A leitora e sua relação com o jornal Estado de Minas
1 Introdução
Situamo-nos ao lado dos teóricos que estudam as implicações da construção de
linguagens e discursos que constituem a informação e a comunicação entre os
agentes sociais. A informação só leva ao conhecimento se for percebida e
entendida como um instrumento modificador da consciência do indivíduo e de seu
grupo social. Diferentemente da informação, o conhecimento só existe quando há
alguém a quem se vincular, a quem pertencer, um conhecedor.
Na visão de Barreto (2002), a informação sintoniza o homem com a memória de seu
passado e com as perspectivas de seu futuro, enquanto o conhecimento é "uma
alteração provocada no estado cognitivo do indivíduo e organizada em estruturas
mentais por meio das quais o sujeito assimila o meio" (p. 49). Ou, ainda, o
conhecimento é o "objetivo da informação, que permanece sendo a apreensão de
sentidos ou seres em sua significação" (LE COADIC, 1996, p. 5).
Por isso, quem detém a propriedade dos estoques de informação determina sua
distribuição e condiciona potencialmente a produção do conhecimento. "Os
produtores de informação não podem dizer ao indivíduo o que pensar, mas podem
induzir sobre o que pensar" (BARRETO, 2002, p. 49).
Para Dumont (1998), a informação causa alguma reação no sujeito se coincidir
com seus anseios, seu contexto, seu repertório. Entre os objetivos que levam
uma pessoa a buscar informações através da leitura, aparecem, segundo a autora,
o lazer; a necessidade de atualizar os conhecimentos, de saber mais sobre
determinado assunto e a posterior satisfação de "matar a curiosidade"; podendo
chegar, também, ao desejo de "liberar o espírito". Ela nos lembra que processos
cognitivos, como pensar, imaginar, relembrar e solucionar problemas, podem
estar relacionados com o comportamento de busca de informação.
As maneiras de compreender os produtos da mídia variam entre os indivíduos,
assim como entre um contexto sócio-histórico e outro. Para Thompson (1999), o
"significado" de uma informação transmitida pela mídia não é um fenômeno
estático, fixo e transparente para todos.
Antes, o significado ou o sentido de uma mensagem deve ser visto como
um fenômeno complexo e mutável, continuamente renovado e, até certo
ponto, transformado pelo próprio processo de recepção, interpretação
e reinterpretação (THOMPSON, 1999, p. 44).
O autor conclui dizendo que, ao interpretar as mensagens, os indivíduos as
incorporam à própria compreensão que têm de si mesmos e dos outros. Eles as
usam como veículos para refletirem sobre si mesmos, os outros e o mundo ao qual
pertencem.
Apropriar-se de uma mensagem é apoderar-se de um conteúdo
significativo e torná-lo próprio. É assimilar a mensagem e incorporá-
la à própria [...] e aos contextos e circunstâncias em que vivemos
[...] que normalmente são bem diferentes daqueles em que a mensagem
foi produzida (THOMPSON, 1999, p. 45).
As informações transmitidas pela mídia são comumente discutidas por indivíduos
tanto no momento da recepção quanto posteriormente. Elas são, portanto,
elaboradas discursivamente e compartilhadas num círculo amplo de indivíduos.
Dentro deste contexto, procuramos estudar a mulher enquanto uma construção
social - perspectiva dos estudos de gênero -, ainda sobre os domínios do
patriarcado - discriminação e dominação simbólica -; e o uso da informação
enquanto veículo de manutenção, manipulação e/ou transformação da sociedade.
Como a informação, enquanto fenômeno social, possui dimensões em todas as
esferas, política, econômica, cultural e histórica, procuramos analisá-la
levando em consideração esses contextos.
Entendemos que o acesso à informação é fator decisivo para a mudança cultural e
social da mulher, e nos preocupamos com o que ela tem conseguido fazer com a
informação jornalística à qual tem acesso, com vistas a alcançar maior
autonomia, a modificar sua condição econômica, social e política, que, em
muitos casos, ainda permanece atrelada à do homem.
Os três maiores jornais impressos brasileiros em circulação têm um grande
público leitor feminino: 48% dos leitores da Folha de São Paulo, 51% de O Globo
e 46% de O Estado de São Paulo. Escolhemos estudar a relação que as leitoras do
Estado de Minas mantêm com a informação nele contida, por ser esse o maior
jornal de referência em circulação no estado de Minas Gerais. A proporção de
leitores do jornal é de 48% homens e 52% mulheres1.
Ao se depararem diariamente com as páginas do jornal, estarão as mulheres à
procura do quê? Com que objetivos elas o lêem e quanto do que lêem interfere em
seu crescimento pessoal e em sua participação social? Elas se "interessam" em
interagir com o jornal e em intervir na construção da informação jornalística?
Responder a essas questões foi o objetivo da dissertação de mestrado em Ciência
da Informação, de autoria de Espírito Santo (2007), cujas conclusões se seguem.
2 A pesquisa de campo
Esta pesquisa surgiu a partir da nossa inquietação quanto à maneira como o
gênero feminino figura na grande imprensa, e como a mulher se relaciona com os
jornais impressos. Sabemos do interesse dela em lê-los para se manter bem
informada, porém não percebemos, por parte dos grandes jornais, a iniciativa de
tratá-la com a mesma importância com que trata o gênero masculino. Também não
percebemos, por parte da leitora, a intenção de participar da construção da
informação através do envio de sua opinião, seja sobre a abordagem dos fatos
por parte da imprensa ou sobre sua visão particular destes ou de outros
acontecimentos.
Uma de nossas hipóteses era a de que a mulher, ao ler um jornal impresso,
buscava, principalmente, informação, para adquirir cultura e conhecimento.
Dessa forma, ela a utiliza em conversas formais, no ambiente de trabalho, e
informais, em sua vida familiar e social, com o objetivo de inserir-se e de
participar da sociedade como cidadã.
Inicialmente acreditávamos, também, que a leitora percebia a mulher retratada
nas páginas do jornal, tanto em textos como em imagens fotográficas e gráficas,
como alguém ausente das grandes decisões políticas, econômicas e sociais. No
entanto, através da pesquisa observamos que a ausência da mulher nas páginas do
jornal é fato talvez pouco percebido, tanto pelos leitores, de uma maneira
geral, quanto pela direção da empresa e da redação. Constatamos que são poucas
as contestações femininas com relação a essa realidade.
Na tentativa de testar nossas hipóteses, optamos por realizar uma pesquisa de
campo de metodologia mista, quantitativa e qualitativa. Fizemos um levantamento
quantitativo da publicação de cartas assinadas por homens e por mulheres, no
período de 25 de julho a 23 de agosto de 2006, na editoria de Opinião dos
jornais Estado de Minas, Hoje em Dia, O Tempo, O Estado de São Paulo, Folha de
São Paulo, O Globo e Correio Brasiliense. Ao todo, estes veículos publicaram
juntos 1838 cartas, sendo 1493 masculinas e 345 femininas.
Tínhamos como hipótese que, não apenas as de Minas Gerais, mas também as
leitoras de outros estados influem e atuam de forma silenciosa nos grandes
jornais impressos brasileiros. Acreditávamos que a cultura de desvalorização da
manifestação pública do feminino é um dos fatores que desestimula a mulher a
participar dos espaços dedicados à manifestação dos leitores, o que colabora
para deixá-las, muitas vezes, às margens da produção da informação
jornalística. Não foram contabilizadas as cartas assinadas por assessores de
imprensa, tanto do sexo masculino quanto do feminino, por não expressarem a
opinião da pessoa e sim da instituição que representam. Também não foram
consideradas as identificadas apenas pelas iniciais do autor e as assinadas por
pessoas cujos nomes não identificam o sexo.
Fizemos também o levantamento do número de cartas enviadas via fax, correios ou
e-mail à editoria de Opinião do Estado de Minas, entre 25 de julho e 23 de
agosto de 2006, tanto por homens quanto por mulheres. Confrontamos o número de
cartas enviadas por mulheres com o total publicado. O volume total de cartas
enviadas ao jornal foi de 275. Dentre elas, 59 eram de mulheres, sendo que 32
foram publicadas. Nosso objetivo era identificar se o número de colaborações
femininas editadas era devido principalmente à baixa participação de mulheres
ou a uma pré-disposição a não publicá-las por parte dos jornalistas.
Na tentativa de decifrar as intenções do discurso adotado pela mídia impressa
brasileira, através de seus enunciados e silêncios, em relação ao jogo de poder
entre os sexos, optamos por fazer a análise do discurso da primeira página do
Estado de Minas e das reportagens para as quais ela remete; visto que palavras
e fotografias contêm elementos que devem ser interpretados além de seus
significados literais. O estudo foi feito com as capas publicadas no período de
25 de julho a 23 de agosto de 2006.
Utilizamos alguns princípios da análise do discurso da linha francesa, que
estuda os efeitos das mensagens sobre o receptor e sobre a cultura na qual está
inserido, e procura decifrar as intenções por trás do discurso. Como
princípios, utilizamos, principalmente, a "leitura" da diagramação das páginas,
do destaque dado a determinados temas em detrimento de outros, da linguagem
adotada e dos pressupostos subentendidos, na tentativa de decifrar e mapear a
maneira como o jornal apresenta o gênero feminino aos seus leitores.
A análise do discurso tem por objetivo pensar o dispositivo de enunciação - no
nosso caso o Estado de Minas -, que associa uma organização textual e um lugar
social determinados, vinculando o texto e o contexto no qual se dá a
comunicação. "Não se interessa pela 'verdadeira' posição ideológica do
enunciador real, mas pelas visões de mundo dos enunciadores inscritos no
discurso" (FIORIN, 2006, p. 51).
Para conhecermos o ponto do vista da leitora sobre o jornal e a maneira como
ela se relaciona com a mídia impressa, aplicamos entrevistas por telefone, no
período de 01 de agosto a 28 de outubro de 2006, junto a 172 leitoras do Estado
de Minas; amostra retirada do universo de assinantes do jornal, que totaliza
cerca de 70 mil, segundo a Superintendência de Circulação da empresa. Pesquisas
como Ipsos Marplan (2006) estimam que o número de mulheres leitoras do Estado
de Minas seja de 578 mil, sendo que a grande maioria faz uma leitura
compartilhada, ou seja, não é ela que compra o jornal que lê.
A técnica escolhida foi a de entrevista semi-estruturada. Através de questões
fechadas, procurou-se saber quais os cadernos a mulher lê, e quais, na opinião
das leitoras, destacam a participação das mulheres na sociedade. Procurou-se,
também, medir a freqüência com a qual elas lêem o jornal. Já as perguntas
abertas, num total de oito, deram à entrevistada a oportunidade de discorrer
sobre o tema proposto, sem respostas ou condições preestabelecidas que pudessem
influenciar sua opinião.
3 Resultados
Sabemos que os resultados da pesquisa qualitativa não devem ser considerados
como conclusivos e utilizados para fazer generalizações em relação à população-
alvo. Mas eles podem nos auxiliar quando buscamos informações mais profundas
sobre o comportamento, sobre o que faz ou pensa determinado grupo em relação ao
objeto que se deseja pesquisar. Os resultados de nossa pesquisa nos
possibilitaram desenvolver uma compreensão inicial dos problemas levantados,
revelando valores, crenças, sensações e atitudes do público leitor feminino de
jornais. Este tipo de abordagem torna mais evidentes aspectos da leitura
feminina que não estão tão claros nem mesmo para as próprias mulheres, muito
menos para a sociedade de uma maneira geral.
3.1 Perfil das entrevistadas
Em relação à idade, a maioria das leitoras do Estado de Minas, 72,2%, tem mais
de 40 anos, sendo a faixa etária entre 40 e 49 anos a que mais concentra
leitoras, com 26,2%. Leitoras mais jovens, de 20 a 29 anos, são minoria, 7%.
Quanto ao estado civil, 55,8% das leitoras são casadas.
Há leitoras com diferentes níveis de escolaridade, sendo que 55,8% têm curso
superior completo. Isso parece refletir-se, também, no grau de ocupação. 58,1 %
trabalham, sendo que a ocupação mais citada foi a de funcionária pública, com
37,4%. Entre as que disseram não trabalhar, 60% exerceram alguma atividade
remunerada anteriormente, encontrando-se aposentadas na ocasião da entrevista.
Os resultados nos mostram que apenas 19,8% adquiriram o hábito de ler jornal há
menos de dez anos, enquanto o restante se diz leitora há mais tempo. Entre as
entrevistadas, 64,5% lêem jornal todos os dias.
Ao fazermos o cruzamento entre as leitoras que não trabalham fora de casa e sua
freqüência de leitura, percebe-se que as aposentadas são as que mais lêem
jornal, seja diariamente ou apenas alguns dias da semana (65,1%), seguidas
pelas donas de casa, com 27%. As entrevistadas que só estudam lêem menos
jornal, 6,3%, na frente apenas das desempregadas.
Comparando-se a idade com a ocupação principal, percebe-se que aquelas que
apenas estudam estão entre as faixas dos 20/29 anos e 30/39 anos, e não
apareceram donas de casa com idade inferior a 30 anos.
Em relação à escolaridade, percebe-se que não há correlação entre o nível de
escolaridade e um tempo maior de leitura de jornais. Ao contrário, enquanto
quem tem curso superior completo ou mais despertou interesse pela leitura em
média há 21 anos, e quem tem curso superior incompleto o fez há 15,3 anos, quem
tem segundo grau ou ensino fundamental o fez há mais tempo: uma média de 24,2
anos e 22 anos, respectivamente. Esse resultado pode ser explicado pelo fato de
um número significativo de nossas entrevistadas estarem aposentadas, 41 delas,
e ter mais de 50 anos, 80 delas.
Observa-se a leitura frequente, durante os sete dias da semana, para 64% das
leitoras com curso superior ou mais, assim como para 28% entre as que têm
segundo grau e para 22% daquelas com o ensino fundamental. Já entre as que têm
curso superior incompleto, apenas 10% lêem jornal todos os dias. Quem tem
apenas o ensino fundamental é quem lê jornal com menor freqüência.
Vimos que o nível de escolaridade não é uma variável determinante para uma
leitura mais freqüente, porém o mesmo não se pode dizer em relação à ocupação
principal. As que trabalham são as que lêem jornal com mais freqüência, 37,9%
delas diariamente. 26,6% das que não trabalham também lêem jornal todos os
dias. Não podemos nos esquecer de que, entre as leitoras que não trabalham, 60%
encontram-se aposentadas, ou seja, já trabalharam um dia.
3.2 Objetivo de leitura
Pedimos que as entrevistadas descrevessem seus objetivos ao ler o jornal,
confirmando, assim, nossa hipótese inicial de que a mulher, ao ler jornal, o
faz à procura de notícias que a mantenham bem informada sobre assuntos
diversos, ao contrário da crença comum, que supõe estar ela mais interessada em
temas "frívolos e femininos", como beleza, culinária e fofocas.
A pergunta comportava mais de uma resposta, sendo que dois objetivos
concentraram a maioria das leitoras: 58% disseram que o lêem à procura de
informações novas ou que reforcem as acessadas anteriormente, e 20% para se
manterem atualizadas. Optamos por diferenciar esses dois objetivos baseados em
seus significados literais: informar é tomar ciência, instruir-se, e atualizar
pressupõe acrescentar informações a determinado conhecimento, colocando-o em
dia.
Nesse ponto, é importante lembrar que a busca de informação é básica para o
processo de aprendizagem e, conseqüentemente, para o entendimento do mundo e o
seu conhecimento. As leitoras buscam informação também como forma de lazer, de
exercitar a leitura e de atender às suas necessidades profissionais.
Em que editorias elas atendem a esses objetivos? Essa pergunta comportava um
número ilimitado de respostas, pois desejávamos conhecer quais os cadernos mais
lidos, independentemente das preferências das leitoras.
Entre os cadernos do Estado de Minas, a editoria de Política é lida por 107
delas, seguida de perto pela editoria Gerais, citada por 103 leitoras, e pelo
caderno de Cultura, lido por 102 entrevistadas. As funcionárias públicas
lideram entre as que mais lêem todas as editorias, sendo a de Cultura a mais
citada por elas, 15,1%, seguida da Política, 14,5%, Nacional, 12,8%, Gerais e
Feminino & Masculino, ambas sendo freqüentemente lidas por 11,6%.
Internacional, Turismo e Bem Viver foram citadas por 9,9% das funcionárias
públicas.
As leitoras assalariadas com carteira assinada também demonstraram interesse
por diversas editorias, desde as consideradas de abordagem preferencialmente
masculina, como Política, com 11,6%, Internacional e Nacional, ambas com 9,9%,
até as de linguagem menos "técnica", como Cultura, com 10,5%, e Turismo, com
9,9%.
Para todas as categorias de trabalho, o caderno Feminino & Masculino, de
abordagem preferencialmente feminina, aparece bem cotado, porém sempre abaixo
da Política e Nacional, exceto no caso das que regularmente trabalham por conta
própria. A editoria Gerais também aparece como mais lida que o Caderno Feminino
& Masculino para a maioria das entrevistadas; esse quadro só não se
verifica no caso das funcionárias públicas, das que temporariamente trabalham
por conta própria e das autônomas universitárias, para quem a percentagem de
leitura dos dois cadernos se iguala. Não podemos nos esquecer de que o caderno
Feminino & Masculino é semanal, sendo publicado apenas aos domingos, ao
contrário das outras editorias citadas, que são diárias.
Percebe-se certa heterogeneidade na escolha dos temas por parte das leitoras
que trabalham: lê-se de tudo um pouco. Mas, ao mesmo tempo, há certa
homogeneidade nesta leitura: lê-se praticamente as mesmas coisas. Acreditamos,
com base nas idéias de Escarpit (1958 apud DUMONT, 1998), que isso
provavelmente seja devido ao estilo relativamente uniforme da vida feminina. A
maioria das mulheres convive com os cuidados com a casa e a família, dividindo
espaço e tempo com as atividades profissionais. Daí a necessidade de informação
e atualização sobre o que se passa em todos os setores do cenário político,
assim como de satisfazer suas necessidades de cultura e de "assuntos de
mulher".
Ao fazermos o mesmo cruzamento de dados com os das leitoras que não trabalham
fora, percebemos que eles apresentam certas similaridades, porém a preferência
maior de leitura recai sobre diferentes temas. Enquanto, para as trabalhadoras,
as editorias Política, Nacional e Gerais estão no topo, para as que não
trabalham fora as editorias Gerais (25,6%), Feminino & Masculino (23,3%) e
Cultura (22,7%) são as mais lidas. A Política só aparece como uma das mais
lidas entre as leitoras que não trabalham fora, no caso das que só estudam, mas
divide a mesma atenção com outras editorias: Gerais, Cultura, Bem Viver e
Feminino & Masculino.
Surgem então as perguntas: O que, efetivamente, as leitoras fazem com a
informação ou a atualização que encontram no jornal? A leitura do jornal
interfere em suas vidas? De que forma? Ao se informar e atualizar, elas se
sentem inseridas no mundo, discutindo os acontecimentos, emitindo opinião;
estariam contribuindo para a construção da sociedade? Constatamos que a
informação jornalística se configura para elas como um objeto de troca no
mercado, de valorização pessoal tanto aos seus olhos quanto aos dos outros e,
ainda, que as "guia" na tomada de decisões, como veremos a seguir.
3.3 Interferência
Pedimos que as entrevistadas descrevessem de que forma os assuntos lidos no
jornal interferem em sua participação na sociedade. Foi grande o número de
mulheres que não opinaram - 35%, sendo que 5% delas, inclusive, disseram não
saber o que dizer e outras duas disseram acreditar que a leitura do jornal não
interfere em nada nas suas vidas.
Esse ponto nos surpreendeu, visto que muitas leitoras se disseram interessadas
na leitura de editorias como Política e Gerais, com o objetivo principal de se
informar; o que as possibilita se posicionarem publicamente. Passamos a nos
questionar se muitas das respostas dadas ao questionário condizem realmente com
a realidade.
Sabíamos que essa seria uma pergunta difícil de responder, assim como tínhamos
o conhecimento de que é impossível mensurar o quanto e de que forma a
informação modifica a consciência dos indivíduos e grupos. As interferências
podem ocorrer em situações concretas, como mudar a rota de uma viagem ao ler no
jornal sobre a queda de uma ponte, ou não ter influência prática, mas
ideológica.
As respostas a nós fornecidas por 60% das entrevistadas foram variadas e as
agrupamos por afinidade. Para 19% das leitoras, por exemplo, as informações
obtidas as capacitam ou as ajudam na socialização. Já para 12% das
entrevistadas, o jornal interfere na formação da própria opinião sobre diversos
assuntos.
Cabe lembrar que o jornal leva ao leitor, em suas páginas, a informação que ele
interpreta e à qual dá sentido, conforme sua bagagem mental. Sendo assim, a
informação veiculada pela mídia é transformada pelos indivíduos que a ela têm
acesso, o que os torna elos informacionais. A capacidade de interferir nesta
"construção" da informação será maior ou menor, de acordo com suas condições e
relações sociais. Dessa forma, as informações, por eles reconfiguradas,
circulam retrabalhadas, segundo diversos pontos de vista e objetivos.
3.4 Temas compartilhados
Quais temas, então, elas preferem compartilhar? 78 entrevistadas responderam
ser política; 36 saúde e bem estar; 30 cultura; 22 temas regionais; 18 todos;
17 economia; entre outros. Temas considerados pelo senso comum como sendo
típicos do universo feminino, como moda e filhos, foram citados apenas uma vez
cada.
Percebe-se que, em relação a todos os temas citados, é menor o número de
leitoras que os compartilham do que o número das que os lêem. Observemos alguns
exemplos: 107 disseram ler política, enquanto 78 delas o compartilham; 103 lêem
a editoria Gerais e 22 compartilham temas regionais editados em suas páginas;
102 se interessam pela cultura, mas 30 discutem com os outros seu conteúdo; 95
lêem as páginas da editoria Nacional e apenas quatro citaram utilizar o assunto
em suas conversas.
3.5 A mulher "em destaque"
Foi-lhes perguntado quais cadernos destacam a participação das mulheres na
sociedade. Em primeiro, aparece o Feminino & Masculino, com 73 citações,
sendo essa editoria lida por 94 das leitoras. Aliás, em todas as editorias o
número de mulheres que as lêem é maior que o número de leitoras que as vêem
destacando o gênero feminino. A editoria de Política destaca a mulher na visão
de 65 das entrevistadas e é lida por 107; a de Cultura é lida por 102
entrevistadas e destaca o feminino na visão de 51; a Bem Viver, lida por 76,
foi citada por 44 entrevistadas.
3.6 Imagem
Pedimos às entrevistadas que nos descrevessem a imagem que, geralmente, o
jornal passa da mulher, através de seus textos e fotografias, sem citarem
nenhum evento específico ou edição. Essa pergunta também teve respostas
variadas, que foram analisadas em categorias por afinidade.
Quanto à imagem transmitida pelos textos, 30 delas não responderam e 13 não
souberam fazê-lo. Mais uma vez nos surpreendemos com o alto número de
abstenções. Se as entrevistadas buscam informação na leitura de jornais, se
elas os lêem na procura de conhecimento que as possibilitem se posicionar tanto
em ambientes privados como públicos, como entender o fato de muitas delas não
responderem a esta questão? Acreditamos que elas tenham entendido a pergunta e
não responderam, principalmente, porque nunca pensaram em fazer essa
correlação. 64 entrevistadas acham que o jornal passa uma imagem positiva da
mulher; 29 entrevistadas vêem através do jornal uma mulher atuante; dez
acreditam que o jornal tanto destaca pontos positivos quanto negativos da
mulher; nove acham que o jornal é imparcial, neutro, no tratamento à mulher.
Para oito entrevistadas, a imagem da mulher construída pelo jornal é negativa;
e seis acham que a mulher sequer tem espaço dentro do jornal.
No que se refere à imagem transmitida pelas fotos, 30 não responderam e 19 não
souberam definir. Mais uma vez, o número de entrevistadas que não contribuíram
com sua opinião foi expressivo. Entre as que responderam à pergunta, 88
acreditam que as fotografias auxiliam a construir uma imagem positiva da
mulher; 20 acham que as fotos tanto mostram pontos negativos quanto positivos;
e a imagem é negativa para 11 das entrevistadas.
O que mais chama a atenção nesses resultados é que, proporcionalmente à
freqüência das citações, o número de entrevistadas que vêem o jornal retratando
a imagem da mulher de forma positiva através dos fotos é maior do que o número
das que vêem as editorias destacando a participação feminina na sociedade.
3.7 Opinião
Percebemos através das entrevistas que a leitura de jornais contribui de forma
significativa para a construção da opinião de 12% das entrevistadas. Porém,
detectamos que a leitora não tem interesse em contribuir com o jornal enviando-
lhe sua própria opinião. São pouquíssimas aquelas que enviam correspondências
para o jornal: 94,2% das entrevistadas nunca o fizeram.
A justificativa mais utilizada foi a falta de interesse, de motivo, de vontade
e de necessidade, totalizando 61% das respostas. Agrupamos as respostas em uma
só porque as próprias entrevistadas as utilizaram em conjunto, como sinônimos
ou correspondentes. Em segundo lugar, com 14%, vem a falta de tempo, o que
demonstra certo desejo, necessidade, interesse e motivo para fazê-lo. Outras 8%
já deixaram esse desejo mais evidente, mas disseram que sempre há um
impedimento como falta de tempo, dificuldades para enviar, entre outros.
Acreditamos haver por parte dos jornais, de uma maneira geral, certa falta de
interesse em abordar e interpretar os anseios e as mensagens subliminares
contidas nas cartas de seus leitores. Certamente elas não estão sendo
devidamente interpretadas pelas empresas como indicadores importantes para o
processo de construção da notícia. Na verdade, a maioria dos veículos não tem
um setor empenhado em interpretar as "reais" informações contidas nessas
correspondências, tendo, normalmente, apenas um profissional que as lê, as
recorta e as publica. O conteúdo das cartas fica restrito à editoria de Opinião
e aos leitores, seu destinatário final. Ninguém mais dentro do jornal parece se
importar com elas.
Interessante observar que 57 entrevistadas disseram ler as páginas de Opinião,
editoria em que as cartas são publicadas. Para os jornais, de uma maneira
geral, parece não importar a opinião do leitor. Publicar as cartas e "abrir"
espaço para a participação tem mais uma função de sondagem mercadológica do que
de servir como instrumento para rever a si próprio.
Apesar de, na prática, o espaço de publicação de cartas não acolher debates
relevantes e significativos, muito menos servir como efetivo controle da
imprensa2, seu estudo pode nos dar uma idéia sobre os usos feitos pelo leitor
desse tipo de canal de interação. Para Braga (2002), mais que demonstrar a
eficácia direta e imediata do controle dos jornais, o estudo das cartas de
leitores nos auxilia a perceber as lógicas do processo, "assim como sua
potencialidade de fornecer aos usuários (à sociedade, portanto) um instrumento
crítico-interpretativo que possa ampliar sua competência de 'leitura', de
escolha, de 'edição'" (p.135). Na visão do autor, as cartas funcionam como uma
"resposta" do leitor ao jornal. Já para Melo (1994), a carta distancia-se
totalmente da temporalidade, não coincidindo com o "momento eclosivo" dos
fatos. Porém, resgata o outro lado do fluxo jornalístico: o do receptor, o da
coletividade.
Braga (2006) explica que a relação jornal-leitor, estabelecida através das
cartas entre produtores e usuários do produto, constrói (ou deveria construir)
uma dependência mútua. "Essa relação [...] depende largamente de como cada uma
das partes 'constrói' a outra, das expectativas e das reivindicações segundo as
quais atribui papéis ao interlocutor" (p.290).
O fato de mulheres de todas as faixas etárias lerem jornais nos leva a
acreditar que a idade não seja um fator determinante para que elas enviem ou
não cartas às redações. Chegamos a essa conclusão porque é semelhante o número
de cartas assinadas por mulheres e publicadas nos sete jornais analisados:
Estado de Minas, Hoje em Dia, O Tempo (concorrentes locais do EM), O Globo,
Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e Correio Brasiliense. O Estado de
Minas, por ter um alcance local significativo, recebe quase que exclusivamente
correspondências de mulheres que residem no Estado. Já a Folha de São Paulo,
jornal de maior alcance, distribuído de norte a sul do país, recebe
correspondência de leitores e leitoras de todas as cinco regiões brasileiras.
Ao confrontarmos a publicação de cartas assinadas por mulheres nesses dois
jornais e nos outros cinco, percebemos que o silêncio está longe de ser
exclusividade da mineira.
3.8 Carta de leitores
Uma das maneiras de se criticar a mídia, e o que parece ser o elemento de maior
interatividade nos jornais, citada tanto por Braga (2002) quanto por Mouillaud
(2002), são as cartas dos leitores enviadas aos jornais. A carta aparece entre
os gêneros jornalísticos opinativos, uma manifestação reivindicatória, cultural
ou emocional do leitor. É onde ele fala com o jornal, no jornal e sobre o
jornal. Estudá-las nos auxilia a perceber as lógicas do processo de interação
entre o leitor e os meios de comunicação de massa.
Acreditávamos que, no caso feminino, a baixa participação nos espaços
destinados à interação jornal/leitor e, conseqüentemente, leitor/público,
denunciava que falta à mulher a conquista de uma nova relação social, na qual
se posicione como sujeito que "fala" e que não se contenta em "ouvir". O
"silêncio" decorria, principalmente, do domínio feminino no âmbito do privado,
no qual a expressão através da escrita não vai muito além de "receitas e
recados" (TEBEROSKY, 1998).
Contabilizamos, então, o número de cartas de leitores recebido pela editoria de
Opinião do Estado de Minas, entre 25 de julho a 23 de agosto de 2006. Nesse
período, o jornal recebeu 59 cartas femininas e 198 masculinas, o que totaliza
257 cartas. Dessas, 173 foram publicadas: 141 assinadas por homens e 32 por
mulheres. Comparando-se o número de cartas enviadas e editadas por sexo,
percebe-se que o sexo masculino foi privilegiado: entre as 59 cartas femininas
recebidas, 32 delas, ou seja, 54%, foram publicadas. Já entre as 198 enviadas
por homens, 141, ou 71% delas, foram publicadas. Apenas os dados numéricos não
são suficientes para concluirmos que a edição da página é tendenciosa, pois o
que mais conta, segundo os responsáveis pela leitura e pela publicação das
cartas, é o conteúdo e a pertinência do tema abordado. Mas, com certeza, isso
nos indica que uma pesquisa mais aprofundada nesse sentido merece ser
realizada.
Percebemos uma baixa representação da opinião feminina também nos concorrentes
mineiros do Estado de Minas. O Hoje em dia publicou 89 cartas assinadas por
homens e 16 por mulheres, e O Tempo 151 de homens e 42 de mulheres.
A Folha de São Paulo publicou, no período analisado, 204 cartas masculinas e 37
femininas; O Globo 512 cartas de homens e 148 de mulheres; o Estado de São
Paulo 261 cartas de homens e 41 de mulheres; e o Correio Brasiliense 135 e 29,
respectivamente.
Interessante observar que o espaço para a publicação de artigos de opinião
localizado ao lado das cartas dos leitores, destinado a estimular o debate
sobre os atuais problemas brasileiros e mundiais, também é "dominado" pelos
homens. No Estado de Minas, de 25 de julho a 23 de agosto, foram publicados 89
artigos: 76 assinados por homens e 13 por mulheres. Na Folha de São Paulo, a
participação masculina se fez presente em 54 artigos e a feminina em seis. Os
artigos de opinião dependem de um convite formal do editor, que normalmente é
feito a pessoas de reconhecimento público, sendo raros os enviados (e
publicados) espontaneamente pelos leitores comuns. No caso do Estado de Minas,
o editor de opinião esclareceu que convida poucas mulheres porque são poucas as
que se dispõe a escrever. "Quando damos um prazo curto, de um dia para o outro,
é mais difícil, ainda, contar com a colaboração feminina", diz.
3.9 Análise de discurso das capas
3.9.1 Fotografias
Ao colocar todas as capas do Estado de Minas, publicadas entre 25 de julho e 23
de agosto de 2006, alinhadas umas ao lado das outras, percebemos nitidamente
uma quantidade superior de homens, sendo que 91 fotografias contendo pessoas,
nas quais foi possível identificar os sexos, foram publicadas no período
estudado. Desse universo, 60 fotos contêm somente homens, estejam eles
sozinhos, em dupla ou em grupo; 11 fotos contêm mulheres sozinhas - três delas
referem-se a modelos de alta-costura, quatro reproduzem artistas, duas são 3x4
de candidatas ao Governo de Minas Gerais e duas fotos retratam mulheres comuns.
20 fotos trazem homens e mulheres juntos nos seguintes contextos: grupos de
estudantes; manifestantes nas ruas; consumidores; manifestações artísticas;
família; procissão religiosa; passeata política; refugiados; transeuntes; grupo
de socorro humanitário; ação policial; criadores de cães.
3.9.2 Manchetes e títulos
No período analisado, nenhum nome de mulher é citado pelas manchetes
principais, enquanto três grandes manchetes trazem nomes de homens públicos. Os
títulos, em corpo menor que as manchetes, referem-se à situação política,
econômica e social que o país atravessa ou servem de chamada para shows e
eventos culturais. Neles, 67 nomes masculinos aparecem, contra apenas cinco
femininos. Interessante notar que, entre os cinco títulos que citam nomes de
mulher, três também envolvem um homem.
4 Conclusões
Apesar de toda a inegável evolução, a estrutura patriarcal mantém-se, permeando
as relações sociais. Os problemas enfrentados hoje pelas mulheres têm raízes
históricas e sociais profundas, vistos como naturais até por algumas delas e,
como tal, difíceis de serem combatidos.
Isso é percebido claramente na sua postura como leitora de um jornal de
referência, como visto em relação ao Estado de Minas, através das respostas das
que entrevistamos. Elas são quase a metade dos leitores brasileiros de grandes
jornais, formando, assim, um enorme público "consumidor" de informação; mas sua
relação com a imprensa é marcada pela desigualdade, tanto no que se refere à
forma como são retratadas, quanto na maneira como se reportam aos veículos e os
pressionam.
O interesse pela leitura da editoria de Política, por exemplo, já havia sido
detectado em pesquisas de opinião realizadas pelo Estado de Minas, mas,
infelizmente, no senso comum, permanece a impressão de que as mulheres tendem a
depreciar e a desprezar o assunto. Isto se deve, acreditamos, à sua ausência
nos altos cargos políticos, o que não pode ser interpretado como indiferença e
desconhecimento de seus processos. Não podemos ignorar, também, que as mulheres
participam ativamente de movimentos sociais e organizações de base na luta pela
melhoria da qualidade de vida, principalmente no contexto do ativismo.
O objetivo de leitura mais citado pelas entrevistadas foi a busca de informação
(e atualização), que, depois de acessada, é convertida em argumentos com os
quais elas se comunicam com o mundo. Estar por dentro do que acontece no Brasil
e no mundo parece ser vital para a manutenção da mulher na esfera pública e
para o seu reconhecimento, tanto público quanto privado e pessoal.
Porém, o grande número de entrevistadas, 40%, que optaram por não descrever -
ou não souberam responder - de que forma os assuntos lidos no jornal interferem
em sua participação na sociedade, nos mostrou certa contradição com o que
disseram ser seu principal objetivo de leitura. Vimos que 58% o fazem à procura
de informação e 20% para se atualizar. Se a comunicação entre os indivíduos é
feita através da troca de informações, e se esta informação, a princípio,
possibilita aos sujeitos adquirirem consciência de seus direitos e deveres
para, a partir daí, tomarem decisões práticas sobre suas vidas, como avaliar as
implicações da informação jornalística na vida dessas mulheres?
Seguindo esse mesmo raciocínio, nos deparamos com outras duas perguntas. A
primeira buscou saber qual a imagem que o Estado de Minas passa das mulheres:
24% das entrevistadas não descreveram, assim como 26% não o fizeram em relação
à questão que procurou levantar qual a imagem que as fotografias passam do
gênero feminino. Poderíamos acrescentar ainda o alto índice de entrevistadas,
43%, que disseram não ter nenhuma sugestão a dar ao jornal para que ele fique
mais interessante para as mulheres. Se elas se posicionaram como sujeitos à
procura de informação política e local, além de cultural, para se manterem por
dentro do que está acontecendo em suas regiões e no mundo, como entender o fato
de que não se interessam ou não se preocupam em avaliar como a imagem social do
gênero ao qual "pertencem" é passada ao grande público? Essa falta de sintonia,
a nosso ver, deve ser "lida" dentro de um campo mais amplo de avaliações,
dentro da própria contradição do papel que se espera da mulher em nossa
sociedade e na cultura ocidental.
Por outro lado, parece-nos que a leitora acredita na capacidade e
potencialidade da informação jornalística de provocar mudanças na sua vida e
interferir na sua participação social, seja no âmbito do público, no meio
profissional ou no privado, quando dialoga com os seus ou precisa tomar
decisões. Ela lê com o objetivo de se informar; se informa com o objetivo de se
comunicar, trocar idéias e construir sentidos para si e para o mundo.
A leitora do Estado de Minas busca a informação e faz deste movimento uma
necessidade; mas parece não ter muito interesse em "responder" e interagir com
o jornal através de palavras diretas, ou seja, do envio de correspondências aos
seus produtores. Questionamos até que ponto ela estaria utilizando as
informações, às quais tem acesso via jornal, para renovar e transformar a visão
que tem do mundo. Parece-nos, pelas respostas dadas às entrevistas e,
principalmente, pelas perguntas que muitas optaram por não responder, que as
leitoras, mais do que questionar, vêm contribuindo com a manutenção do status
quo reservado ao feminino.
Não podemos esquecer que a recepção é uma atividade situada, de contexto
estruturado, que depende tanto de relações de poder quanto dos recursos
disponíveis ao receptor. Ao analisarmos o contexto sócio-cultural no qual estão
inseridos tanto o jornal como suas leitoras, percebemos o quanto este contexto
possivelmente tem influenciado a transmissão e a interpretação das informações.
Mas ainda há uma outra questão permeando tudo isso. As entrevistadas dizem ler
política com freqüência e acreditam ser essa editoria a que mais destaca a
participação feminina na sociedade. Já a editoria de Opinião é um setor do
jornal no qual a política encontra um grande espaço de discussão, não apenas
com base no factual, mas, também, dentro de um amplo contexto histórico; por
isso é opinativo. O que colabora para que a mulher marque presença ao ler sobre
Política e Opinião e ausência ao não "responder" às suas questões?
Mais uma vez recaímos sobre o senso comum. Acreditamos que a leitora esteja tão
"habituada" a ver a mulher subjugada socialmente, o que se reflete nas páginas
dos jornais, que acaba por não dedicar tempo e habilidade para refletir sobre
esse fenômeno. A cotidiana falta de informação sobre a mulher acaba por
"anestesiar" a capacidade reflexiva sobre o tema, tanto por parte das mulheres
como dos homens, tanto o(a)s que lêem jornais como o(a)s que os editam e os
produzem.
Nossa pesquisa não nos permite afirmar que os jornais escrevem e dirigem seus
textos aos homens, mas, ao reproduzir a linguagem e deixar escapar por suas
palavras preconceitos sobre a mulher, sem dúvida eles escrevem sobre o lugar
social que a ela reservam.
O desenvolvimento de competências pelas leitoras exige um estímulo à crítica e
à autonomia que, por sua vez, dependem tanto de condições culturais quanto
individuais. Porém, não é de se esperar que os grandes jornais modifiquem sua
abordagem do mundo e das relações de poder, sua linguagem, que se preocupem em
mostrar as conquistas femininas e que incentivem as mulheres a emitirem sua
opinião. Afinal, fazem parte da indústria da informação e vivem do comércio de
experiências.
As mulheres aparecem pouco no jornal. Isso é fato. E as leitoras percebem o
Estado de Minas como um veículo que retrata a imagem feminina de forma
positiva, mesmo que, na verdade, reserve-lhe pouco espaço. Podemos analisar
essa constatação por diversos ângulos.
O primeiro, que engloba todos os outros, é que a mídia reproduz relações
institucionalizadas, legitimadas e, portanto, incorporadas socialmente. Essas
relações muitas vezes não são claramente percebidas pelo público, que chega ao
ponto de não mais se incomodar com elas. Todos sabem a posição ocupada pela
mulher na sociedade, mas poucos vêem motivos para questionar este fato quando
reproduzido pela e na mídia.
Outra perspectiva de análise pode ser o reconhecimento dos avanços das mulheres
dentro da sociedade. Elas conquistaram novos e muitos papéis, que as fazem
lutar por uma melhor posição social. Como as mulheres chegaram, de certa forma,
a todos os setores da vida pública, e como a mídia se faz tão presente na
sociedade, fica cada vez mais difícil perceber qual informação veio através da
imprensa e qual veio a partir da percepção e da leitura pessoal que cada leitor
faz do sistema. Muito do que achamos que lemos, na verdade presenciamos; muito
do que acreditamos ter presenciado, no fundo lemos ou vimos seus reflexos em
algum lugar.
O jornal se funde e se confunde com o viver e vice-versa. É o resultado do que
chamamos de fragmentação do mundo, do espaço público e da realidade. O
conhecimento e as opiniões são afetados pelo que a pessoa vê, ouve e
experimenta; o que possibilita, a partir daí, a tomada de decisões. A mídia
funciona como uma espécie de facilitador da relação entre o leitor e o mundo.
Dá a "impressão" do leitor de que está inserido num universo maior do que
aquele que ocupa geograficamente. Essa percepção se faz importante, visto que
procuramos, através de nossa pesquisa, entender o processo pelo qual
informações veiculadas nos grandes jornais afetam os parâmetros utilizados
pelas mulheres, tanto para compreender quanto para participar da realidade
política, econômica, cultural e social.
Não podemos deslocar e descontextualizar os indivíduos para fora de suas redes
sociais, assim como a informação produzida por eles. No caso das mulheres, elas
não devem ser vistas fora da estrutura patriarcal e das desigualdades que as
relações de gênero estabelecem. Já que essas forças sociais moldam o
desenvolvimento de redes de informação, talvez falte a elas, para participar da
construção da notícia e não se contentar apenas em buscar a informação pronta,
muito mais do que disposição para atender aos apelos do editor. Para
reestruturar este status quo, falta-lhes, principalmente, procurar entender
mais sobre os meandros que envolvem a organização social, assim como a
informação produzida e disseminada; o que não isenta o jornal da
responsabilidade de incluí-las como co-produtoras.
Incluí-las vai além de contratar jornalistas mulheres. Elas também escrevem no
masculino, porque essa sempre foi a linguagem do mundo. Incluir a mulher em
suas páginas é perceber que elas têm contribuído para a construção da história
e para além do crescimento do mercado global de consumo. Por mais que os
mercados da estética e da beleza prosperem, a mulher não olha só para eles.
Estes já as conquistaram, aproveitando-se dos estereótipos que há séculos
definem o feminino.
O fato é que, atualmente, num momento em que elas são quase a metade dos
leitores de jornais impressos no Brasil, tanto o imaginário social como os
empresários da mídia ainda consideram as mulheres como se buscassem suprir
principalmente suas necessidades de subalternas; como seres sem opinião ou de
opinião sem muito interesse social. Querendo ou não, as empresas jornalísticas
dependem muito da leitura delas para se manterem como estão, mas não demonstram
interesse em conhecer e atender aos reais objetivos que as levam a buscar a
informação em suas páginas. As pesquisas de opinião geralmente não ouvem um
número igual de leitores e leitoras, como se assim não se dividisse seu
público3. As empresas ainda não partem do pressuposto de que a mulher vai muito
além da emoção, do choro, da compulsão ou da posição de vítima de um sistema,
que ela, por razões próprias, também ajuda a construir.