Competência informacional e gestão do conhecimento: uma relação necessária no
contexto da sociedade da informação
Introdução
A partir da abertura dos mercados, marcada pelo fim da Guerra Fria e da URSS,
no fim da década de 80, a competitividade tornou-se globalizada. Um mercado
consumidor exigente e informado começou a ditar novas regras. A informação
passou a constituir-se num dos principais fatores de produção e a representar a
maior parte do valor agregado dos produtos. A necessidade constante de inovação
surgiu, no sentido de criar diferencial competitivo e flexibilização para
viabilizar a customização dos produtos e do atendimento. Tal situação
influenciou as estruturas das corporações verticalizadas que passaram a ceder
autonomia e responsabilidade aos funcionários, possibilitando um maior acesso
ao conhecimento institucional e exigindo deles a capacidade de aplicá-lo para
oferecer soluções eficazes. A lógica e o poder da produção em massa,
característicos da Era da Industrialização, entraram em decadência. A
informação e a sua comunicação tornaram-se insumos na era atual de
competitividade globalizada.
No contexto apresentado, ressurge a possibilidade do ser humano voltar ao
centro do processo produtivo na condição de ser criativo, independentemente da
sua função na cadeia produtiva. Segundo Miranda "[...] passa-se então a falar
de competências, e não mais de qualificação para um emprego ou um determinado
posto de trabalho. É a pessoa, com suas características mais complexas que
interessa." (MIRANDA, 2004, p. 113). Esta autora localiza a origem da
administração por competências dizendo que "[...] o uso da noção de competência
começou a aparecer quando as empresas tiveram necessidade de reconhecer as
competências das pessoas independentemente do posto de trabalho que elas
ocupavam..." (MIRANDA, 2004, p. 114).
Competências podem ser definidas como "[...] conhecimentos, habilidades e
atitudes, que combinados adequadamente permitem o desempenho das tarefas para o
cumprimento da missão de um empregado" (LÓPEZ, 2000, apud ORTOLL, 2003, p. 3).
López (2000) citado por Ortoll (2003) diz ainda que "[...] a identificação das
competências, [...] contribui para que as organizações e seus empregados se
adaptem às mudanças provocadas pelo progresso da sociedade."1 (LÓPEZ, 2000,
apud ORTOLL, 2003, p. 3)1.
Assim, os estudos sobre Competência Informacional (em inglês, 'Information
Literacy ' IL) propõem outra linha de pensamento, mais apropriada para lidar
com a época atual. As reflexões e propostas de ação de tais estudos estruturam-
se no lema "aprender a aprender".
Temos, então, uma mudança no enfoque gerencial, que passa da valorização da
quantidade do conhecimento acumulado, para valorização da qualidade do
aprendizado, ou ainda, do quanto se é capaz de se aprender através de
informações diversificadas e contextualizadas e de se aplicar o conhecimento
resultante do acesso/uso de tais informações, de forma flexível e adaptativa,
nos cenários da Sociedade da Informação.
Breve Histórico do Conceito
O termo Competência Informacional começou a ser desenhado em 1974, por Paul
Zurkowisky (ANZIIL, 2004, p. 45), educador norte-americano, presidente da
Information Industries Association. Este pesquisador utilizou o termo
Information Skill' em um relatório para a National Comission on Libraries and
Information Science, intitulado "The information service environment,
relationship and priorities" (ANZIIL, 2004, p. 45; BAWDEN, 2001, p. 230).
Naquela ocasião, o seu interesse era de que houvesse um plano decenal para que
os estudantes fossem capacitados para consumirem produtos informacionais. O
termo Information Skills referia-se a pessoas capazes de resolver seus
problemas de informação utilizando-se de fontes relevantes, onde se incluía a
utilização de tecnologia.
A literatura científica brasileira tem registrado a discussão sobre o conceito
de competência informacional e a tradução do termo em inglês Information
literacy. Também encontramos na literatura de outros países, o uso de termos
sinônimos como: "Information literacy; Computer literacy, [...] electronic
information literacy; Library literacy; Media literacy; Network literacy [...]
Internet Literacy,[ ...]; Digital literacy, [...] Digital Information Literacy"
(BAWDEN, 2001, p 223).
Em língua espanhola, utilizam-se os termos: "[...] cultura de la información,
habilidades informativas; o alfabetización informacional [...] en todas ellas:
la idea de relacionarse de manera efectiva con el mundo de la información"
(ORTOLL, 2003, p. 2). Têm-se falado de vários tipos de literacy na
bibliografia: literacy cultural, tecnológica, marginal, etc.
Para Dudziak (2003), a competência informacional engloba todas estas citadas
anteriormente. Neste texto, optamos pela tradução do termo information literacy
como competência informacional, seguindo a tendência dos autores brasileiros
que tratam desta temática no campo da Ciência da Informação.
Bawden (2001) cita autores que ressaltam mudanças de natureza no conceito de
literacy no contexto da Sociedade da Informação. Estas mudanças estariam
ocorrendo em decorrência do uso intensivo das tecnologias de informação. Tais
tecnologias estariam gerando uma suplementação e, em até certo grau, uma
superação da tecnologia da escrita impressa pelos recursos digitais e de
multimídia.
A American Association of School Libraries ' AASL (2002) citada por Ortoll
(2003) definiu competência informacional, em 1998, como:
[...] la habilidad de reconocer una necesidad de información y la
capacidad de identificar, localizar, evaluar, organizar, comunicar y
utilizar la información de forma efectiva, tanto para resolución de
problemas como para el aprendizage ao longo de la vida (AASL apud
ORTOLL, 2003, p. 3).
Em 2003, Dudziak definiu competência informacional como:
[...] processo contínuo de internalização de fundamentos conceituais,
atitudinais e de habilidades necessário à compreensão e interação
permanente com o universo informacional e a sua dinâmica, de modo a
proporcionar um aprendizado ao longo da vida (DUDZIAK, 2003, p. 28).
Em 2004, Doyle (1998) citado por Bawden (2001), revisou o conceito de
competência informacional e o definiu como "[...] a habilidade de acessar,
avaliar e usar informação de uma variedade de fontes."2 (DOYLE, 1998, apud
BAWDEN, 2001, p. 231). O Australian and New Zealand Institute for Information
Literacy' ANZIIL (2004) define Competência informacional como "[...] uma
compreensão e um conjunto de habilidades capacitando os indivíduos a reconhecer
quando a informação é necessaria e a respectiva capacidade de localizar,
avaliar e usar efetivamente tal informação".(ANZIIL, 2004, p. 3). A Australian
School Library Association- ASLA define competência informacional como:
[...] sinônimo de saber como aprender. [...] é um meio de
empoderamento pessoal. Ela permite às pessoas verificar e refutar
opiniões especializadas e tornarem-se independentes na busca da
verdade2 (ASLA, 1994, apud ANZIIL, 2004, p. 5).
A mensagem subjacente que podemos perceber nos conceitos acima citados,
cunhados por volta do início do século XXI, é que o cidadão que lida
eficientemente e eficazmente com a dinâmica dos estoques e fluxos de informação
no contexto da Sociedade da Informação pode fortalecer sua identidade e
acumular poder. Assim temos que, o conceito de competência informacional
ultrapassa a noção de simples aquisição de mais um conjunto de habilidades e
chega a se caracterizar como um requisito para a participação social ética e
eficaz dos indivíduos neste novo contexto social, baseado no uso intensivo de
informação e conhecimento.
Uma visão que compartilhamos é a de Tucket (1989) citado por Bawden (2001).
Este autor defende que competência informacional pode ser vista como uma
hierarquia de habilidades em três níveis: "[...] habilidades de informação
simples, [...] habilidades de informação compostas [...] e habilidades de
informação complexas e integradas [...]". (Tucket, 1989, apud Bawden, 2001, p.
232)3. A ANZIIL (2004), também utiliza níveis de desenvolvimento de competência
informacional, diferindo entre "nível baixo e nível alto" (ANZIIL, 2004, p.
27). Um elemento que se destaca nestas discussões é a noção de processo, o que
possibilita o uso contínuo de estratégias de desenvolvimento destas
habilidades.
As definições de Competência Informacional comentadas acima enfatizam os
seguintes aspectos: a) na tecnologia da informação; b) na cognição; e c) no
aprendizado por toda a vida. Quando se concentra na tecnologia da informação, a
competência informacional é definida em linhas gerais como...
[...] pesquisa, estudo e aplicação de técnicas e procedimentos
ligados ao processamento e distribuição de informações com base no
desenvolvimento de habilidades no uso de ferramentas e suportes
tecnológicos (DUDZIAK, 2003, p. 30).
Já quando este conceito enfatiza os processos cognitivos, sua definição "[...]
envolve uso, interpretação e busca de significados, [...] O foco está no
indivíduo, em seus processos de compreensão da informação". (DUDZIAK, 2003, p.
30).
A ANZIIL (2004) define a aprendizagem ao longo da vida como "[...] toda
aprendizagem ' formal e informal- ocorrida de forma intencional ou imprevista,
à qual se dá a qualquer momento no decorrer da existência de uma pessoa".
(ANZIIL, 2004, p. 4). Quando a ênfase permanece neste foco, considera-se que o
conceito de competência informacional engloba "[...] além de uma série de
habilidades e conhecimentos, a noção de valores ligados à dimensão social e
situacional. A construção de redes de significado a partir do que os aprendizes
lêem, ouvem e refletem". (DUDZIAK, 2003, p. 30). Nesta última, a competência
informacional constitui-se uma base para a transferência de conhecimento. Dessa
forma, o sujeito do aprendizado se tornaria um ator social mais consciente do
seu papel e de suas potencialidades transformadoras.
Breve Histórico da Dinâmica Social em Torno do Conceito
Os precursores da idéia de Competência Informacional foram os serviços de
educação de usuários de bibliotecas escolares, na década de 50, nos EUA. Na
década de 60, a American Association of School Libraries -AASL- incentivou a
integração da biblioteca e a mudança do papel do bibliotecário, que se tornou
guia da pesquisa escolar.
Na década de 70, a educação superior nos EUA, adotou a competência
informacional como um requerimento para a graduação.
Até os dias atuais, são oferecidos cursos individuais (tutoriais on-line e
outros) em torno da competência informacional com e sem atribuição de créditos.
As universidades incorporaram esta competência ao currículo, inclusive
direcionando disciplinas e trabalhos de extensão com base nas bibliotecas. Vale
salientar que a tecnologia da informação é um recurso sempre presente nestas
práticas.
Como colocamos anteriormente, o conceito competência informacional surgiu a
partir do entendimento do conceito de Information Skills, apresentado por Paul
Zurkowisky, em 1974. Entretanto, desde aqueles primeiros momentos, havia
autores que compreendiam o conceito de competência informacional além da
utilidade laboral. Owens (1976) citado por Bawden (2001), ressaltou que "[...]
além de pensar a competência informacional para a maior eficiência e
efetividade no trabalho, a competência informacional é necessária para garantir
a sobrevivência das instituições democráticas". (Owens, 1976, apud Bawden,
2001, p. 230). No mesmo ano (2001), Hamelink (1976) citado por Bawden (2001)
definiu competência informacional como "[...] a necessidade do público em geral
de ser liberado dos [...] dos efeitos opressores da nova mídia, que
disponibiliza muitas explicações 'pré-digeridas''4". (Hamelink, 1976,
apudBawden, 2001, p. 231). Estes autores incluem em sua definição de
competência informacional uma noção de independência e de autoconsciência
social.
Em 1975, ainda nos Estados Unidos, o bibliotecário ganhou espaço no
planejamento curricular. Este envolvimento foi invocado, diz Campello (2003),
porque se percebia a dificuldade das bibliotecas em "[...] atender a todas as
necessidades identificadas como cruciais para a sobrevivência e a realização em
um mundo extremamente complexo, abundante em informação e que mudava
rapidamente" (CAMPELLO, 2003, p. 30). Esse foi o ambiente em que foi cunhado o
termo competência informacional.
Em 1976, abriu-se um foco de compreensão mais abrangente para o termo
Competência Informacional. É possível vê-lo cada vez mais associado à noção de
cidadania. Segundo Owens (1976) citado por Campello (2003), "[...] cidadãos
competentes no uso da informação teriam melhores condições de tomar decisões
relativas à sua responsabilidade social" (Owens, 1976, apud CAMPELLO, 2003, p.
30). Segundo eles, a competência informacional seria um instrumento de
emancipação política. Comenta Dudziak (2003) que "[...] a inserção do conceito
no contexto da cidadania elevou a IL a um novo patamar... Incluía-se agora a
noção dos valores ligados à informação para a cidadania" (DUDZIAK, 2003, p.
24). A sociedade dos anos 70 começava a reconhecer a importância da informação
e da competência informacional.
A década de 80, o desenvolvimento
Na década de 80, disseminou-se um movimento mundial para formar pessoas com
habilidades de informação. Segundo Bernhard (2002), estes movimentos pretendiam
"[...] promover a formação no uso ou domínio da informação desenvolvendo
habilidades de informação que unificaram às habilidades de busca na biblioteca
e em todos os níveis do sistema educativo5" (BERNHARD, 2002, p. 412). Neste
momento estava sendo iniciado o fortalecimento do caminho institucional da
competência informacional.
A França iniciou a liberação de subsídios para desenvolver esta competência
pelas escolas de engenharia e administração em 1980, 1990 e 1992. Na Austrália,
o Higher Education Council, em 1992, identificou o conjunto de habilidades para
o qual se desenvolveria o programa nacional de desenvolvimento de Competência
Informacional. A Grã-Bretanha, iniciou com o Teaching with Independent Learning
Technologies -TILT- e o Information Literacy in All Departaments -ILIAD- e o
NetLinkS. Na mesma época, o governo da Suécia deu inicio ao projeto EDUCATE.
Vários Planos Nacionais de Desenvolvimento de Competência Informacional
voltados para a formação de estudantes vêm sendo implementados em diferentes
países. Na União Européia, o Plano de Implantação de uma Europa do Conhecimento
para uma ação nesse sentido entre as universidades está em ação desde 2000,
visando criar postos de trabalho adaptados à demanda da competitividade global
(CCE, 2003). O mesmo vem ocorrendo na Austrália, no Canadá, na África do Sul,
nos Estados Unidos, na Malásia, na Etiópia e outros países há anos.
Apesar de todas estas ações o movimento da competência informacional continua
fortemente ligado à sua raiz norte-americana. A AASL (EUA) anunciou no início
dos anos 80, as diretrizes para o desenvolvimento da competência informacional,
denominadas Information Power; Guidelines for School Libraries Media
Programs.Nelas, acrescenta-se às funções do bibliotecário a função de
professor...
[...] encarregado de ensinar não apenas as habilidades que vinha
tradicionalmente ensinando [...] mas envolvido no desenvolvimento das
habilidades de pensar criticamente, [...] ensinando a aprender a
aprender (CAMPELLO, 2003, p. 30).
As facilidades das tecnologias da informação atraíam vários olhares, desde o
centro deste movimento, entretecendo-se no nome desta competência, tornou-se
comum na literatura o termo information technology literacy. Uma noção mais
ampla de competência informacional foi formada nesta época. Assim competência
informacional foi definida como "[...] um conjunto integrado de habilidades
[...], conhecimentos de ferramentas e recursos, desenvolvidos a partir de
determinadas atitudes" (BREIVIK; GEE, 1989, apud DUDZIAK, 2003, p. 25). Este
contexto produziu a reunião de esforços de professores e bibliotecários na
implementação de programas educacionais nas escolas, com base nas tecnologias
da informação e nas bibliotecas.
Em 1983, o documento A National Risk: The Imperative for Educational
Reform,abalou todos os setores envolvidos com a educação nos EUA. Este
relatório evidenciou a formação de uma geração de estado-unidenses que eram
informacionalmente incompetentes (ou informationally iliterate). Este mesmo
texto relatava a falência da educação no ensino público nos EUA e apontava a
necessidade de desenvolvimento de habilidades intelectuais superiores.
Entretanto, não citava as bibliotecas. Esta ausência causou forte reação por
parte dos bibliotecários, os quais, em 1984, lançaram como resposta o texto
mais importante sobre Competência Informacional da época, Libraries and the
Learning Society; Papers in Response to a National Risk, publicado pela
American Libraries Association (ALA).Este texto considerava que a biblioteca
seria a matriz geradora para o desenvolvimento dessas habilidades.
Em 1986, houve uma reforma no ensino médio nos EUA, descrita no documento
Educating Students to Think: The Role of the School Library Media Program. Essa
reforma previa reestruturar o ensino/aprendizagem, fazendo com que as
habilidades de competência informacional capacitassem os alunos a buscarem a
aprendizagem autônoma.
Segundo Bernhard (2002), em 1987, a ACRL (EUA) insistia sobre a necessidade de
"[...] situar a formação na utilização de recursos específicos no contexto
global do processo de busca de informação"6. No mesmo ano, Carol Kuhlthau
publicou sua tese intitulada Information Skills for an Information Society; a
review of research. Lançando as bases da Information Literacy Education, sob
duas proposições: a) a competência informacional deveria ser integrada ao
currículo escolar; b) os estudantes deveriam ter acesso às tecnologias da
informação como apoio ao aprendizado.
O ano de 1989 foi altamente importante para o desenvolvimento dos trabalhos em
competência informacional. De início, o National Forum on Information Literacy
(NFIL) teve sua primeira reunião. Este fórum é composto por um grupo de mais de
setenta e cinco organizações governamentais, educativas e da área dos negócios
nos Estados Unidos. No mesmo ano (1989), o Comitê Presidencial sobre
Competência informacional da American Library Associationapresentou o Relatório
Final, "[...] que definiu quarto componentes da competência informacional: a
habilidade de reconhecer quando a informação é necessária e localizar, avaliar
e utilizar efetivamente a informação necessária"5 (ALA, 1989 apudANZIIL, 2004,
p. 45). Ainda nesse ano, Breivik e Gee lançam o livro Information Literacy;
Revolution in the Library, que introduziu a educação baseada em recursos
(resource-based learning), influenciada pela teoria construtivista, que
utilizava a tecnologia da informação como recurso de aprendizagem. Essa
concepção de competência informacional ensejava uma reforma curricular em todos
os níveis, para dar espaço à utilização dos recursos informacionais disponíveis
para aprender e resolver problemas. Iniciou-se a construção dos padrões de
habilidades informacionais que comporiam a competência informacional. Nessa
época, a prática em competência informacional se concentrava no ensino dos
padrões utilizados nas bibliotecas e nos recursos de busca de informação.
Assim, a década de 80 foi caracterizada pela implantação das práticas da
competência informacional institucionalizada.
A década de 1990, o impulso da tecnologia da informação
Em 1990, o National Forum of Information Literacy -NFIL- foi consolidado. A
definição da American Library Associaton (ALA) para a competência informacional
era a mais amplamente aceita, inclusive em outros países. A ênfase na
utilização dos meios eletrônicos acentuou-se ainda mais. Em termos mundiais,
aumentava o número de países que executavam programas nacionais de
desenvolvimento da competência informacional. A partir das experiências no
NFIL, Doyle (1994) citado por Dudziak (2003), traçou novas diretrizes para a
IL, considerando-a como
[...] um conjunto integrado de habilidades, conhecimentos e valores
ligados à busca, acesso, organização, uso e apresentação da
informação na resolução na resolução de problemas, utilizando para
tanto, o pensamento crítico (DOYLE, 1994, apud DUDZIAK, 2003, p. 26).
Muitos modelos foram criados, todos incluindo as atividades básicas de
identificação, acesso, avaliação e uso da informação, com poucas diferenças.
Em 1997, a ACRL criou o Institute for Information Literacy (IIL), para apoiar a
formação de multiplicadores "[...] destinado prioritariamente a treinar
bibliotecários e dar suporte à implementação de programas educacionais no
ensino superior" (DUDZIAK, 2003, p. 27), fortalecendo a institucionalização.
Em 1998, foi publicada uma nova versão das diretrizes da AASL, que foi nomeada
Information Power: Building Partnerships for Learning. Estas diretrizes
trouxeram fundamental inovação, pois tinham "[...] o bibliotecário como líder
na implementação do conceito de competência informacional no ambiente escolar"
(CAMPELLO, 2003, p. 31). Essas diretrizes indicavam recomendações para atingir
o desenvolvimento das competências informacionais para cada etapa de
desenvolvimento escolar. As competências foram divididas em três grupos: a)
competência para lidar com a informação; b) informação para a aprendizagem
independente; e c) informação para a responsabilidade social. Segundo Campello,
o Information Power "[...] pode ser considerado o documento que concretiza a
assimilação do conceito de competência informacional pela classe bibliotecária"
(CAMPELLO, 2003, p. 31). Dudziak (2003) caracteriza de maneira geral a década
de 90 pela "[...] ênfase na busca e uso da informação enquanto processo
cognitivo para a resolução de problemas, direcionando o aprendiz ao pensamento
crítico e criativo". (DUDZIAK, 2003, p. 27).
O século 21 e a avaliação dos programas nacionais de Information Education
Literacy
No ano 2000, a Association of College and Research Library-ACRL-, publicou os
Information Literacy Standards for Higher Education, estabelecendo diretrizes
para a competência informacional no ensino superior nos EUA.
Resumindo a nossa compreensão sobre a dinâmica de desenvolvimento do conceito
de competência informacional, podemos dizer que tivemos a emergência do
conceito no período dos anos 50 a 70; o desenvolvimento de programas nacionais,
institucionalização nos anos 80 e 90 e, no final dos anos 90 e início do século
XXI, a avaliação dos programas implementados em diferentes países.
Esta compreensão nos coloca diante de um questionamento: como se coloca a
dinâmica pela competência informacional no contexto brasileiro?
O movimento da Competência Informacional no Brasil
Os precursores do movimento da competência informacional no Brasil, segundo
Dudziak (2003), são os bibliotecários que fizeram estudos para o
desenvolvimento de programas de educação de usuários. O termo foi utilizado
pela primeira vez no Brasil por Caregnato (CAREGNATO, 2000, apudCampello, 2003,
p. 50), que o traduziu como alfabetização informacional. A idéia, neste momento
inicial do estudo no Brasil, era ampliar a ação do bibliotecário na escola e "
[...] oferecer novas possibilidades informacionais necessárias para interagir
no ambiente digital." (CAMPELLO, 2003, p. 28).
Segundo Campello (2003), ela foi a responsável pela tradução do termo
information literacypara competência informacional em 2002,...
[...] na perspectiva da biblioteca escolar, em texto que sinalizava
para o potencial deste conceito como catalisador das mudanças do
papel da biblioteca em face das exigências da educação do século XXI
(CAMPELLO, 2003, p. 29).
Em termos de literatura nacional podemos citar alguns poucos estudos.
Dudziak (2003) cita como exemplo de projetos brasileiros para a competência
informacional: o PROESI e mais dois programas desenvolvidos na USP. Outra
iniciativa importante é o prêmio Carol Kuhlthau, oferecido pela Escola de
Ciência da Informação (ECI) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Esta é uma iniciativa meritória e pioneira com relação ao estímulo da
divulgação de métodos de Information Literacy Education em bibliotecas
escolares brasileiras. No âmbito das pesquisas, temos conhecimento dos
trabalhos de Santos (2006), Rocha (2006) e Silva (2006). O trabalho de Santos
(2006) trata da caracterização das competências informacionais desenvolvidas
por bibliotecários que atuam em bibliotecas de Instituições Federais de
Educação Superior localizadas na região nordeste do Brasil, junto ao Portal
Periódico CAPES. O trabalho de Rocha (2006) trata da identificação de
competências informacionais de bibliotecários atuantes em bibliotecas de
universidades privadas na cidade de João Pessoa/PB. O trabalho de Silva (2006)
identifica as competências informacionais demandadas por alunos concluintes do
Curso de Graduação em Biblioteconomia da UFPB. Estas pesquisas fazem parte dos
esforços do grupo de pesquisa Usos e Impactos da Informação7 em desenvolver
teorias e aplicações sobre a temática da competência informacional.
Considerando as condições para o desenvolvimento da competência informacional
no Brasil, Dudziak (2003), propõe que:
A base de uma cultura da informação é sua democratização, mediante
abertura de canais diretos de comunicação e respeito às normas,
procedimentos, dados, fatos acontecimentos e resoluções que afetem a
comunidade. Telas de comunicação e informação devem envolver
administradores, docentes, bibliotecários, técnicos, funcionários e
estudantes, em seus mais variados níveis organizacionais, como
condição essencial, de forma que se desfaçam os nós que
tradicionalmente amarram as instituições e se abram caminhos para as
mudanças (DUDZIAK, 2003, p. 32).
Paradoxalmente, apesar de não haver nenhum esforço governamental localizado na
literatura pertinente visando oficializar programas de desenvolvimento de
competência informacional, encontramos as habilidades de competência
informacional como parte dos itens avaliados no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), no ano de 2006. Tal exame é utilizado como base na seleção para o
projeto PROUNI (Programa de concessão de bolsas de estudo em cursos
universitários em universidades particulares) e requereu o desenvolvimento de
competências como segue:
II - Construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento
para a compreensão dos fenômenos naturais, de processos histórico-
geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas
[...] III ' selecionar organizar, relacionar, interpretar dados e
informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e
enfrentar situações problema[...] IV ' relacionar informações
representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em
situações concretas, para construir argumentação consistente[...] V '
recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para a elaboração
de propostas de intervenção solidária na realidade, respeitando os
valores humanos e considerando a diversidade sociocultural [...]
II ' Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias
áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites
estruturais do texto dissertativo-argumentativo [...] III '
selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos,
opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista [...] V '
elaborar proposta de intervenção para o problema abordado,
demonstrando respeito aos direitos humanos (BRASIL, 2006).
Vê-se claramente que cada competência listada pode ser relacionada às
habilidades que compõem a competência informacional. Entretanto, a ausência de
programas nacionais de desenvolvimento da competência informacional torna
difícil o pleno desenvolvimento e uso destas habilidades.
Competência Informacional e Gestão do Conhecimento
Condensando os conceitos de Competência Informacional analisados anteriormente,
teremos a seguinte lista de habilidades:
Reconhecer a necessidade de informação (AASL, 1998; ANZIIL, 2004);
Identificar, compreender, interpretar, atribuir significado, gerar
uma atitude a partir do conhecimento, a partir da rede de
significados anterior, incluindo a noção da dimensão social e
imediata. Assumindo o compromisso da aprendizagem significativa e
compreendendo o empoderamento pessoal decorrente do processo de
aprender por/para toda a vida (AASL, 1998; DUDZIAK, 2003; AASL apud
ANZIIL, 2004);
Acessar a informação a partir de vários meios (DOYLE, 2004);
Buscar a informação necessária efetivamente (AASL, 1998; ANZIIL,
2004; DUDZIAK, 2003);
Aferir ou avaliar a informação provinda de uma variedade de meios
(AASL, 1998; DOYLE, 2004; ANZIIL, 2004);
Organizar a informação (AASL, 1998);
Compartilhar informação (AASL, 1998);
Usar, Aplicar conhecimento para solução de problemas por/para toda
a vida (DOYLE, 2004; DUDZIAK, 2003; ANZIIL, 2004; AASL, 1998).
Bukowitz e Williams (2002) conceituam gestão do conhecimento como: "[...] o
processo pelo qual a organização gera riqueza, a partir do seu conhecimento ou
capital intelectual" (BUKOWITZ; WILLIAMS, 2002, p. 17). Considerando o
potencial inovador contido no conhecimento que está nas pessoas e que pode ser
de grande valor para a organização (capital intelectual), as autoras propõem
ações para a gerência do conhecimento nas organizações a partir dos níveis
tático e estratégico:
Nível tático: Obtenha, Use, Aprenda e Contribua;
Nível estratégico: Avalie, Construa e Sustente.
Segundo Bukowitz e Williams (2002, p. 82), o aspecto tático é onde as pessoas "
[...] reúnem a informação de que necessitam para o seu trabalho diário,
utilizam o conhecimento para gerar valor, aprendem [...], devolvem esse
conhecimento para o sistema, para que outros o utilizem [...]".Obter
conhecimento é o processo onde se procuraram "[...] informações e depois as
utilizaram para resolver problemas, tomar decisões ou criar produtos e serviços
novos". Utilizar conhecimento é onde "[...] membros da organização combinam a
informação de maneiras novas e interessantes para criar soluções mais
inovadoras.". Aprender "[...] é encontrar formas de integrar o processo de
aprendizagem à maneira como as pessoas trabalham". Contribuir "[...] para a
base de conhecimento comum"
Conforme estas autoras, o lado estratégico tem por meta "[...] o alinhamento da
estratégia de conhecimento da organização com a estratégia geral de negócios"
(BUKOWITZ; WILLIAMS, 2002, p. 26). Avaliar "[...] exige que a organização
defina o conhecimento necessário para a sua missão e mapeie o capital
intelectual atual, em contraste com as necessidades futuras de conhecimento"
(BUKOWITZ; WILLIAMS, 2002, p. 27). Construir e Manter significa obter valor a
partir dos relacionamentos com os empregados, fornecedores, clientes e as
comunidades nas quais operam; Descarte consta de descobrir "[...] algum
conhecimento que pode ser mais valioso se for transferido para fora da
organização" (BUKOWITZ; WILLIAMS, 2002, p. 27).
Podemos fazer facilmente o relacionamento das atividades necessárias à gerência
do conhecimento com as habilidades que formam a competência informacional:
No nível tático: obter conhecimento exercita a habilidade de buscar
informação; usar conhecimento exercita a habilidade de usar a
informação para solução de problemas; aprender conhecimento carece da
habilidade de organizar a informação (processos de assimilação e
acomodação, como de aplicar informação); contribuir com conhecimento
é o exercício da habilidade de compartilhar informação.
No nível estratégico: construir e manter conhecimento pressupõe as
habilidades de identificar, reconhecer a necessidade de e acessar a
informação; avaliar o conhecimento é sinônimo de avaliar informação.
E para descartar conhecimento é necessário todo o conjunto de
habilidades de competência informacional.
Podemos também comparar o que a KPMG Consulting (2000) citada por Ortoll (2003)
delineia como atividades realizadas pela Gestão do Conhecimento, a saber: (a)
identificar o conhecimento relevante; (b) captar e criar conhecimento;
explicitar, estruturar e armazenar conhecimento; (c) transmitir e compartilhar
conhecimento; (d) interpretar e aplicar conhecimento; reutilizar e renovar
conhecimento. Então, podemos relacioná-las com as habilidades requeridas na
competência informacional da seguinte forma:
As habilidades de perceber a necessidade de conhecimento e de
identificar, compreender, interpretar, atribuir significado à
informação da Competência informacional vão suprir a necessidade de
identificar o conhecimento relevante, por sua atuação na definição e
apreensão do conhecimento. Isto acontece com relação ao conteúdo e
seus níveis de importância;
Para executar a classificação dos conteúdos em níveis, será
necessária também da capacidade de organização e avaliação da
informação;
A atividade de captar conhecimento baseia-se nas habilidades de
buscar, acessar e aferir informação;
As atividades de criar, aplicar, reutilizar e renovar conhecimento
estruturam-se sobre a habilidade de usar a informação, assim como
sobre a habilidade de transmitir e compartilhar informação;
Da mesma forma, está implícita a capacidade de organizar
informação, na atividade de explicitar, estruturar e armazenar
conhecimento.
É possível dizer a partir destas análises que, as habilidades para formar
competência informacional são suportes da gestão do conhecimento. Tal
afirmativa nos leva a outra. Assim, temos que a competência informacional pode
aos gestores do conhecimento recursos humanos as seguintes habilidades:
Mecanismos para identificar a necessidade de informação, bem como
as fontes e recursos para encontrá-los;
Um conjunto de estratégias de exploração e interrogação dos
recursos, eletrônicos ou não, inclusive com a aferição da informação
recuperada;
Mecanismos para criar nova informação a partir do que foi
encontrado na busca;
Técnicas para reapresentar a informação, facilitando a sua
recuperação por terceiros;
Ferramentas, normas e estratégias de comunicação da informação e
integração das informações;
Capacidade de analisar, sintetizar, selecionar ou filtrar
informação, identificando as diferenças de acordo com as fontes; e
Mecanismos de desenvolvimento de estratégias para aplicar a
informação à solução de problemas.
Considerações finais
O conceito de competência informacional está diretamente relacionado às
atitudes que facilitam criar e compartilhar o conhecimento, ou seja, com o
aprendizado ao longo da vida (lifelong learning). Consideramos a competência
informacional como um subconjunto do aprendizado independente contido no
aprendizado ao longo da vida. O lifelong learning é intencional, quer
formalmente gerenciado ou auto-gerenciado e é essencial para o sucesso na
Sociedade da Informação, devido às mudanças rápidas que ocorrem neste contexto.
A Competência informacional é um pré-requisito e um habilitador essencial para
o lifelong learning,além de também estar entrelaçada intimamente com a
cidadania participativa.
Vale salientar ainda que, dentre as influências que compõem o conceito de
competência informacional, destacam-se principalmente as que enfatizam a
tecnologia da informação, a cognição e o aprendizado. Quanto à primeira, quando
marcada pela abordagem mecanicista, geralmente comete o deslize de colocar
prioridade no recurso preterindo o usuário, contudo, o uso do computador por si
só não é capaz de resumir a competência informacional. As definições ligadas à
compreensão dos processos cognitivos podem ser consideradas reducionistas e
individualistas quando não consideram o aspecto social do indivíduo. É nesse
contexto que a visão da aprendizagem por toda a vida agrega valor ao conceito
de competência informacional, dando ao usuário o cunho de agente social, que
utiliza a tecnologia da informação.
A evolução histórica da competência informacional nos mostra que, nos países
desenvolvidos ela não tem se baseado apenas no debate científico, mas em
práticas de ação política consistentes. Os países da Comunidade Comum Européia,
Canadá, Austrália, Estados Unidos e muitos outros têm compreendido a
necessidade de formar cidadãos para a Sociedade da Informação e têm realizados
investimentos importantes desde a década de 50. Esta postura evidencia uma
preocupação governamental significativa, que tem permitido o desenvolvimento de
uma qualificação que envolve escolaridade eficiente e preparação eficaz para o
mercado de trabalho.
Este panorama mundial encontra o Brasil ainda tomando conhecimento e discutindo
conceitos de competência informacional, enquanto os países desenvolvidos já
discutem avaliações de programas nacionais. A sociedade brasileira recebe a
cobrança das habilidades (provas do ENEM), mas não disponibiliza de forma
planejada a infra-estrutura necessária para o cidadão conhecer e utilizar
elementos da competência informacional. Estudos nesta área no Brasil e
intervenções para o desenvolvimento da competência informacional são, a nosso
ver, imprescindíveis para a colocação do país no ranking mundial de
qualificação para a cidadania no contexto da Sociedade de Informação. Porém,
acreditamos que isto não poderá vir a efeito sem um trabalho cooperativo e
multidisciplinar. Também não acreditamos que o Brasil deva simplesmente seguir
os modelos dos países desenvolvidos sobre o tema. É preciso descobrir os nossos
próprios caminhos, partindo da nossa realidade específica, e assim, criar
nossos modelos e metodologias para o desenvolvimento de competência
informacional.
Considerando a relação competência informacional/gestão do conhecimento
poderíamos dizer ainda que, uma alicerça a outra, pois se inter-relacionam
constantemente. Seria difícil imaginar que tipo de sucesso teria o cidadão no
contexto Sociedade da Informação que não estivesse habilitado a lidar com a
mesma. Expusemos como cada responsabilidade da gestão do conhecimento está
embasada em habilidades para lidar com a informação, ou seja, em competência
informacional.
Entendemos que dar a oportunidade de acesso e uso da informação é fundamental
gerar ambientes/oportunidades de crescimento intelectual, pessoal e social.
Neste último aspecto, devemos buscar uma reflexão a partir do conceito de
Responsabilidade Social da Ciência da Informação, o que no momento extrapolaria
o âmbito desta reflexão.