Criação e disseminação do conhecimento na fundação Hemominas
1 Introdução
Na ultima década, a expressão sociedade da informação tem se consagrado nas
organizações como uma estrutura central da nova economia, em que o conhecimento
é o eixo do desenvolvimento, da produtividade e da inovação empresarial. Abdul
Waheed Khan (2003)1 (subdiretor general da UNESCO para a Comunicação e
Informação) comenta que a "sociedade da informação inclui uma dimensão de
transformação social, cultural, econômica, política e institucional, além de
uma perceptiva mais pluralista e inovadora por meio do conhecimento"; já que
esta permite não só modificar ou melhorar, mas criar novos conhecimentos, como
vantagem competitiva frente a outras organizações ou sociedades.
Neste sentido, González de Gómez (2002) se refere ao modus operandi da
sociedade da informação como a "transubstanciação do informacional e semiótico
no econômico, através da mediação tecnológica e dos mercados".
Pela força da relação informação-conhecimento e pela importância deste duo no
modelo de sociedade atual, podemos supor que o "econômico" a que se refere
González está na capacidade das instituições de usar e criar o conhecimento
como vantagem competitiva, a partir do processamento da informação. Esta
última, nas suas mais diversas roupagens: como estruturas do mundo; como
mensagem; significado atribuído a um dado; redução da incerteza; resolução de
um estado anômalo do conhecimento na mente de um recipiente; ou como um
processo de transferência (WERSIG, 1996 citado por CORNELLIUS, 2002). Para
Braman (2006), ela pode ser entendida também como recurso, commodity, percepção
de um padrão, agente, como um repositório de possibilidades e como uma força
constitutiva da sociedade.
O verbo "transubstanciar", por sua vez, nos remete à idéia de um processo de
transformação cuja imersão nos seus detalhes de funcionamento gera ainda
incógnitas e desconhecimento. A afirmação de Gonzalez sugere, pelo uso deste
verbo, que os mecanismos de criação do conhecimento como resultado de processos
de informação ainda não estão plenamente conhecidos.
Portanto, a importância cada vez maior do conhecimento nas organizações é o
reflexo de uma série de fatores que caracterizam a nova dinâmica de
funcionamento da sociedade. Resumidamente, as principais características da
sociedade da informação, do conhecimento e do aprendizado, de acordo com
Lastres, Legey e Albagli (2003), são:
1. Confiabilidade, velocidade e baixo custo de transmissão,
armazenamento e processamento de enorme quantidade de conhecimento
codificado e aumento da pressão pela privatização e "comodificação"
dos mesmos;
2. Maior valorização do conhecimento tácito;
3. Intensificação dos processos de adoção, difusão e descarte de
inovações;
4. Papel central das tecnologias da informação e da comunicação;
5. Mudanças fundamentais nas formas de gestão organizacional, com
maior integração entre funções;
6. Maior interligação entre empresas e destas com outras
instituições, destacando-se a integração entre usuários, produtores,
fornecedores e prestadores de serviço;
7. A nova dinâmica político-institucional associada às mudanças
técnicas, econômicas e sociais.
Movidas pelos novos padrões de acumulação da sociedade, as instituições
(públicas e privadas) foram levadas a repensar os seus modelos de governança e
de gestão. A participação ampla dos colaboradores, cidadãos e representantes de
interesses diversos, o direito de acesso à informação e a transparência passam
ser requisitos fundamentais para responder às demandas de uma sociedade
estruturada em redes e centralizada na produção, transmissão e uso da
informação e do conhecimento.
Dentro destes novos padrões da sociedade, o conceito de governança, embora
antigo, tem sido amplamente discutido e, de acordo com Braman (2004, p. 14), é
definido como:
Instituições formais e informais, regras, acordos e práticas,
decisões e comportamentos de atores estatais e não estatais, os quais
têm efeito constitutivo na sociedade, ou seja, a capacidade
governativa ou de ação estatal na implementação das políticas e na
consecução das metas seletivas.
Indo um pouco além, Jonhson (1997) consultora da CIDA - Canadian International
Development Agency define os requisitos de uma boa governança:
Entende-se por governança a maneira na qual o poder é exercido por
seus governos no gerenciamento dos recursos econômicos e sociais do
país. Boa governança pressupõe: efetividade, honestidade, equidade,
transparência e prestação de contas (JONHSON, 1997, p.3).
Ou seja, uma boa governança se fundamenta no gerenciamento do poder, que,
correlacionado à sociedade da informação, estabelece políticas ou parâmetros
para controlá-la, disseminá-la e criá-la. E, por isso, o termo política de
informação surge como um processo legitimado frente ao uso, controle e
resultado da informação.
A política de informação corresponde ao:
Processo pelo qual se estabelecem os parâmetros através dos quais a
informação é controlada (criada, sintetizada, analisada, recuperada e
usada), por seres humanos. São mecanismos sociais, usados para o
controle da informação, e os efeitos sociais da aplicação destes
mecanismos (BURGER, 1993).
A partir das definições de Braman e Burger, pode-se concluir que numa sociedade
onde a comunicação e a informação assumem papel preponderante, o perfil de
governança de uma instituição é reflexo das políticas de informação adotadas.
Como mecanismos de controle da informação que propiciam efeitos na sociedade,
as políticas podem incentivar ou restringir a participação dos atores nos
processos da organização, promovendo ou não a criação e o uso do conhecimento e
dos processos de inovadores.
Sabendo da importância atual do conhecimento como agente de inovação e de
participação na sociedade, estes conceitos anteriormente levantados servem como
ponto de partida para a seguinte reflexão: de que forma a informação e o
conhecimento podem ser disponibilizados para todos os atores participantes dos
processos de uma organização, no intuito de promover a inovação e de
desenvolver os requisitos para a boa governança?
A fim de responder a esta indagação, este trabalho teve como objetivo analisar
o processo de criação e disseminação do conhecimento em uma instituição
pública, e identificar os elementos de uma política de informação e de boa
governança que norteiam esse processo. Procurou-se verificar se esses elementos
realmente contribuem e marcam uma diferença no processo de construção do
conhecimento, pela relação dialética entre prática e teoria que eles propiciam.
Utilizou-se como referência o modelo denominado SECI, apresentado por Nonaka e
Konno (1998), onde cada letra representa um método: (S) - socialização, (E) -
externalização, (C) - combinação e (I) - internalização.
2 Criação do Conhecimento
Com o tempo, as organizações perceberam que o êxito das empresas não só depende
de suas habilidades de produção, capital, insumos ou de relações publicas.
Tornou-se fundamental desenvolver também habilidades no campo da criação do
conhecimento, tais como a capacidade de gerar novos conhecimentos e transmiti-
los aos funcionários, e de materializá-los em ações que levem a novos produtos
e serviços mais competitivos.
Nonaka afirma que o conhecimento, a capacidade de criá-lo e de utilizá-lo
constituem importantes pilares para as organizações obterem vantagens
competitivas sustentáveis. Porém, segundo o autor, no contexto organizacional
estamos longe de entender o processo pelo qual uma organização cria e utiliza o
conhecimento. Nossas ações e interações com o ambiente criam e alargam o
conhecimento através do processo de conversão do conhecimento tácito em
explícito. Esta conversão, no entanto, não é um processo simples, uma vez que o
conhecimento tácito é difícil de ser formalizado e só pode ser adquirido
através da experiência compartilhada (NONAKA, 2003). A compreensão dos
conceitos de conhecimento explícito e tácito é o ponto de partida para o
entendimento do processo de criação do conhecimento.
O conhecimento explícito faz referência ao conhecimento que pode ser traduzido
por palavras, números, fórmulas científicas, procedimentos estabelecidos,
especificações, etc. É um conhecimento expresso por números e palavras que pode
ser compartilhado por meio de dados, especificações e/ou manuais. Nonaka &
Konno (1998) definem o conhecimento explícito como uma técnica de aprendizagem
dimensional.
Já o conhecimento tácito faz referência às intuições, à experiência individual,
aos esquemas e modelos mentais que tem cada pessoa em uma organização, sendo
difícil de transmitir e explicitar. Nonaka e Konno (1998) definem o
conhecimento tácito como uma técnica de aprendizagem cognitiva, em que o
conhecimento é dificilmente visível ou expresso. Corresponde a uma forma de
conhecimento altamente pessoal, de difícil formalização e compartilhamento, por
ser composto de intuições, idéias e/ou visões subjetivas. Da mesma forma,
Polanyi (1967) define o conhecimento Tácito como pessoal, intransferível e
específico de um contexto, e, portanto, de difícil formulação e comunicação.
Mas, segundo Choo (1998), é de vital importância para as organizações.
Portanto, a criação do conhecimento, de acordo com Choo (2003), é gerada pela
interação entre o conhecimento explícito e o tácito, sendo estes complementares
e convergentes, pois...
[...] enquanto permanece guardado como know-how pessoal, o
conhecimento tácito não tem valor. Por outro lado, o conhecimento
explícito não surge espontaneamente, mas precisa ser cultivado a
partir das sementes do conhecimento tácito (CHOO, 2003, p. 37).
Este processo promove a inovação e o desenvolvimento de novos produtos ou
serviços na organização. Neste alicerce de correlação é que os quatro métodos
de conversão do conhecimento propostos por Nonaka e Konno (1998) acontecem:
1. Tácito em tácito, mediante a Socialização;
2. Tácito em explícito, mediante a Externalização;
3. Explícito em explícito, mediante a Combinação;
4. Explícito em tácito, mediante a Internalização.
FIGURA_1
2. 1 Modelo SECI - Os quatro métodos de conversão do conhecimento
A Socialização (conhecimento tácito em tácito) corresponde ao processo de
adquirir o conhecimento tácito de outros colegas de trabalho através de suas
experiências, por meio da imitação, da observação e da prática. Segundo Nonaka
e Konno (1998), a socialização faz referência a um processo de transferência
das próprias idéias ou imagens entre os colegas ou subordinados, ou seja, um
compartilhamento do conhecimento pessoal, a fim de criar o lugar comum ou
"Ba"2, onde o compartilhamento de conhecimento tácito entre indivíduos é
enfatizado por atividades de convivência, tais como estar junto, gastar tempo,
viver no mesmo ambiente.
A Externalização (conhecimento tácito em explícito), segundo os autores,
corresponde à tradução ou expressão do conhecimento tácito em uma forma que
possa ser compreendida pelos outros; provocada através do dialogo e da reflexão
coletiva. Nonaka e Takeuchi (1997) comentam que é um processo de criação de
conhecimento perfeito, na medida em que o conhecimento tácito se torna
explícito, expresso na forma de metáforas, analogias, conceitos, hipóteses ou
modelos; ativado pelo diálogo e a conversão efetiva.
A Combinação (conhecimento explícito em explícito) corresponde à combinação de
partes de conhecimento explícito em novos conhecimentos explícitos, como
relatórios, memorandos, etc. Segundo os autores, ela envolve a conversão dos
conhecimentos explícitos em um pacote complexo de conhecimentos, e é dividida
em três fases:
1. Coleta de todo o conhecimento externalizado;
2. Disseminação dos novos conhecimentos pela organização, através de
apresentações ou reuniões;
3. Edição e processamento do conhecimento.
O local ou "Ba" da combinação pode se dar, por exemplo, em cursos nas
universidades, ou por meio da educação ou treinamento formal em escolas.
Acontece também pelo uso de bancos de dados, pela troca de conhecimento através
de redes de computadores, em reuniões, conversas ao telefone, dentre outros.
Já a Internalização (conhecimento explícito em tácito) é definida como a
conversão do conhecimento explícito adquirido em conhecimento tácito
organizacional, através da vivência das novas experiências; e pode se tornar
mais fácil se o conhecimento for capturado em documentos ou se transmitido sob
forma de anedotas, de modo que os indivíduos assimilem as experiências dos
outros. Neste caso, o indivíduo se vê ou se identifica como parte integrante e
relevante do conhecimento organizacional. E é da internalização, de acordo com
Nonaka & Takeuchi (1997), que surge a inovação, devido à contínua interação
entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito.
Os quatro modelos de conversão apresentados se encontram igualmente
relacionados, formando um fluxo de informação cíclico, levando o conhecimento
de tácito a explícito, uma vez e outra, retroalimentando o conhecimento já
adquirido ou, talvez, melhorando-o através da inserção dos outros
participantes.
3 Criação do Conhecimento na Fundação Hemominas
A Fundação Hemominas foi criada em 1985 com o objetivo de implantar as
diretrizes do Programa Nacional do Sangue em Minas Gerais que, "pelas mais
diversas razões e com raras exceções, convivia com uma situação caótica na
prática das transfusões de sangue" (MELO, 2007, p. 40).
A instituição tem a finalidade de assegurar unidade de comando e direção às
políticas estaduais relativas à Hematologia e Hemoterapia, desenvolvendo,
portanto, atividades nas áreas de prestação de serviço, assistência médica,
ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, produção, controle de qualidade
e educação sanitária.
Frente a essa Política Nacional de Sangue, a Hemominas atua e dissemina a
informação para os funcionários e cidadãos, a fim de procurar novos
conhecimentos e serviços que beneficiem o Estado nas questões relativas ao
sangue e derivados. Conforme cita Cioffi (2007), a disseminação da informação
passou a ser uma exigência de todos os envolvidos nos processos da Fundação,
onde foram criados alguns mecanismos de disseminação, dentre os quais se
destacam as comunicações internas, e-mails e jornais.
Sabendo dessa Política Nacional do Sangue e da abrangência da Fundação em Minas
Gerais, com 21 unidades, foram analisados, por meio de entrevistas não
estruturadas, os processos de criação e de disseminação do conhecimento na
Hemominas; tendo sido utilizadas as teorias levantadas no presente artigo sobre
a criação de conhecimento, governança e política de informação, sob a abordagem
do modelo SECI proposto por Nonaka e Konno (1998). Foram entrevistados:
presidência, diretoria técnico-científica, diretoria de atuação estratégica,
além de alguns gerentes das áreas meio e fim.
Estabelecendo uma relação entre os depoimentos dos entrevistados e o modelo
SECI proposto por Nonaka e Konno (1998), procurou-se verificar as experiências
e as características da Fundação nas quatro fases do modelo, e sua interação
com a política de informação.
Antes de abordar o modelo SECI, foi levantada a possibilidade de existência de
uma Política de Informação: se estabelecida ou não, e principalmente como ela
era percebida pelas diretorias. Júnia G. M Cioffi, diretora técnico-científica,
expressou que na Hemominas a...
[...] organização está começando agora a pensar em políticas de
informação, mas ainda não temos uma política de informação
estabelecida [...]. Antes a informação era vista apenas pelo processo
de comunicação social, agora a visão é mais ampla envolvendo os
indivíduos da organização. Existem práticas de socialização, mas não
há política [...] por isso têm que ser criadas diretrizes do que a
Hemominas quer passar para cada unidade, diretoria, funcionário etc.
A visão da diretora de atuação estratégica reforça o pensamento da diretora
técnico-científica:
A política de informação é o modelo de como a instituição determina a
forma de trabalhar a informação, como são determinadas as questões
que envolvem a divulgação, disponibilização e uso da informação. Nós
não temos uma política de informação implantada, institucionalizada.
Existe este desejo, mas o que temos são instrumentos como o
Planejamento Estratégico e Portal, como tentativas de se pensar e
estabelecer incentivo de acesso e divulgação das informações (Kelly
N. Guerra).
Da mesma forma, Kelly N. Guerra comentou sobre a vontade de se ter uma política
de informação na Instituição, legitimada e focada nas necessidades da Fundação,
de seus funcionários e seus usuários.
Temos vontade de ter uma política de informação, mas de modo que seja
institucionalizada, com diretrizes para que ela possa acontecer. E
mais, acredito que tenha que ser estabelecida pela alta-direção e
adotada por todos [...]. Esta política deve estar alinhada aos
objetivos institucionais. Sabemos que nossos esforços atuais são
ações isoladas de promoção para que isso ocorra, mas sinto que fica
muito no desejo de cada um e no modo como cada um faz e não de uma
maneira institucionalizada.
Segundo Browne (1997), a cadeia de transferência de informação pode ser
considerada como um dos modelos que acomodam as necessidades relacionadas à
informação e fornece as bases para a construção de uma política. Ela representa
um ciclo que se inicia com a geração de idéias, passando pelos processos de
coleção, armazenamento, organização, recuperação, incluindo também os processos
de análise, interpretação, evolução, síntese e disseminação dentro deste ciclo.
Mesmo não tendo uma política de informação formalmente estabelecida, os
depoimentos acima demonstram uma percepção das diretorias a respeito de como a
política deve ser construída e em torno de quais processos ela acontece,
corroborando o pensamento de Browne (1997). Neste sentido, os termos divulgar,
acessar, disponibilizar, socializar representam parte dos processos que compõem
a cadeia de transferência da informação.
Sob esta perspectiva, a política de informação, como um conjunto de diretrizes
para controlar, criar e disseminar a informação, é um forte instrumento para a
construção do conhecimento.
Com o objetivo de verificar até que ponto a construção do conhecimento está
inserida no contexto de um pensamento político institucionalizado, presidência,
diretorias e respectivos gerentes foram entrevistados.
No âmbito dos seus processos internos, o principal núcleo de construção do
conhecimento da Hemominas é a pesquisa científica nas áreas de Hematologia e
Hemoterapia, embora haja incentivo a outros tipos de pesquisa nas demais áreas
do conhecimento. As políticas que norteiam a pesquisa na Fundação estão
implícitas na própria dinâmica do grupo de pesquisa, nas diversas práticas da
empresa, nos processos das áreas, e estão explicitamente representadas em uma
função do organograma designada de Serviço de Pesquisa.
Isto pode ser observado nos depoimentos de alguns dos entrevistados, conforme
transcrições a seguir:
Trabalhamos o nosso conhecimento pela participação em Programas de
Certificação de Proficiência externo tais como os realizados pela
Anvisa e Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Um dos
critérios de avaliação para se obter esta certificação é a análise de
amostras e aplicação de questionários que devem ser respondidos pelo
nosso Setor. Os formulários são distribuídos para que analistas e
técnicos respondam às perguntas. Depois, quando recebemos o resultado
da Sociedade Brasileira de Imunohematologia nós nos reunimos para
discutir os eventuais erros, e dúvidas do grupo (Luciana Cayres
Schimidt, Gestora do Serviço de Imunohematologia).
A mesma gerente descreveu alguns exemplos de meios de pesquisa:
Quanto às informações técnicas temos total acesso principalmente
através da Internet e da biblioteca. Quando identificamos um trabalho
importante do nosso interesse, solicitamos à biblioteca e eles se
encarregam de obter o documento (Luciana Cayres Schimidt).
Da mesma forma, a diretora Júnia G. M Cioffi comentou sobre o exemplo
mencionado anteriormente:
Outra forma de disseminação do conhecimento importante é a
biblioteca, que possui revistas atualizadas da área fim, livros
novos, periódicos etc.
As parcerias, como a participação ativa em publicações do Ministério da Saúde e
outras entidades, também cumprem papel importante na construção do conhecimento
da Fundação, como pode ser observado a seguir:
Existem parcerias com a UFMG, Fapemig, Instituto de Pesquisas René
Rachou, Hospital Sarah Kubistchek etc. Algumas universidades nos
enviam estagiários e alunos. Em relação ao Ministério da Saúde, a
Hemominas ajuda na elaboração de documentos. As parcerias são
importantes porque, ao mesmo tempo que levamos conhecimentos, também
trazemos. Também temos parcerias com alguns países como a França, EUA
e Canadá, trocando sempre conhecimentos através das pessoas que vêm e
vão trabalhar. Fazemos também muitas oficinas (Júnia G. M Cioffi).
A diretora de atuação estratégica também citou alguns exemplos:
[...] Exemplo disso é o número de visitas que recebemos. Alunos de
instituições de ensino, intercâmbio com outros hemocentros e
instituições do governo, como por exemplo, a Secretaria de Estado da
Saúde (SES), universidades além de instituições internacionais (Kelly
N. Guerra).
Corroborando os comentários anteriores, a presidente da Hemominas, Dra. Anna
Barbara de Freitas Carneiro Proietti, mencionou algumas participações da
instituição, demonstrando com isso um alinhamento entre as diretorias e a
presidência:
Temos uma participação ativa nas publicações do Ministério da Saúde e
em outras publicações. Buscamos a inovação para melhorar a saúde da
população. [...] Existe a gestão da pesquisa. Um caso que rendeu
benefícios à população foi uma pesquisa feita no teste do pezinho e
do vírus HTLV (Anna Barbara de Freitas Carneiro Proietti).
É importante observar que as práticas citadas acima, relacionadas à pesquisa,
se identificam com ações que fazem parte da arena denominada por Choo (2003) de
criação do conhecimento, onde, de acordo com o autor, o conhecimento e a
experiência dos membros são mobilizados, e o conhecimento tácito é transformado
em explícito, como é o caso das publicações desenvolvidas pela Fundação. Pode-
se dizer que este processo também retrata o método de compartilhamento do
conhecimento definido como Externalização no modelo SECI.
Na opinião da Presidente, o Planejamento Estratégico é um importante
instrumento de disseminação de informações sobre a instituição. Segundo ela, a
diretoria tem empenhado esforços na divulgação e comunicação dos objetivos e
metas propostos nesse planejamento. Ela citou como exemplo a gincana promovida
com os funcionários para facilitar e consolidar o entendimento sobre a visão da
instituição, seu ambiente de atuação, seu papel na sociedade e aonde ela quer
chegar. Esta visão é compartilhada com as diretorias técnico-científica e de
atuação estratégica:
[...] a partir do ano 2000, com o Planejamento Estratégico e
Qualidade de Serviços, começa-se a pensar em repassar o que a
organização quer aos seus funcionários e clientes. [...] Hoje em dia
esse assunto tem sido muito discutido, enquanto antes a informação
era vista apenas pelo processo de comunicação social, agora a visão é
mais ampla e envolve todos os indivíduos da organização (Júnia G. M
Cioffi).
A diretora de atuação estratégica também afirma:
A definição dos processos, o Planejamento Estratégico e as Ações
devem ser pensados institucionalmente, ou seja, precisamos
institucionalizar o que fazemos, aprendemos e ensinamos. Definir como
a instituição quer trabalhar a informação, como serão
disponibilizadas as informações e como incentivar a troca de
conhecimentos. Existem iniciativas, mas não está formalizado, ou
seja, está no desejo de cada um (Kelly N. Guerra).
O processo de acreditação, em curso, também se apresenta como um instrumento
importante para o estabelecimento de políticas explícitas que podem
sistematizar o uso e a disseminação do conhecimento sobre os diversos processos
da organização.
Podemos dizer que tanto o Planejamento Estratégico quanto a acreditação
constituem dois meios importantes no processo de criação de sentido, que,
segundo Choo (2003), é o que dá sentido às mudanças do ambiente para a
organização se adaptar e ter sucesso. Por meio destes, os funcionários podem
construir um entendimento compartilhado sobre o que é a Fundação, o que ela faz
e para onde ela caminha.
[...] acredito que estamos melhorando muito, por exemplo, o processo
de acreditação vai ajudar com a normatização dos procedimentos
realizados. Sabemos que essa não é a única ou a melhor, mas sabemos
que isso vai ajudar muito e é a nossa busca. Não há como gerenciar o
conhecimento que está na cabeça das pessoas (Kelly N. Guerra).
O registro de rotinas operacionais é uma prática adotada por diversos setores
da Hemominas. Estes Procedimentos Operacionais (POP) são revisados anualmente e
têm um papel importante no processo de conversão do conhecimento. Ao executar
as rotinas descritas nos procedimentos, os funcionários têm a oportunidade de
internalizar o conhecimento explícito, transformando-o em conhecimento tácito.
No sentido inverso, as novas situações experimentadas no dia-a-dia são
incorporadas aos procedimentos num processo de externalização do conhecimento
tácito em explícito. A importância dos POP pode ser constatada no depoimento da
gerente de controle de qualidade:
Os setores das áreas técnicas têm seus procedimentos registrados nos
POP. Alguns são mais bem formulados e outros menos, mas todas as
áreas devem ter um mínimo de procedimentos registrados nos POP. O
modelo de POP utilizado é bem antigo e requer uma revisão. Este é um
dos assuntos abordados pelo grupo de gestão da qualidade que está
trabalhando no processo de acreditação da Hemominas (Flávia N.
Gisiviez, Gerente de Controle de Qualidade).
De acordo com Nonaka e Takeuchi (1997), a inovação acontece pela interação
contínua entre conhecimento tácito e explícito. Este raciocínio se confirma
pelas palavras da Gerente de Imunohematologia, ao afirmar que as novas técnicas
incorporadas à rotina do setor são o termômetro para medir se as práticas de
uso e a disseminação do conhecimento estão trazendo inovações; e que, mesmo
sendo revisadas apenas uma vez por ano, alterações vão sendo incorporadas aos
POP informalmente, para no futuro serem incorporadas definitivamente em novas
versões de documentos. Ainda nas palavras da Gerente de Imunohematologia, os
POP servem de instrumento de treinamento das rotinas operacionais para os novos
funcionários.
Processos de Internalização e Externalização do conhecimento também podem ser
identificados nas práticas da Hemominas, como por exemplo, o livro de
ocorrências adotado por algumas áreas, onde toda situação considerada anormal
deve ser registrada e lida pelos integrantes da equipe. Outro exemplo citado
refere-se ao "Manual de Faturamento e Cobrança dos serviços prestados pela
Fundação Hemominas às unidades de saúde particulares", que será distribuído em
breve para todas as unidades da instituição. Segundo o gerente da área
financeira, Alexandre Vertelo, este trabalho foi motivado pela crítica do
Tribunal de Contas de Minas Gerais, no processo de auditoria, e pelo processo
de acreditação que a Hemominas está passando. Seguindo a mesma linha, os
setores de Imunohematologia e Controle de Qualidade possuem manuais de
padronização das práticas de suas áreas que são disponibilizados e utilizados
por todas as unidades.
Portanto, observa-se que as práticas adotadas pelas áreas refletem os métodos
de conversão do conhecimento representados no modelo SECI, demonstrando uma
visão comum em relação à necessidade de explicitar e compartilhar o
conhecimento.
Na esfera da conversão do conhecimento tácito em tácito, denominado pelo modelo
SECI como Socialização, alguns aspectos se destacaram no conjunto de
entrevistas aplicadas na Hemominas: em primeiro lugar, observa-se que o
ambiente de confiança e respeito é mais favorável ao compartilhamento do
conhecimento tácito. Isto se comprova pelos depoimentos a seguir:
As informações sobre a instituição circulam através de e-mail, quadros de aviso
e através de conversas diretas com a diretoria. A minha relação com a diretora
técnica à qual eu sou subordinada é de confiança mútua (Flávia N. Giviez,
gerente de controle de qualidade).
A gerente do serviço de Imunohematologia afirma:
Existe um respeito muito grande pelos colaboradores mais antigos,
como é o caso da Dra. Zilma, que é uma referência para nós. Agora,
dedicada à pesquisa, não temos mais a participação direta dela nas
atividades operacionais, mas muito do que sabemos devemos a ela.
Quando temos alguma dificuldade a respeito de algum assunto e não
conseguimos resolve-la através do acesso às nossas fontes de
informação mais comuns, é a ela que recorremos (Luciana C. Schimidt).
E para reforçar o comentário, a diretora técnico-científica coloca:
Outra coisa importante é demonstrar respeito com profissionais mais
antigos, mostrando que eles têm muito valor para a organização. Eles
têm suas atividades reconhecidas pela Hemominas. [...] Como os
profissionais mais antigos são bem tratados eles não têm resistência
em repassar os seus conhecimentos (Júnia G. M Cioffi).
O método de Socialização é também utilizado para promover o treinamento de
novos funcionários e para disseminar o conhecimento entre as unidades da
Hemominas. Os novos funcionários, além de treinamentos institucionais, aprendem
as rotinas de trabalho pela convivência com os funcionários mais antigos. Nas
palavras de Luciana C. Schimidt:
As informações e o conhecimento são repassados para o novo
funcionário através dos POP e através da própria convivência entre
eles.
A medição sistemática do processo de disseminação do conhecimento
também é uma preocupação, e, segundo a própria diretora técnico-
científica, o aproveitamento do conhecimento pela instituição precisa
ainda ser traduzido em métricas para que este processo possa ser
monitorado.
As dificuldades que temos são em relação à ausência dos indicadores.
Nós medimos os resultados através das pesquisas científicas que são
realizadas na organização. Consideramos as pesquisas que possuem pelo
menos uma pessoa da Hemominas envolvida. Um número que temos é apenas
a quantidade de novos mestres e doutores na organização. Outro
indicador é a quantidade de pesquisas que estão sendo realizadas,
quando as pesquisas têm enfoque na instituição. A Hemominas tem
buscado financiamento para estas pesquisas. Percebe-se o aumento de
conhecimento a partir das mudanças na rotina, nos processos, da
organização. Enfim, acho que tem que melhorar, mas estamos caminhando
nesta direção (Júnia G. M Cioffi).
Já a diretora de atuação estratégica comenta:
[...] o conhecimento refletido nos resultados ainda não foi medido e
nem acompanhado de uma maneira sistemática. A gente percebe muito
isso acontecendo. Fazemos benchmark e procuramos melhorar os
processos a partir de então. Outra maneira de visualizar quando
estamos aplicando nosso conhecimento é na tomada de decisão. Exemplo
disso é a implantação do Centro de Tecidos Biológicos - CETEBIO3.
No âmbito do modelo SECI de conversão do conhecimento, nota-se que o alcance e
a abrangência dos métodos de Socialização, Externalização, Combinação e
Internalização, na Hemominas, podem variar. Nesse sentido, percebe-se que a
preocupação dos funcionários em registrar e compartilhar o conhecimento é
traduzida em ações que normalmente ficam restritas aos setores. Embora
aconteçam, por exemplo, encontros e seminários, não se identificou nos setores
entrevistados algum tipo de ação que manifestasse a preocupação explícita de
extrapolar as suas respectivas fronteiras para a construção do conhecimento
institucional. Isso pode ser indício de um conhecimento disperso que precisa
ser regulado, controlado, disseminado e promovido pela instituição, por meio da
consolidação de uma política de informação, para se chegar à desejável boa
governança, que pressupõe, segundo Jonhson (1997): efetividade, honestidade,
equidade, transparência e prestação de contas.
4 Considerações finais
Entendendo a informação como um dos principais recursos para a construção do
conhecimento, é inegável a necessidade de se estabelecer, dentro dos parâmetros
de uma boa governança, políticas de informação que incentivem e propiciem a
criação e a disseminação do conhecimento na organização, e que promovam um
ambiente favorável às inovações como valor agregado. A partir do conceito de
boa governança, apresentado por Jonhson (1997), procurou-se, como proposta de
reflexão para este trabalho, responder às indagações sobre o compartilhamento
da informação e do conhecimento entre os atores envolvidos nos processos
organizacionais, no intuito de desenvolver os requisitos para a boa governança
e de promover a inovação. Como referência, utilizou-se a espiral de conversão
do conhecimento de Nonaka e Konno (1998), o conceito de política de informação
apresentado por Burger (1993) e o de governança apresentado por Braman (2004),
buscando na articulação desses conceitos uma base teórica para a investigação.
Analisou-se o processo de criação e disseminação do conhecimento na Fundação
Hemominas, procurando identificar, nas ações e práticas da instituição, os
métodos de conversão do conhecimento e a presença de elementos de uma política
de informação; verificando a influência desses elementos no processo de
construção do conhecimento.
A partir de entrevistas não estruturadas com a direção e alguns de seus
funcionários, percebeu-se que há um alinhamento e o reconhecimento entre eles
da importância de criar, trabalhar, disseminar e compartilhar a informação.
Entretanto, o conjunto de ações que refletem este reconhecimento não constitui
uma política de informação nos termos apresentados por Burger (1993), em que
possam ser encontrados parâmetros comuns a toda a instituição por meio dos
quais o controle da informação possa ser exercido.
Ao longo das entrevistas, verificou-se que as ações que propiciam a construção
do conhecimento permeiam os processos da organização, ainda que de forma tímida
e em níveis diferenciados. Porém, constatou-se que essas ações acontecem como
resultado da busca pela melhoria dos processos produtivos ou de gestão, e não
como resultado de uma política de informação estabelecida pela Fundação. Pela
análise das entrevistas, conclui-se que os métodos de conversão do conhecimento
do modelo proposto por Nonaka e Konno (1998) estão presentes nas práticas e
processos da Hemominas. Portanto, nota-se que as ações, mecanismos e
instrumentos que a instituição adota, estão traduzidos nos métodos de
Socialização, Externalização, Combinação e Internalização do modelo SECI,
tomado como referência no presente artigo. Podem-se considerar tais ações como
uma sistemática que se aproxima bastante deste modelo. No entanto, a ausência
de uma política de informação catalisadora, integradora e incentivadora dos
processos de uso e compartilhamento da informação, com objetivos
especificamente voltados para a criação do conhecimento e a busca de inovações,
deixa os mecanismos de interação entre conhecimento tácito e explícito à mercê
de vários outros interesses da instituição, que não aqueles vinculados
diretamente à produção de conhecimento. Nesse sentido, a política de informação
ainda não alcançou o seu lugar de objeto de governança (BRAMAN, 2004), que
reconhece o conhecimento e a inovação como diferenciais competitivos na
sociedade da informação.
Verificou-se que a noção de informação constituída na Fundação, de modo geral,
não é percebida como parte de um ciclo informacional gerador de conhecimento,
embora seja reconhecida a necessidade de se "trabalhar" a informação na
organização.
Os entrevistados reconheceram a importância do conhecimento como agente de
inovação e, nesse sentido, a Fundação é vista como uma instituição de pesquisa
criadora de novos conhecimentos, corroborando o pensamento de Nonaka e Konno
(1998), aqui discutido. A Hemominas já percorreu um caminho, talvez o
principal: adquirir a consciência de que a criação e disseminação do
conhecimento é um processo cíclico, estratégico e contínuo. Porém, há ainda um
longo percurso, onde o desenvolvimento e a consolidação de uma política de
informação se fazem essenciais para garantir a continuidade e a evolução desse
trabalho.