Desafios para a inclusão digital no Brasil
Apresentação
O objetivo do artigo não é avaliar políticas específicas de inclusão digital,
mas discutir o conceito e a problemática da inclusão digital e, a partir disso,
destacar a importância da elaboração de políticas públicas de inclusão digital
e delimitar seus aspectos mais gerais, necessários para promover melhor
inserção social em um país profundamente desigual como o Brasil. É por isso
que, na primeira parte do artigo, trata-se de descrever a enorme desigualdade
existente na sociedade brasileira, de forma a destacar como essas
peculiaridades brasileiras devem ser levadas em conta no desenho das políticas
públicas de inclusão digital no país.
A primeira parte do artigo chama atenção para o fato de que a implementação das
Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC's) ocorre em um contexto
marcado por acentuados e crescentes processos de exclusão social e de geração
de assimetrias, decorrentes das características econômicas e geopolíticas do
atual momento vivido pela Globalização Econômica capitalista.
Na segunda parte do artigo, são apresentados alguns dados que descrevem a
histórica desigualdade sócio-econômica brasileira, bem como o grau de exclusão
digital atualmente vigente no país. São feitos alguns comentários críticos a
respeito da imprecisão de alguns indicadores que se destinam a medir a exclusão
digital. Apregoa-se a necessidade da mesma ser analisada não apenas em termos
quantitativos, mas também qualitativos.
Em uma terceira parte, são discutidos os marcos gerais em que se devem basear
as políticas de inclusão digital em um país com as peculiaridades apontadas nas
duas primeiras partes do capítulo, levando em conta também as especificidades
das tecnologias envolvidas.
Nas conclusões, são destacadas as especificidades da sociedade brasileira e as
dificuldades de inclusão digital em uma sociedade já acentuadamente desigual.
São propostas também novas formas de se avaliar a magnitude da exclusão digital
no Brasil, ressaltando a necessidade de o Estado brasileiro formular e
implementar políticas públicas para ampliar o contingente de "infoincluídos" no
país.
Assimetrias da globalização atual e ascensão das tecnologias da informação e da
comunicação
Estudos sobre história do desenvolvimento econômico revelam a tendência à
desigualdade gerada pelo processo de acumulação capitalista. A não ser em raros
períodos de exceção, como os chamados Anos Dourados do século XX (1945-1973), o
Capitalismo caracterizou-se pela permanente criação e recriação de
desigualdades e de assimetrias de todo tipo: entre países, entre classes
sociais dentro dos países e até mesmo entre diferentes segmentos capitalistas
dentro dos países.
Estatísticas sobre a desigualdade mundial de renda podem ser recolhidas em
estudos da OCDE1, que revelam, entre outros dados, que a participação dos
trabalhadores desempregados dos países do chamado Terceiro Mundo no total de
trabalhadores desempregados no mundo aumentou entre 1990 e 2001, assim como
aumentou a diferença entre a renda per capita dos países do chamado G7 (os sete
países mais ricos do mundo) e a renda per capita dos países mais pobres,
situação também revelada por publicação recente do FMI2. Esses dados
desmistificam um pouco as supostas excelências da chamada "nova economia",
marcada, no campo tecnológico, pela ascensão das tecnologias da Informação e da
Comunicação e, no campo ideológico, pela hegemonia do pensamento neoliberal3.
Tremblay (2005) ressalta que a chamada "nova economia" é caracterizada pela
chamada Sociedade da Informação (SI), mas reitera que não há elementos para
supor que estejam corretos os autores que apregoam que o momento atual
represente uma mudança radical com modelos sociais precedentes. O autor
discorda de autores que defendem a idéia segundo a qual o atual cenário
econômico internacional tenha promovido uma ruptura com a sociedade industrial
e que esta ruptura receberia o nome de Sociedade Informacional ou, como prefere
Castells, seria denominada de era do "Capitalismo Informacional". Tremblay
(2005) não nega que estejam em curso mudanças importantes no processo de
produção capitalista, mas ressalta que essas mudanças não têm conduzido a uma
ruptura com o anterior modelo capitalista, mas sim a uma continuidade, sob
novas bases, do modelo de desenvolvimento industrial fundado na inovação
científica e tecnológica que tem caracterizado o capitalismo dos países
desenvolvidos desde pelo menos o final do século XIX. Em certa passagem,
Tremblay (2005) concorda com interpretação de Garnham (1998), que nega que seja
uma "novidade" o atual momento histórico caracterizado pelas TIC's, pois elas
seriam, segundo Garnham, apenas mais uma manifestação de avanço tecnológico
capitalista em busca de novas fronteiras de acumulação de capital. Ao concordar
com Garnham, Tremblay está concordando que o padrão de acumulação capitalista
atual não representa uma mudança em relação ao do período da "sociedade
industrial" (ou seja, do auge do fordismo) em um aspecto fundamental: o
assalariamento é a norma da relação de trabalho, hoje como antes.
Proenza (2003) salienta que o próprio desenvolvimento das TIC, ocorrido sob o
processo de globalização atual, tende também a criar novos elementos que
contribuem para ampliar as desigualdades econômicas. O autor apresenta quadros
que ilustram seus argumentos. Em primeiro lugar, ele mostra dados que revelam
uma acentuada diferença de inclusão digital entre os países. No referido
trabalho, pode-se notar que nas regiões mais pobres do planeta existem baixos
níveis de conexão à internet. Por outro lado, nos países mais desenvolvidos
existem expressivos níveis de conexão à internet, a menos de algumas diferenças
derivadas de fatores culturais que conduzem as respectivas populações a níveis
variados de interesse pelo uso de novas tecnologias.
Proenza (2003) destaca também que há uma correspondência entre esses
indicadores e os indicadores de níveis e de distribuição de renda. Ou seja, os
países com renda per capita menor e/ou com renda mais concentrada são
justamente aqueles que ostentam os mais eloqüentes indicadores de infoexclusão.
Ramonet (1998) sublinha que os notáveis índices de desigualdade refletem-se
também na distribuição mundial do acesso digital. Ramonet (1998) salienta,
ainda, que têm surgido novas desigualdades geradas pelo próprio desenvolvimento
acelerado da Internet. Segundo o autor, a expansão da Internet tem gerado uma
nova desigualdade, denominada por ele de "inforricos" e "infopobres",
destacando que, em primeiro lugar, sempre apenas uma pequena minoria dispõe de
computador pessoal, mesmo nos países ricos. Ademais, lembra Ramonet (1998), a
infra-estrutura em telefonia e os aspectos cognitivos (no mínimo, a
alfabetização, cujos índices são bastante diferenciados entre os diversos
países do mundo) contam de maneira decisiva para a definição da clivagem entre
"inforricos" e "infopobres". Na seguinte passagem, Ramonet (1998) deixa claro
seu ponto de vista:
não há dúvida de que, com a Internet - mídia, daqui em diante, tão
banal quanto o telefone - entramos em uma nova era da comunicação.
Muitos estimam, com certa ingenuidade, que o volume cada vez maior de
comunicação fará reinar, nas nossas sociedades, uma harmonia
crescente. Ledo engano. A comunicação, em si, não constitui um
progresso social. E ainda menos quando é controlada pelas grandes
firmas comerciais da multimídia. Ou quando contribui para aprofundar
as diferenças e as desigualdades entre cidadãos do mesmo país, ou
habitantes do mesmo planeta (RAMONET, 1998, p.145).
Os efeitos assimétricos do atual processo de globalização, provocados pelas
novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC's), foram também
destacados por Riccardo Petrella4:
mais do que uma nova ordem mundial fundada sobre os Estados-Nações em
concorrência (...) assistimos à emergência de um arquipélago de
cidades/regiões ricas, hiper-desenvolvidas nos planos tecnológico,
industrial e financeiro, no oceano de uma humanidade cada vez mais
pobre. Graças, entre outras coisas, às novas tecnologias da
informação, da comunicação e do transporte, essas cidades/regiões
estão ativamente ligadas umas às outras por intermédio de empresas
multinacionais e transnacionais, elas mesmas interconectadas no seio
dos conglomerados financeiros e industriais mundiais.
Essa nova realidade descrita pelos autores acima mencionados define um ambiente
de concorrência internacional crescentemente acirrada sob a atual forma de
globalização econômica, e colocam desafios para países mais pobres e para suas
respectivas populações em termos de inserção não apenas no mundo globalizado,
mas também no domínio efetivo das tecnologias da informação e da comunicação.
Em uma palavra: desafios para a inclusão digital.
No caso específico brasileiro, há dificuldades que precisam ser mencionadas. Em
primeiro lugar, a crise econômica dos últimos anos, além de ter impedido a
ascensão social de uma parte significativa da população, deixou dificuldades
adicionais para que o Estado pudesse investir efetivamente na melhoria da
Educação Básica do país. Tal situação tem consolidado e ampliando as já enormes
diferenças existentes entre as pessoas em termos de educação formal, fazendo do
fator cognitivo outro elemento que limita as possibilidades de se construir no
país um projeto de efetiva ampliação da inclusão digital. Ou seja, a capacidade
de compreensão e a possibilidade de se utilizar efetivamente todas as
potencialidades oferecidas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação são
bastante diferenciadas na população brasileira, dado o alto grau de
desigualdade na educação formal das pessoas5. Esta diferença (cognitiva) não é
captada pelos indicadores tradicionais de inclusão digital (percentual de
acesso a computadores, e percentual desses que são conectados à internet),
fazendo crer que a evolução dos dados de ampliação da inclusão digital no
Brasil na verdade não retratam uma realidade tão positiva como parece sugerir a
fria análise das estatísticas. Ou seja, não se pode captar - pela forma como as
estatísticas de inclusão digital têm sido reveladas6 - se de fato a ampliação
do número de pessoas conectadas à internet significa que essas pessoas estão
percebendo um acesso qualificado7 às TIC's e se de fato este acesso tem
promovido uma melhoria significativa na qualidade de vida dessas pessoas.
Além disso, em um país como o Brasil, as enormes diferenças entre as áreas
rurais e as urbanas representam um complicador adicional para que se tenha uma
homogeneidade digital no país. As características do processo de
industrialização brasileira permitiram a convivência de estruturas produtivas
de diferenciadíssimos graus de produtividade, as quais, por sua vez, apresentam
diferenciadas dificuldades de acesso às TIC's, o que se expressa, em um segundo
momento, em desiguais possibilidades de acessar dados, informações e atingir
mercados para seus produtos, promovendo, por sua vez, heterogêneos resultados
em termos de estratégias competitivas empresariais, conforme a capacidade de
cada empresa usufruir das TIC's como um mecanismo para incrementar sua
respectiva participação nos mercados.
Por fim, deve-se lembrar que os custos de acesso à internet (pagamento de linha
e/ou de provedores de acesso) excluem certos setores produtivos, algumas
empresas de pequeno porte e também muitas pessoas do uso das TIC's, acentuando
as diferenças geradas pelas oportunidades de mercado para as empresas e pelas
oportunidades profissionais entre as pessoas.
Concentração de renda e exclusão digital no Brasil
A partir da segunda metade dos anos 1990, a sociedade brasileira assistiu a uma
notável expansão do uso da internet (FGV, 2001)8. Essa nova realidade trouxe à
tona uma necessidade de reflexão a respeito dos condicionantes desse fenômeno,
bem como de seus resultados sobre a sociabilidade e sobre as estratégias
empresariais. A tão decantada inclusão digital ainda está por ser mais bem
avaliada, tanto quantitativamente como também qualitativamente. Algumas
perguntas surgem, neste contexto: (a) o que de fato vem a ser "inclusão
digital?"; (b) em que medida e em que condições a chamada inclusão digital pode
se transformar em um processo de inclusão social, em especial em uma sociedade
como a brasileira, marcada por fortes desigualdades de renda e de riqueza,
tanto em termos pessoais quanto também em termos regionais?
Antes de discutir os critérios e os indicadores de inclusão digital
propriamente ditos, é interessante apresentar um breve painel descritivo do
perfil distributivo brasileiro, como uma forma de tentar descrever o cerne dos
problemas socioeconômicos do país. A seguir, serão analisados os indicadores de
expansão da Internet no Brasil e em que medida este fenômeno vem sendo
delimitado pelas próprias condições sociais e econômicas do país.
A desigualdade na distribuição da renda é certamente um fator distintivo da
realidade brasileira em comparação aos demais países do mundo9. Esse fenômeno
pode ser medido tanto pela distribuição funcional da renda (ou seja, repartição
da renda nacional entre salários e lucros), quanto pela distribuição pessoal da
renda (distribuição da renda pessoal do trabalho segundo estratos da pirâmide
distributiva brasileira).
A tabela_1 revela que a concentração funcional da renda no Brasil é
elevadíssima e aumentou entre 1990 e 1993 10. A elevada desigualdade brasileira
tem causas histórico-estruturais variadas, que se originam desde a época da
colonização, passando pela era da economia primário-exportadora e adentrando o
longo período de industrialização, entre os anos 1930 e 1980. Na década de
1980, a economia enfrentou a chamada "década perdida", quando a economia
brasileira teve uma forte redução do seu ritmo de crescimento econômico,
especialmente se comparado ao que ocorrera nas décadas anteriores. Os anos 1990
representaram a pior década do século XX em termos de crescimento econômico e
de desenvolvimento social. Tal situação de grave crise econômica teve imediato
rebatimento sobre o mercado de trabalho brasileiro (MATTOS, 1994), que
enfrentou aumento do desemprego, retração do ritmo de geração de postos de
trabalho, ampliação da informalidade, redução dos salários reais e ampliação da
insegurança dos detentores dos postos de trabalho a partir dos anos 1980. Tal
mudança de realidade econômica e social representou uma ruptura da trajetória
de estruturação do mercado de trabalho brasileiro, marcada pela expansão do
peso do emprego formal (emprego assalariado com carteira de trabalho assinada)
e do emprego industrial no conjunto das ocupações do mercado de trabalho
brasileiro que vinha ocorrendo desde pelo menos a década de 1940 (POCHMANN,
1999; 2001). Aquele período de expansão da economia, ocorrido a partir dos anos
1930, porém, redundara em uma piora do perfil de distribuição da renda11
(conforme mostram os dados da tabela_2). Naquele período, a piora da
distribuição de renda deveu-se ao fato de que os rendimentos das pessoas mais
ricas subiram mais do que os rendimentos das mais pobres. Dessa forma, o
desconforto causado pela ampliação da desigualdade pôde ser mitigado pelo fato
de que, embora crescendo menos do que os rendimentos dos mais ricos, os
rendimentos das pessoas mais pobres estavam também em ascensão e era possível a
eles perceber uma melhoria de padrão de vida. De qualquer forma, a renda média
nacional crescia e era possível, para amplas camadas da população, experimentar
um momento de ascensão social.
A partir dos anos 1980, porém, o cenário econômico piora, pois, ao contrário do
que ocorrera durante o período da industrialização, a renda fica praticamente
estagnada e a distribuição da renda continua a se deteriorar, mas, a partir
desse momento, com um agravante: a concentração da renda ocorre com queda dos
rendimentos das pessoas de mais baixa renda, enquanto as pessoas de rendas
médias e altas conseguem se proteger contra a queda de rendimentos reais
provocada pela inflação. Nesse contexto de estagnação econômica e alta
inflação, ampliou-se o contingente de desempregados e de trabalhadores
autônomos e também de trabalhadores assalariados sem carteira assinada cujos
rendimentos, invariavelmente, eram baixos; dessa maneira, o aumento estatístico
da desigualdade veio acompanhado de insegurança social crescente e da sensação
de impotência diante de um quadro econômico que parecia deteriorar-se
continuamente.
É nesse cenário socioeconômico que surgem as novas TIC's e que se amplia o seu
uso. O ambiente social e econômico herdado dos anos de perda de dinamismo
econômico deixa esse legado para a geração de brasileiros que cresce convivendo
(ou não...) com a existência das novas TIC's, o que dificulta a consolidação
dos possíveis efeitos positivos das políticas de inclusão digital sobre o
padrão de vida material dessas pessoas e sobre sua qualificação profissional. A
despeito da tênue melhoria do perfil distributivo brasileiro nos anos mais
recentes (segundo dados divulgados pelo IPEA), a gravidade e o caráter
estrutural dos problemas de inclusão social no país ainda se colocam da mesma
maneira que se colocavam no início e meados dos anos 1990, quando surgiram as
TIC's no Brasil. Da mesma forma, nesse cenário econômico deteriorado colocam-se
dificuldades materiais para que de fato sejam praticadas políticas públicas de
inclusão digital no Brasil.
A tabela_1 ilustra o quadro de deterioração econômica, ao revelar que, nos anos
1990, a participação dos lucros na renda nacional aumentou, o que significa que
ocorreu uma piora da distribuição funcional da renda no país.
Ao longo do século XX, a economia brasileira alternou momentos de expansão com
momentos de retração ou estagnação da atividade econômica, mas sempre esses
movimentos cíclicos da economia brasileira vieram acompanhados de deterioração
do perfil de distribuição de renda e de riqueza na sociedade brasileira. Outra
marca da economia brasileira é a sua acentuada concentração regional da renda.
A despeito de ter ocorrido, ao longo dos anos 1970 e 1980, uma diminuição da
concentração regional da renda (MATTOS, 1996), a economia brasileira ainda é
marcada por elevado grau de desigualdade regional, conforme mostra a tabela_3,
na qual se pode perceber que mais de 50% da renda nacional concentra-se nos
três estados mais ricos da federação. Interessante notar, na mesma tabela, que
a contribuição percentual de cada estado da federação para o seleto grupo dos
chamados "incluídos digitais" do Brasil, segundo dados retirados da PNAD de
2005, reflete quase identicamente a contribuição de cada estado para a renda
nacional. Tal "coincidência" sugere que, na verdade, a inclusão digital, medida
desta forma simples, ou seja, segundo os dados declarados pelo IBGE12, na
melhor das hipóteses13 apenas referenda e repete o grau de desigualdade
regional e pessoal da renda no Brasil.
A tabela_4, por sua vez, mostra o grau de "inclusão digital" de cada estado da
federação. A tabela revela, antes de tudo, que, em 2005, apenas 21% dos
brasileiros com dez anos ou mais de idade utilizaram a internet no período de
referência dos últimos três meses antes da pesquisa da PNAD - ou seja, apenas
uma parcela minoritária da população brasileira pode ser considerada como
"digitalmente incluída", de acordo com os critérios do IBGE. Esse número (21%),
porém, tomado isoladamente e sem maiores considerações analíticas, esconde
aenorme desigualdade regional brasileira em termos de inclusão digital.
Analisando-se os dados de inclusão digital para cada um dos estados da
Federação, constata-se uma significativa diferenciação regional no país,
conforme mostram os dados da tabela_4.
Os dados da tabela_4 revelam que, no Distrito Federal, cerca de 41% das pessoas
haviam acessado a internet no período de referência. Além do DF, é nos estados
mais ricos e mais urbanizados que se apresentam também os percentuais mais
altos de inclusão digital, como São Paulo (29,9%), Santa Catarina (29,5%), Rio
de Janeiro (26,7%) e Paraná (25,9%); enquanto isso, nos estados mais pobres e
com zonas rurais mais depauperadas, como Alagoas e Maranhão, o percentual de
pessoas consideradas como incluídas digitalmente não chega a 8% e pouco
ultrapassa os 10% no Piauí, no Amazonas e no Pará.
Esse tipo de indicador de inclusão digital14 pode ser também avaliado em termos
mundiais. A tabela_5 mostra as pronunciadas diferenças existentes no mundo. Nas
partes mais desenvolvidas do planeta, são elevados os percentuais de inclusão
digital. Enquanto na Oceania/Austrália a inclusão digital é de cerca de 57% e
na América do Norte atinge 71% (dados referentes apenas a EUA e Canadá), o
índice é de apenas 4,7% na África e 13,7% na Ásia. Dados os elevados índices de
inclusão digital na América do Norte e na Oceania, essas regiões concentram um
percentual de internautas em relação ao total mundial muito superior às de suas
respectivas populações (a América do Norte reúne 18% dos internautas do mundo,
embora sua população represente apenas cerca de 5% da população mundial; no
outro extremo, pode-se citar o caso da Ásia, que, embora concentre cerca de 56%
da população mundial, tem apenas cerca de 39% dos internautas do mundo).
A tabela_6 ilustra a situação do Brasil dentro da América do Sul. O índice de
inclusão digital do Brasil, segundo dados reunidos e divulgados pelo site da
Internet World Stats, é de 22,4% e ocupa uma posição intermediária dentro do
padrão da América do Sul. Argentina e Chile revelam relativamente altos índices
de inclusão digital, enquanto em países como Suriname, Bolívia e Paraguai a
inclusão digital não chega nem perto dos 10%. Ou seja, mesmo dentro do
continente sul-americano, existem expressivas diferenças nos indicadores de
inclusão digital, dadas as significativas diferenças de grau de desenvolvimento
econômico dentro dessa região.
Portanto, dado o quadro descrito nesta seção do artigo, parece claro que, no
caso dos países mais pobres, existe um fator econômico limitante para a
inclusão digital: a infra-estrutura que permite o acesso a linhas telefônicas e
o aumento do número de computadores por habitantes (assim como a quantidade
deles conectados à internet) mostra-se ainda bastante insuficiente. De qualquer
forma, é importante mencionar que o caso brasileiro, o que mais interessa neste
artigo, é bastante peculiar pelo fato de ter se caracterizado por um
crescimento espetacular da rede (WILSON, 2000; SILVEIRA E CASSINO (org.),
2003), quer o fenômeno seja avaliado pelo crescimento do número de hosts, quer
pelo número absoluto de pessoas "digitalmente incluídas" a cada ano.
Bolaño (2003) está entre os autores que destaca que a expansão recente da
internet no Brasil foi expressiva, especialmente a partir da segunda metade da
década de 1990, colocando o país entre os 11 primeiros colocados no mundo em
número de hosts15 (em 1996, o país estava na décima-nona posição). Tal ascensão
revela, sem dúvida, que a expansão recente da Internet no Brasil foi
significativa, comparado ao desempenho mundial deste indicador. É claro que,
num país eivado de desigualdades como o Brasil, uma grande parte dos acessos
registrados pode estar se referindo a situações de dupla contagem, ou seja,
revelando o caso de pessoas que tenham acesso tanto em casa quanto no trabalho,
quando não também em uma terceira situação.
De qualquer forma, pode-se considerar não apenas que o crescimento do acesso à
internet foi expressivo nos últimos anos (o que explica essa expansão do número
de hosts no mercado brasileiro), mas também que o número absoluto de pessoas
conectadas à internet é significativo, dado que a população brasileira é uma
das maiores do mundo. Há que se considerar, porém, que, provavelmente, o ritmo
de expansão da "inclusão digital" (qualquer que seja a forma de medição do
fenômeno), daqui em diante, se arrefeça bastante, pois é quase certo que a
grande maioria das pessoas pertencentes aos extratos mais elevados de renda do
país que queiram e precisem se conectar à internet já estejam de fato
conectadas.
Portanto, dado que a expansão do acesso à internet no Brasil pode ter chegado
já a todas ou quase todas as pessoas que têm certo patamar de rendimentos e que
queiram se inserir digitalmente (ou seja, que tenham recursos financeiros e
desejo para adquirir um computador e uma linha telefônica e pagar para usar um
provedor de acesso), fica o desafio para que, nos próximos anos, mantenha-se o
atual ritmo de ampliação da inclusão digital no país. A elevada concentração de
renda e o baixo nível do rendimento médio da população brasileira representam,
portanto, um significativo entrave para a manutenção de uma contínua ampliação
do grau de inclusão digital no Brasil no futuro breve.
Dessa maneira, torna-se cada vez mais imperiosa a necessidade de se
constituírem políticas públicas de acesso da população brasileira aos mais
modernos recursos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC's), dentre
as quais a internet talvez seja o maior símbolo. De todo modo, não se pode
negar a existência de diversos casos exitosos de políticas públicas de inclusão
digital no país, conforme demonstram, aliás, relatos reunidos e analisados em
livros organizados por SILVEIRA e CASSINO (2003), bem como por AUN et alli
(2007) e também por JAMBEIRO et alli (2007) e ainda por MACIEL e ALBAGLI
(2007), entre outros16. Em outras palavras: parece que já atingiu o seu
estertor a inclusão digital que poderia ser obtida pelo simples fato de as
TIC's estarem disponíveis no país e pelo também simples fato de existir uma
parcela da população que pode arcar com as despesas relacionadas ao consumo e
ao uso dessas tecnologias. Em outras palavras, a inclusão digital decorrente da
"livre" atuação das chamadas "forças de mercado" parece ter se esgotado. De
agora em diante, para que - independentemente dos critérios metodológicos
utilizados para avaliar os indicadores de inclusão digital no país - a taxa de
crescimento da inclusão digital brasileira tenha o mesmo ritmo de crescimento
que apresentou entre 1995 e 2005, são necessárias políticas públicas que evitem
a exclusão pela renda do acesso às TIC's, pois essas tecnologias exigem gastos
maiores do que por exemplo o que se gasta para ter um rádio ou uma TV em uso
cotidiano (para mencionar dois exemplos óbvios de outros meios de informação e
comunicação já existentes e já amplamente massificados).
Limites e condicionantes das políticas públicas de inclusão digital
As políticas públicas visando a uma melhoria dos indicadores de inclusão
digital devem ser concebidas e analisadas no contexto dos dados apresentados e
comentados acima, que revelam as perspectivas do cenário social brasileiro e
aspectos acerca da exclusão digital no país e também que demonstram que a
expansão do uso e do domínio das TIC's não foram suficientes para reduzir o
fosso existente entre países ricos e países pobres e nem mesmo entre pobres e
ricos dentro dos países, conforme têm demonstrado diversos estudos, alguns dos
quais relatados nas duas partes iniciais deste artigo.
Os dados referentes ao Brasil, em especial, demonstram que a expansão da oferta
de TIC's e do número de acessos à internet, deixados pelos movimentos
"naturais" das "forças de mercado" (LOPES, 2007) e portanto à mercê das
estratégias das grandes empresas pertencentes aos monopólios informacionais,
não serão suficientes para de fato promover uma significativa redução do fosso
digital existente no país; ademais, não serão suficientes para promover uma
melhoria da desigualdade social a partir de um eventual êxito no processo de
expansão do número de "infoincluídos" e de uma eventual melhoria dos
indicadores de desigualdade de acesso às TIC's. Deve-se destacar que é no meio
digital, conforme lembram Aun e Angelo (2007), que se encontram os maiores
estoques de informações, e, portanto, o acesso ao meio digital (ou seja, a
efetiva inclusão digital) é fundamental para que não surjam novos elementos de
ampliação das diferenças entre os cidadãos. O risco do fracasso da
implementação dessas políticas públicas de inclusão digital é que sejam geradas
"uma nova divisão social entre os que têm o monopólio do pensamento, da
transformação da informação em conhecimento e os que estão excluídos desse
processo" (Aun e Ângelo, 2007, p. 66).
Silveira (2005) está entre os que apregoam a importância de se implementar
políticas públicas como forma de reduzir a "infoexclusão". O autor assevera que
"a luta pela inclusão digital pode ser uma luta pela globalização contra-
hegemônica se dela resultar a apropriação pelas comunidades e pelos grupos
sociais socialmente excluídos da tecnologia da informação". No mesmo estudo, o
autor destaca a existência, atualmente, de uma enorme assimetria em termos de
acesso às TIC's em âmbito mundial e lembra que, na verdade, historicamente,
sempre o acesso às tecnologias representou instrumento de poder e fonte de
apropriação da riqueza social produzida.
É nesse sentido que o referido autor destaca que há um conjunto de fatores que
justificam a elaboração e implementação de políticas públicas de inclusão
digital. Em primeiro lugar, por causa do reconhecimento de que a exclusão
digital amplia a miséria e coloca obstáculos ao desenvolvimento econômico em
geral e ao desenvolvimento das habilidades pessoais, em particular. O autor
também lembra que a própria alfabetização tradicional não teria se tornado
possível se a educação não tivesse se tornado, historicamente, na maioria dos
países, política pública e gratuita. Outra questão abordada pelo autor deve ser
analisada de perto: a velocidade do processo de inclusão digital também é muito
importante. Também Sorj e Guedes (2005, p. 102) abordam essa questão, na
seguinte passagem:
(...) como o ciclo de acesso a novos produtos começa com os ricos e
se estende aos pobres após um período de tempo mais ou menos longo (e
que nem sempre se completa), há aumento da desigualdade. Os ricos são
os primeiros a usufruir as vantagens do uso e/ou domínio dos novos
produtos no mercado de trabalho, enquanto a falta destes aumenta as
desvantagens dos grupos excluídos. Em ambos os casos, os novos
produtos TIC's aumentam, em princípio, a pobreza e a exclusão
digital.
Os autores mencionados destacam, portanto, que a demora com que as novas
tecnologias são absorvidas pelos mais pobres (sempre há uma defasagem de tempo
entre o momento em que as novas tecnologias são absorvidas pelos mais ricos e
pelos mais pobres, notadamente quando a diferença de renda e de riqueza entre
eles é muito elevada, como é o caso do Brasil) é fator decisivo para a
perpetuação e até eventual aumento das desigualdades, especialmente se
considerarmos que os que absorvem primeiro as novas tecnologias desfrutam de
vantagens, de certo "poder de monopólio"17 temporário (mais ou menos duradouro,
dependendo da dimensão da defasagem de tempo), que se materializa em melhores
oportunidades no mercado de trabalho e em melhores condições de acesso a bens,
serviços e informações proporcionados pela inclusão digital.
É por isso que a necessidade de políticas públicas de inclusão digital se
impõe, pois a introdução inicial das TIC's, na verdade, aprofunda as
desigualdades existentes e mesmo cria novas assimetrias sob o Capitalismo
Contemporâneo.
A restrição econômica para o aumento da oferta de TIC's também representa
elemento importante a ser considerado quando se discutem políticas de inclusão
digital. Essa restrição se manifesta não apenas no óbvio problema da
necessidade de recursos por parte do Estado para dotar a sociedade de
quantidades crescentes de equipamentos, inclusive enfrentando as dificuldades
inerentes à própria rapidez da proliferação dos ganhos tecnológicos, os quais
exigem constantes aportes de capital para manter-se atualizados18. Daí a
necessidade de se obter um ambiente macroeconômico em expansão, que viabilize a
ampliação da arrecadação de impostos e ampliação do orçamento da União, dos
estados e municípios; ademais, as políticas de treinamento e capacitação dos
profissionais que vão operar e ensinar a operacionalização os equipamentos para
crescentes parcelas da população exige também crescentes gastos por parte do
poder público.
A população que deseja ter acesso às TIC's e dominar seu conteúdo de uma
maneira pelo menos razoável enfrenta também as restrições impostas pela
exclusão pela renda. É por isso também que se torna imperiosa a adoção de
abrangentes e substanciais políticas públicas de inclusão digital, notadamente
no Brasil, país marcado por acentuada concentração pessoal da renda e por
notória heterogeneidade regional. Discutindo as peculiaridades de um país pobre
e desigual, Barros et alli (2007) argumentam que:
(...) a inclusão digital é um elemento importante nas políticas para
a Sociedade da Informação, especialmente naqueles países que
apresentam um maior grau de desigualdade social, que advém de
processos históricos de sua formação. Nesses casos, o desafio é
duplo: superar antigas deficiências e criar competências requeridas
pelas novas necessidades culturais e socioeconômicas da sociedade.
(BARROS et alli, 2007; p. 201)
Kroner e Weinstein (1994) também argumentam que as TIC's não representam uma
tecnologia democratizadora e inclusiva pela sua própria existência, mas, pelo
contrário, acabam acentuando as desigualdades e assimetrias existentes nas
sociedades contemporâneas à medida que se expandem. Essa avaliação vale também
- e de forma até mais enfática - para o Brasil, dadas a enorme desigualdade de
renda do país e dada também a conhecida deficiência da Educação Básica
brasileira (fica aqui a pergunta: como construir uma sociedade de
"infoincluídos" em uma sociedade marcada por relativamente altas taxas de
analfabetismo funcional?). Nesse sentido, é fundamental que a inclusão digital
seja definitivamente inserida no processo educacional brasileiro, constituindo-
se como parte dos valores sociais que permitam aos indivíduos exercerem sua
plena cidadania dentro do ambiente escolar e já desde tenra idade.
De qualquer forma, é preciso destacar que há inúmeros projetos de inclusão
digital promovidos por ONG's, de diversos matizes e em diversas regiões do
Brasil. Há também inúmeras iniciativas de prefeituras de cidade de todos os
tamanhos, além dos projetos do governo federal. Não seria viável enumerá-los
aqui e seria pouco conclusivo tomar alguns, isoladamente, para análise. Tal
tarefa, portanto, não está nos objetivos deste artigo. O que se pretende
afirmar, de todo modo, é que, a despeito da relevância de boa parte desses
projetos do Terceiro Setor, a somatória dessas iniciativas jamais terá o
alcance dos projetos conduzidos pelo setor público19, especialmente se estes
representarem iniciativas do governo federal consolidadas como políticas
permanentes de Estado. Ademais, deve-se insistir na necessidade de que essas
políticas públicas de inclusão digital sejam acopladas a programas também
abrangentes de incremento na qualidade das políticas educacionais, de tal forma
que a questão cognitiva possa ser mais bem apreendida no contexto da ampliação
das políticas públicas de inclusão digital, que não podem, obviamente, limitar-
se ao mero aumento da oferta de equipamentos de TIC's, o que apenas favoreceria
o "mercado" de negócios das empresas envolvidas na produção desses
equipamentos, conforme alerta Silveira (2007). A apreensão dos conteúdos
gerados pelas TIC's promove não apenas a óbvia ampliação e democratização do
conhecimento, como também uma mais equânime apropriação da riqueza social
produzida pela "Sociedade da Informação e da Comunicação", ao permitir inserção
mais qualificada dos mais pobres no mercado de trabalho, sem contar as melhores
condições de acesso à cultura e ao entretenimento por parte de camadas cada vez
mais amplas da população.
Em suma, o que se apregoa neste artigo é que, para avaliar os efeitos das
políticas de inclusão digital sobre a vida dos indivíduos seria importante
definir um conjunto de indicadores que compare a vida das pessoas antes e
depois de terem participado de programas de inclusão digital. Fundamentalmente,
deve-se avaliar se de fato ocorreu inclusão social e melhoria das condições de
vida dos indivíduos que, segundo a metodologia utilizada pelo IBGE, passaram a
ser computados como pessoas "digitalmente incluídas".
Os indicadores a serem definidos deveriam medir, por exemplo, se houve melhor
inserção do indivíduo no mercado de trabalho e se essa inserção deveu-se às
habilidades eventualmente aprendidas em algum programa específico de inclusão
digital que está a ser avaliado (pode ocorrer, por exemplo, uma melhor inserção
do indivíduo no mercado de trabalho simplesmente por que a economia teria
voltado a crescer e, nesse caso, a melhoria das condições profissionais da
pessoa não estaria associada a um eventual êxito do programa de inclusão
digital por ela freqüentado). Outro fator importante é avaliar não apenas se a
pessoa está habilitada para a "navegabilidade" na rede mundial de computadores,
mas se ela adquiriu habilidades e conhecimento para utilizar pelo menos um
editor de texto e algum tipo de planilha de cálculo, por exemplo.
A regularidade de acesso por parte dos "incluídos digitais" também representa
algo que deveria ser medida e avaliada, algo que, conforme argumentado neste
artigo, revela-se bastante deficiente nos indicadores do IBGE, pois o mesmo
considera como incluído digital o indivíduo que tenha tido pelo menos um acesso
à internet nos últimos 3 meses. Uma definição mais abrangente e coerente de
indicadores de inclusão digital deveria, portanto, incluir também critérios
para quantificar a habitualidade de acesso.
A leitura de trabalhos recentes sobre políticas públicas de inclusão digital
sugere que as mesmas deveriam se nortear por 5 aspectos fundamentais:
a) Inserção no mercado de trabalho e geração de renda;
b) Melhorar relacionamento entre cidadãos e poderem públicos20;
c) Melhorar e facilitar tarefas cotidianas das pessoas, o que pode
incluir aspectos do item anterior;
d) Incrementar valores culturais e sociais e aprimorar a cidadania;
e) Difundir conhecimento tecnológico.
Os vários objetivos destacados pelas políticas de inclusão digital em diversos
artigos reunidos na literatura mais recente sobre o tema21 estão inseridos em
pelo menos um dos aspectos acima mencionados. A classificação sugerida acima,
em cinco itens, engloba os principais aspectos envolvidos nos objetivos das
políticas públicas de inclusão digital. A literatura sobre esse tema muitas
vezes se debruça na análise de programas específicos. Seria interessante que a
ampla gama de instituições devotadas a desenvolver programas e políticas de
inclusão digital se reunissem, sob a coordenação de alguns Ministérios (Ciência
e Tecnologia e Educação certamente incluídos, pelo menos), para elaborar
indicadores de avaliação dos programas de inclusão digital, que possam avaliar
cada uma dessas políticas ao longo do tempo, e também para que possam permitir
uma comparação entre elas.
Para que o Brasil possa finalmente definir uma política nacional de inclusão
digital que "articule as esferas federal, estaduais e municipais, sociedade
civil e as instituições voltadas à pesquisa e educação" (ALBUQUERQUE, 2007) é
necessário definir indicadores que avaliem a evolução dos 5 fatores mencionados
acima e é preciso determinar critérios para aferi-los junto às pessoas que
tiverem freqüentado programas de inclusão digital. Tais indicadores devem ser
passíveis da construção de séries históricas que permitam compará-los ao longo
do tempo. O desafio é enorme na definição desses indicadores, pois há evidentes
aspectos subjetivos envolvidos (por exemplo: o que significa acessar sítios de
internet com conteúdo voltado a cultura/entretenimento?). Além disso, deve-se
salientar que as necessidades das pessoas variam muito dependendo de fatores
regionais e culturais, assim como os padrões de consumo variam muito
historicamente. Dessa maneira, os indicadores escolhidos teriam de ter certa
flexibilidade para serem adaptados periodicamente, segundo critérios conhecidos
e bem definidos, mas essa flexibilidade não pode deteriorar a capacidade dos
indicadores de serem passíveis de se prestar à construção de séries históricas,
conforme mencionado22. Por fim, mas não menos importante, a avaliação da
capacidade cognitiva do usuário de internet pode ser avaliada pela sua
competência para gerar conteúdos na rede, e não apenas acessar os conteúdos já
existentes.
As sugestões de melhoras de indicadores, portanto, são muitas e são
controversas. A única certeza que se vislumbra é a de que esses indicadores
precisam ser definidos em âmbito ministerial e devem servir tanto para avaliar
políticas de inclusão digital elaboradas por entidades públicas, quanto por
entidades privadas, incluindo ONG's. As políticas públicas devem ter a
característica da objetividade e da continuidade também. Precisam ser céleres a
ponto de se adaptarem às contínuas mudanças tecnológicas que caracterizam as
sociedades contemporâneas, bem como também as mudanças na vida social e
cultural. Além disso, fundamentalmente, as políticas devem assumir o caráter de
políticas de Estado, e não iniciativas isoladas de governos específicos ou de
ONG's que podem, em qualquer momento, deixar de existir.
Conclusões
As novas TIC's têm redefinido as formas de sociabilidade entre as pessoas e têm
determinado alterações importantes nos padrões de consumo e nas possibilidades
de acumulação de capital sob a atual ordem econômico-financeira internacional.
Esse novo padrão tecnológico também alterou profundamente a natureza da
concorrência intercapitalista, redefinindo as estratégias de atuação das
grandes empresas.
Tanto o papel desempenhado pela inclusão digital, quanto as possibilidades de o
acesso às novas tecnologias se expandir, precisam ser avaliados de forma mais
crítica. Em primeiro lugar, deve-se lembrar que, notadamente em um país como o
Brasil, muitas vezes o fato da pessoa estar "digitalmente incluída" pressupõe
que ela fosse previamente já também socialmente incluída. Está para ser mais
bem analisada também a real dimensão que a inclusão digital pode ter na
ascensão social e na melhoria efetiva do acesso das pessoas digitalmente
incluídas (segundo os critérios mais tradicionais usados para medir esse
indicador) às informações e na efetiva democratização das mesmas. Ou seja,
ainda está por ser mais bem avaliada, pela maior parte da literatura
especializada, a verdadeira democratização das oportunidades de acesso e
compreensão das informações disponibilizadas em rede.
O surgimento da imprensa escrita, e depois também o surgimento do rádio e da
televisão, apesar de todas as previsões otimistas de cada uma dessas épocas e a
despeito do fascínio que essas tecnologias provocaram - em cada época - nas
pessoas em geral e nos intelectuais, em particular, não foram capazes de
promover por si sós a efetiva democratização das informações e nem de fomentar
uma maior homogeneidade social.
O que os estudos mais recentes e relevantes sobre exclusão/inclusão digital
mostram é que o grau de desenvolvimento econômico define os limites da dimensão
da inclusão digital de uma sociedade. A própria medida de inclusão já é por si
só problemática e mereceria uma análise mais complexa (e que incluísse, pelo
menos, algum grau de avaliação qualitativadessa inclusão - o que não é tão
simples - e que se relacionasse a alguma forma de avaliação da capacidade
cognitiva por parte da população "conectada").
Pode-se afirmar que a renda per capita e o custo de acesso são fatores
limitantes para a inclusão digital. Nos países pobres, é percentualmente
pequeno o número de pessoas que desfrutam de recursos para ter uma linha
telefônica, um computador e ainda podem pagar um provedor de acesso (ou então
ter, pelo menos, uma inserção profissional ou acadêmica que lhe permita acessar
a Internet fora de seu domicílio de maneira regular e diária, se necessário). O
desafio para a massificação da inclusão digital nesses países é particularmente
difícil, pois existe a necessidade também de se dotar suas respectivas
populações de uma melhor capacidade cognitiva para acessar e processar as
informações. Tal fato parece óbvio, mas não existem ainda trabalhos que
consigam, nem minimamente, "medir" essa capacidade cognitiva - o que compromete
a qualidade dos indicadores mais tradicionais23 de "inclusão digital".
A formulação de políticas públicas, no Brasil, deve abarcar não apenas uma
decisão de investimento em bens materiais (compra de equipamentos, ampliação de
linhas telefônicas etc.), mas também uma contínua melhoria das condições do
ensino básico, que possa dotar a população em idade escolar de capacidade
cognitiva para compreender e processar as informações e símbolos
disponibilizados pelo acesso dessas pessoas à Internet. Ou seja, para que
também as camadas de baixa renda possam ter cada vez maior capacidade de
exploração, de interpretação e de uso do enorme mundo de informações
disponibilizado pela Internet.
Até agora, no Brasil, a maior parte do processo de inclusão digital deu-se
"pelo mercado", ou seja, apenas referendou a inclusão de pessoas em condições
financeiras e cognitivas de acessar a internet e dominar seus requisitos
básicos. À medida que o acesso às TIC's virou negócio e deixou de estar
restrito às universidades e centros de excelência em pesquisa científica
(conforme ocorria, por exemplo, nos EUA, nos anos 1950 e 1960; por outro lado,
a partir dos anos 1980, nos EUA, e a partir de meados dos anos 1990, no Brasil,
o acesso à internet massificou-se), aumentou expressivamente o número absoluto
de pessoas classificadas como "digitalmente incluídas". Deve-se salientar que,
assim como foi necessário que a educação se tornasse política pública no país
para que o analfabetismo fosse reduzido substancialmente, também no caso da
inclusão digital (ou da superação do chamado "analfabetismo digital") será
necessária a elaboração de políticas públicas e que o Estado tome as rédeas
desse processo de ampliação da inclusão digital, assumindo seu papel na
promoção de todas as camadas da população em direção ao domínio das TIC's.
O desafio, além de complexo, é urgente no tempo, pois quanto mais ele demora,
maiores serão as desvantagens relativas das parcelas apartadas do efetivo
acesso às TIC's, consolidando e até mesmo ampliando a exclusão social e a
desigualdade de oportunidades já existentes no Brasil.
Deve-se destacar que a atual revolução tecnológica, ao contrário da primeira e
da segunda Revoluções Industriais, baseia-se nas chamadas tecnologias da
inteligência e, portanto, requer maiores esforços cognitivos por parte das
pessoas para transformar informações em conhecimento, obtendo, assim,
capacidade de inserção mais qualificada no mercado de trabalho, especialmente à
medida que um crescente conteúdo da vida profissional, cultural e mesmo
material vai migrando para a rede e nela se amplificando e atingindo todas as
esferas da vida social. Nesse sentido, Barros et alli (2007) evocam importantes
argumentos destacando que "políticas de inclusão devem estar relacionadas à
organização social e à cultura política dos povos"24. Dessa forma, Barros et
alli (2007) revelam preocupação de que programas de inclusão não podem estar
apartados de outros esforços empreendidos pelo poder público no sentido de
qualificar a vida social dos cidadãos, o que inclui eventos relacionados à
geração de emprego, moradia, educação, participação política e social, entre
outros fatores. Ou seja, a mera oferta de novos equipamentos de TIC não é
condição suficiente para que se processe de fato um mecanismo eficiente de
inclusão digital e social.
Existe certa literatura ufanista a respeito do papel das TIC's nas sociedades
contemporâneas. A contribuição deste artigo se contrapõe a essas interpretações
laudatórias, bastante encontradiças na literatura que trata das novas
tecnologias de informação e comunicação. Essa mesma literatura acerca das novas
TIC's promove a idéia de que a mera existência dessas tecnologias, por si só,
permite a melhoria das condições econômicas e sociais de uma parcela
supostamente cada vez maior da população dos diferentes países. Entretanto, o
que ocorre é exatamente o contrário. Deixadas às "forças do mercado", as novas
tecnologias tendem a promover uma acentuação das desigualdades. Uma eventual
ampliação dos investimentos produtivos em geral e a adoção de políticas
distributivas de renda é que gerarão melhores possibilidades de ampliação do
acesso e da oferta de equipamentos de TIC's. A exclusão ao acesso às TIC's pela
renda diminui quando a renda média da sociedade cresce. Isso parece óbvio, mas
é importante que seja destacado que a ordem de determinação parece ser da renda
para a melhoria das condições de acesso às novas tecnologias e não o contrário.
Sendo assim, é importante destacar que a adoção de políticas públicas
consistentes, duradouras e amplas de inclusão digital torna-se mais viável
apenas se o contexto macroeconômico do país for marcado por uma combinação de
crescimento da renda média da população (se esta ampliação da renda for
acompanhada de uma melhoria de seu perfil distributivo, tanto melhor) e de
ampliação da taxa de investimentos públicos e privados. É em um contexto como
esse que o Estado teria melhores condições materiais para destinar recursos
para políticas públicas de inclusão digital e a população em geral ver-se-ia em
melhores condições também para absorver os conhecimentos e aproveitar as
possibilidades geradas pelo uso mais habitual e intensivo dos equipamentos de
tic's.