Desigualdades de oportunidades educacionais dos adolescentes no Brasil e no
México
Introdução
Pesquisas recentes mostraram que as tendências nas desigualdades de
oportunidades educacionais na América Latina contrastam com experiências de
outros países industrializados (TORCHE, 2010). Países latino-americanos
exibiram um padrão de fortalecimento da associação entre origem socioeconômica
dos pais e a realização educacional de coortes que cresceram durante os anos
1980, o que foi atribuído à crise econômica durante a "década perdida"1
(TORCHE, 2010). Os anos 1980 foram um período peculiar na América Latina devido
ao agravamento da crise da dívida externa e ajustes estruturais (THORP, 1998;
CARRASCO, 1999). Durante esse período, a região vivenciou uma acentuada
desaceleração da escolarização (BEHRMAN; DURYEA; SZEKELY, 1999) e as
desigualdades de oportunidade de curto e longo prazos aumentaram. A reação dos
pais às altas taxas de desemprego foi, muitas vezes, tirar os filhos da escola
e mandá-los para o mercado de trabalho informal (DURYEA; LAM; LEVISON, 2007), o
que levou a um aumento da desigualdade de oportunidades educacionais no longo
prazo, particularmente para crianças em famílias de baixa renda (TORCHE, 2010).
As consequências do período de estagnação econômica foram tão fortes que
Behrman e seus colaboradores (1999, p. 10, tradução nossa) colocam que "ao
menos que exista um aumento substancial na acumulação da escolaridade após as
idades de 15 a 18 anos, o que não é provável, o desaceleramento da acumulação
da escolaridade continuaria e, provavelmente, se intensificaria".
Após períodos de baixo crescimento econômico, vários países latino-americanos
mostraram significativa estabilidade econômica e crescimento nos anos 2000.
Apesar de a desigualdade ainda ser alta, particularmente em relação a outras
nações com o mesmo Produto Interno Bruto (PIB), muitos países da região
mostraram sinais de desigualdade decrescente, medida pelo coeficiente de Gini
(LOPEZ-CALVA; LUSTIG, 2010). Ao mesmo tempo, ao longo das décadas de 1990 e
2000, a região passou por uma expansão educacional sem precedentes, com a
maioria dos países ' mais notadamente Brasil e México ' atingindo taxas de
matrículas que indicavam uma virtual universalização do ensino fundamental, com
crescentes taxas de matrícula para os níveis posteriores de ensino (VELOSO,
2009).
O objetivo deste artigo é, portanto, examinar mudanças nas desigualdades de
oportunidades educacionais para coortes de adolescentes no Brasil e no México.
Comparar as desigualdades de oportunidades educacionais nesses países é
interessante porque Brasil e México tiveram, tradicionalmente, níveis de
escolaridade relativamente baixos se comparados a Argentina, Chile e Uruguai,
por exemplo. São analisadas as tendências de estratificação educacional para
adolescentes em três períodos distintos: a década de 1980, durante recessão
severa; a década de 1990, um período de ajustes estruturais impostos por
organizações internacionais; e o os anos 2000, quando os dois países viveram
períodos de crescimento relativamente estáveis. Analisamos, primeiramente, a
matrícula escolar e transições educacionais, além de identificarmos diferenças
na qualidade da educação por meio das matrículas em escolas particulares, um
aspecto importante da desigualdade educacional que a maioria dos estudos nesta
área negligenciou até o momento.
Tendências recentes dos contextos econômicos, sociais e educacionais no Brasil
e México
A Tabela_1 apresenta indicadores sociais, econômicos e educacionais para o
Brasil e México, no período de 1985 a 2005. Os baixos níveis do PIB per capita
em ambos países ilustram as condições desfavoráveis da "década perdida". Com
exceção da crise de 1995 no México, os dois países vivenciaram um significativo
crescimento econômico ao longo dos anos 1990, medido pelo PIB per capita. A
Tabela_1 também mostra que o crescimento econômico dos anos 2000 é associado a
um leve decréscimo das desigualdades medidas pelo coeficiente de Gini, o qual
aumentou entre 1985 e 1995 no Brasil, mas diminuiu nos anos 2000 (LOPEZ-CALVA;
LUSTIG, 2010). Essa queda sugere que pode ter ocorrido melhoria na desigualdade
de oportunidades educacionais ao fim dos anos 2000 para o caso brasileiro. Já
no México, o coeficiente de Gini cresceu consistentemente ao longo do período,
revelando a persistente acumulação de recursos que caracteriza os países
latino-americanos durante décadas.
A Tabela_1 chama atenção para diferenças nos níveis de gastos educacionais nos
dois países. O México aumentou significativamente o investimento público na
educação durante o período estudado, passando de 3,6% do PIB na década de 1980
para 4,9% nos anos 2000. Em 1992, foram introduzidas reformas educacionais
significativas,2 incluindo a descentralização do sistema e um novo plano de
financiamento. Também houve incentivo em direção à avaliação escolar e extensão
do número de dias letivos (ZORRILLA, 2002). As duas reformas mais
significativas foram a implementação da educação secundária (ensino médio)
compulsória em 1993 e uma mudança no currículo em 2006, criando o Sistema
Nacional de Bacharelados e a Subsecretaria de Educação Secundária Superior.
Essa expansão levou a um crescimento consistente nos gastos educacionais no
México. Outra estratégia para aumentar as taxas de matrícula e a conclusão de
séries foi a implementação do Progresa/Oportunidades ' um programa de
transferência de renda condicional focalizado em manter crianças e adolescentes
na escola. O impacto desse programa nas taxas de matrícula foi significativo,
particularmente na educação secundária de meninas (SCHULTZ, 2000; PARKER, 2003;
2005).
O Brasil, ao contrário, reduziu consideravelmente seus gastos em educação
durante os anos 1990 (Tabela_1). O sistema educacional brasileiro teve,
historicamente, problemas sistemáticos com baixa cobertura, altas taxas de
repetência, pequeno alcance educacional dos alunos e problemas com acesso à
escola (GOMES-NETO; HANUSHEK, 1994; BIRDSALL; SABOT, 1996). Os baixos níveis de
alcance educacional foram associados aos altos níveis de fecundidade, problemas
econômicos e baixa oferta de escolas (BARROS; LAM, 1996; BIRDSALL; SABOT,
1996). Posteriormente, coortes menores de crianças em idade escolar (LAM;
MARTELETO, 2008) e uma menor pressão demográfica (RIANI; RIOS-NETO, 2007)
influenciaram favoravelmente a matrícula no ensino fundamental. Além disso,
novas políticas educacionais desde meados da década de 1990 contribuíram para
melhoras recentes da cobertura do sistema educacional brasileiro (VELOSO,
2009). Entretanto, uma grande proporção de adolescentes ainda termina suas
carreiras escolares no nível secundário (NÉRI, 2009). Por exemplo, três entre
dez adolescentes de 17 a 18 anos não estavam matriculados na escola em 2007.
Um instrumento importante implementado em 2001 é o Bolsa Escola/Família,3 um
programa de transferência de renda condicional similar ao Progresa/
Oportunidades no México, com foco na melhoria das matrículas e na frequência e
permanência das crianças na escola. Apesar de a matrícula no ensino fundamental
no Brasil ser praticamente universal, as matrículas no ensino médio ainda são
limitadas. Além disso, estudos recentes mostram que as escolas públicas
brasileiras são de menor qualidade do que em outros países da região (CARNOY;
GOVE; MARSHALL, 2007).
No Brasil e México, o alcance educacional, medido pelos anos completos de
escolaridade, aumentou. A Tabela_1 confirma que as taxas de matrícula no ensino
fundamental eram praticamente universais em meados dos anos 2000 tanto no
Brasil como no México, enquanto as matrículas na escola secundária ainda são um
desafio. As taxas de evasão entre jovens com 14 anos ou mais são altas nos dois
países: entre 27% e 30% dos adolescentes não frequentam escola, embora as
matrículas sejam crescentes (Tabela_1).
Esse quadro se torna ainda mais complexo quando se avalia a qualidade das
escolas. Apesar de as melhorias recentes indicarem que o Brasil tem evoluído na
cobertura escolar básica, a qualidade da educação pública ainda é um desafio
considerável (FRANCO; ALVES; BONAMINO, 2007). Avaliações recentes mostram a
dimensão do desafio de equilibrar acesso à escola e qualidade da educação no
país. Utilizando dados do Saeb de 1997 a 2005, estudo recente mostra que a
piora do desempenho médio dos alunos ao longo do tempo está relacionada à maior
presença de estudantes de menor nível socioeconômico, o grupo mais beneficiado
pela expansão educacional (RODRIGUES; RIOS-NETO; PINTO, 2011). Simultaneamente,
a diferença de desempenho entre alunos mais e menos privilegiados nesse nível
de ensino diminuiu (RODRIGUES; RIOS-NETO; PINTO, 2011). Esse tipo de resultado
mostra a complexidade do quadro da expansão educacional brasileira, com melhora
sistemática dos indicadores de acesso, mas ainda deficitária em relação à
qualidade do ensino oferecido às crianças que agora chegam à escola.
Apesar de ambos países terem vivenciado expansões educacionais sem precedentes
durante o período aqui examinado, outros países mostraram uma melhoria mais
igualitária, como aconteceu no Leste Asiático. O alcance educacional médio
aumentou de maneira significativa no Brasil e no México, mas a dispersão do
alcance educacional também elevou-se, o que pode ter como consequência um
crescimento da desigualdade no acesso a níveis subsequentes de escolaridade.
Pesquisas recentes mostram que a conclusão do ensino médio e a entrada no
ensino superior (transições não analisadas neste artigo) formam um gargalo no
sistema educacional brasileiro, que conseguiu reduzir as desigualdades de
oportunidades educacionais nos níveis mais básicos, mas ainda com desigualdades
persistentes nos níveis mais avançados de ensino (RIBEIRO, 2011a; 2011b;
MONT'ALVÃO, 2012). Na próxima seção, examinam-se os determinantes da
desigualdade de oportunidades educacionais.
Determinantes da desigualdade de oportunidades educacionais: evidências
empíricas dos casos brasileiro e mexicano
Os trabalhos sobre oportunidades e transições educacionais no Brasil apontam
para uma melhoria das chances de escolarização de crianças em condições
socioeconômicas desfavoráveis nas primeiras transições educacionais, o que
ocorreu fundamentalmente a partir da década de 1980. A taxa líquida de
escolarização da população entre 7 e 14 anos passou de 86% para 96%, quando
ocorreu praticamente uma universalização da educação básica (SILVA, 2003). Uma
situação demográfica mais favorável é uma das razões facilitadoras da intensa
expansão educacional brasileira (SILVA; HASENBALG, 2000; LAM; MARTELETO, 2006;
2008; MARTELETO, 2012 no prelo; MARTELETO; SOUZA, 2012 no prelo). Na década de
1990, a população em idade escolar diminuiu em quase um milhão de alunos,
reduzindo a demanda agregada por escolaridade.
Além disso, houve também uma diminuição da desigualdade educacional entre
regiões, grupos de cor, gênero e estratos de renda (SILVA; HASENBALG, 2000).
Mudanças institucionais, como aumento do investimento educacional por parte dos
Estados, também favoreceram a realização educacional ao longo das coortes
(RIBEIRO, 2011a; 2011b). A decomposição de efeitos de idade, período e coorte
para meninas que realizaram a transição para a quinta série entre 1982 e 2008
mostra um forte efeito para as coortes expostas à transição para essa série na
década de 1980, sugerindo que os resultados positivos dos anos 1990 tiveram
origem em investimentos educacionais feitos no decênio anterior (GUIMARÃES;
RIOS-NETO, 2011).
No México a situação é semelhante, embora o cenário de expansão educacional do
nível fundamental tenha se consolidado já em meados do século passado. Entre as
décadas de 1950 e 1970, o número de alunos inscritos no ensino primário
aumentou de 3 para 9 milhões de estudantes, e a matrícula no ensino secundário
passou de apenas 70 mil jovens para aproximadamente um milhão (MIER; ROCHA;
ROMERO, 2002; RIZO, 2002; ZORILLA, 2004). O país passou por uma expansão da
escolarização e uma relativa, ainda que desigual, melhoria no desempenho
educacional de sua população. A escolaridade média aumentou e a desigualdade de
oportunidade educacional entre jovens das diferentes unidades federativas
diminuiu (RIZO, 2002). Essa expansão, como no Brasil, também ocorreu em épocas
de crescimento econômico. A posterior estabilização do crescimento populacional
em decorrência da transição demográfica fez com que a pressão no sistema
educacional, do ponto de vista da demanda dos alunos, se estabilizasse como
consequência da desaceleração do crescimento das coortes mais jovens (SAUCEDO
et al. , 2010).
Um aspecto importante no caso mexicano é a atratividade da imigração para os
Estados Unidos e seus efeitos no alcance educacional das crianças, que podem
tanto se beneficiar com os recursos enviados por familiares que migraram como
serem desfavorecidos pela possibilidade de migração atraente do ponto de vista
da mobilidade social, mas que muitas vezes representa o encerramento da
carreira educacional (SAUCEDO et al. , 2010).4
Os trabalhos focados especificamente na avaliação de transições educacionais '
examinando coortes mais velhas ' indicam uma redução das desigualdades de
oportunidades nas primeiras transições educacionais, mas uma persistência da
desigualdade nas transições mais avançadas, tanto no Brasil quanto no México
(RIZO, 2002; RIBEIRO, 2007; 2011a; 2011b; MONT'ALVÃO, 2012). Uma série de
estudos recentes confirma a continuidade da melhoria nos resultados
educacionais para coortes nascidas entre 1932 e 1979 ou 1944 e 1983 (RIBEIRO,
2011a; 2011b), para o caso do Brasil, e para jovens de 12 a 14 anos nos censos
de 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000, para o México (MIER et al., 2002). Esses
trabalhos mostram um aumento do percentual de crianças fazendo as primeiras
transições educacionais condicionais; ou seja, ao longo do tempo, um número
cada vez maior completou a primeira transição (quatro anos de escolaridade), e
das que completaram a primeira transição, um número cada vez maior completou a
segunda transição (oito anos de escolaridade), que seria a conclusão do ensino
fundamental (RIBEIRO, 2011a; 2011b).
Ao se avaliarem os fatores relacionados às mudanças ocorridas nas transições
educacionais entre 1981 e 1999 no Brasil, Silva (2003) observa uma redução das
desvantagens associadas à residência urbana, renda familiar e raça nas chances
de transições condicionais para quarta e oitava séries. Ao mesmo tempo, houve
um aumento nas chances de transições condicionais para quarta e oitava séries
para meninas vis-à-vis meninos. Ribeiro (2011b), ao analisar as transições
educacionais de indivíduos entre 15 e 64 anos utilizando dados de 1996-1997 da
Pesquisa de Padrões de Vida (PPV), também demonstra a recente vantagem
educacional das mulheres sobre os homens ao longo das coortes e a diminuição
das vantagens educacionais associadas às áreas urbanas. As desigualdades
raciais, apesar de ainda estarem presentes, também diminuíram, apresentando
maior convergência entre os níveis educacionais dos grupos de cor (SILVA, 2003;
MARTELETO, 2012).
Recentemente, alguns estudos passaram a destacar a importância da rede de
ensino (privada ou pública) para a estruturação da desigualdade de
oportunidades educacionais no Brasil. Ribeiro (2011a) sugere que alunos vindos
de escolas particulares têm sete vezes mais chances de completar o ensino
fundamental. Essa é uma dimensão importante e será avaliada posteriormente.5
Outro estudo recente mostra que a rede privada é mais desigual do que a
pública, tanto para a conclusão do ensino médio como para a transição para o
ensino superior, uma vez que os efeitos de origens sociais, raça, gênero e
região são mais fracos para a rede pública do que para a privada. No entanto,
entre 2001 e 2007, houve crescimento dos efeitos dessas variáveis na escola
pública (MONT'ALVÃO, 2012, p. 429).
Utilizando dados para indivíduos e municípios do Censo 2000 e dados escolares
do Censo Escolar 2000, Riani e Rios-Neto (2011) apontam que a qualificação do
corpo docente dilui o efeito negativo da baixa escolaridade materna na
probabilidade de atraso escolar no ensino fundamental. A nucleação e a
restrição de oferta escolar também constituem fatores relevantes no ensino
médio (RIANI; RIOS-NETO, 2008).
Entre as décadas de 1950 e 2000, o México também apresenta melhorias
significativas em seus resultados educacionais. A desigualdade de gênero em
favor dos meninos, presente em todos os níveis educacionais em meados do século
XX, desapareceu ou foi invertida, dando lugar a um gap em favor das meninas
para a conclusão dos quatro primeiros anos do ensino básico. Diferente do caso
brasileiro, a desigualdade de gênero em favor das meninas mexicanas é invertida
após a conclusão dos quatro primeiros anos de escolaridade. No México, o
investimento familiar na educação dos meninos tem sido historicamente superior
ao das meninas, sobretudo nos estágios mais avançados do sistema educacional
(MIER; ROCHA; ROMERO, 2002), tendência que vem mudando, mas ainda permanece.
Como o Brasil, o México é marcado por uma heterogeneidade regional dos
resultados educacionais, havendo grande desvantagem nas áreas rurais, o que já
não é mais tão saliente no Brasil. As diferenças entre municípios em regiões
rurais e urbanas também diminuíram, apesar de ainda estarem presentes, assim
como as desvantagens dos grupos indígenas, que se reduziram significativamente,
mas apenas para o nível básico (MIER; ROCHA; ROMERO, 2002). As desigualdades
educacionais relativas aos que falavam línguas indígenas também decresceram
(MIER; ROCHA; ROMERO, 2002, p. 67). No caso mexicano, a escolaridade do chefe
do domicílio, as características domiciliares que refletem o bem-estar (tipo de
piso, presença de saneamento) e o número de irmãos são variáveis decisivas para
a transição educacional avaliada (MIER; ROCHA; ROMERO, 2002, p. 81).
Determinantes da desigualdade de oportunidades educacionais: estudos teóricos
Os estudos teóricos sobre os resultados educacionais apontam forças
macroestruturais, assim como fatores escolares e familiares como determinantes
importantes dos resultados educacionais (BUCHMANN; HANNUM, 2001). Entre os
primeiros, o Estado e as condições macroeconômicas têm papéis centrais porque
podem afetar tanto a oferta quanto a demanda por educação (HANNUM; BUCHMANN,
2005). Com a crise econômica e os consequentes ajustes estruturais, governos
têm menos recursos para gastar na educação, com implicações negativas para a
garantia da qualidade do ensino. Condições macroeconômicas têm tido um impacto
importante na América Latina devido às condições voláteis que a região
vivenciou, como a crise econômica dos anos 1980, que afetou Brasil e México de
forma igualmente intensa.
O efeito de condições macroeconômicas desfavoráveis nos investimentos das
famílias na educação não é claro, e pode resultar em maiores ou menores
investimentos na escolaridade das crianças. De acordo com a ideia de efeitos de
renda(income effects), famílias tirariam os filhos da escola para lidar com
condições negativas impostas por crises macroeconômicas, já que a manutenção
dos investimentos em educação reduz a renda familiar no curto prazo. Isso é
particularmente relevante para os contextos brasileiro e mexicano, em que o
trabalho de adolescentes em mercados informais é uma estratégia de
sobrevivência para muitas famílias (ORAZEM; SEDLACEK; TZANNATOS, 2009).
A crise econômica da década de 1980 foi associada a uma participação crescente
de crianças e adolescentes brasileiros no mercado de trabalho e piores
resultados educacionais (DURYEA; LAM; LEVISON, 2007). Do outro lado do
espectro, se famílias agem de acordo com a ideia de efeitos de substituição
(substitution effects), seria mais provável que adolescentes progredissem na
escola em taxas maiores durante a crise econômica, porque as altas taxas de
desemprego reduzem o custo de oportunidade educacional. Assim, as famílias
substituiriam a renda de curto prazo advinda do emprego dos adolescentes em
prol dos retornos educacionais de longo prazo, que provavelmente viriam de um
maior investimento escolar ao longo do ciclo de vida (TORCHE, 2010).
Entre os fatores familiares associados ao alcance educacional, características
da origem familiar, especialmente o nível de escolaridade dos pais, são
importantes fatores preditores do alcance educacional das crianças tanto no
Brasil como no México (BARROS; LAM, 1996; BINDER, 1998; BINDER; WOODRUFF, 2002;
GIORGULI-SAUCEDO, 2002; RIBEIRO, 2007). Entretanto, o que é menos claro é o
quanto as desvantagens educacionais associadas à origem social familiar mudaram
para coortes de adolescentes das décadas de 1980, 1990 e 2000 como um resultado
da expansão educacional e das melhorias macroeconômicas dos anos 2000.
Diferentes teorias tentam explicar como a expansão educacional pode influenciar
o efeito da origem social no alcance educacional. A teoria da modernização
assume que, com a industrialização e o crescimento da demanda por trabalho
qualificado, a expansão educacional invariavelmente reduziria a influência da
origem social no alcance educacional (TREIMAN, 1970). Contudo, um grande número
de trabalhos demonstrou que a expansão educacional sozinha não reduz as chances
relativas que pessoas com uma origem social privilegiada têm em relação àquelas
com origem social desprivilegiada (SHAVIT; BLOSSFELD, 1993; TORCHE, 2010). A
teoria da reprodução social (BOURDIEU; PASSERON, 1977) propõe que o sistema
educacional reproduz as desigualdades presentes na sociedade. Portanto,
estudantes que vêm de contextos desprivilegiados também se encontram em
desvantagem no sistema educacional, o que resulta em uma desigualdade de
oportunidades. Desse ponto de vista teórico, a expansão educacional aumentaria
por meio do acesso de estudantes de baixo statussocioeconômico nos níveis
iniciais da escolarização, mas a desigualdade continuaria nos níveis
educacionais mais altos.
Raftery e Hout (1993) argumentam que o processo de desigualdade maximamente
mantida (maximally maintained inequality ' MMI) explica a persistência da
desigualdade educacional. Para os autores, a desigualdade diminui como
consequência da expansão educacional somente quando países atingem a
universalização de determinado nível de ensino. A MMI propõe que estudantes em
desvantagem atingem gradualmente maiores níveis de realização educacional, mas
que o enfraquecimento da associação entre origem social e a escolaridade
depende da saturação de níveis educacionais entre as classes privilegiadas.
Essa tese ajudaria a explicar os gargalos que sistemas educacionais de alguns
países enfrentam nos níveis mais avançados do sistema educacional, por exemplo.
Finalmente, segundo a perspectiva da desigualdade efetivamente mantida
(effecively maintained inequality ' EMI), mesmo que a expansão educacional leve
a maiores níveis de alcance educacional, outras dimensões presentes dentro da
estrutura social contribuem para a manutenção das desigualdades educacionais
(LUCAS, 2001). Essa perspectiva destaca a importância de medidas da qualidade
das escolas e outros fatores como o nível de prestígio do curso estudado e o
setor da escola (pública ou privada), aspectos que funcionariam para estruturar
e manter diferentes chances de sucesso educacional e posteriores oportunidades
de trabalho. É examinado se a qualidade da educação na estratificação
educacional de adolescentes em idade apta a cursar a escola secundária é
particularmente importante no contexto de países como Brasil e México, onde a
matrícula na educação secundária atingiu níveis satisfatórios somente muito
recentemente.
Com base nos estudos empíricos sobre o tema e nas perspectivas teóricas
discutidas anteriormente, este artigo oferece as seguintes hipóteses:
* matrícula escolar: as desvantagens na matrícula dos adolescentes
associadas à origem social eram menores na década de 1980 do que nos anos
1990 e 2000 porque as famílias não estavam tirando os filhos da escola
durante a crise econômica, o que sinalizaria um efeito substituição. Por
outro lado, se os resultados indicarem que as associações entre origem
social familiar e frequência escolar dos adolescentes eram maiores nos
anos 1980 do que nos 1990 e 2000, seriam encontrados subsídios para a
noção de que as famílias agiram de acordo com um efeito renda;
* transições educacionais:
- ensino fundamental: tem-se como hipótese que as associações entre
origem social e probabilidade de os adolescentes terminarem o ensino
fundamental diminuíram ao longo do período examinado tanto para o
Brasil quanto para o México;
- educação secundária: a hipótese é de que a associação entre origem
social e chances de os adolescentes fazerem as transições para a
escola secundária diminuiu ao longo do período analisado. Em
contraste com o ensino fundamental, espera-se que a magnitude desse
declínio varie entre Brasil e México de acordo com o estágio da
expansão educacional do país, sendo menor para o México, onde a
universalização do ensino fundamental ocorreu anteriormente ao
Brasil. Resultados nessa direção seriam evidências para a perspectiva
MMI;
* setor: a hipótese é de que a associação entre origem social e matrícula
no ensino particular aumentou ao longo do período estudado, o que
sugeriria um fortalecimento de novos níveis de diferenciação no sistema
educacional. A medida que a expansão educacional e as matrículas no
ensino secundário crescem, a configuração das estruturas sociais
proporciona uma manutenção dos privilégios ligados ao alto status
socioeconômico, principalmente por meio do acesso ao ensino privado
(EMI).
Dados e metodologia
No presente estudo, foram utilizados dados de pesquisas domiciliares
nacionalmente representativas para os dois países analisados. Para o Brasil,
empregaram-se dados de 1982, 1992 e 2007 das PNADs (Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílio), cuja amostragem segue um procedimento probabilístico de
três estágios baseado primeiramente em municípios, posteriormente em setores
censitários dentro desses municípios e finalmente em domicílios nos limites do
setor censitário. Para o México, utilizaram-se dados domiciliares nacionalmente
representativos para os anos de 1984, 1992 e 2008, da pesquisa ENIGH (Encuesta
Nacional de Ingresos y Gastos de los Hogares). Os dados da PNAD e ENIGH são
altamente comparáveis.
A amostra deste estudo consiste em jovens entre 15 e 18 anos que, teoricamente,
estão em uma idade em que deveriam ter completado o ensino fundamental e feito
a transição para a educação secundária. Em termos práticos, os dados utilizados
são de pesquisas domiciliares e, portanto, não há informação sobre escolaridade
dos pais para adolescentes que já saíram de casa.6 A escolaridade dos pais é um
dos determinantes mais importantes da escolaridade de crianças e adolescentes7
e a maioria dos jovens entre 15 e 18 anos vive com ao menos um dos pais em seu
domicílio.8 Para incluir a escolaridade materna na análise, restringiu-se a
amostra a filhos do chefe do domicílio e com a mãe presente.9 Foram testadas
diferenças entre nossa amostra e amostras de adolescentes que não viviam com
suas mães, além de amostras de adolescentes que não são filhos do chefe do
domicílio e não se verificaram diferenças significativas entre os grupos.
Ressalta-se a importância de se certificar a não existência de diferenças
significativas entre as amostras quando essa estratégia é utilizada. Quando
aumentada a idade dos jovens, por exemplo, aí sim passam a existir diferenças
significativas entre as amostras, tornando os resultados enviesados.
Essa estratégia impõe algumas limitações, que serão discutidas nas seções a
seguir. No entanto, tal estratégia analítica para estudar a estratificação
educacional usando adolescentes é necessária para lidar com a inexistência de
dados que cubram um período extenso e que, ao mesmo tempo, contenham informação
da origem social familiar. Essa abordagem, mesmo com suas limitações, tem a
vantagem significativa de não depender de informações retrospectivas fornecidas
pelo entrevistado, ou seja, ao seguir essa estratégia minimizam-se de forma
significativa possíveis vieses de mensuração comuns em dados retrospectivos.
Além disso, a estratégia adotada no presente artigo pode ser replicada para
gerar evidências sobre a estruturação das desigualdades educacionais em países
com limitações de dados semelhantes, mas onde é possível encontrar informações
disponíveis em pesquisas domiciliares e censos.
Utilizou-se a escolaridade da mãe como uma medida de origem social familiar por
dois motivos. Primeiramente, a escolaridade materna afeta as crianças além dos
benefícios tradicionais associados ao capital econômico. A alta escolaridade
materna contribui para que as habilidades cognitivas dos filhos aumentem, já
que essas mães têm mais conhecimentos sobre o que é necessário para que as
crianças sejam bem-sucedidas (AUGUSTINE; CAVANAGH; CROSNOE, 2009). Além disso,
como discutido anteriormente, devido à natureza das informações domiciliares,
dispõe-se de informações da origem social familiar somente para adolescentes
que vivem com ao menos um dos pais. Tendo em vista que a maior parcela desses
jovens vive com suas mães do que com seus pais, ao se usar a escolaridade
materna é possível cobrir uma maior proporção de adolescentes em nossa análise.
Foram utilizadas simples regressões logísticas para examinar as matrículas
escolares, conclusão do ensino fundamental, entrada na escola secundária10 e
matrícula em escola particular para os anos 1980, 1990 e 2000 em cada país.
Esses modelos são amplamente empregados para analisar desigualdades de
oportunidades educacionais e oferecem uma estratégia mais flexível e menos
paramétrica para capturar a realização educacional. A equação que representa o
modelo é:
Pr (Y = 1|X)=o(X'β),
onde Pr denota a probabilidade de terminar o ensino fundamental ou fazer a
transição para o ensino secundário e X é um vetor de covariáveis que
descreveremos adiante.
Em todos os modelos foram utilizados, como controles, sexo, idade, escolaridade
da mãe, estrutura do domicilio, log da renda domiciliar per capita e
urbanização.11 Também foi feito o controle pelas regiões de residência no
Brasil e no México ' as cinco principais regiões brasileiras e as sete
principais regiões mexicanas.
Reportamos erros-padrão robustos que corrigem o agrupamento de múltiplos
adolescentes na mesma família. Uma vez que esperamos que as desigualdades de
oportunidades educacionais associadas à origem social dos adolescentes tenham
mudado ao longo do tempo, estimamos os modelos separadamente para cada ano.
Posteriormente, testamos se as diferenças entre os coeficientes são
estatisticamente significativas em modelos aplicados a amostras agrupadas, no
qual interagimos as variáveis avaliadas com o ano da pesquisa.
Resultados
O Gráfico 1 mostra a evolução da frequência escolar dos jovens entre 15 e 18
anos durante as décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000. Para o Brasil, observou-se
uma evolução monotônica na proporção de jovens frequentando a escola a partir
dos anos 1990. O México, por sua vez, também apresentou resultados positivos ao
final do período avaliado, mas com aumentos significativos apenas a partir dos
anos 2000. O que chama atenção, além do intervalo que separa os dois países e
que indica melhores resultados para o Brasil, é que ainda existe uma grande
proporção de jovens fora da escola. Como essa é uma idade em que os
adolescentes ainda deveriam estar completando seu período de escolarização para
concluir ao menos o ensino médio, o Gráfico_1 demonstra claramente que, apesar
dos resultados positivos conseguidos nos últimos anos nos dois países, ainda há
um grande esforço a ser feito.
O Gráfico_2 traz um indicador mais específico: a proporção de jovens entre 15 e
18 anos que completaram o ensino fundamental. Como a literatura aponta, o
México acelerou os investimentos nesse nível de ensino antes do Brasil, o que
se reflete nas altas taxas de conclusão do nível fundamental no México,
praticamente sua universalização, já no início dos anos 2000. O Brasil, por sua
vez, teve uma aceleração da expansão mais tardia e ainda apresenta proporções
mais baixas de jovens de 15 a 18 anos com o ensino fundamental completo.
Somente na década de 1990 passa-se a observar uma tendência praticamente linear
de crescimento no Brasil. O Gráfico_3 mostra as transições para o ensino médio,
tanto condicionais como incondicionais à conclusão do ensino fundamental. Ambos
países apresentam um aumento da proporção de adolescentes chegando ao ensino
médio.
A escolaridade média dos jovens de 15 a 18 anos, entre 1976 e 2009, é
apresentada no Gráfico_4. Essa medida é uma espécie de síntese das tendências
avaliadas nos gráficos anteriores. Percebe-se que a velocidade do aumento da
escolaridade foi mais rápida no Brasil do que no México, embora a escolaridade
média de jovens em meados dos anos 1980 seja dois anos mais alta no México em
relação ao Brasil. A diferença na escolaridade média dos jovens entre os dois
países diminuiu consideravelmente nos anos 2000, apesar de ainda haver uma
diferença em favor do México. Nota-se que isso não significa que a performance
brasileira foi superior à mexicana. Como já mencionado, os melhores resultados
brasileiros se apresentam no nível educacional em que o México já havia feito
consideráveis investimentos.
As médias e proporções das amostras utilizadas por ano e por país são
apresentadas na Tabela_2. Mais de 60% dos adolescentes em ambos países viviam
em áreas urbanas já na década de 1980. A proporção vivendo em áreas urbanas era
particularmente alta para o Brasil. No México, cerca de 20% dos jovens entre 15
e 18 anos residiam em áreas rurais nos anos 2000. O nível de escolaridade
materno cresceu significativamente em ambos países ao longo das últimas três
décadas, com México e Brasil tendo um nível de escolaridade semelhante ao final
dos anos 2000 (Tabela_2). Outra mudança relevante, particularmente entre a
década de 1990 e o fim dos anos 2000, é o aumento na proporção de adolescentes
vivendo em famílias chefiadas por mulheres. Se durante a década de 1980 uma
proporção relativamente baixa de adolescentes vivia em domicílios chefiados por
mulheres (13,86% para o Brasil e 11,41% para o México), em fins dos anos 2000
essa parcela cresceu significativamente (28,9% no Brasil e 20,99% no México).
A Tabela_3 mostra, para cada covariável utilizada, a proporção de adolescentes
matriculados na escola, que completaram o ensino fundamental, que fizeram a
transição para o ensino médio e os matriculados em escola particular. As
estudantes do sexo feminino tiveram uma vantagem crescente na conclusão do
ensino fundamental no Brasil, em relação àqueles do sexo masculino. Isso não
ocorreu no México. Se encontram também em vantagem adolescentes em áreas
urbanas. Nos dois países, adolescentes cujas mães possuem alta escolaridade
tinham uma grande vantagem em comparação àqueles com mães com nenhuma ou baixa
escolaridade formal. Com poucas exceções, os padrões gerais para a
probabilidade de transição para o ensino médio são similares a esses
resultados.
Os coeficientes das regressões calculadas para a probabilidade de matrícula
escolar encontram-se na Tabela_4. As variáveis de controle têm os sinais
esperados: crianças mais velhas e aquelas em domicílios de renda mais baixa
possuem probabilidade menor de matrícula na escola. Um resultado interessante é
que meninas têm probabilidades maiores de estarem matriculadas na escola nos
dois países e anos avaliados; mas a magnitude do coeficiente aumentou ao longo
do tempo, o que sugere uma crescente desigualdade de gênero na matrícula
escolar em favor das meninas nos dois países (0,208 para o Brasil e 0,109 para
o México). Esse padrão é esperado e foi documentado recentemente para outros
países (GRANT; BEHRMAN, 2010).
Verifica-se um sensível aumento das desvantagens na matrícula escolar
associadas à origem familiar entre 1980 e 1990 no México. No Brasil há um
pequeno, mas estatisticamente insignificante, declínio na associação entre as
décadas de 1980 e 1990 (Tabela_4). Os resultados apresentados sugerem que
famílias de baixo status socioeconômico provavelmente tiraram seus filhos da
escola no México durante a crise dos anos 1980, indicando que um efeito renda
possa ter operado nesses domicílios durante essa década. Os anos 2000 oferecem
uma história diferente.
Os dados da Tabela_4 também demonstram declínio significativo do papel da
origem social na probabilidade de matrícula escolar no Brasil e no México, a
partir da década de 1990. A diferença entre os coeficientes dos anos 1990 e
2000 é estatisticamente significante para Brasil e México (p<0,01). Para
ilustrar de forma clara o que isso representa, o Gráfico_5 mostra, por exemplo,
que na década de 1980 adolescentes que tinham mães com ensino superior possuíam
uma vantagem de 59% na probabilidade de matrícula escolar em relação àqueles
com mães sem educação formal. Esse diferencial se reduziu para 18% nos anos
2000. No México, por sua vez, o efeito da origem na probabilidade de conclusão
desse nível de ensino se mantém estável. As probabilidades de matrícula
preditas foram calculadas com todas variáveis em suas médias para cada nível de
escolaridade materno nas décadas de 1980, 1990 e 2000 para cada país.
A Tabela_5 reporta os coeficientes para as probabilidades de completar o ensino
fundamental incondicionais e condicionais à entrada na primeira série. Apesar
de a origem social ter um efeito positivo e estatisticamente significante em
todo o período estudado, há importantes mudanças na magnitude das associações
durante os 35 anos avaliados.
A associação entre origem social e probabilidade de completar o ensino
fundamental enfraqueceu nos dois países durante o período estudado. Enquanto
entre os anos 1980 e 1990 as associações permaneceram praticamente estáveis,
entre as décadas de 1980 e 2000 declinaram significativamente para os dois
países (diferenças entre os coeficientes dos anos 1980 e 2000 estatisticamente
significantes, p<0,01). O Gráfico_6 mostra que, por exemplo, mantendo constante
todas as outras variáveis em suas médias, nos anos 1980 as crianças mexicanas
com mães com ensino superior tinham 30 pontos percentuais a mais de chances de
completar o ensino fundamental do que seus pares que tinham mães sem
escolaridade formal. Essa diferença caiu para 8 pontos percentuais na década de
2000. No caso brasileiro, nos anos 1980 a probabilidade de completar o ensino
fundamental era 61 pontos percentuais maior para adolescentes com mães com
ensino superior do que para aqueles com mães sem escolaridade formal; essa
diferença caiu para 54 pontos percentuais na década de 1990 e para 41 na de
2000. Apesar de a magnitude dos coeficientes ter diminuído para todo o período
avaliado, os declínios mais fortes ocorreram entre a década de 1990 e o final
dos anos 2000, período marcado por crescimento econômico e uma série de
políticas públicas focadas na inclusão e manutenção de crianças de baixo status
socioeconômico no sistema educacional. Entretanto, ainda existe uma desvantagem
significativa na probabilidade de conclusão do ensino fundamental para
adolescentes brasileiros com origem social baixa em relação àqueles com origem
social elevada, situação essa que praticamente inexiste no México.
A Tabela_6 traz os modelos calculados para a probabilidade de transição para o
ensino médio. Enquanto entre as décadas de 1980 e 1990 os coeficientes
relativos às transições incondicionais se mantiveram praticamente estáveis,
entre os anos 1990 e 2000 caíram significativamente (a diferença entre os
coeficientes de 1990 e 2000 é estatisticamente significante p<0,05). Como
esperado, a magnitude da associação relativa às transições condicionais é menor
do que para as transições incondicionais. A associação se manteve praticamente
estável entre as décadas de 1980 e 1990. Durante os anos 2000, no entanto, a
associação caiu apenas levemente no Brasil (coeficiente: 0,052 na década de
1980 e 0,046 na de 2000, com diferenças estatisticamente insignificantes).
Quando considerado todo o período, observa-se que a associação entre origem
social familiar e transição para o ensino médio condicional ao término do nível
anterior diminuiu de maneira significativa no México (coeficiente: 0,092 na
década de 1980 e 0,058 na de 2000, com diferenças estatisticamente
significantes ao nível 0,01), mas não no Brasil, o que confirma parcialmente a
hipótese de magnitudes diferentes do impacto da origem social nas transições
educacionais dependendo do nível de universalização do nível de ensino
anterior, neste caso, o ensino fundamental.
Os resultados da associação entre origem social e matrícula em escolas privadas
' uma proxy da qualidade educacional tanto no Brasil quanto no México '
encontram-se na Tabela_7. Os coeficientes de escolaridade materna mostram que,
no Brasil, a associação entre origem social e matrícula em escolas privadas
aumentou sensivelmente ao longo do tempo, o que não aconteceu no México. No
Brasil, verifica-se uma diferença estatisticamente significante entre as
associações entre as décadas de 1980 e 2000 (coeficiente: 0,080 nos anos 1980 e
0,103 na década de 2000; diferença estatisticamente significativa ao nível
0,05). O México apresenta pequena queda na associação entre as desvantagens
associadas à origem social na matrícula em escolas particulares entre as
décadas de 1990 e 2000.
Conclusões e discussão
O objetivo deste artigo foi identificar mudanças nas desigualdades de
oportunidades educacionais (tanto quantidade como qualidade) associadas à
origem social da família ao longo das últimas três décadas no Brasil e México.
Foram estudadas as desvantagens educacionais associadas à origem social dos
adolescentes desde a "década perdida" dos anos 1980 até o fim dos anos 2000,
quando Brasil e México viveram períodos de crescimento. Este trabalho contribui
para a literatura sobre desigualdades de oportunidades educacionais por
analisar diferentes coortes de jovens com trajetórias educacionais em períodos
marcados por diferentes condições econômicas, ao mesmo tempo em que estende a
análise para um período mais recente. Também analisou-se um importante aspecto
da desigualdade educacional que a maioria dos estudos negligenciou: as
tendências de desvantagens relativas à origem social associadas à qualidade da
educação (medida pelo proxyda escola particular) durante um período longo.
Os resultados confirmam a importância das condições macroeconômicas e da
universalização do ensino fundamental para desigualdades de oportunidades
educacionais. O impacto da origem social na matrícula escolar caiu pela metade
entre as década de 1980 e 2000 no Brasil, mas manteve-se estável no México.
Entretanto, notou-se também que, entre a década de 1990 e final dos anos 2000,
a queda do papel da origem social na probabilidade de matrícula escolar não foi
acompanhada por declínios significativos na proporção de adolescentes
matriculados em escolas particulares. Isso sugere que a redução das
desigualdades associadas à matrícula escolar, no Brasil, deve-se ao fato de
adolescentes em posição de desvantagem passarem a ter maior acesso ao ensino
público.
Também é interessante observar que, no Brasil ' país com mais forte declínio na
associação entre origem social e frequência à escola ' também ocorreu um
aumento da magnitude da associação entre origem social familiar e a matrícula
na escola privada, o que sugere um fortalecimento das desigualdades no acesso à
educação de qualidade.
Os resultados indicam quedas das desigualdades de conclusão do ensino
fundamental baseadas na origem social entre as décadas de 1980 e 2000, tanto no
Brasil como no México. As magnitudes da associação entre origem social e
conclusão do ensino fundamental são similares no Brasil e no México ao final
dos anos 2000. Isso demonstra o grande avanço em universalizar o ensino
fundamental alcançado no Brasil no período estudado.
Apesar de a influência da origem social ter diminuído para a frequência escolar
e para a conclusão do ensino fundamental, os resultados são menos inequívocos
para as probabilidades de transição para o ensino médio. Encontraram-se
pequenos declínios, quase estabilidade, na associação entre origem social e
transições incondicionais para o ensino médio nos dois países, entre as décadas
de 1980 e 1990, mas os resultados indicam quedas significativas ao longo dos
anos 2000. As condições macroeconômicas da década de 2000, juntamente com a
importante expansão educacional das últimas décadas, criaram condições para um
número cada vez maior de adolescentes fazer a transição para a escola
secundária.
Entretanto, os resultados relativos à probabilidade de transição ao ensino
médio condicional ao término do ensino fundamental mostram um cenário
diferente, indicando estabilidade na associação entre origem social e
probabilidade de transição ao ensino médio condicional ao término do ensino
fundamental, no caso brasileiro, entre as décadas de 1980 e de 2000. No México,
a associação diminuiu. Era esperado que o caso mexicano apresentasse uma queda
na magnitude da associação entre origem social e probabilidade de transição ao
ensino médio condicional, uma vez que o país registrava universalização do
ensino fundamental muito anterior ao Brasil, como discutido aqui. Essa
diferença na diminuição das desvantagens associadas à origem social entre os
países como consequência de diferentes estágios da universalização do nível de
ensino anterior coincide com a perspectiva MMI.
Ao fim da última década, Brasil e México implementaram políticas significativas
com o objetivo de melhorar seus resultados educacionais, particularmente
relativos ao ingresso e à manutenção de adolescentes na escola. Esses programas
focaram em manter crianças e adolescentes em situações desprivilegiadas no
sistema educacional por meio de transferências de renda. Tais programas
enfatizaram o acesso e permanência na escola e a quantidade educacional, mas a
qualidade foi em grande parte omitida nesses esforços. Entretanto, o
diferencial de qualidade entre escolas públicas e particulares no Brasil e no
México também é um elemento crítico para a sustentação das desigualdades
educacionais nestes países. A vantagem dos alunos de escolas particulares vis-
à-vis alunos de escolas públicas na nota do Pisa em testes de matemática é de
106,73 pontos no Brasil, por exemplo (OECD, 2009). Pesquisas anteriores, de
forma geral, falharam ao examinar esta significativa dimensão da desigualdade
de oportunidade no contexto da expansão educacional no Brasil e no México ao
longo das últimas décadas. Os resultados do presente estudo indicam uma
persistência, e até mesmo aumento, na associação entre origem social e
probabilidade de matrícula em escola particular, sugerindo que, apesar de as
diferenças relativas ao status socioeconômico na quantidade da educação
recebida terem de forma geral diminuído, as desvantagens associadas à qualidade
da educação não sofreram o mesmo impacto. Ao contrário, essas associações
cresceram de maneira significativa no Brasil, o que sugere a importância da
perspectiva EMI por evidenciar desigualdades de oportunidades relativas a
outras dimensões do sistema educacional (por exemplo, qualidade da educação,
setor, curso, entre vários outros) para entendermos de modo mais completo a
estratificação educacional no Brasil e México, e na América Latina de forma
geral.