Gestão do conhecimento e teoria da firma
1 Introdução1
O economista Ronald Coase, ao tratar das instituições em sua aula magna durante
cerimônia de entrega do Prêmio Nobel de Economia, destacou que os economistas
tratam as firmas como 'caixas-pretas', por não se interessarem pela sua
estrutura interna de funcionamento, mas apenas pelos mercados, pelas compras
dos fatores de produção e pela venda dos bens produzidos com o uso desses
fatores:
isso é extraordinário uma vez que a maior parte dos recursos em um
sistema econômico moderno são empregados pelas firmas, e como esses
recursos são usados depende de decisões administrativas e não,
diretamente, das operações de um mercado. Conseqüentemente, a
eficiência do sistema econômico depende, de uma maneira bastante
considerável, de como essa organização conduz os seus negócios, em
particular as grandes empresas modernas (COASE, 1991, [s.p.]).
Numa economia capitalista moderna, a maior parte da produção de riquezas é
feita pelas empresas. A teoria que se ocupa da produção, na literatura
econômica, é denominada 'teoria da firma', embora englobe abordagens teóricas
bastante diferentes, uma vez que não se produziu uma definição clara e
amplamente aceita da firma (KERSTENETZKY, 1995).
Neste artigo, os termos 'firma' e 'organização' e, em menor grau, 'empresa',
serão usados, em várias ocasiões, como sinônimos. As firmas são organizações
com uma hierarquia, divisão do trabalho e uma estrutura de gerência executiva
que planeja e decide sobre as questões que afetam o seu desenvolvimento
(KERSTENETZKY,1995).
O objetivo do artigo é assinalar a relevância de se fazer a discussão das
práticas denominadas 'Gestão do Conhecimento', tendo como pano de fundo uma
base teórica - a Teoria da Firma. Como ela engloba abordagens teóricas
distintas, foram analisadas aquelas que definiram os principais programas de
pesquisa2 sobre o tema.
A metodologia empregada foi a revisão bibliográfica da literatura clássica
sobre o tema, complementada pela leitura de artigos e teses nacionais, em
especial aquelas associadas à Gestão do Conhecimento.
O presente artigo, além dessa introdução, está organizado em seis seções
temáticas e uma final, a sétima, de conclusão. Na seção 1, apresenta-se a
teoria neoclássica da firma e suas limitações, para em seguida apresentar os
questionamentos que possibilitaram o surgimento de um programa de pesquisa
distinto do programa neoclássico - a Economia dos Custos de Transação. Na seção
2, apresentam-se alguns conceitos fundamentais da abordagem realizada por
Penrose (1959), que pode ser considerada uma abordagem complementar aos custos
de transação e, ao mesmo tempo, referência para a abordagem analítica
denominada 'Visão da Firma Baseada em Recursos' (Resource-Based-View of The
Firm - RBV). Na seção 3, as idéias básicas da teoria evolucionária da firma são
discutidas. A seção 4 associa as teorias da firma apresentadas com a evolução
das empresas ao longo do último século e suas consequências sobre as técnicas
de gestão, desembocando na seção 5, que trata das práticas de gestão do
conhecimento, surgidas no final do século XX. A seção 6 associa as novas
tecnologias de informação e comunicação baseadas na microeletrônica com a
teoria da firma (no caso, os limites da firma) e com a gestão do conhecimento.
Observe-se que não houve intenção de explorar neste artigo as diferenças
existentes entre os programas de pesquisa sobre a firma. Também não se
pretendeu analisar a evolução recente de algumas abordagens, como a RBV, que
vêm sendo cada vez mais utilizadas nos estudos sobre o comportamento
estratégico das empresas (COELHO, PAVÃO, BANDEIRA-DE-MELLO, 2009). Ressalte-se,
ainda, que para os objetivos aqui apresentados, o recente trabalho de Pitelis e
Teece (2009), que propõe que o objetivo, a natureza e a essência da firma podem
ser tratados indistintamente, traria uma linha de desdobramento mais atraente,
especialmente por trazer para o centro da teoria a inovação, o que levaria a se
discutir, na mesma linha deste artigo, a gestão da inovação3.
2 A firma neoclássica e a firma na economia dos custos de transação
Na teoria neoclássica, a firma é tratada de uma forma mais ou menos abstrata e
seria, apenas, o local que reúne fatores de produção (capital e trabalho) que
se combinam de acordo com a tecnologia disponível e de conhecimento comum,
comportando-se, assim, como um ator passivo, que toma a tecnologia, os preços
dos fatores e a capacidade organizacional como dados. Aspectos organizacionais
ou de relacionamento com clientes e fornecedores são ignorados. A natureza da
firma com respeito às suas decisões de produção e de investimento, bem como os
aspectos de organização interna, tais como a estrutura hierárquica e os
processos de controle, por exemplo, são irrelevantes (FEIJÓ, VALENTE, 2004).
Nessa teoria, o sistema de preços da economia funcionaria como um sistema de
informações, totalmente adequado a um regime no qual as firmas e os
consumidores têm amplo conhecimento das variáveis relevantes para processar
suas escolhas.
Mudanças ocorridas na teoria da firma buscaram introduzir aspectos de
comportamento mais próximos daqueles verificados na realidade, destacando os
processos de tomada de decisão e incorporando outros objetivos, além da
maximização do lucro, nos procedimentos de análise. Nessas abordagens, as
firmas são descritas a partir de suas atribuições básicas de produção e das
rotinas a ela associadas. Suas relações com outras firmas são reguladas por
contratos, o que levou ao questionamento, por parte de alguns economistas, dos
mecanismos de mercado e dos sistemas de preços como suficientes para coordenar
a produção de bens e serviços.
Marshall (1982), um dos economistas mais referenciados sobre a teoria da firma,
considerava que esta, longe de ser uma entidade teórica e distante da
realidade, interagia e interferia no ambiente, e sofria suas influências, ou
seja, a firma marshalliana era um agente ativo e não apenas reativo às mudanças
externas (FEIJÓ, VALENTE, 2004).
Marshall (1982) também considerava relevante analisar o trabalho da
administração da empresa e entender por que suas diferentes formas produzem
resultados distintos, já que "[...] umas são mais aptas a tirar partido do meio
ambiente e de prevalecer sobre outras" (MARSHALL, 1982, p. 229). Ele, assim
como Adam Smith, entendia que o aumento da eficiência do trabalho está
relacionado à sua organização e divisão (MARSHALL, 1982). O capital era por ele
considerado como muito mais que simplesmente o capital físico representado pela
maquinaria. Segundo ele:
O capital consiste, em grande parte, em conhecimento e organização:
desta, uma parte é propriedade privada, outra não. O conhecimento é
nossa mais potente máquina de produção: habilita-nos a submeter a
Natureza e forçá-la a satisfazer nossas necessidades. A organização
ajuda o conhecimento; ela apresenta muitas formas, a saber, a
organização de empresas individuais, a de várias empresas num mesmo
ramo, a de vários negócios uns relativamente aos outros, e a
organização do Estado provendo segurança para todos e ajuda para
muitos. A distinção entre propriedade pública e propriedade privada,
no que se refere ao conhecimento e à organização, é de grande e
crescente importância, sob certos aspectos, de importância maior do
que a mesma distinção, do ponto de vista das coisas materiais. Em
parte por essa razão, parece por vezes melhor admitir a organização
como um agente de produção à parte e distinto (MARSHALL, 1982, p.
135).
Assim, o conceito de firma de Marshall considera vários fatores hoje presentes
na literatura em gestão, tais como conhecimento e organização. A organização
eficiente da indústria se relaciona à habilidade de direcionar os empregados
aos trabalhos para os quais demonstrem maior capacidade e preparo, e à
disposição da melhor maquinaria e instrumentos, isto é, capital físico adequado
e moderno. As vantagens da divisão do trabalho seriam mais bem aproveitadas nas
grandes empresas, isto é, se relacionariam positivamente com a concentração de
capitais; e o aumento de escala das empresas traria mais oportunidades de
divisão do trabalho também no terreno da administração (MARSHALL, 1982).
Os aumentos da produtividade relacionados ao aumento na escala foram divididos
em duas classes: as economias externas, dependentes do desenvolvimento geral da
indústria (das vantagens da maior concentração de firmas similares numa mesma
localidade), e as economias internas, dependentes dos recursos de cada empresa
individual e relacionadas à sua organização, à eficiência de sua administração
e aos processos de produção.
As vantagens da escala relacionam-se, também, àquelas obtidas nas compras,
comercialização, propaganda, acesso ao crédito e ao financiamento dos riscos
associados à inovação. No entanto, para chegar a esse estágio, a firma passa
por um processo de crescimento que envolve sua capacitação em várias áreas (de
produção, administração, comercialização e inovação) e o desenvolvimento de uma
rede de relações comerciais.
Coase (1937) trouxe uma nova abordagem sobre a firma, que possibilitou o
surgimento de um programa de pesquisa distinto do programa neoclássico. Ele
partiu da simples questão: porque as firmas existem? E foi a resposta a essa
pergunta que, justamente, levou Ronald Coase ao reconhecimento pela Academia
Real de Ciências da Suécia. Segundo Granovetter (1994), ao se colocar essa
simples e inócua questão, que pode ter ocorrido a outros, mas não havia sido
objeto de uma investigação sistemática, ele começou uma revolução silenciosa.
Em sua resposta, agora famosa, e grandemente elaborada por Oliver Williamson
numa série de trabalhos que divulgaram o seu programa de pesquisas sobre
mercados e hierarquias, as firmas existem em função da presença de custos de
transação e porque o sistema de preços não pode prover toda a informação
requerida em cada transação no mercado (GRANOVETTER, 1994).
De maneira simplificada, para Coase (1937) os custos de se obter informações e
controlar os contratos são minimizados no interior das firmas. As escolhas
entre produzir internamente ou comprar no mercado seriam feitas no interior de
uma estrutura hierárquica, com os gerentes respondendo às forças do mercado e
balanceando constantemente o custo de usar o mercado com o custo da organização
interna. Assume-se, assim, a possibilidade de se medir tais custos de forma
inequívoca e sistemática, mesmo num ambiente de incerteza, informação
incompleta e inovação.
Os limites da firma passam a ser dados pela escolha entre quais atividades
devem ou não ser realizadas internamente, ou seja, entre 'fazer ou comprar'
(KERSTENETZKY, 1995; FEIJÓ; VALENTE, 2004). Em outras palavras, existem custos
associados ao uso dos mecanismos de preços, tais como obter informações,
escrever e controlar contratos, acompanhar as transações no mercado, etc.
Assim, em alternativa ao sistema de preços como mecanismo de coordenação, a
firma se coloca como uma instituição hierárquica, na qual a alocação de
recursos é resultado de decisões administrativas:
os empresários, ao decidirem sobre a condução dos negócios e sobre o
que produzir, levam em conta os custos de transação. Se os custos
superam os ganhos [...] não haverá produção. Dessa forma, os custos
de transação afetam não apenas os arranjos contratuais, mas também
quais bens e serviços serão produzidos (COASE, 1991, [s.p.], tradução
nossa).
Além dos custos de transação, a incerteza é um elemento relevante para a
existência da firma (KNIGHT, 1971 apud KERSTENETZKY, 1995). A assimetria de
informação gera conhecimentos distintos sobre as oportunidades de negócios que
são exploradas por firmas, enquanto as vantagens são obtidas pelo controle e
pelo gerenciamento dos processos de produção associados a essas oportunidades.
Ainda assim, os riscos são grandes, pois as decisões são tomadas com base em
conhecimentos construídos a partir de informações parciais. A firma surge e se
especializa de "forma a assegurar maior conhecimento e algum controle sobre o
futuro" (KERSTENETZKY, 1995, p. 48). Dessa forma, a firma é uma organização
cuja origem está diretamente associada à busca de informação e conhecimento.
Williamson e seus seguidores, nos anos 1970 e 80, procuraram elaborar a
abordagem dos custos de transação de Coase. Williamson (1975) criticou os
pressupostos neoclássicos e introduziu a noção de firma como uma 'estrutura de
governança', propondo o conceito de especificidades dos ativos, sendo que essas
especificidades afetariam as relações entre firmas. Segundo esse autor, a firma
se define num contexto de racionalidade limitada (bounded rationality) e de
oportunismo dos agentes (self-interest seeking with guide), e os custos de
transação interfeririam na escolha entre fazer internamente (em função das
especificidades dos ativos, garantindo a seu proprietário se apropriar de todo
o retorno econômico) ou comprar no mercado (pagar pelo uso de ativos de
terceiros) (KERSTENETZKY, 1995); ou, nas palavras de Williamson, "a economia
dos custos de transação sustenta que economizar nos custos de transação é o
principal determinante na escolha de uma forma de organização capitalista sobre
a outra" (WILLIAMSON, 1995, p. 223, tradução nossa).
Muitas críticas são feitas aos trabalhos de Williamson e seus seguidores, uma
vez que podem existir arranjos intermediários entre internalizar a produção e a
aquisição no mercado, como pode ser observado, por exemplo, pela existência de
redes de cooperação entre empresas ou pela associação de firmas, motivadas pela
redução de riscos, para a realização de investimento conjunto em inovações
(KERSTENETZKY, 1995).
3 O conhecimento no paradigma alternativo da teoria da firma
De acordo com Pavitt (2001), Edith Penrose foi um dos poucos eminentes
economistas do século XX a considerar que aquilo que acontece dentro das firmas
é importante para a economia, desenvolvendo uma abordagem inovativa e
extremamente importante sobre o tema. Penrose (1959) considera útil o conceito
de rotinas organizacionais e reconhece que muito do conhecimento fundamental
para a diversificação e crescimento da firma existe em sua forma tácita e é
aprendido pela experiência.
O trabalho de Penrose pode ser visto como "a base sobre a qual se assenta boa
parte dos esforços contemporâneos de constituição de um paradigma alternativo
para a teoria da firma" (KERSTENETZKY, 1995, p. 52). Segundo Pitelis e Teece
(2009),...
... a teoria do crescimento da firma de Penrose (1959) pode ser
considerada como uma abordagem alternativa e complementar à economia
dos custos de transação. Ela, indiretamente, responde à pergunta
sobre por que as firmas existem ao recorrer aos custos de produção e
aos aumentos de receita (revenue enhancing) no lugar da redução dos
custos de transação (PITELIS; TEECE, 2009, p. 5, tradução nossa).
Segundo Penrose (1959), a firma só pode ser definida em função do que ela faz
ou do que é feito nela. A função econômica básica da firma é fornecer os bens e
serviços demandados, com a utilização de recursos produtivos de acordo com os
planos desenvolvidos em seu interior. Portanto, a firma planeja, e suas
diferentes atividades internas e os departamentos são coordenados pela
existência de uma política que é desenhada ao se pensar na firma como um todo,
isto é, segundo a estratégia definida para o negócio (PENROSE, 1959).
Penrose foi a primeira autora a conceber uma análise da firma centrada em suas
capacidades (organizational capabilities), ou seja, a firma é tanto uma
organização administrativa quanto uma coleção de recursos produtivos. Em sua
análise, a autora distingue os 'recursos' dos 'serviços dos recursos'. Recursos
podem ser definidos independentemente do seu uso, enquanto os serviços providos
pelos recursos não podem. Portanto, inputs não são simplesmente fatores de
produção. Eles são serviços de fatores para a firma, de forma que as
características produtivas destes serviços são determinadas pelo contexto
organizacional no qual são usados, isto é, eles são específicos para cada firma
(FEIJÓ; VALENTE, 2004).
A firma é uma organização e os recursos que ela administra, inclusive os
gerenciais, são os fatores que impulsionam o seu crescimento; mas este é
limitado pelo tempo e pela capacidade de se adquirir novos conhecimentos. Os
recursos gerenciais são específicos e neles estão depositados os conhecimentos
e a experiência da firma. Penrose (1959) introduz o conceito de equipe de
trabalho (teamwork), destacando a importância do conhecimento tácito, da
confiança e das redes. A autora destaca, ainda, o papel da incerteza no
desenvolvimento da firma e a importância dos recursos e dos serviços
gerenciais, chamando a atenção, também, para a associação entre incerteza e
informação:
incerteza refere-se à confiança do empresário nas suas estimativas ou
expectativas. Risco, por outro lado, refere-se aos possíveis
resultados da ação, especificamente à perda que possa ocorrer se uma
determinada ação for tomada (PENROSE, 1959, p. 56, tradução nossa).
Essa afirmação se completa quando a autora aponta que umas das formas mais
importantes de se reduzir a incerteza sobre o desenrolar futuro dos
acontecimentos é obtendo mais informações sobre os fatores relevantes; e uma
das tarefas mais importantes da firma, num mundo de incertezas, é obter o maior
volume possível dessas informações. Para obtê-las, são necessários maiores
recursos, enquanto que para interpretá-las, são necessários 'serviços
gerenciais' ('services of existing managemet'). A combinação dos recursos com a
capacidade de interpretação foi denominada, pela autora, de 'pesquisa
gerencial' ('managerial research') (PENROSE, 1959).
A concepção da firma de Penrose adianta uma série de atributos que, atualmente,
são amplamente destacados na literatura sobre gestão. Sem ordem de importância,
pode-se mencionar, em primeiro lugar, a necessidade de se pensar que a firma
pressupõe o trabalho em equipe (teamwork), que demanda tempo para ser
constituída e para ser, progressivamente, incrementada. Em segundo lugar, o
crescimento da firma está associado à acumulação de conhecimento em seu
interior, e está sob o controle de suas equipes. Sendo assim, destaca-se um
terceiro elemento relacionado ao conhecimento tácito dos membros da equipe e ao
aprendizado organizacional: o conhecimento nascido da experiência é central e
todo gerente tem qualificações práticas e conhecimentos técnicos que não são
facilmente codificados.
A teoria da firma de Penrose é, portanto, uma 'teoria da firma que aprende'
(learning theory of the firm), visto que, na sua concepção, não só produtos e
serviços são produzidos, mas também conhecimentos (FEIJÓ; VALENTE, 2004).
Penrose destaca a importância da cultura organizacional - interação de crenças
e compromissos partilhados que são reforçados por ações numa base diária -, que
se constitui na matéria-prima do teamwork. Conseqüentemente, as firmas são
instituições sociais com cultura única, um conceito que não consta da economia
neoclássica (FEIJÓ; VALENTE, 2004); e "as combinações de recursos no interior
da firma se dão segundo padrões estabelecidos pelo conhecimento comum aos seus
membros" (KERSTENETZKY, 1995, p. 57).
As capacidades das firmas podem explicar o agrupamento de atividades distintas
em seu interior, assim como a existência da cooperação entre elas. Elas têm a
tendência de desenvolver, internamente, atividades similares baseadas em suas
capacidades e, também, de construir uma rede comercial para dispor de bens e
serviços de atividades complementares. A complementaridade aponta, ainda, para
uma forma de cooperação que envolve a necessidade de coordenação prévia dos
investimentos e do desenvolvimento de novos produtos, dividindo os riscos de
cada participante (RICHARDSON, 1972 apud KERSTENETZKY, 1995). Essa concepção
oferece uma base teórica adicional para os trabalhos empíricos (por exemplo,
DeBRESSON, 1996; 1999) que investigam a idéia de que qualquer inovação é,
obrigatoriamente, fruto da cooperação.
A definição de capacidades, ou competências, como sendo a combinação de
'conhecimento, experiência e habilidades' ('knowledge, experience and skills'),
é um tanto vaga, mas deve ser a capacidade da firma de resolver os problemas
que surgem (RICHARDSON, 1972). As capacidades compreendem o resultado da
combinação dinâmica dos conhecimentos tácitos e explícitos, e as vantagens da
firma estariam relacionadas ao uso do conhecimento acumulado para o aprendizado
e a geração de novos conhecimentos, criando, assim, novas competências.
A divisão do trabalho - interna e entre diferentes firmas - surge como uma
decorrência desse processo. No interior da firma, cada indivíduo tem apenas uma
parcela do conhecimento a ser utilizado na solução de um problema, mas a equipe
detém o conhecimento completo necessário para a tarefa. O aprendizado
resultante da solução do problema afeta as competências individuais, mas
dependente da composição da equipe, ou seja, da divisão interna do trabalho e
dos processos internos à equipe. As competências organizacionais seriam o
resultado desses processos internos, combinados com a aprendizagem decorrente
da divisão do trabalho entre firmas, isto é, das redes nas quais cada uma está
envolvida (RICHARDSON, 1972 apud KERSTENETZKY, 1995).
Segundo Pitelis e Teece (2009), a Visão da Firma Baseada nos Recursos (RBV) se
remete, dentre outros, ao trabalho de Edith Penrose (1959). Segundo esses
autores, a contribuição recente da RBV tem como objetivo central o entendimento
das vantagens competitivas das empresas, mas não busca explicar a natureza da
firma; enquanto a versão da RBV de Penrose pode ser interpretada como uma
teoria da essência e da natureza da firma. Assim, as vantagens das firmas sobre
os mercados, no que diz respeito à criação de conhecimento e à capacidade de
inovação, podem ser estabelecidas no interior da Economia dos Custos de
Transação. Essa complementaridade, segundo os autores, é admitida pelo próprio
Coase4.
4 A teoria evolucionária da firma, as rotinas e o conhecimento tácito
A teoria evolucionária da firma, que tem no trabalho de Nelson e Winter (1982)
um marco, busca analisar as respostas das firmas e da indústria às mudanças no
seu ambiente, em função de alterações no seu próprio mercado, do crescimento
econômico e da introdução de inovações. Segundo os autores, as firmas são
tratadas a partir de suas capacidades e de seu comportamento anterior, mas o
conjunto de regras de decisão, tomado como referência na análise, não pertence
à teoria econômica neoclássica (NELSON; WINTER, 1982). Na verdade, essas regras
são os padrões de comportamento normais e previsíveis ou, em outras palavras,
'rotinas':
Nós usamos esse termo [rotina] para incluir características das
firmas que variam de rotinas técnicas bem especificadas para produzir
bens passando por procedimentos para contratar e demitir, administrar
o estoque ou incrementar a produção de bens com alta demanda até
políticas relacionadas ao investimento, pesquisa e desenvolvimento
(P&D), ou estratégias de negócios e propaganda sobre
diversificação de produtos e investimentos no estrangeiro. Na nossa
teoria evolucionária as rotinas executam os mesmos papéis que os
genes na teoria biológica da evolução (NELSON; WINTER, 1982, p.14,
tradução nossa).
Ao destacarem o papel das rotinas como um mapa genético, os autores reconhecem
que elas apontam para um possível comportamento (ou, ao menos, indicam a
capacidade de se adotar esse comportamento), mas não de forma determinista, uma
vez que existem as influências do ambiente. As rotinas podem ser transmitidas,
indicando que o comportamento de amanhã é determinado pelas rotinas correntes e
que elas podem ser usadas na reprodução dos processos em uma outra planta
industrial, por exemplo. As firmas e suas rotinas são, também, alvos de
seleção, já que umas executam melhor que outras as suas funções (NELSON;
WINTER, 1982).
Não se trata de considerar que todas as tarefas de decisão sejam rotineiras. Os
processos de tomada de decisão da alta administração estão longe de serem
rotineiros, mas o que é regular e previsível pode ser classificado como rotina.
Para melhor caracterizar os processos rotineiros relevantes para o desempenho
da firma, os autores introduzem o conceito de heurística. Uma heurística seria
"qualquer princípio ou dispositivo que contribui para a diminuição, na média,
[dos procedimentos] de busca por soluções" (NEWELL; SHAW; SIMON, 1962, p. 85,
grifo do autor, apud NELSON; WINTER, 1982, p. 132, tradução nossa). Assim, as
regras e dispositivos que indicam a qualquer empregado como resolver certos
tipos de problemas são heurísticas gerenciais para a solução de problemas
(managerial problem-solving heuristic).
As decisões da alta administração não são rotineiras em seus resultados, mas
seguem uma heurística - "a heurística fundamental e imperativa para os
executivos é desenvolver a estratégia" (NELSON; WINTER, 1982, p. 133, tradução
nossa). Da mesma forma, a introdução de uma inovação - um novo bem ou processo
- não é algo rotineiro, mas as rotinas de pesquisa em tecnologia o são e
possuem uma estrutura simples: seleção do elemento, teste dos atributos
desejados, conclusão com sucesso se os atributos estão presentes ou seleção de
novo elemento, em caso contrário (NELSON, WINTER, 1982, p. 132).
A firma usa as mesmas rotinas até que se tenha algum motivo para alterá-las.
Elas podem, por exemplo, fornecer resultados insatisfatórios. Nesse caso, uma
outra área da empresa pode possuir rotinas para identificar essas anomalias no
comportamento da área em questão. Por exemplo, caso as vendas em determinada
região estejam caindo e isso seja comprovado pelo departamento de vendas, a
identificação das causas dessa queda é, geralmente, uma rotina do departamento
de pesquisa de marketing (NELSON; WINTER, 1982). Alternativamente, a firma
pode, de tempos em tempos, se engajar na análise de suas rotinas com a intenção
de melhoria, revisão ou mesmo alterações radicais. Nesse caso, normalmente se
recorre à figura de um consultor externo, já que as rotinas existentes estão
incrustadas (embedded) nos empregados, o que dificulta sua avaliação pelos
envolvidos diretamente na execução (NELSON; WINTER, 1982).
As rotinas da firma são, em grande medida, parte do conhecimento tácito de seus
membros, "não sendo transferível por meios formais, e compondo o caráter
idiossincrático da atividade empresarial" (KERSTENETZKY, 1995, p. 61). O
conhecimento das rotinas é fundamental para o funcionamento da firma, pois uma
grande parte do conhecimento necessário para o desempenho do negócio não se
encontra registrado em manuais, documentos ou, ainda, no desempenho das
máquinas e equipamentos. As rotinas funcionam como uma forma de armazenamento
de conhecimento, que é recuperado durante a sua execução. As rotinas são
lembradas por seus usos (remembered by doing), e o custo de registrar todas as
rotinas, supondo ser possível articular todo o conhecimento tácito existente,
tornaria a empreitada impraticável. As escolhas apresentadas aos funcionários,
em cada momento de sua atuação, são condicionadas pelas rotinas e, portanto,
são escolhas contidas em um menu reduzido em seu escopo. Mesmo em caso de
anomalias de maior impacto, que levam à introdução de inovações, os
procedimentos são condicionados por rotinas existentes (NELSON; WINTER, 1982).
O que foi exposto até aqui aponta a importância da escola de pensamento
econômico, representada pela teoria evolucionária, para a análise da firma do
ponto de vista dos seus processos de gestão. Como uma parte do conhecimento
sobre o funcionamento do negócio é tácito e reside nas mentes dos seus
empregados e nas rotinas da firma, todas as políticas de armazenamento e
recuperação da informação e do conhecimento envolvem a compreensão de como os
agentes econômicos selecionam e acumulam os conhecimentos úteis à sua atividade
produtiva. Essa acumulação não é um processo apenas individual, mas,
principalmente, social: os indivíduos têm capacidade de conhecer apenas uma
parcela daquilo que é necessário para os negócios da firma.
Alterações no ambiente afetam o funcionamento das rotinas e sub-rotinas da
firma, e sua adaptação à nova situação depende de heurísticas desenvolvidas
internamente ao longo de sua trajetória, relacionadas a procedimentos que
lograram êxito no passado. As informações oriundas do ambiente externo são
processadas diferentemente por cada firma que participa do negócio. O novo
conhecimento criado pela interpretação das informações depende da trajetória de
cada firma (path dependence) e da combinação dos conhecimentos tácitos e das
heurísticas desenvolvidos pela firma.
As rotinas são, ainda, normas que definem a aplicação de sanções e prêmios,
afetando os aspectos cognitivos dos empregados. Por serem mecanismos de
controle, regulam as relações dos indivíduos entre si e com as estruturas da
organização, inclusive com a hierarquia. Assim, evitam ou previnem o confronto
diruptivo, e o funcionamento das organizações é, então, resultado da trégua
existente entre seus membros.
As rotinas permitem o surgimento de uma cultura simbólica única e compartilhada
pelos membros da organização, que indica os caminhos a serem adotados para
mudanças, ao mesmo tempo em que permite a manifestação da defesa dos diversos
interesses existentes (NELSON; WINTER, 1982). Assim, existe um processo
permanente de escolha entre a necessidade de mudar e a defesa dos interesses
constituídos, que molda a forma pela qual a empresa se adapta ao ambiente.
5 A teoria da firma e o desenvolvimento da moderna administração
As abordagens da teoria da firma caminharam no sentido de introduzir elementos
de realidade e de complexidade na análise da firma, diferentemente da tradição
da economia neoclássica. A compreensão da importância da firma para o
desenvolvimento implica em analisá-la como unidade autônoma de decisão, isto é,
com o poder de fazer escolhas e definir comportamentos ad hoc frente a seu
ambiente.
As firmas tornam-se organizações idiossincráticas, que enfrentam desafios
diferenciados e tomam decisões com base em conhecimentos próprios e modos de
agir específicos (FEIJÓ; VALENTE, 2004). Elas desenvolvem funções de produção,
pela combinação de fatores de forma eficiente, geram e acumulam conhecimentos,
além de estabelecerem laços com outras firmas, e suas interações originam novas
estruturas institucionais (KERSTENETZKY, 1995).
A introdução de realismo na análise da firma tem, também, um componente
histórico. As alterações sofridas nas economias capitalistas ao longo dos
últimos duzentos anos trouxeram novas formas de organização da produção e de
funcionamento dos mercados.
De uma perspectiva histórica, o surgimento de novas escolas de administração
pode ser associado ao desenvolvimento e aos ciclos de negócios resultantes de
novos paradigmas técnico-econômicos. Chandler, um historiador econômico que
deixou influências marcantes nas disciplinas de administração, identificou o
advento da produção em massa como uma nova forma de organização do capitalismo,
ao analisar a economia americana na virada do século XIX para o século XX,
período da segunda Revolução Industrial. Com as ferrovias e as grandes empresas
industriais, introduziu-se uma série de modificações nos processos
administrativos decorrentes da organização da produção, como, por exemplo, a
verticalização da produção A administração das ferrovias, que funcionavam em
grandes extensões territoriais, introduziu a necessidade de administração da
logística, usando intensamente as tecnologias de informação e comunicação mais
modernas disponíveis - como o telégrafo. Nas grandes empresas localizadas nas
indústrias mais modernas, por exemplo nas atividades de produção de
equipamentos elétricos, surgiram os primeiros laboratórios de P&D, com o
recrutamento de cientistas e engenheiros nos institutos de tecnologia das
universidades e nos departamentos de marketing (CHANDLER, 1998a).
No mesmo período, o uso de motores elétricos levou ao desenvolvimento da linha
de montagem, o que permitiu que os bens de consumo duráveis fossem produzidos
em grande escala e com custos cada vez menores. As grandes empresas passaram a
adotar uma estrutura multidivisional, funcionando com uma equipe de gestores
especializados em diversas funções, criando as estruturas hierárquicas
compostas por departamentos (KERSTENETZKY, 1995); que representam uma
estratégia de especialização e de redução do custo de obtenção e processamento
das informações. Concomitantemente, surge o Taylorismo como principal escola de
administração científica, com conceitos voltados para métodos de trabalho mais
rápidos, mais eficientes e com instrumentos adequados. A mensuração e as
técnicas estatísticas são incorporadas às práticas administrativas (CHANDLER,
1998a; 1998b; 1998c).
Outros autores da economia, ao escreverem sobre a firma, também influenciaram
as disciplinas de administração; e a literatura decorrente foi classificada,
não sem alguma arbitrariedade, como gerencial (managerial) ou comportamental
(behavioral). As duas linhas têm como ponto de partida comum a recusa do
princípio da maximização dos lucros como norma absoluta de decisão da firma. Na
primeira linha, destaca-se Baumol (1959), e na segunda o expoente maior é Simon
(1957), com seu princípio da racionalidade humana limitada. Ambas destacam
aspectos e variáveis que devem ser tomados como relevantes nos processos de
decisão em uma organização complexa como uma grande empresa, que opera sob
incerteza e em mercados imperfeitos (FEIJÓ; VALENTE, 2004).
Pode-se observar que o acesso à informação e ao conhecimento se tornaram
elementos fundamentais nas modernas teorias da firma, assim como as questões
relacionadas às competências da firma. As disciplinas da administração foram
afetadas por essas teorias, mas a maior razão da popularização da preocupação
com a informação e o conhecimento na busca pela sobrevivência das organizações
está relacionada com o novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de
informação e comunicação (TICs), estabelecido no final do século XX e por
muitos autores denominado terceira Revolução Industrial, centrada na
microeletrônica (FREEMAN; LOUÇÃ, 2001).
O efeito das TICs sobre as organizações foi intenso nos últimos 30 anos do
século XX. Da mesma forma que a gestão científica de Taylor se desenvolveu no
paradigma técnico-econômico da eletricidade e da linha de montagem, o paradigma
da micro-eletrônica e das TICs trouxe em seu bojo novas prioridades e modelos
de gestão (GABOR, 2001). Hoje, muitos anos após Drucker (1993) reconhecer que
estamos vivendo na chamada 'Sociedade do Conhecimento', o modelo que mais se
relaciona com essas mudanças tem sido denominado 'gestão do conhecimento'.
Esse modelo deve, então, ser analisado como resultado histórico da mudança
tecnológica, à luz da moderna teoria da firma. Pavitt (2001) argumenta que,
como resultado da importância crecente do conhecimento para sua
competitividade, as empresas são cada vez menos auto-suficientes, mais
dependentes de fontes externas de conhecimento, e têm mais dificuldade em se
organizarem internamente. A produção de conhecimentos cada vez mais
especializados leva a saltos no desempenho do processo tecnológico, com efeitos
potencialmente danosos para as práticas organizacionais estabelecidas.
Portanto, grandes desafios estão colocados para a moderna administração.
6 A gestão do conhecimento
Ao longo do desenvolvimento do capitalismo, as grandes transformações vividas
na organização das empresas têm colocado desafios para seus administradores. As
empresas crescentemente diversificadas, operando em larga escala de produção e
atendendo a mercados geograficamente diversificados, exigem controles cada vez
maiores. O risco desses controles gerarem burocratização excessiva e falta de
eficiência tem levado estudiosos e gestores a proporem novas formas de
organizar.
A administração científica surgiu no contexto histórico de mudanças no início
do século XX, com destaque para Frederick W. Taylor, e esta escola de
administração ficou associada à priorização de fatores tecnológicos e das
normas em detrimento dos fatores humanos. Como reação, desenvolveu-se a escola
de relações humanas, que enxergou a empresa como sendo, predominantemente, uma
organização social. Ambas as correntes têm preocupações ligadas à melhoria da
eficiência nas organizações, mas lançam sobre elas olhares claramente distintos
(GABOR, 2001).
Desde então, há um movimento pendular entre herdeiros dessas duas correntes, e
"muitas idéias administrativas aparentemente obsoletas ressurgem, evoluindo e
ganhando um lugar permanente na cultura da gestão. A reengenharia é a gestão
científica reformulada para a era da informação" (GABOR, 2001, p. 11).
A escola das relações humanas, no final do século XX, era representada, entre
outros, por W. Edwards Deming e Peter Senge, líderes do movimento em busca da
qualidade e do enfoque da aprendizagem organizacional, desafiando os herdeiros
da gestão científica nucleados em torno da reengenharia (GABOR, 2001): a gestão
de pessoas na organização que aprende é uma resposta aos excessos da gestão
científica associados à reengenharia. Dessa forma, repetindo-se o movimento
pendular, a gestão humanista encontrava-se, no início do século XXI, na
liderança e na busca por novos adeptos.
Observa-se, atualmente, a valorização na organização dos aspectos ligados ao
aprendizado e ao conhecimento. Muitos dos enfoques e idéias propostos não abrem
mão do uso de técnicas estatísticas e das tecnologias de informação e
comunicação (TICs), desde que não se perca de vista o elemento humano. Um
conjunto expressivo de soluções propostas pode ser agrupado sob a denominação
de gestão do conhecimento.
De acordo com Hansen et al. (1999), a gestão do conhecimento desloca o foco da
análise, dos fatores naturais e tangíveis para os ativos intelectuais,
intangíveis em sua grande maioria. Segundo os autores, foi a consolidação do
paradigma da microeletrônica, a partir de 1990, que estabeleceu as práticas
conscientes de gestão do conhecimento, fortemente apoiadas nas tecnologias de
informação e comunicação. Essas tecnologias tornam possível a codificação, o
tratamento, a armazenagem, a recuperação e o compartilhamento da informação de
forma mais fácil e barata do que em qualquer período anterior da história
(HANSEN et al., 1999).
McKinley (2002) chama a atenção para o fato de que, apesar de a gestão do
conhecimento não ter ainda se transformado num modelo comparável em escopo e
profundidade ao taylorismo, ela adquire importância crescente para as empresas.
Sem perder de vista que, como o próprio taylorismo, esses regimes são
historicamente situados, o autor ressalta que muitos dos seus efeitos
permanecem de forma duradoura.
A gestão do conhecimento coloca a questão sobre a possibilidade de se gerir o
conhecimento. Alguns autores consideram que esta prática é perfeitamente
possível e, mais do que isso, é necessária dentro da dinâmica organizacional.
Outros consideram a expressão 'gestão do conhecimento' um oxímoro, isto é, uma
figura de retórica em que se combinam palavras de sentido oposto, que parecem
excluir-se mutuamente, mas que, no contexto, reforçam a expressão, como, por
exemplo, obscura claridade ou música silenciosa, pois não se pode administrar
um ativo que reside nas mentes dos empregados e que é compartilhado,
basicamente, por meio de conversação. O que se pode fazer é gerenciar o
ambiente no qual o conhecimento é criado, descoberto, capturado, compartilhado,
filtrado, validado, transferido, adotado, adaptado e aplicado, para se criar
valor. Porém, estes mesmos autores reconhecem que, embora o conhecimento não
possa ser gerido, a denominação gestão do conhecimento ganhou reconhecimento
público e engloba avanços na gestão de sistemas de informação e de pessoas.
Segundo Anklan (2002, p. 8, tradução nossa), "a gestão do conhecimento é uma
densa rede de temas oriundos de diversas disciplinas". Para ele, os autores que
definiram o campo e introduziram essa denominação foram Laurence Prusak e
Thomas Davenport, junto com Thomas Stewart e Carla O'Dell.
Stewart (1998) se refere à gestão do conhecimento como uma das mais importantes
mudanças ocorridas no cenário econômico mundial, decorrente da transição da era
industrial para a do conhecimento, ao final do século XX. Segundo ele, no
processo de geração de valor, a importância da matéria-prima se reduz face ao
aumento da importância do uso da informação e do conhecimento. A informação
passa, então, a ser a base do processo de geração de novos conhecimentos, e
estes exercem a função de mola propulsora do crescimento econômico, sendo
reconhecidos como recurso fundamental.
Na visão de Stewart (1998), a gestão do conhecimento se dá através de sua
mensuração e valorização, considerando-se sua relevância para as organizações.
Sem o gerenciamento estratégico do conhecimento, estas não se mantêm
competitivas.
Uma dificuldade adicional para a compreensão do conteúdo da gestão do
conhecimento está na própria definição do que seria conhecimento. Este está
intrinsecamente associado aos indivíduos; e a criação de novos conhecimentos é
um processo que ocorre em suas mentes. No entanto, o objetivo da gestão do
conhecimento é atuar sobre o conhecimento organizacional, isto é, aquele criado
e compartilhado dinamicamente pela interação social entre os indivíduos da
organização. Este inclui as rotinas existentes, as memórias externas aos
indivíduos (arquivos, manuais, normas, ou seja, o conhecimento codificado) e os
conhecimentos mantidos nas equipes da organização (NELSON; WINTER, 1982).
Conseqüentemente,...
... ver a memória da organização como redutível às memórias de seus
membros individuais é negligenciar, ou subestimar, a ligação entre
essas memórias individuais pelas experiências compartilhadas no
passado, experiências essas que estabeleceram o extremamente
detalhado e específico sistema de comunicações que suporta o
desempenho das rotinas (NELSON, WINTER, 1982, p. 105, tradução
nossa).
Depreende-se daí que os sistemas de informação e comunicação são apenas
parcialmente formais, isto é, baseados em dispositivos, aplicativos e normas
formais, devendo contar também com a comunicação informal para o desempenho das
rotinas.
Embora o conhecimento organizacional esteja em grande parte armazenado na
organização, muitos autores terminam por enfatizar os aspectos ligados ao
conhecimento tácito dos membros da organização, como, por exemplo, Nonaka e
Takeuchi (1998), que afirmam ser esse o tipo de conhecimento mais importante.
Por outro lado, diversos autores (NONAKA; TAKEUCHI, 1998; CHOO, 1998;
DAVENPORT; PRUSAK, 1998; HANSEN et al., 1999) defendem a tese de que a gestão
do conhecimento está ligada, de forma indissociável, à gestão de pessoas, e que
o uso das TICs e das práticas gerenciais é relevante para a criação de um
ambiente adequado ao compartilhamento da informação e do conhecimento.
Um exemplo do que foi mencionado acima pode ser encontrado na seção de gestão
do conhecimento (knowledge management) do portal da 12Manage (12MANAGER, 2006).
Esse portal é amplamente utilizado e facilmente encontrado pelas ferramentas de
busca. Apresenta um resumo dos principais métodos gerenciais (cerca de 400)
classificados em 12 disciplinas gerenciais e um glossário com cerca de 1500
termos da área de administração. Os termos do glossário estão apoiados em
livros e trabalhos de autores da área, e os de gestão do conhecimento estão
baseados no livro de Collison e Parcell (2001).
Alguns trabalhos acadêmicos feitos no Brasil apontam, em linhas gerais, para os
mesmos aspectos discutidos até aqui.
Nehmy (2000) analisa a gestão do conhecimento, destacando sua posição na
história dos modelos organizacionais e da produção, assinalando que o seu
avanço foi decorrente da conjunção de avanços da tecnologia de informação e de
reação aos processos da reengenharia. Segundo ela, a gestão do conhecimento, ao
enfocar os aspectos humanos, pretende, de fato, gerenciar "aquilo que não foi
apropriado pela tecnologia ou não foi codificado, mantendo-se submerso no
processo de trabalho [...]" (NEHMY, 2000, p. 84).
A autora associa a gestão do conhecimento à tentativa de incorporar todo o
conhecimento tácito ao patrimônio da empresa. Dessa forma, trata-se de uma
técnica que visa se apropriar do conhecimento dos trabalhadores. Nehmy (2000)
conclui que a gestão do conhecimento se compõe de um conjunto de processos
apoiados nas TICs, que, embora permitam e incentivem a criação de novos
conhecimentos entre os membros da organização, têm como objetivo final a
incorporação de todo o conhecimento ao patrimônio da empresa, ou seja, a
desqualificação do seu próprio conjunto de trabalhadores, mesmo aqueles ligados
à criação de conhecimentos.
Para Cianconi (2003), a gestão do conhecimento seria um conjunto de ações
sistemáticas utilizadas para facilitar o compartilhamento do conhecimento por
meio de políticas, metodologias e tecnologias adequadas. A autora chama,
também, a atenção para o fato de que o termo gestão do conhecimento, embora
seja amplamente empregado, é inadequado, e deve ser encarado como uma metáfora,
"uma vez que o conhecimento é inerente ao ser humano e não se transfere
diretamente" (CIANCONI, 2003, p. 16). As técnicas de gestão do conhecimento
servem para estimular o aprendizado, o compartilhamento e o registro do
conhecimento; e "uma vez codificado o conhecimento, este se torna informação em
potencial, passível, esta sim, de ser gerenciada" (CIANCONI, 2003, p. 16). A
gestão do conhecimento seria uma forma de ir além da mera gestão da "informação
formal, registrada, passando ao mundo mais difuso dos ativos intangíveis, aos
canais informais de comunicação e ao chamado capital intelectual" (CIANCONI,
2003, p. 90). Assim, as ações de gestão do conhecimento lidam com os aspectos
humanos das organizações e com o conhecimento tácito dos indivíduos, o que
representa um avanço em relação à gestão da informação.
As ações de GC, para serem efetivas, necessitam de outras condições, como
políticas de motivação, valorização da confiança, papel de liderança das
chefias, dentre outras. Concluindo, a autora constata que a GC é, além de uma
metáfora, um guarda-chuva que abriga inúmeras práticas mais voltadas para a
gestão da informação, da comunicação e das tecnologias de informação, e que "o
discernimento e entendimento das duas entidades (informação e conhecimento) é
fundamental para os resultados positivos dos programas de Gestão do
Conhecimento" (CIANCONI, 2003, p. 252).
A confusão entre práticas de gestão da informação e do conhecimento também foi
destacada por Alvarenga Neto (2002). O autor coloca que uma etapa necessária
para "quaisquer outras iniciativas de Gestão do Conhecimento" (ALVARENGA NETO,
2002, p. 151) passa por uma definição clara desses conceitos.
7 Novas tecnologias, limites da firma e gestão do conhecimento
As tecnologias de informação e comunicação (TICs) afetam os processos de
coordenação e integração da firma (conforme apresentados por Teece (2005), pois
atingem, inclusive, seus limites. Essas tecnologias afetam os custos de
transação e as práticas de externalização do conhecimento, mudando as
configurações das redes internas (de indivíduos e de estruturas, como, por
exemplo, departamentos) e externas (entre organizações) (WILLIAMSON, 1995).
Segundo Bender (2002), os limites da firma vêm sendo, constantemente,
desafiados. As mudanças nos tipos de transação e em seu ambiente são em grande
parte fruto das novas TICs, que permitem aperfeiçoar, por exemplo, a gestão da
subcontratação vertical (vertical outsourcing), isto é, as parcelas da cadeia
de valor à montante (fornecedores de insumos) e à jusante (canais de
distribuição). Empresas que já foram exemplos de verticalização dedicam-se,
agora, à sua atividade principal, e as divisões que forneciam insumos são
transformadas em empresas independentes, funcionando em rede. As modernas
corporações têm procurado se livrar das atividades periféricas, concentrando-se
em suas atividades básicas (core capabilities) (FEIJÓ; VALENTE, 2004).
Citando pesquisas na área, Bender (2002) aponta que as TICs afetam tanto as
transações internas quantos as transações externas às firmas. Segundo essas
pesquisas, inicialmente os impactos foram maiores nas transações internas, com
a introdução de aplicativos de gestão de recursos das empresas (enterprise
resource planning (ERP) software). Porém, em seguida, novas formas e recursos
das TICs (como a Internet e os sistemas de informação interorganizacionais)
levaram a um maior relacionamento interorganizacional e permitiram maiores
ganhos de produtividade nas relações mercantis entre diferentes empresas. Ou
seja, essas tecnologias reduziram, inicialmente, os custos internos de
transação, para, em seguida, reduzir os custos de transação externos.
Essa redução dos custos de transação tem impacto na estrutura das empresas,
pois as TICs permitem uma melhor gestão da escolha entre produzir internamente
ou comprar fora, ou seja, elas diminuem os custos de transação, fixos e
variáveis, referentes à coordenação das atividades econômicas. Em sua
conclusão, baseada em ampla pesquisa empírica, Bender (2002) confirma que as
fronteiras das firmas foram afetadas pela difusão dessas tecnologias,
favorecendo as empresas menores e mais voltadas para o seu negócio principal
(core capabilities), pois as TICs possibilitam o aumento coordenado do número
de parceiros pelo seu amplo potencial de controle de informações e processos.
Como conseqüência, os limites entre firma e mercado passam a levar em conta
modos cooperativos intermediários de relações, favorecendo o florescimento de
redes. As redes são um novo tipo de organização que surge como resposta à
crescente incerteza, ao aumento do risco e do custo de processamento de
informações. As empresas procuram relações mais colaborativas, envolvendo
cooperação e confiança, e as TICs ampliam os limites das redes de empresas
(FEIJÓ; VALENTE, 2004).
Nesse contexto, cada vez mais a GC tem que ser adaptada a um ambiente mais
amplo, que envolva toda a cadeia produtiva e as organizações de apoio ao
negócio. Novamente, uma base teórica construída sobre a Teoria da Firma
certamente facilitará melhor compreensão e preparação dessas transformações.
8 Conclusão
Resumindo as discussões apresentadas, este artigo iniciou-se com a breve
apresentação da teoria da firma, conforme as principais correntes da ciência
econômica. Destacou-se a crítica à visão neoclássica da firma e a incorporação
de elementos mais próximos à realidade, como os conceitos de custos de
transação, que se relacionam, dentre outros aspectos, com os custos associados
à busca e ao processamento da informação, com a racionalidade limitada dos
indivíduos, com a necessidade de trabalho em equipe e com o papel das rotinas e
do conhecimento tácito na constituição das competências das firmas.
Esses aspectos tratados pela teoria econômica afetaram as disciplinas de
administração e a sua forma de entender o ambiente interno das organizações.
Essas mudanças nas disciplinas de administração foram reforçadas pela
incorporação, em grande escala, das modernas TICs aos processos
administrativos. Hoje, fala-se que os negócios e a sociedade em geral estão no
meio de uma revolução tecnológica, que se realiza em torno das TICs e que
transforma o uso das informações nas empresas. Essa transformação afeta as
práticas de gestão, fenômeno semelhante ao que ocorreu no final do Século XIX e
que resultou em mudanças profundas nas práticas gerenciais, gerando aquelas que
hoje são amplamente conhecidas.
As práticas de Gestão do Conhecimento (GC) podem ser, hoje em dia, consideradas
como parte de uma nova ideologia de gestão, ainda que não dominante. Nelas, há
o reconhecimento do papel relevante das TICs nos processos de criação de
conhecimento no interior das empresas, incluindo a geração de inovações, sem
perder de vista a relevância do ser humano e a importância do conhecimento
tácito. No entanto, uma compreensão mais abrangente do comportamento das
firmas, apoiada numa base teórica mais sólida, seria importante para a
compreensão do alcance da GC. Outros autores exprimem a mesma opinião em
relação à Gestão da Inovação, evidenciando a importância da teoria na análise
dessas práticas de gestão.
Da mesma forma que as TICs facilitam as práticas de criação de conhecimento nas
empresas, elas abrem possibilidades de ampliação do espaço de cooperação entre
diferentes organizações. As redes assim criadas afetam os limites da firma,
pois mudam os parâmetros para a decisão entre o que fazer internamente e o que
comprar de fornecedores. Abrem-se, também, novos espaços para a aplicação da
Gestão do Conhecimento.
Como desdobramento, a discussão sobre a essência e a natureza da firma traz a
inovação para o centro dos debates sobre a teoria da firma. Com isso, a
associação entre conhecimento e inovação torna-se mais evidente, aproximando a
reflexão sobre a Gestão do Conhecimento daquela sobre a Gestão da Inovação.