Mais um anjo barroco?: uma revisão bibliográfica em antropologia da informação
a partir de levantamento de textos através da ferramenta de busca Google
"Se não existem mais tribos perdidas no Amazonas ,a questão
passa a ser a seguinte: existirão tribos perdidas na web?"
(PATCHING e CHATHAM)
1 Introdução
A princípio, olhando assim, meio de soslaio ' ou seria senso comum? ' pensar em
antropologia da informação é pensar em algo conflitante, deslizante, que
escorre sobre curvas barrocas. Afinal, de um lado a antropologia, que tende à
compreensão da pluralidade, diversidade, multiplicidade de gestos, práticas,
relatos. De outro, a informação, que tende à compressão, à homogeneização,
tabulação, esquematização de gestos, práticas e relatos.
Por isso, falar em antropologia da informação remete a uma espécie de amálgama
entre campos aparentemente antagônicos. Não cabe estabelecer aqui a trajetória
de cada termo, mas é interessante perceber como a Antropologia, enquanto
ciência, alcançou um estágio mais apurado na era moderna, exatamente na medida
em que se desprendia de malabarismos etnocentristas para tentar fazer, não com
os olhos do colonizador, mas do autóctone, uma leitura do mundo e das coisas do
mundo. Da mesma forma, a informação, nos últimos anos, foi se desprendendo de
um fator regulador de sistemas (físicos, químicos) para se tornar (e se
integrar a) uma cultura informacional contemporânea e/ou pós-moderna
(MARTELETO, 1987).
A partir de uma rápida consideração sobre estudo já desenvolvido na área da
Antropologia da Informação, procuramos contribuir com o alargamento dessa
revisão bibliográfica sobre o tema utilizando documentos disponíveis na
internet através da ferramenta Google. Optamos por uma estratégia de
verificação on line de textos recuperados, partindo da frase exata antropologia
da informação (português) e anthropology of information (inglês) através da
ferramenta de busca Google. No primeiro caso, verificou-se a ocorrência de 27
itens e, no segundo, 103, perfazendo um total de 130. Mas, para a presente
revisão, a seleção considerou ainda um último aspecto: documentos cujos textos,
além de relevantes, estivessem disponibilizados na íntegra para atender
exatamente ao principal objetivo, que é o acesso e a ampliação ' a partir do
exame comentado de cada um dos oito textos selecionados ' da discussão sobre
Antropologia da Informação.
Dos oito textos selecionados (um baixo índice em relação à totalidade dos 130
documentos pertinentes à busca, menos de 10%), quatro são artigos publicados em
sites especializados; dois integram ementas de cursos e dois são papers (um
para discussão na área, outro para políticas públicas1). Antes de
prosseguirmos, cabe lembrar que, no momento em que se lê esse artigo, nossa
seleção, devido ao alto grau de atualização do Google através da incorporação
de novos documentos, pode ter-se tornado ultrapassada. Mas pretendeu-se aqui
apenas usar a ferramenta como forma de obter um recorte de textos que possam
contribuir para o desdobramento de eventuais pesquisas ou, cumpre dizer, até
mesmo para problematizações acerca da Antropologia da Informação.
2 Uma revisão
De acordo com Marteleto (2002), a antropologia da informação está sustentada
por dois pressupostos: a informação como processo de elaboração de sentido,
conectada às formas de representação do conhecimento (esfera da cultura); e
como objeto de estudo de disciplinas, preocupadas em entendê-la como instância
da organização e da permanência espacial e temporal, que gera memória e carece
de meio, política e pedagogia (esfera da ciência, notadamente as ciências
sociais e nela, evidentemente, a Ciência da Informação).
Conseqüentemente, segundo a autora, a antropologia da informação estabelece
lógicas articuladas entre as instâncias do conhecimento, da informação e da
sociedade, através da produção e interpretação de enunciados e da regência de
gestos e ações. Essa dialética deve ser vista sob a ótica foucaultiana da ordem
do discurso, a qual, por sua vez, para além do bordão conhecimento é poder,
deve ser compreendida como: a) um sistema de nomeações (instrumentos para a
ordem) e b)um conjunto de sujeitos e suas respectivas apreensões simbólicas.
Segundo a autora, três são os pressupostos gerais que formam uma agenda de
estudos sobre o tema: 1)contextuais; 2)empíricos e 3)teóricos e metodológicos.
Dentre os pressupostos contextuais, cabe destacar o do conhecimento como
produto social, com o reconhecimento de uma "cultura informacional" e daqueles
dela excluídos; o deslocamento do eixo de política de conhecimento e informação
do estatal/público para o privado; e a conformação de um mercado de bens
simbólicos com disputas de sentidos entre diferentes práticas, discursos e
ações de intervenção social.
Dentre os pressupostos empíricos, destacam-se as diversas formas de
organizações sociais e suas interfaces com ambientes formais de conhecimento e
informação; o conhecimento teórico, histórico, prático e suas composições e
estranhamentos na sociedade civil; ação social e saber local: especialistas,
lideranças e intervenções com mediação informacional; informação formal dos
sistemas oficiais x informação cinzenta e/ou subterrânea das organizações.
Por fim, os pressupostos teóricos e metodológicos, interessados principalmente
no estudo do conhecimento e na forma política e compartilhada de criar
entendimento e soluções sobre as condições de vida da população nas práticas de
intervenção social; a abordagem do conhecimento e da informação no plano local,
da cultura e sua interdependência com o global, bem como dos elementos
narrativos da memória e do esquecimento presentes nos modos de apreender as
coisas do mundo vivido; o conhecimento como produto social e sua apropriação
como matéria informacional pelos movimentos sociais; e, finalmente, o emprego
crítico, teórico e metodológico da noção de redes, entendida aqui em três
acepções: como conceito teórico, instrumento metodológico e estratégia de ação
coletiva.
Em sua tese, Nanci Gonçalves da Nóbrega (2002) também resgata a proposta do
eixo temático de pesquisa Antropologia da Informação, pertencente ao Programa
de Pós-Graduação em Ciência da Informação MCT/IBICT ' UFRJ/ECO. Tal proposta
ajuda a visualizar ainda mais as perspectivas de ação junto a esse campo. Este
núcleo temático tem como pressuposto teórico-metodológico geral a necessidade
de ter o sujeito como fonte e eixo da problemática informacional, funcionando,
portanto, no âmbito dos estudos de usuários, porém com um enfoque
interdisciplinar mais ampliado. De acordo com a proposta, o objetivo geral do
eixo foi o de construir um instrumento teórico e metodológico para o estudo das
práticas sociais de produção, comunicação e recepção de informações, em
diferentes campos e contextos sociais; de maneira a permitir um entendimento a
seu respeito, bem como a propor linhas alternativas de ação institucional e de
oferta e uso da informação, capazes de funcionar como facilitadoras do acesso,
fluxo e aquisição dos conhecimentos produzidos socialmente. As temáticas
privilegiadas pelo grupo de pesquisa são: [1] a informação como fenômeno sócio-
cultural e seus modos de produção e organização em diferentes contextos
organizacionais, comunitários e associativos da sociedade civil; [2] a
informação e a construção do conhecimento pelos agentes, entidades e grupos em
movimentos sociais de educação e saúde; [3] redes de movimentos sociais, redes
de conhecimentos e a construção de sentidos para a ação social; [4] políticas e
modos de gestão do conhecimento e informação na esfera da sociedade e o emprego
das tecnologias de comunicação e informação; [5] conhecimento prático e
conhecimento científico: novas configurações epistemológicas, lingüísticas e
textuais na sociedade da informação. (NÓBREGA, 2002, p. 69)
Não por acaso, Marteleto (2002) destaca que a antropologia da informação
denomina o modelo ocidental de conhecimento de cultura informacional, "uma vez
que nela se separam e delimitam grupos de produtores, mediadores, receptores de
informações, no contexto de um mercado de bens simbólicos, onde as informações,
bens culturais, têm pesos e tarifas diferenciadas" (MARTELETO, 2002, p. 109-
110).
No momento em que tal cenário se insere no âmbito de uma sociedade de massa,
driblar a ideologia ' canal privilegiado daquilo que Chomsky (1989) chamaria de
a fabricação do consenso ' e produzir conhecimento - no dizer de Melucci2,
dentre outras características, a capacidade de análise, comunicação e reflexão
- torna-se um recurso-chave para a ação coletiva. (MELUCCI, 2001 apud
MARTELETO, 2002, p. 112).
Nesse cenário, como sugere Wainwright3, os movimentos sociais criam estratégias
de intervenção social nas quais o estado surge "não como espécie de engenheiro
externo, mas como um gerador potencial de uma estrutura democrática e de apoio
público para uma série de formas de participação popular" (WAINWRIGHT, 1998
apud MARTELETO, 2002, p. 113). A própria ciência, historicamente construída
para se opor ao chamado senso comum, retorna a ele em uma nova possibilidade de
aliança mútua entre duas esferas do conhecimento.
3 Textos selecionados
3.1 DIPLO. Anthropology of information society.
Neste texto de quatro páginas tem-se acesso à ementa de um curso sobre
Anthropology of Information Society, oferecido pela instituição. Apesar do
número reduzido de páginas, o texto praticamente reforça alguns pontos e teses
apresentadas no quadro teórico.
Segundo o texto, alguns dos problemas relacionados ao desenvolvimento da
sociedade da informação estão profundamente enraizados na fruição cultural da
informação de diferentes conteúdos, originários de várias fontes e apresentados
de diferentes formas.
Fatores como a distribuição do poder, estrutura de relacionamento, sistema de
valores predominantes, dentre outros, influenciam a forma na qual a informação
é distribuída entre os membros de sua sociedade. Uma das principais diferenças
que ocorre entre culturas é aquela relacionada à forma de estruturar a
informação, o que significa que diferentes culturas utilizarão diferentes
formas de gestão do conhecimento, de acordo com o emissor e o destinatário de
alguma informação, pela maneira em que ela se apresenta, sua forma e conteúdo.
Tais observações nos levam a concluir que um novo e frutífero filão de ciências
preocupadas com a cultura, a antropologia em primeiro lugar, poderia se
desenvolver; o que não apenas significa pesquisa da sociedade da informação no
contexto de uma revolução em andamento nas tecnologias de comunicação e
informação, mas que traz questões fundamentais acerca do monitoramento de
informações em diferentes culturas (...). Esta orientação fundamental de tal
disciplina, que chamamos Antropologia da Sociedade da Informação, é um
importante passo, já que o gerenciamento e a distribuição de informação via
cabos e redes não vai mudar fundamentalmente a maneira pela qual os usuários
finais decidem, em estruturas e funções sociais determinadas culturalmente, o
processo de seleção e interpretação destas informações (DIPLO, 2004, p. 01)
O texto sugere que o conceito de semiosfera, desenvolvido por Yuri Lotman, se
aplicaria muito bem ao cenário descrito acima. De forma similar à idéia de
biosfera, tal conceito englobaria todo e qualquer fenômeno simbólico e, segundo
o texto analisado, serviria para definir o campo de uma Antropologia da Ciência
da Informação, entendida aí como uma disciplina preocupada com a dinâmica da
distribuição, do processo e da recepção da informação, como uma função de
variados elementos sócio-culturais na semiosfera.
Em seguida, a ementa pretende analisar quatro perspectivas de estudo: o
conceito de informação em diferentes culturas, o controle da informação em
diferentes culturas, a informação e as questões de gênero e a forma de network
readiness (literalmente habilidade em rede, uma espécie de indicador de
inclusão digital)4 em diferentes culturas.
Assim, em outro ponto interessante para o tema Antropologia da Informação, o
texto comenta a primeira perspectiva sob curiosa proposta conceitual. Diz que
uma definição formal de informação permanece a mesma em diferentes culturas da
humanidade, a saber: informação "é aquilo que torna possível diferenças e
escolhas" (DIPLO, 2004: p. 1). Assim sendo, a compreensão do significado de
diferentes informações ao redor do mundo permanece diferente, dependendo
justamente do contexto de vários fatores culturalmente determinados.
Por exemplo, se imaginarmos alguém que vive em uma cidade imaginária,
na qual a chuva nunca pára de cair, o boletim meteorológico não é de
forma alguma informação [para essa pessoa], porque não permite que
nenhuma escolha possa ser feita sobre (e a partir) do boletim. Isso
vai permanecer o mesmo, independente da cultura produzida por esta
cidade imaginária (...) Considere ainda a situação de alvorada em
algum país polar, no qual o que se tem são dias e noites polares, e a
situação em qualquer país longe de áreas polares. A mensagem o sol
nasceu, nos países fora das áreas polares carrega pouca ou nenhuma
informação, porque descreve um fenômeno diário que é completamente
previsível. Por outro lado, de alguma forma podemos sentir que, nos
países polares essa informação carrega mais informação, já que um
típico alvorecer acontece uma vez ou outra! Em tais culturas,
antropólogos podem esperar encontrar variados costumes relacionados a
esses ciclos. (DIPLO, 2004, p. 01-02, grifo nosso)
Aqui o texto propõe uma agenda de estudos da Sociedade da Informação e suas
influências para entender essa relação entre o conceito de informação e
diferentes culturas: "(i) o que as pessoas de diferentes culturas acham mais
interessante entre as informações que as cercam? ii) considerando as diferentes
culturas, que tipo de informação é mais requisitado através da Internet? e iii)
quais informações são mais valorizadas em diferentes sociedades?" (DIPLO, 2004,
p. 02)
Em outro momento da ementa, discute-se não o conceito, mas como se dá o
controle da informação em diferentes culturas. Partindo da perspectiva de
Chomsky ou Foucault, esta inclusive apresentada rapidamente em nossa revisão
teórica, um campo de investigação em antropologia da informação deve considerar
que, por exemplo, o acesso às diferentes informações realmente produz poder
social para aqueles que o tem. Em economia e política, a informação adequada no
tempo certo é elemento essencial para qualquer ação de sucesso e, hoje, a
informação em sociedade é controlada por diferentes formas de organização
social do conhecimento.
O acesso à internet ao redor do mundo é um exemplo citado pelo texto, que
destaca que o bloqueio de acesso ao Google na China é uma forma de controle do
acesso à informação (ironicamente, complementaríamos, logo no país que produz
boa parte dos equipamentos e produtos ligados à tecnologia da informação!).
Aqui, uma agenda de estudos nesse campo, segundo o texto, poderia se basear nos
seguintes itens/perguntas: i) quem controla a distribuição da informação nas
diferentes sociedades?; ii) em diferentes culturas, qual é a relação das formas
tradicionais de organização social (família, grupos, organização, estado,
igreja, etc) com os meios de distribuição da informação?; iii) quem controla os
meios de comunicação?; iv) quais são os mecanismos de controle dos meios de
comunicação em diferentes culturas? Qual é o nível de censura aos meios de
comunicação em diferentes sociedades? e v) qual é a relação entre o
conhecimento e o poder em determinadas culturas? (DIPLO, 2004, p. 02-03)
A terceira perspectiva oferecida pelo texto diz respeito ao uso de informação
por diferentes gêneros ' termo aqui entendido como mais amplo do que a
diferença sexual socialmente construída, englobando qualquer entidade social
que constrói sua própria identidade em algum processo social. Procura entender
e responder questões do tipo por que os negros têm pouco acesso à Internet, a
partir da profunda compreensão de regras de compartilhamento de informação
determinadas culturalmente entre os diferentes grupos de uma mesma sociedade;
assim como sublinhar seus diferentes papéis nela. Assim, os problemas
relacionados a essa perspectiva não dizem respeito somente às diferenças do
acesso e do compartilhamento de informação entre homem e mulher, mas procura
incluir outras entidades como crianças, terceira idade, "minorias", etc, em uma
dada cultura. Aqui, uma agenda de questões/itens deve considerar: i) todos os
diversos grupos sociais existentes em uma dada cultura têm igual acesso à
informação?; ii) mulheres e homens são tratados eqüitativamente no processo de
socialização e educação?; iii) existe alguma informação específica sobre os
gêneros em uma dada cultura? Há algo estabelecido entre o que mulheres,
crianças, homens, etc, devem ou não devem saber?; iv) existe alguma informação
nacional específica [sobre algum grupo] em uma dada sociedade? Por exemplo,
algum tipo de conhecimento que não deva ser compartilhado com "minorias" ou
algum outro grupo social? (DIPLO, 2004, p. 03).
Por fim, o texto encerra apontando o modo como se processa a network readiness
em diferentes culturas. Uma agenda de estudos nesse ponto deve considerar os
seguintes itens/questões, além, é claro, da influência de fatores culturais
sobre a sociedade da informação: i) Qual é o nível de alfabetização em uma
cultura?; ii) Quais são atitudes sociais dominantes diante dos computadores e
tecnologia da informação? e iii) Os sistemas educacionais são bem preparados
para as mudanças geradas pelo desenvolvimento das redes globais? (DIPLO, 2004,
p. 04)
3.2 KELTY, Christopher. Anthropology 315/515: Introduction to the anthropology
of information and networks.
Ao contrário do texto anterior, a ementa de Kelty para uma Introdução à
Antropologia da Informação e Redes é mais operacional do que teórica, e trata
do tema apenas por tópicos, sem o nível de aprofundamento e detalhes oferecidos
pelo site da Diplo. De toda forma, é interessante perceber que a linha de
condução e aproximação entre os campos da antropologia e da informação recai
sobre o seguinte: como as práticas cotidianas, e nelas, as dificuldades
apresentadas por aparatos da tecnologia da informação (como o e-mail) atingem a
esfera pública ou a ação individual subjetiva. A intenção é procurar um
equilíbrio entre o computacional e o humano, sem o privilégio de um ou outro.
3.3 HAKKEN, David. Knowledge, Cyberspace and anthropology.
Em um texto de leitura densa, porém intrigante, o paper apresentado por David
Hakken na reunião anual da American Anthropological Association em 2001 parte
de uma perspectiva histórica para analisar as imbricações entre conhecimento,
ciberespaço e antropologia. De novo, tem-se aqui uma tentativa de aproximação
do campo da antropologia com o da informação a partir da emergência e do estudo
sobre o conhecimento produzido nas redes ciberespaciais. O texto está
interessado nos discursos sobre o conhecimento ocasionado pela variedade de
tecnologia automatizada de informação e as mudanças sociais que o acompanham.
Em seu artigo, Hakken vai, portanto, ficar mais preocupado em estabelecer uma
antropologia do conhecimento.
Mais do que responder à questão do conhecimento no ciberespaço
etnograficamente, temos que primeiro desenvolver com mais vigor uma
antropologia do conhecimento (HAKKEN, 2001, p. 04).
Logo de início, o autor já deixa claro essa perspectiva, ao defender que o
conhecimento reside em grupos, não em mentes individuais e que, mesmo em se
tratando de um conhecimento em redes, tem-se diante de si um processo social.
Hakken lembra que
está ficando por demais evidente, especialmente para aqueles que
buscam utilizar o gerenciamento do conhecimento em organizações
globalizadas ' e nestes, em especial destaque para os que operam em
múltiplas nações e/ou culturas ' a busca por tecnologias que façam
mais do que evitar a supressão de diferenças culturais: que
reconheçam, cooperem e mesmo celebrem a diferença cultural. (HAKKEN,
2001, p. 05)
Se, de um lado, o uso da informação vem gradativamente pedindo maior
flexibilidade quando confrontado com as práticas culturais, por outro lado,
assinala o autor, os etnógrafos tendem a romper com uma certa visão binária (!)
entre prática ocidental x não ocidental, ou entre primitivo x moderno. Sabe-se
que, em seu início, a antropologia atendia a uma espécie de busca pela essência
cultural, muitas vezes de cunho etnocêntrico e racista, explicando, por
exemplo, a supremacia branca européia em termos bioculturais. A moderna
antropologia superou essa fase, buscando estabelecer-se dentro da tradição
iluminista. Na contemporaneidade, contudo, Foucault critica a construção de uma
antropologia do conhecimento. Para o filósofo francês, ela deve ser legitimada
somente em seu próprio contexto cultural. Afinal, o conhecimento está entre os
mais relativos fenômenos culturais, criado, comunicado e reproduzido localmente
e com um caráter muito influenciado pela prática local.
A questão, para Foucault, não é destruir o conhecimento disciplinar,
mas relativizá-lo como um instrumento para alternar as relações do
poder; (...) é, simultaneamente, parte do perigo e uma ferramenta
para combater o perigo" (HAKKEN, 2001, p. 07-08).
Assim, reconhecer a existência de um problema do conhecimento na antropologia é
o primeiro passo.
Hakken, citando Appadurai e Hannerz, lembra que, sendo um fenômeno moderno, a
cultura frequentemente parece funcionar transnacionalmente, e não sob o
enquadramento de um grupo geográfico qualquer. O autor sugere que uma
etnografia do conhecimento pode investigar um grupo que compartilha formas e
redes de conhecimento, como se ele dividisse uma cultura: se falamos de
diferentes padrões de conhecimento, devemos evitar descrevê-los como tendo uma
cultura. Hakken recorre a outro autor, Peter Worsley, para um exemplo sobre a
sociedade aborígine:
eles não só têm vários conhecimentos sobre plantas e animais (...),
como também formas sistemáticas, primeiro, de distinguir árvores e
plantas de animais e, segundo, identificar, nos animais, se eles são
de terra, rio ou mar, e criaturas que vivem no ar. Eles têm uma
taxonomia quase não-religiosa, biológica ' uma forma sistemática de
classificar coisas (WORSLEY5 apud HAKKEN, 2001, p. 12)
Na seqüência, Worsley criticou o trabalho de Lévi-Strauss, que apontava para o
pensamento aborígine como se fosse uma peça única. Worsley argumentou que havia
várias formas de pensamento distintas; pelo menos, além da biológica, a
religiosa, gastronômica, lingüística e mitológica. O que leva à idéia, já
apresentada por Hakken, de que não há o Conhecimento, mas conhecimentos ' mesmo
nas sociedades mais primitivas ou, melhor dizendo, antigas. "Por isso uma
antropologia do conhecimento (...) deve evitar a idéia do conhecimento como uma
coisa, objeto ou commodity e buscar o processo social de sua criação" (HAKKEN,
2001, p. 14).
Em outra contribuição para seu estudo, Hakken recorre às idéias de Hendrik
Sinding-Larsen, que articulou claramente a necessidade de um estudo específico
da questão do conhecimento no ciberespaço com a necessidade de revitalizar o
estudo da antropologia do conhecimento. Na verdade, Sinding-Larsen propõe uma
antropologia da tecnologia da informação que enfocaria, etnologicamente, em
diferentes padrões e, conseqüentemente, em diferentes práticas, a forma como a
cultura avalia o conhecimento.
As novas tecnologias de informação têm alterado as condições de
experiência e outros processos de aprendizado. Atualmente, esta
tecnologia só afeta áreas muito limitadas do conhecimento (...). Uma
forma de estudo comparada é clarificar a maneira na qual as várias
formas culturais de gerenciamento de conhecimento estão relacionadas
às várias formas de tecnologia de informação (...) Não é a primeira
vez na história que uma nova tecnologia de informação tem alterado as
regras para gerenciar o conhecimento (...) não podemos abrir mão do
fato de que devemos compreender a estrutura para ficarmos aptos a
continuar a operação (...) temos que possuir conhecimento tanto sobre
a forma como sobre o processo. (SIDING-LARSEN6, 1984 apud HAKKEN,
2001, p. 15-16.)
O programa de Sinding-Larsen pretende verificar se e quando o conhecimento é
externalizado, e se ele não é mais armazenado intracognitivamente ' o que,
lembra Hakken, é um ponto caro à análise da evolução cultural, em especial
àquela proposta pela etnologia e pela etnografia.
O que observamos como conhecimento são tipicamente as estruturas que
nos guiam quando nós levamos a cabo tarefas especializadas. Desde que
estruturas puderam ser estocadas na forma escrita, não é necessário
que nós nos lembremos de todas elas, podemos dar uma olhadinha sobre
elas num livro e simplesmente seguir o texto. Mas nós não podemos
escapar do fato de que nós devemos compreender a estrutura de forma a
estarmos aptos a levar a cabo a operação (...) Devemos ter
conhecimento tanto sobre a estrutura quanto sobre o processo (...)
Isto não é o caso quando o conhecimento está estocado na forma de
programas de computador. Neste caso, tanto a estrutura quanto o
processo podem ser estocados e podemos ter operações levadas a cabo
sem que nós, seres humanos, possamos compreender ou entender o que
está acontecendo. O processo de externalização torna-se mais
completo. (SIDING-LARSEN, 1984 apud HAKKEN, 2001, p. 16, grifo nosso)
Hakken propõe, ao final de seu estudo, duas abordagens para uma antropologia do
conhecimento no ciberespaço: 1) Identificar um conjunto de práticas como sendo
"sobre" conhecimento, observá-las e analisá-las. Para fazê-lo, pode-se tentar
operacionalizar um estudo definindo abstratamente algo que esteja próximo a uma
prática que a torne "sobre" conhecimento. Contudo, conforme apontado por
Whitehead, qualquer abordagem a priori poderia inevitavelmente distorcer o
quadro emergente de um escopo geral de conhecimento. 2) Alternativamente, pode-
se operacionalizar como sendo "sobre" conhecimento todas as coisas que os
"nativos" dizem ser conhecimento. Esta abordagem parece ser encontrada em
diversas contradições e silêncios nos discursos acerca do conhecimento das
culturas atuais. (HAKKEN, 2001, p. 19)
Por fim, uma rápida referência a diversos trabalhos ' inclusive o do próprio
Hakken, ligado ao uso do software livre - dos quais destacaria as idéias de
Mimi Ito, que prefere olhar para as redes como network localities, nas quais a
tecnologia é usada para construir comunidades baseadas em relações diferentes
daquelas verificadas no lugar.
3.4. HARTMANN, Roger and SILVERSTONE, Roger. Emtel ' European Media, Technology
and Everyday Life Network: the user/producer interface.
A Emtel é uma rede estabelecida pela União Européia e é integrada por pessoas
preocupadas com a mudança de local e significância das tecnologias e serviços
de informação e comunicação no cotidiano, bem como com as implicações das
mudanças técnicas associadas à revolução informacional para a vida cultural e
social na Europa.
O foco inicial da Emtel é na interface entre o usuário e o produtor,
na relação entre consumo e produção e nas implicações deste foco para
uma compreensão da inovação das tecnologias de informação e
comunicação. Nós problematizamos vários aspectos deste
relacionamento, especialmente do ponto de vista que o considera como
um processo social, cultural e comunicativo, bem como econômico. Uma
preocupação central diz respeito ao papel do usuário na inovação
tecnológica presente e futura. Processo torna-se uma palavra-chave na
discussão, implicando em um contínuo e complexo movimento de objetos
e significados tanto na vida (sic) das tecnologias de informação e
comunicação, bem como no contexto de nossas vidas cotidianas
(HARTMANN; SILVERSTONE, 1995, p. 01-02).
Dentre os pontos defendidos pela Emtel, dois vêm de encontro aos objetivos do
presente trabalho: 1) como as tecnologias de informação e comunicação diferem
de outras tecnologias, e quais implicações estas diferenças têm para
compreensão de sua inovação, difusão e uso; 2) como as tecnologias de
informação e comunicação são posicionadas no espaço cultural e social, e como
seu significado social e cultural é afetado por fatores tecnológicos,
econômicos e sociais. (HARTMANN; SILVERSTONE, 1995, p. 02)
A referência explícita ao termo antropologia da informação surge quando o
documento discute o problema do poder e da política de informação. Aí a
referência aparece precisamente no terceiro foco de conflitos que, segundo os
autores, rege o poder e a política nessa área: conflitos envolvendo
consumidores e outros consumidores7:
Aqui as diferentes dimensões de uma complexa sociologia e
antropologia das tecnologias de informação e comunicação vêm à tona,
com preocupações acerca do gênero, classe, idade, tipo de vida,
região devendo ser consideradas para analisar tanto as linhas de
batalha política como o relativo poder de seus participantes
(HARTMANN; SILVERSTONE, 1995, p. 05)
O termo, conforme visto, aparece na verdade associado a uma "antropologia das
tecnologias de informação", numa acepção bem próxima, conceitualmente falando,
daquela descrita por Christopher Kelty e, em termos de ação, em consonância com
a discussão desenvolvida na terceira perspectiva da Diplo, voltada para as
questões de gênero/"minorias" diante das potencialidades das tecnologias de
informação.
3.5 HOWARD, Philip. Network Ethnography and the Hypermedia Organization: new
organizations, new media, new methods
Em seu extenso artigo, Philip Howard busca uma metodologia de análise para
estudar as organizações hipermidiáticas. Por organizações hipermidiáticas ele
se refere ao impacto que os novos meios de comunicação, principalmente através
das tecnologias de informação, produziram nas organizações. Tal impacto pode
ser mensurado através das seguintes características: 1) a emergência das redes;
2) a criação de um vasto conteúdo; 3) a simulação e rapidez de trocas,
figurações e reconfigurações simbólicas.
Para compreender melhor o universo destas organizações hipermidiáticas, Howard
anseia por uma metodologia que combine métodos qualitativos com análise
sociológica ' especialmente aquela voltada para grupos e redes. O resultado
dessa combinação é o que o autor chama de Etnografia em Rede ou Network
Etnography. De acordo com Howard, o aumento do envolvimento das pessoas,
diariamente, com as novas tecnologias, pede ao pesquisador uma adaptação dos
métodos existentes ao novo contexto sócio-cultural. O autor lembra que a
etnografia se baliza pela descrição observadora do comportamento e da
organização cultural. Partindo dessa premissa, ela pode analisar novas formas
de organização, ainda que ancorada pelos conceitos de comunidades epistêmicas
(Ciência Política), comunidades da prática (Sociologia) e redes de conhecimento
(Administração). Em cada uma, o desafio é superar o determinismo organizacional
(imposição de estruturas formais e hierarquias) e o determinismo tecnológico
(imposição de uma estrutura de ferramentas de comunicação).
Tais erros têm uma explicação: resultam da aplicação de um método
tradicional etnográfico para o estudo de padrões de interação social
que são essencialmente aterritoriais (...) eles foram concebidos para
o estudo de interações sociais específicas, centralizadas fisicamente
e territorialmente (...) [enquanto que] tais comunidades não se
formam ao redor de uma pessoa, centralizada, com lugar ou organização
corpórea ou com o benefício da interação face-a-face de seus membros
(HOWARD, 2002, p. 555).
Howard diz que a etnografia é um método para estudar o comportamento
organizacional e a difusão social das novas mídias tecnológicas. Seu método
rigoroso mergulha o pesquisador no quadro social e revela o mundano e o
cotidiano. Nas tipologias de ação possível da etnografia, há quatro estratégias
de amostragem: 1) variação, cujo foco recai nos atores e contextos relevantes;
2) extrema, na qual os casos inusuais estabelecem o usual; 3) bola de neve, no
qual um informante leva ao outro e 4) teórica, que seleciona exemplos a partir
das categorias de um modelo construído. "Quando o meio primário de interação é
a internet, sabemos que as observações dos pesquisadores possuem um contexto
off-line" (HOWARD, 2002, p. 559)
Na outra ponta da ação metodológica proposta pelo autor, estão as análises
sociais das redes, as quais, da mesma forma que outros métodos quantitativos,
são fortes na generalização teórica, mas fragilizadas por seu tratamento pouco
reflexivo dos sujeitos, reduzindo relações sociais a valores mensuráveis. A
idéia de Howard, uma proposta de etnografia em rede, busca exatamente combinar
o uso dos métodos etnográficos de campo com a análise social das redes.
Observação passiva ou ativa, imersão extensiva ou entrevistas em profundidade
são conduzidas em múltiplos sites com subgrupos de interesse:
Em suma, a análise social das redes sozinha provavelmente não me
revelaria uma comunidade para estudo, seus atores individuais não são
ligados por uma forma organizacional ou proximidade física, mas são
meramente uma coleção de indivíduos com interesses profissionais
comuns em tecnologia e política. A etnografia, sozinha, possivelmente
revelaria que há uma forte laço comunitário entre seus membros, mas
não conseguiria um retrato do tamanho da comunidade, revelaria
membros distantes ou exporia normas, regras e padrões de
comportamento. A etnografia das redes produz dados culturais ricos
sobre a idéia de trabalho em uma prática comunitária conectada, dados
que poderiam ser situados entre os contextos de uma interação em
micronível de um grupo até uma larga escala (...) com poucos riscos
de produzir tecnológica ou organizacionalmente resultados
deterministas. (HOWARD, 2002, p. 567).
O autor destaca, então, um estudo de caso de uma comunidade política eletrônica
nos EUA, no qual reforça a importância de se criar uma metodologia própria para
o estudo de espaços de trocas identitárias e culturais que se processam em um
ambiente fragmentado e desterritorializado.
3.6 PAIVA, Cláudio Cardoso. Walter Benjamin e a Imaginação Cibernética:
experiência e comunicabilidade na era do virtual.
O texto propõe uma abordagem da cibercultura, colocando em perspectiva a
experiência de agregação dos indivíduos pelas infovias, a partir de premissas e
conceitos teóricos desenvolvidos por Walter Benjamin,...
[...] um filósofo que pensa o século XIX com as antenas ligadas na
modernidade do século XX (...) seus textos constituem uma ferramenta
teórico-metodológica importante para uma antropologia da comunicação
na perspectiva de uma Teoria Crítica (PAIVA, 2001, p. 01-02).
Uma das idéias de Benjamin, a do flanador solitário que passeia
fascinado pelos objetos da grande cidade (mas esquivo ao espírito
capitalista), redescoberto por Benjamin, na obra poética de
Baudelaire, possui afinidades com a figura do internauta. O primeiro
é um viajante atento e transeunte desconfiado que apreende o sentido
dos objetos além da sua dimensão mercadológica: o segundo é um
navegador curioso, cúmplice da agilidade, pesquisador interativo que
busca nos objetos virtuais algo além da sua condição efêmera e
transitória (PAIVA, 2001, p. 01-02)
Para o autor, pensar o coletivo e a Internet no contexto dos países em
desenvolvimento remete a uma situação pouco resolvida entre a esfera pública e
a esfera privada.
Hoje, quando há um visível declínio das formas de socialização
(família, escola, sociedade civil, etc) os meios de comunicação,
particularmente a Internet, enquanto instâncias de diálogo entre a
intimidade e a publicidade, constituem veículos geradores de
experiências interativas e de novas formas de sociabilidade. As
noções de experiência e comunicação', para Benjamin, possuem um
sentido convergente, isto é, traduzem a idéia de transmissão e
partilha de uma mensagem; esta é uma das linhas mestras que norteiam
nossa argumentação. (PAIVA, 2001, p. 02)
Segundo Paiva, as redes de informação estabelecem um novo parâmetro de
discussão sobre integração e exclusão social; não somente porque apresenta a
tribo dos sem micro, mas também porque a Internet pode integrar os excluídos em
uma partilha coletiva.
Os paraísos artificiais da Internet relembram a utopia de uma
felicidade do jardim público', forjada por Voltaire. Hoje, uma
estratégia de comunicação social orientada por um projeto de cultivo
ao jardim público' precisa enfrentar a nova desordem das relações
entre o Estado, a sociedade, o mercado e as novas tecnologias. A
discussão é inadiável e remete a um debate sobre a nova ordem
internacional da informação, e num plano mais complexo, diz respeito
às relações entre economia e política no contexto atual da
mundialização (...) Caminhamos contra o vento num terreno considerado
propício à evolução de tendências individualizantes e narcisistas,
que é o espaço da realidade virtual. Contudo, ali encontramos formas
de agregação e sociabilidade, atração coletiva, novos meios de
territorialização e subjetividade ligados pelo sentimento dos
indivíduos de pertencer a uma comunidade (PAIVA, 2001, p.03)
Três razões levaram o autor a este estudo, que relaciona Benjamim e a
cibercultura: em primeiro lugar porque a expansão das máquinas de comunicar
coincide com a reaparição das representações religiosas, no fim de
milênio, justo quando a racionalidade técnica parece reger a nova
des-ordem do mundo. A reemergência do místico-religioso configura
aquilo que alguns autores definem provisoriamente como um retorno do
barroco, onde a razão e fé, a ciência e a mitologia, o sagrado e o
profano, se reencontram. Isto permite compreender o computador de
modo mais abrangente, ou seja, como instrumento técnico que calcula,
quantifica e performatiza as estruturas do mundo pragmático, mas
também como um novo tótem em torno do qual os indivíduos (e tribos)
prestam reverência, cultivando-o como objeto sagrado, e que expressa
a idéia de religação', comunhão e êxtase face à epifania das imagens
geradas pelas redes [...] Depois porque a propagada crise dos
paradigmas' [...] pode ser discutida à luz dos textos [do filósofo]
sobre modernidades e modernos' [...] O singular na obra de Benjamin
é despertar para a percepção da cultura no plural (sua parte
material, mística, psicológica e social), mas sempre dirigida pela
idéia de agregação coletiva. E finalmente [...] o seu conceito de
aura e reprodução mecânica, as alegorias do anjo e da História, assim
como as figuras do flanador, do colecionador ou da prostituta, a seu
ver, não traduzem as formas de mercantilização, são antes expressões
que condensam, simultaneamente, a dinâmica da vida material e
emanação do espírito coletivo, a parte obscura e brilhante da vida
(PAIVA, 2001, p.04).
O autor, de forma coesa, apresenta vários conceitos benjaminianos que comprovam
sua hipótese. Recupera como características atuais, nos estudos de Benjamin, os
mosaicos (que contaminam formas lingüísticas contemporâneas, do jornalismo aos
videoclipes, sem falar nas homepages), a alegoria (estratégia de comunicação
que permite flagrar o real em constante transformação), além do já citado
flanador ("não encontrar o caminho numa cidade não é muito importante, mas
perder-se numa cidade, como as pessoas se perdem numa floresta, exige prática"
' BENJAMIM8, 1987 apud PAIVA, 2001, p.9).
O flanador, o colecionador, o dândi, a prostituta e o apache são
tipos sociais que o poeta encontra nas ruas de Paris, e me parecem
arquétipos do homem que não virou suco em meio às engrenagens do
sistema capitalista. Caminham, segundo Benjamin, num ritmo próprio.
Reencontramos uma analogia da figura do flanador no estilo do
internauta, que surfa na internet, zipando (comprimindo as
informações num disquete e lhes conferindo nova significação). Os
objetos de consumo para o colecionador do século XIX como hoje, para
o shoppista do século XX (em seu passeio pelas livrarias virtuais e
fazendo compras on line), não indicam apenas o sintoma de uma
reificação, alienação, mercantilização. São antes objetos de fruição
estética, objetos de comunicação. Distintamente da lógica do burguês,
os objetos para o colecionador, como para o internauta e o shoppista,
são antes elementos de paixão, emoção, devoção, do que simples
instrumentos utilitários (...) ali, o valor diletante supera o valor
de uso. O dândi do século passado encontra a sua versão hoje, na
expressão dos sujeitos que desprezam a TV, mas se deleitam numa
viagem virtual pelos sites de museus excêntricos e das obras raras.
Encontramos ainda os traços da prostituição nas salas eróticas, que
constituem experiências de sensualidade num contexto mercadológico,
mas que proporcionam o usufruto das interações prazerosas do sexo
virtual (PAIVA, 2001, p. 13).
Após enfatizar outras características desta leitura atual benjaminiana, Paiva
finaliza dizendo que,
às vésperas de um novo milênio, quando o tempo é transformado pela
velocidade, reencontramos o Benjamin pensador do instante. A sua
idéia de tratar o antigo como se fosse novo e o novo como expressão
do antigo é algo estimulante e animador (PAIVA, 2001, p. 19).
3.7 PATCHING, Keith and CHATHAM, Rubina. The Anthropology of Information
Technology in the 21st Century
Também neste texto procura-se entender a antropologia da informação como a
antropologia relacionada à tecnologia da informação (TI). Da antropologia, os
autores procuram destacar não o que ela ensina sobre a diversidade, mas sim
sobre a similaridade, buscando padrões comuns utilizados por grupos, tais como
a linguagem, contadores de histórias e lendas ' procurando contextualizar a
discussão para dentro do universo dos profissionais de TI. Não por acaso,
aliás, abrem o texto com uma curiosa e divertida frase: "Se não há mais tribos
perdidas no Amazonas, a questão torna-se a seguinte: existirão tribos perdidas
na web?" (PATCHING e CHATHAM, 1999, p. 01).
O tom irônico e direto, aliás, perpassa todo o texto, dedicado a buscar
características generalizadas ' conforme frisam ' acerca das pessoas de TI,
correndo o risco, mas ao mesmo tempo o desafio, de uma estereotipização.
Estereotipar não é moralmente bem-vindo nos tempos politicamente
corretos da cultura ocidental; mas é o mesmo fenômeno mental que
permitiu aos nossos antepassados reconhecer o perigo em um instante e
viver o bastante para se proliferar. Pedir um tempo para checar a
validade de primeiras impressões pode ser fatal na natureza (PATCHING
e CHATHAM, 1999, p. 02)
Dentre as características do estereótipo de uma pessoa de TI, está seu conforto
em relação à lógica, aos fatos e dados, mas também o seu significante
desconforto em relação ao que é ambíguo e imprevisível. Seu mundo é preto-e-
branco e qualquer tom de cinza é rejeitado. De acordo com o estereótipo, uma
pessoa de TI não é imaginativa, nem pensa criativamente. São pobres ao lidar
com dilemas morais ou éticos e evitam tomar decisões nas quais não existam
prováveis respostas em sim ou não. Assim, ao invés de, talvez, entendê-los como
tribo, talvez fosse mais correto referir-se a eles como xamãs. Não são
propriamente uma tribo distinta, mas aqueles que têm um papel especial na
mesma.
Eles aprendem dialetos estranhos e, quase sempre, incompreensíveis,
são tratados com um certo mix de medo e desprezo por seus poderes e
por seu freqüente comportamento anti-social. Muitos deles não têm
permissão para casar ou aproveitar prazeres normais de socialização,
trancam em si mesmos até que são chamados para curar ou, ainda, lidar
com algum desastre natural [do mundo da TI]. Quando surgem, seu
comportamento é imprevisível [...] Muitos de seus cultos são
possíveis mediante o uso de drogas. (PATCHING e CHATHAM, 1999, p. 02)
Portanto, ao contrário de apontamentos anteriores, os autores tentam menos
visualizar como a TI influencia na prática cultural cotidiana de grupos
diversos, e enfocam mais uma possível identidade da comunidade dos próprios
profissionais proponentes envolvidos na produção e construção de TI.
3.8 ZEITLYN, David. Bica On line: eletronic archives and technology in
anthropological research
O texto comenta o lançamento, em versão on line a ser disponibilizada via
internet, do The Bulletin of Information on Computing in Anthropology (Bica),
publicado entre os anos de 1984 e 1988. A partir desse gancho, aborda
rapidamente, embora de maneira interessante, o impacto das tecnologias de
informação e comunicação no fazer antropológico.
Não acho fácil traçar um paralelo entre o status da computação junto
à antropologia hoje com aquele da fotografia e do filme no início dos
anos 60. O desenvolvimento tecnológico de aparelhos como pequenas
câmeras portáteis e, mais importante, o gravador cassete portátil
tiveram implicações radicais na condução da pesquisa antropológica,
apesar desse aspecto ser raramente discutido nas publicações. A
tecnologia do computador agora facilita a publicação e disseminação
de dados em uma escala anteriormente impossível. Sons e imagens podem
ser transmitidos na Internet ou em um disco, bem como um texto.
Contudo, os computadores podem fazer mais do que simplesmente
transmitirem imagens (ZEITLYN, 2004, p. 01).
Dentre as possibilidades computacionais, o autor inclui desde o impacto do uso
de e-mail nas pesquisas antropológicas, até a construção de modelos
demográficos nos computadores, sem mencionar o uso da Internet como plataforma
simultânea de pesquisa e distribuição.
4 Conclusões
Considerando o quadro teórico apresentado, é muito interessante perceber como
os oito artigos selecionados perpassam, por exemplo, todos os três pressupostos
elencados por Marteleto (2002), para reforçar a proposta de uma agenda de
estudos na área da Antropologia da Informação, especialmente no que diz
respeito às implicações políticas e econômicas e, principalmente, à discussão
sobre a idéia das redes. Convém ressaltar que os textos foram obtidos através
de uma pesquisa utilizando a ferramenta de busca Google, não foi feita
diretamente sobre uma base de dados on line ou site referência especializado
sobre a área ' mas que considerou documentos disponibilizados, na íntegra, pela
Internet.
Conforme salientado no início da análise, se há um eixo comum que perpassa
textos aparentemente distintos como os aqui apresentados, é a preocupação em
entender como fica ou transcorre a prática cotidiana de trocas simbólicas sob o
impacto das tecnologias e da sociedade da informação. Cada texto analisado, ao
seu modo, procurou entender, nessa perspectiva, possíveis contribuições da
antropologia (e consequentemente, da etnografia e da etnologia) para o quadro
atual de produção, circulação, processamento e recepção da informação (e
consequentemente, da comunicação e do conhecimento).
Logo de início pôde-se ver que um texto como o da Diplo quer ir além da simples
análise de como as tecnologias da informação -TI- influenciam o cotidiano das
pessoas, mas, sob uma perspectiva mais ampla, propõe uma antropologia da
informação que visa entender como as TI operam, entre sujeitos e instituições,
em toda a forma de troca simbólica. Avançando em outra constatação que pode
enriquecer o debate sobre o tema, teríamos que, enquanto a antropologia tende a
recair sobre o que é domínio do ordinário (por exemplo, entender a prática
cultural cotidiana de um grupo), a informação tende a recair sobre o que é
domínio do extraordinário (permitir escolhas distintas) ' conforme visto no
exemplo da cidade imaginária da chuva eterna.
Em alguns autores ' Diplo, Hakken e, mais evidentemente, Howard, - há
correlação com o pensamento e a crítica de Michel Foucault. Uma antropologia da
informação corre o risco de ser incorporada a uma ordem discursiva dominante,
mas pode também ser instrumento e ferramenta para desconstruir ou questionar
essa mesma ordem ou fabricação de consensos (Chomsky). Grande referência na
retórica sofista, Górgias, já na Grécia antiga, defendia que "verdade é tudo
aquilo que convém a quem detém o poder de convencimento". Pelos artigos
apresentados, uma antropologia da informação pode descrever o cenário e as
práticas, e apontar uma verve crítica que desmascare novos Górgias e/ou
abordagens neosofistas.
Ao mesmo tempo, Hakken, Howard e Paiva procuram entender, de forma mais ampla,
uma preocupação denunciada em Kelty: como ficam as trocas de identidade,
simbólicas e mesmo informativas nos ambientes virtuais ' sejam eles usuários e
participantes do ciberespaço, das comunidades hipermidiáticas ou da
cibercultura? Certamente são tópicos indispensáveis para estudos em
antropologia da informação aos quais os três autores dão pistas e recomendações
preciosas para abordagem e análise.
Kelty, entretanto, propõe que uma antropologia da informação possa investigar
como as tecnologias de informação podem afetar as práticas cotidianas, tanto
públicas como privadas (a preocupação sobre a dicotomia do público e do
privado, aliás, foi constante em vários dos textos analisados). Nesse ponto,
temos duas contribuições, quase que insights postos no papel: o impacto das TI
no comportamento da tribo' (ou xamãs) dos profissionais da própria TI
(Patching e Chatham), bem como Zeytlin, que denuncia a pouca ou quase nenhuma
discussão sobre como as tecnologias da informação afetaram e/ou contribuíram
para a própria evolução do método antropológico.
Uma contraposição interessante ao nosso estudo seria aplicar os mesmos
princípios verificacionais e o termo analisado em uma base de dados
especializada; proposta que pode gerar um interessante trabalho futuro e
complementar ao aqui apresentado ' que, afinal, se configura, ele próprio, um
exemplo dos conceitos benjaminianos de mosaico' e alegoria', apresentados por
Paiva. Tal bricolagem de idéias e pistas para contribuição na área de
Antropologia da Informação, reunindo textos e apontamentos (no máximo
interessantes, no mínimo curiosos), permitirá um novo incremento à discussão
sobre o tema.
Assim, pelo menos do ponto de vista dos textos aqui apresentados, pode-se
pensar numa proposta de agenda de estudos em antropologia da informação que
constitua um campo apto a analisar: 1)o estudo da informação como parte das
trocas simbólicas entre grupos; 2)como diferentes culturas/segmentos sociais se
apropriam de e interagem com as tecnologias de informação e 3)o impacto das
tecnologias de informação no processo de construção do conhecimento (inclusive
do fazer científico).
No início deste trabalho, apontamos um caráter conflitante, "que escorre sobre
curvas barrocas" para tentar entender a combinação entre antropologia e
informação, dado, a princípio, o caráter antagônico de ambos. Ao final, podemos
dizer que este estudo ajudou neste amálgama barroquista entre a Antropologia e
a Informação. Afinal, indo mais além, dizia o teólogo, filósofo e cientista
Emanuel Swendenborg, quando um homem e uma mulher se aproximam e se amam muito
na Terra, uma vez no Céu, os dois, juntos, formam um só Anjo. O nosso segue em
ascensão, barroco, e, oxalá, sob as bênçãos de um benjamin.