jovem àquela idade: mãe-estudante-
trabalhadora-residindo com a família de origem, trabalhador-residindo com a
família de origem, etc.
Já o limite etário superior fixado em 44 anos para esta análise levou em conta
que deveria ser assegurado um leque etário suficientemente amplo que permitisse
delinear o momento do curso da vida em que os índices de entropia se
estabilizam ou caem mais lentamente. Essa queda ou estabilização é tomada como
indício de que uma determinada coorte sintética alcançou a vida adulta, ao
menos do ponto de vista dos statuse aquisição de papéis tradicionais da vida
adulta.
Primeiramente, foram comparadas as diferenças no timing4 da transição para a
vida adulta entre subgrupos segmentados pelo sexo e pela situação de domicílio,
mas pertencentes a uma mesma coorte.
O Gráfico_4 retrata importantes diferenças entre as formas como os cursos de
vida feminino e masculino estavam estruturados em 1970, bem como os ritmos
distintos da transição para a vida adulta, segundo a situação de domicílio.
Já nas primeiras idades (13-14 anos), chama a atenção que os índices de
entropia encontrados para jovens residentes em áreas urbanas são
substancialmente menores do que aqueles de seus congêneres residentes em áreas
rurais. Isto ocorre porque tanto meninos quanto meninas residentes em áreas
urbanas aderem mais ao perfil de estudante, fora da PEA5 e sem autonomia
residencial. O que faz com que tanto no meio rural quanto no urbano os índices
de entropia sejam menores para mulheres do que para os homens, por volta dos
13-14 anos, é que, nesta idade, há um menor número de combinações de
statuspossíveis para elas. Nesta fase, a maioria das meninas é apenas
estudante, ou, mesmo que não estude, tem menores chances de estar trabalhando.
Pode-se observar no gráfico que os índices de entropia são maiores para os
meninos urbanos de 13 a 17 anos do que para as meninas urbanas, isso porque, em
1970, era mais freqüente encontrar meninos que já detinham o statusde
trabalhador. As possibilidades reais de diferentes combinações de statuseram
mais numerosas entre os meninos do que para as meninas, por isso o ponto de
partida do índice é mais elevado entre os garotos.
Ainda sobre o Gráfico_4, é visível o quanto o padrão da curva referente aos
homens rurais destoa de modo mais acentuado em relação às outras curvas.
Enquanto em todos os subgrupos o índice de entropia segue uma tendência de
crescimento à medida que aumenta a idade dos adolescentes, no caso dos garotos
rurais o índice se reduz. A explicação para isso é que, enquanto a tendência
nas idades referentes à adolescência é de que os jovens se dispersem nas mais
diferentes combinações de status, o contrário se verifica entre os rapazes das
áreas rurais, onde a tendência é se concentrarem em uma única combinação:
aquela de trabalhador, solteiro e membro de domicílio no qual não é o principal
responsável. Além disso, os meninos rurais são, em 1970, os que menos se
inserem no ambiente escolar e os primeiros que o deixam. Deve-se considerar
também que essa queda circunda a idade de prestação do serviço militar
obrigatório.
Outro aspecto que merece destaque é que o ápice da transição para a vida adulta
ocorre mais cedo entre as mulheres do que para os homens, independente da
situação de domicílio. Verifica-se que o auge da transição para esta coorte, ou
seja, a idade em que há maior heterogeneidade de combinações de
statusintragrupo (sinal de que as pessoas estão cambiando da posição de filhos-
estudantes-dependentes para a de trabalhadores-cônjuges-independentes) ocorre,
em 1970, aos 20 anos para as mulheres rurais e entre 21 e 22 anos para as
urbanas. Já para os homens, seja para os residentes em áreas rurais ou urbanas,
o auge da heterogeneidade se dá aos 23 anos. Depois de atingir esse ápice, em
que a coorte parece estar em um estado de alta efervescência de câmbio de
status, o índice de entropia cai, dada a tendência de os indivíduos novamente
se concentrarem em uma mesma combinação de status. Em 1970, mais de 75% dos
homens rurais se enquadram na categoria de trabalhador-marido-chefe de
domicílio aos 30 anos. Essa mesma categoria assume tal representatividade para
os homens urbanos mais tarde, aos 33 anos.
Empiricamente, o curso de vida feminino revela-se mais complexo, especialmente
nas áreas urbanas. Observa-se que entre essas mulheres o índice de entropia não
diminui para níveis tão baixos quanto nos demais subgrupos. Isto revela que o
subgrupo das mulheres urbanas é aquele que se mostra mais heterogêneo,
comportando múltiplas possibilidades de combinações de status. O fator que mais
contribui para a heterogeneidade do subgrupo das mulheres urbanas é estar ou
não inserida no mercado de trabalho.
Em 1970, enquanto as mulheres rurais se concentravam majoritariamente na
categoria de esposa/donas-de-casa - aos 27 anos, 54% delas eram mães, cônjuges
e estavam fora da PEA -, a realidade das mulheres urbanas já comportava outras
possibilidades. Encontram-se entre elas combinações de statusque são mesmo
inexistentes em outros subgrupos, denotando que elas devem ter experimentado
estilos de vida alternativos antes dos demais. De qualquer forma, por volta dos
30 anos, os índices de entropia por idade simples já caem substancialmente se
comparados ao ápice de cada curva em particular, mantendo o ritmo de queda ou
de relativa estabilização, quando comparados às idades mais jovens. Isso é
indicativo de que a fase de ebulição, de trânsito de status, desacelera
caracterizando o fim da transição para a vida adulta da respectiva coorte.
O Gráfico_5 apresenta os índices de entropia segundo o sexo e a situação de
domicílio em 2000. Se comparado ao Gráfico_4, verifica-se que, para 2000, as
curvas delineadas para os subgrupos em estudo possuem um comportamento mais
regular e uniforme do que aquele encontrado para 1970. É nítido que ainda se
mantêm diferenças importantes segundo as clivagens por sexo e situação de
domicílio. Contudo, o padrão das curvas é muito mais semelhante em 2000 do que
em 1970, especialmente se respeitada a segmentação apenas por sexo. Isto é, de
certo modo - atentando-se estritamente para os critérios de combinação de
statussignificativos para a aquisição de papéis adultos -, em 2000, o curso de
vida no meio rural está mais parecido com aquele do meio urbano, quando
comparado ao que se observava em 1970.
Nas primeiras idades (13-14 anos), nota-se que o índice de entropia parte de
níveis mais baixos do que em 1970. Isto, porque houve em todos os subgrupos um
aumento da proporção de adolescentes que atendem ao perfil de estudante-filho
dependente e fora da PEA. Esta mudança denota que houve, para os mais jovens,
certa convergência no processo de transição, algo que se deve em grande medida
à expansão e à massificação do sistema educacional. É óbvio que nada pode ser
dito sobre a qualidade e o nível escolar alcançado por esses jovens, mas é
possível afirmar que a experiência de ser estudante-filho dependente e estar
fora da PEA torna-se mais universal. Por outro lado, os garotos do meio rural
continuam tendo um perfil mais heterogêneo do que os outros adolescentes, sendo
a característica de trabalhar ou não o fator que mais produz diversificação de
experiências nesse grupo, fazendo com que assuma os índices de entropia mais
elevados entre os 13 e os 15 anos, se comparado aos demais subgrupos das mesmas
idades.
Em 2000, não se observa queda do índice para os meninos ao redor dos 18 anos.
Esse dado é consistente com a restrição de gastos das forças armadas. Apesar do
serviço militar continuar obrigatório, muitos jovens são dispensados de cumpri-
lo.
Tal como ocorria em 1970, o ápice do processo de transição para a vida adulta,
entendido como a fase de maior efervescência de mudanças de statusde uma coorte
tomada no seu conjunto, acontece em idades mais precoces entre as mulheres do
que para os homens. Além disso, ocorre primeiro no meio rural do que no urbano.
Um dado importante é que, apesar da maior escolarização, as idades em que o
índice de entropia alcança os valores mais altos, revelando a intensificação
das mudanças de status, não se alteraram ou alteraram-se muito pouco entre 1970
e 2000. A idade em que se encontra maior heterogeneidade de status, em 2000,
continua sendo aos 20 anos, para as moças de áreas rurais, e aos 22 anos, para
os rapazes do meio rural, com a antecipação de um ano neste último caso. No
meio urbano, passados 30 anos, as mudanças foram mais sensíveis para as
mulheres. O auge da heterogeneidade de statusocorre aos 22 anos para elas e aos
22-23 anos para eles.
Um dado interessante é que, em 1970, apenas as mulheres urbanas mantinham o
índice de entropia em patamares elevados (próximos ou acima de 40% da entropia
máxima) aos 30 anos e mais. Em 2000, todos os subgrupos se mantêm acima desse
patamar, mesmo depois de completados os 30 anos de idade. É um indício de que o
curso de vida tornou-se mais complexo para todos. Muitas outras possibilidades
que escapam às combinações tradicionais de homem-trabalhador-chefe de família e
de mulher-mãe-esposa-fora da PEA ao final dos 20 anos e início dos 30 tornam-se
reais, passíveis de serem encontradas empiricamente. Não se tem aqui a
pretensão de se fazer nenhum julgamento de valor, mas a complexificação do
curso de vida se deve tanto a mudanças no ritmo e no momento de formação de
família quanto às maiores chances de homens - tanto quanto já ocorria com as
mulheres no passado - estarem fora do mercado de trabalho em idades
consideradas adultas.
A coorte de 2000 não só realiza um maior número de combinações de
statuspossíveis, e por isso suas curvas possuem níveis mais altos, como se
conserva dispersa em diferentes combinações em idades muito acima daquelas
circunscritas à juventude. Isto é prova de que a instabilidade, antes própria
da juventude, de fato se espraiou e transcende a própria juventude.
Praticamente todos os statustêm contribuído para essa maior heterogeneidade,
especialmente os relacionados à independência residencial, à inserção na PEA e
ao fato de ter ou não experiência de viver em união.
Por outro lado, ainda é verdade que o curso de vida no meio rural segue sendo
mais rigidamente estruturado do que no meio urbano. Se na adolescência é mais
comum o jovem da área rural ter responsabilidades adultas quanto à atividade
econômica, fazendo com que inicialmente apresente índices de entropia mais
elevados, para todas as idades subseqüentes seus índices de entropia são mais
baixos do que no meio urbano, porque se observa uma tendência mais forte de
concentração dos indivíduos em poucas combinações de status.
Se a segmentação da população em análise por sexo e situação de domicílio já
fornece algumas pistas importantes sobre o que ocorreu à transição para a vida
adulta e a uma parte significativa do curso de vida adulta, os resultados
encontrados atentando-se para clivagens de sexo e renda domiciliar per
capitasão ainda mais interessantes.
O Gráfico_6 apresenta os índices de entropia segundo o sexo e a renda
domiciliar per capitaem 1970. Uma primeira característica que chama a atenção
refere-se aos baixos índices de entropia dos jovens com menos de 15 anos de
ambos os sexos pertencentes à camada de alta renda. A representação gráfica
permite visualizar o quanto a experiência desses jovens se distancia daquela
dos demais grupos, nos quais é muito mais freqüente encontrar jovens que já
assumiram alguma responsabilidade, quer produtiva ou reprodutiva típica do
mundo adulto. Entre os 13 e os 16 anos, no caso das garotas, e entre os 13 e os
15 anos, para os meninos de alta renda, o perfil predominante é o de estudante,
fora da PEA e sem autonomia residencial. Em todos os estratos sociais as
meninas aderem mais a este perfil do que os meninos do mesmo grupo social.
Assim como ocorria com os meninos das áreas rurais em 1970, para os quais o
índice de entropia caía no final da adolescência, contrariando a tendência
verificada para os outros subgrupos em análise naquele momento, o mesmo se
observa para os garotos das camadas médias e de baixa renda. Enquanto as
mulheres de todas as camadas sociais e os homens das faixas de alta renda se
dispersam cada vez mais em diferentes combinações de statusà medida que avançam
para as idades finais da adolescência, os rapazes de 16 a 19 anos das camadas
médias e baixa se concentram, em 1970, em uma mesma combinação de status: não
estudam, estão inseridos na PEA, são solteiros e sem autonomia residencial. Ao
adentrarem os 20 anos, o índice de entropia associado a eles segue a tendência
de crescimento que já estava em ação entre os outros subgrupos, sendo o aumento
da heterogeneidade gerado pelo movimento de alguns em direção à autonomia
residencial e formação do par conjugal.
Avaliando-se o ápice da heterogeneidade intragrupo, ou seja, o momento em que
as combinações de statussão mais numerosas, um indicativo típico da transição
para a vida adulta de uma coorte, constata-se que as mulheres das camadas
médias são as que primeiro intensificam este processo de transição, com o auge
ocorrendo, em 1970, aos 20 anos. Para as mulheres da camada de baixa renda, o
ponto alto de mudança de statusera aos 21 anos e, para aquelas da camada de
alta renda, aos 23 anos. Entre os homens, essas idades são 23 anos, para os de
média e baixa renda, e 24 anos, para aqueles de alta renda. Restringindo a
transição para a vida adulta à mudança de status, atesta-se que, em 1970, as
mulheres faziam a transição para a vida adulta em idades um pouco mais jovens
do que seus pares do sexo masculino pertencentes ao mesmo estrato social. Por
outro lado, os jovens de ambos os sexos da camada de alta renda desta coorte
intensificam a mudança de statussocial em direção à vida adulta ligeiramente
mais velhos do que seus pares de outras camadas sociais.
Quanto mais pobre a mulher, maior era a chance de se enquadrar ao perfil de
esposa/mãe/dona-de-casa. Aos 23 anos, mais de 50% das mulheres de baixa renda
tinham este perfil; por isso a curva que as representa revela índices de
entropia mais baixos do que as demais mulheres. Já os homens, nas imediações
dos 30 anos, invariavelmente assumiam o papel de trabalhador-cônjuge-chefe de
domicílio, apresentando, a partir de então, nas idades subseqüentes, índices de
entropia sempre menores do que as mulheres da mesma camada social. O perfil dos
grupos femininos se conserva sempre mais heterogêneo, mesmo após os 30 anos,
especialmente em decorrência dos fatores inserção no mercado de trabalho e
formação de família.
O Gráfico_7 traz os resultados obtidos para 2000 tomando como critério de
segmentação populacional o sexo e a renda domiciliar per capita. Os padrões das
curvas deste gráfico são mais semelhantes entre si do que em 1970. Para todos
os grupos, cresce o percentual de jovens que são estudantes-dependentes (fora
da PEA e sem autonomia residencial), mas a disparidade entre as camadas sociais
persiste, com os jovens mais pobres tendo sempre que combinar uma ou duas
atribuições, de ordem produtiva e/ou reprodutiva típicas de adulto, além das
incumbências de estudante.
As meninas oriundas da camada de baixa renda fazem a transição para a vida
adulta mais cedo e mais rapidamente do que os outros jovens. Mesmo não sendo o
grupo que parte de patamares mais altos de entropia nas idades iniciais, é
aquele que mais precocemente atinge o pico da transição de status: aos 20 anos.
O auge da dispersão dos jovens por diferentes combinações de status, em 2000,
se dá aos 21 anos para as mulheres das camadas médias e aos 24 para aquelas de
alta renda domiciliar per capita, sinalizando, portanto, que a transição para a
vida ocorre mais tardiamente nestes grupos.
Vale destacar que, entre os subgrupos femininos, aquele composto por mulheres
de baixa renda domiciliar per capitaéo único que teve, em 2000, o auge da
transição para a vida adulta antecipado em um ano, passando de 21 anos em 1970
para 20 anos em 2000. Nos outros dois subgrupos ocorreu o oposto, isto é, o
adiamento em um ano (deve-se atentar para os pontos máximos de cada curva do
Gráfico_8).
Observando o Gráfico_8, merece atenção o fato de que, ao se compararem os
cursos de vida dos subgrupos femininos de 1970 e 2000, representados pelas
respectivas curvas, percebe-se que as maiores mudanças ocorreram nas camadas
médias e de baixa renda. Grosso modo, em 2000, dos 25 anos em diante, há uma
tendência mais forte de convergência do comportamento das curvas, sendo grande
a dispersão de mulheres em diferentes combinações de statusem todos os
subgrupos. Isso comprova que, em 2000, muitas outras possibilidades de
combinações de statusalternativas àquela de mãe/esposa/dona-de-casa estão
abertas às mulheres de todas as camadas sociais. Em outras palavras, aumentou a
variabilidade de perfis que descrevem as mulheres passados esses 30 anos que
separam os dois levantamentos censitários em estudo. Contudo, entre os 13 e os
24 anos, é visível que o momento e o ritmo da transição estão associados à
renda domiciliar per capitado indivíduo.
Se entre as moças de baixa renda a transição para a vida adulta ocorre mais
cedo e se processa mais rapidamente (a curva atinge um auge e depois declina de
modo mais drástico que entre outros subgrupos), para os rapazes do mesmo
estrato social a situação não é muito diferente, conforme se pode visualizar no
Gráfico_9. Também entre eles o ápice do processo de transição foi antecipado em
um ano: passou de 23 anos, em 1970, para 22 anos, em 2000. Para os outros dois
subgrupos masculinos praticamente não houve mudança quanto à idade em que se
alcança a maior heterogeneidade de status, apesar de ter havido uma mudança de
nível, sendo o grau de heterogeneidade de combinações de statusmaior em 2000.
Também como ocorre entre as mulheres, em 2000, conforme se avança em idades
próximas ou superiores a 30 anos, há certa convergência no grau de
heterogeneidade de combinações de statusde todos os subgrupos, sendo o grande
diferencial observado para as idades mais jovens, especialmente de 13 a 24
anos.
Uma vez que as discussões sobre desigualdade de renda têm sido ultimamente
contrabalançadas pelos debates em torno de diferenças raciais, muitas vezes
emergindo o questionamento se políticas sociais devem se pautar em critérios
sociais, ou de cor/raça, decidiu-se, apenas a título de curiosidade
exploratória, utilizar o mesmo instrumental metodológico da análise de entropia
de coortes sintéticas para medir eventuais discrepâncias entre uma parte
significativa do curso de vida e da transição para a vida adulta de brasileiros
brancos e negros.6 Os resultados estão sintetizados no Gráfico_10. Vale lembrar
que aproximadamente 54% da população brasileira se autodeclarou branca no censo
de 2000, enquanto cerca de 44,5% se identificou como negra.
Conforme se pode observar no gráfico, as diferenças no momento e ritmo da
transição para a vida adulta com base no critério cor/raça são menos gritantes
do que aquelas captadas quando se consideram a renda domiciliar per capitae a
situação de domicílio. Fica claro, por exemplo, que o viés de sexo/gênero pesa
mais do que o de cor/raça na produção de diferenciais de momento e ritmo no
processo de transição para a vida adulta. Basta notar que, à primeira vista, o
que mais se destaca é certa similaridade entre as curvas referentes a mulheres
brancas e negras, o mesmo sendo observado para homens brancos e negros.
Contudo, apesar de as diferenças entre brancos e negros serem menos evidentes
do que eram aquelas entre as camadas sociais e áreas urbanas e rurais, há ao
menos duas informações neste gráfico que merecem ser enunciadas. A primeira é a
de que, por volta dos 23 a 29 anos, os índices de entropia para mulheres
brancas são praticamente iguais aos encontrados para mulheres negras. Porém, em
todas as demais idades consideradas, os índices de entropia calculados para as
mulheres negras superam os das brancas. Isto é, ao longo do curso de vida das
mulheres negras, há um número maior de combinações de statuspossíveis que se
realizam empiricamente, se comparado à realidade vivida pelas mulheres brancas.
Pode-se dizer, portanto, que, considerando as múltiplas possibilidades de
status(de trabalhador ou estudante, autonomia residencial, experiência de
estabelecimento de união conjugal e de ter ou não filhos), o grupo composto por
mulheres negras é mais heterogêneo do que o de brancas. As mesmas constatações
são válidas quando se comparam as curvas referentes aos homens negros e
brancos.
A segunda informação revelada pelo Gráfico_10 é talvez mais importante do que a
primeira. Percebe-se que as diferenças entre o curso de vida de brancos e
negros, no que tange a combinação de status, são maiores nas idades mais
jovens. Aos 13-14 anos, quando a freqüência à escola ainda é obrigatória, é
mais comum meninas brancas se enquadrarem no perfil de estudante-dependente-
fora da PEA do que as negras. Entre os meninos desta faixa etária, esta mesma
combinação de statusde quem não assumiu nenhum papel típico de adulto também é
mais freqüente entre brancos do que negros.
Dos 13 aos 22 anos, o índice de entropia é mais alto entre os jovens negros do
que os brancos, justamente porque assumem incumbências de adulto mais cedo, o
que faz com que entre eles possam ser encontradas combinações de status
(relativas ao statusde trabalhador, statusresidencial ou familiar)
inexistentes, ou muito menos freqüentes entre brancos.
As idades em que se verifica maior dispersão de indivíduos por diferentes
combinações de status, marcando o ponto alto de múltiplas transformações de
statusque estão sendo vivenciadas pela coorte, são: 20-21 anos para as mulheres
negras (quando se atinge cerca de 77% da entropia máxima); 22-23 anos para as
mulheres brancas (aproximadamente 76% da entropia máxima); 22-23 anos para os
homens negros (em torno de 65% da entropia máxima); e 22-24 anos para os homens
brancos (cerca de 64% da entropia máxima). Isso reforça o argumento de que os
jovens negros, enquanto grupo, tendem a ingressar na vida adulta mais cedo do
que seus pares brancos do mesmo sexo.
Conclusões
A partir dos resultados da análise de entropia de combinações de statusde
coortes sintéticas, torna-se patente que o curso de vida tornou-se mais
complexo em 2000 se comparado a 1970. No raiar do século XXI, a combinação de
statustradicional de adulto (indivíduo que encerrou a fase de escolarização,
inseriu-se no mercado de trabalho, constituiu domicílio independente e formou
família) divide espaço com outras tantas variações por muito mais tempo, dado
que os índices de entropia para 2000 se mantêm em patamares superiores aos de
1970 em todos os subgrupos populacionais nas idades ao redor dos 20 anos e
mais.
O aumento da freqüência escolar e a diminuição do trabalho em idades inferiores
aos 15 anos também são perceptíveis pela tendência de queda do índice de
entropia para essas idades iniciais em todos os subgrupos, neste intervalo de
30 anos entre os dois censos considerados. Entretanto, persistem grandes
desigualdades quanto a esse aspecto, especialmente no que diz respeito aos
subgrupos segmentados por renda domiciliar per capitae situação de domicílio,
sendo mais comum a oportunidade de se dedicar exclusivamente aos estudos aos
jovens de estratos de maior renda e àqueles residentes em áreas urbanas. Em
menor grau também se observa que, nas primeiras idades, pessoas brancas, mais
do que as negras, e as mulheres, mais do que os homens, enquadram-se no perfil
de estudante-fora da PEA.
O ápice do processo de transição ocorre em idades diferentes, segundo renda,
cor, sexo e situação de domicílio. Contudo, apesar dessas diferenças, as idades
em que a coorte atinge o áximo de dispersão por diferentes combinações de
status, captandose um movimento de mudança de status no interior da coorte, são
idades mais jovens do que aquelas que se têm observado em países desenvolvidos
(FUSSELL; EVANS; GAUTHIER, 2006). Enquanto no Brasil as idades em que há mais
numerosas mudanças de status atingem um clímax na faixa de 20-24 anos no
máximo, naqueles países a tendência é que isso ocorra um pouco mais tarde, ou
que se mantenham patamares semelhantes de índices de entropia para as faixas
20-24 e 25-30 anos.
Em todo caso, o curso de vida tem se tornado menos previsível, uma vez que há
maiores combinações de status que de fato se realizam empiricamente, e que
estão abertas igualmente a um amplo leque etário. Isso dá a impressão de que em
parte se materializa aquela "desconstrução do curso da vida em nome de um
estilo unietário" de que falava Debert (1999).